Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
43/04.5TAVLN.G1
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SUB-ROGAÇÃO
DEDUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO DO DEMANDANTE E PARCIALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO DO GABINETE PORTUGUÊS DE CARTA VERDE
Sumário: I- No caso de ocorrência no mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogados nos direitos dos lesados até ao limite dos valores que lhes concederem. O ISSS/CNP tem, por conseguinte, o direito a exigir do responsável pelo pagamento das indemnizações o reembolso das quantias pagas a título de pensão de sobrevivência (e de subsídio por morte).

II- Não são cumuláveis, na esfera patrimonial dos credores da indemnização, a indemnização por perda do rendimento do trabalho e a pensão de sobrevivência devidos aos beneficiários da segurança social.

III- Os valores pagos a título de pensão de sobrevivência devem, em princípio, ser deduzidos no montante indemnizatório devido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
*
No Tribunal Judicial de Valença, no âmbito do Processo Comum Singular nº 43/04.5TAVLN.G1, o arguido S…, com os demais sinais dos autos, por sentença de 8 de Agosto de 2008, foi condenado, pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137º, nº1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo sob a condição de o arguido entregar, no prazo de 6 meses, à Instituição “PRP- Prevenção Rodoviária Portuguesa”, a quantia de € 500, devendo comprovar nos autos esse pagamento.
Em sede de pedido de indemnização civil foi, ainda decidido (transcrição):
a) “Absolver a demandada “Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.” da instância civil.”
b) “julgar procedente, por provado, o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social, I.P./ C.N.P. contra o Gabinete Português de Carta Verde, e consequentemente, condeno-o a pagar ao referido Instituto, a quantia de € 60.467,23, (sessenta mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e vinte e três cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora calculados à taxa legal em vigor para os juros civis, contados desde a citação e até integral e efectivo pagamento.”
c) “julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido contra o Gabinete Português de Carta Verde e, consequentemente, condeno o mesmo a pagar aos demandantes cíveis O…, N… e P…, a quantia global de € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, acrescida de juros, calculados à taxa legal em vigor para os juros civis desde a citação e até integral e efectivo pagamento e improcedente na restante quantia peticionada.”
*
Inconformados com esta decisão, dela recorreram o demandado civil Gabinete Português da Carta Verde e a demandante civil, também assistente, O….
Os recorrentes remataram as respectivas motivações com as seguintes conclusões…


