Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
913/04-1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: TESTEMUNHA
APRESENTAÇÃO
ADIAMENTO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/22/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1 – Com as alterações introduzidas pela reforma do CPC. de 1995/96, e decreto-lei 183/2000 de 10/08, aos artigos 631, 630 e 629 n.º 2 e 3 do mesmo diploma, podem, actualmente, ser substituídas as testemunhas faltosas à inquirição que foram notificadas pelo tribunal, como as que as partes se obrigaram a apresentar.
2 – E, dentro do espírito reformista do legislador, se enquadra também a possibilidade de serem ouvidas noutra data, as testemunhas faltosas a uma diligência, que as partes se obrigaram a apresentar.
3 – Perante a falta de testemunhas a apresentar, por impossibilidade temporária de comparência, iniciada a diligência com as presentes, o juiz, para marcar nova data, com vista a serem ouvidas, terá de ponderar a situação de molde a certificar-se se a inquirição é indispensável a formar a sua convicção.
4 – No caso afirmativo, dentro dum prazo razoável, nunca superior a 30 dias, marcará nova data para continuar a diligência.
5 – No caso negativo, consigna na acta que não é necessária a sua inquirição para a descoberta da verdade.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães



No presente processo de inventário para separação dos bens comuns do casal constituído por "A" e "B" e entretanto dissolvido por divórcio, em que o primeiro é cabeça de casal, na fase da inquirição de testemunhas, o "A" requereu ao abrigo do disposto no artigo 629º n.º 2 e 3 al. b) e 630º do