*
6. A questão da dedução do valor correspondente à pensão de sobrevivência.
Finalmente, sustenta o recorrente Gabinete Português da Carta Verde que o montante global de €53.335,65 correspondente às pensões de sobrevivência pagos aos demandantes e que a recorrente foi condenada a pagar ao ISS.IP terá de ser deduzido ao montante indemnizatório a arbitrar, sob pena de um enriquecimento injustificado para os demandantes e, simultaneamente, um empobrecimento para o recorrente, que se vê obrigado a pagar em duplicado o mesmo dano.
Na resposta, a recorrida O… insurge-se contra esta pretensão por tais benefícios consistirem “num legítimo direito daqueles Demandantes proveniente dos descontos efectuados pelo sinistrado para a Segurança Social”.
Não é nova a questão de saber se devem ou não considerar-se para efeitos de fixação das indemnizações as pensões de sobrevivência que os demandantes passaram a receber por causa do acidente que causou a morte que, por seu turno, determinou o pagamento daquelas pensões.
Num primeiro momento, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores mostrou-se dividida.
Segundo uma dada orientação tais pensões não devem ser consideradas por se entender que as mesmas se baseiam nos descontos feitos pela vítima para a Segurança Social (cfr., neste sentido e entre outros, o Ac. do S.T.J. de 30 de Novembro de 1993, Col. de Jur.-Acs. do S.T.J., ano I, tomo 3, pág. 250 e os Acs. da Rel. de Coimbra de 26 de Fevereiro de 1992 e da Rel. de Lisboa de 13 de Fevereiro de 1997, in Col. de Jur. ano XVII, tomo 1, pág. 119 e ano XXII, tomo 1, pág. 123, respectivamente, todos citados pela demandante M…O…).
Segundo outros, porém, - entre os quais sempre nos contámos - as pensões de sobrevivência pagas pela Segurança Social são dedutíveis nas verbas indemnizatórias a arbitrar aos familiares da vítima -cfr. neste sentido e entre outros os Acs. da Rel. de Évora de 21 de Maio de 1998, Actualidade Jurídica n.º 18, pág. 28 e da Rel. do Porto de 21 de Fevereiro de 1996, B.M.J. n.º454, pág. 789.
Assim, de acordo com este último aresto “ as pensões de sobrevivência que o assistente e a filha estão a receber por morte da mulher e da mãe, falecida em acidente de viação, deve ser descontada, sob pena de duplicação, no cálculo da indemnização fundada na contribuição prestada pela vítima, com o seu salário a favor do agregado familiar”.
Esta segundo orientação, cedo se generalizou, passando a ser maioritária.
Como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo sistematicamente a salientar a natureza da pensão da sobrevivência é determinável com base no seu regime legal.
A pensão de sobrevivência é uma prestação social pecuniária que visa compensar determinados familiares do falecido, beneficiário da segurança social, da perda do rendimento do trabalho determinada pela morte - art. 3° do Dec-Lei 329/90, de 18 de Outubro.
Por isso, a sua finalidade coincide, verificados os respectivos pressupostos, com a da obrigação de indemnização pelo dano de lucro cessante.
Na sua estrutura, a pensão de sobrevivência traduz-se numa prestação pecuniárias social, ou seja, sem o carácter indemnizatório das prestações relativas à perda de rendimento do trabalho do beneficiário da segurança social.
Confrontando a pensão de sobrevivência com a prestação devida por terceiro em razão da perda de rendimento do trabalho, pode concluir-se que a primeira assume a natureza da medida de carácter social e a última natureza indemnizatória, no quadro da responsabilidade civil.
Não são cumuláveis o valor da pensão de sobrevivência, por um lado, e o valor indemnizatório devido pelo recorrente Gabinete Português de Carta Verde, no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito, por ela assumida, em razão da perda do rendimento do trabalho, por outro
A lei vigente ao tempo da morte do estabelece que, no caso de concorrência no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe conceder (artigo 71º da Lei 32/02, de 30 de Dezembro).
A sub-rogação legal do ISSS/ CNP abrange a pensão de sobrevivência.
No desenvolvimento do referido regime de sub-rogação legal, o legislador estabeleceu mecanismos tendentes a facilitar às instituições de segurança social o reembolso do valor por elas despendido a título de prestações sociais, na medida do efectivamente pago, sem distinção de natureza, à custa dos responsáveis pelo pagamento de indemnizações derivadas de factos que originaram o evento delas determinante - arts 1 ° e 2°, do Dec.-Lei n.º 59/89 de 22 de Fevereiro.
E porque de sub-rogação se quis tratar, não se conferiu qualquer direito ao lesante para do lesado vir a receber essas importâncias, fora do condicionalismo legal.
No caso em apreço está verificado o condicionalismo da sub-rogação legal do ISSS/CNP quanto às pensões de sobrevivência já pagas sendo certo que essa sub-rogação não abrange as prestações de sobrevivência futuras (Assento do S.T.J. de 9-11-77, BMJ n.º 271, pág. ­100).
O ISSS/CNP exercitou, neste processo, esse seu direito de sub-rogação e de reembolso,
Dai que haja que deduzir na indemnização devida pelo recorrente as quantias pagas a título de pensão de sobrevivência.
Neste sentido, da dedução das quantias pagas a título de pensão de sobrevivência, podem mencionar-se os seguintes arestos do STJ :
- 1-06-1995, Col. de Jur. Ano III, tomo 2, pág. 222
- 4-04-2000, BMJ, n.º 496, pág. 206
- 3-07-2002, Col. de Jur-Acs do STJ, ano X, tomo 2, pág. 237
- 23-10-2003, proc.º n.º 03B3071, rel. Cons.º Salvador da Costa, www.dgsi.pt e Col. de Jur.- Acs. S.T.J., ano XI, tomo 3, pág. 111;
- 8-6-2006, revista n.º 1464/06-1ª, rel. Cons.º Sebastião Povoas;
- 2-10-2007, proc.º 07ª2763, rel. Cons.º Azevedo Ramos, www.dgsi.pt;
- 10-01-2008, revista n.º4486/07-2ª, rel. Cons.º Oliveira Rocha;
- 16-9-2008, revista n.º2117/08- 1ª, rel. Cons.º Paulo Sá:
- 11-2-2009, proc.º n.º 08P3980, rel. Cons.º Santos Cabral, www.dgsi.pt;
- 17-2-2009, proc.º n.º08ª2124, rel. Cons.º Hélder Roque, www.dgsi.pt.
A este respeito, não se resiste a transcrever um excerto da valiosa obra do distinto advogado Dr. Eurico Heitor Consciência onde, de forma desabrida mas corajosa, se assinala que:
“Há-de convir-se que esta posição é a única que permite alguma compatibilização com a orientação jurisprudencial que condena as seguradoras a reembolsar o Centro Nacional de Pensões dos subsídios e das pensões de sobrevivência que pagou aos familiares do falecido. A outra gera absurdos gritantes. Não se deduzem as pensões porque se fundam nos descontos feitos para a Segurança Social – que cumprem o dever de prestar as contra-partidas desses descontos- pelo que seria injusto privar os familiares do falecido dessas justas e devidas contra-partidas, mas depois condenam-se as seguradoras a pagar ao Centro N. de Pensões o que o mesmo despendeu no cumprimento desse dever de prestar aos familiares do falecido as contra-partidas das prestações que recebera do falecido!”
“A bota não dá com a perdigota...”
Fique por conta do temor que todos temos da falência da segurança Social, por causa das nossas reformas...” (Sobre Acidentes de Viação e Seguro Automóvel, Coimbra, 2000, pág. 117, itálicos no original).
Assim, por forma a evitar uma duplicação de verbas com o consequente enriquecimento dos demandantes e sendo certo que o Gabinete Português da Carta Verde é responsável pelo pagamento de tais quantias, como bem se decidiu na sentença recorrida, haverá que deduzir àquela importância de €100.000 a mencionada quantia de €53.335,63 apurando-se, deste modo, um total de € 46.664,37.
Nesta parte procede o recurso do Gabinete Português de Carta Verde.
Por tal questão não ter sido suscitada neste recurso, nem ser de conhecimento oficioso, desde já se esclarece que não pode esta Relação deduzir ao montante indemnizatório a quantia recebida pelos demandantes a título de subsídio por morte.
*
*
III- Decisão.
Em face do exposto acordam os juízes desta Relação em:
a) julgar improcedente o recurso da demandante O…;
b) julgar parcialmente procedente o recurso do Gabinete Português da Carta Verde e, em consequência, alterar a sentença recorrida, reduzindo a indemnização por danos futuros nos termos sobreditos.
No mais, mantém-se a aliás douta sentença recorrida.
*
Custas cíveis:
- na 1ª instância : pelas partes civis, na proporção do respectivo decaimento;
- nesta Relação:
· recurso da demandante O…: pela demandante.
· Recurso do Gabinete Português da Carta Verde: pelas partes civis, na proporção do respectivo decaimento;
*
Guimarães, 11 de Maio de 2009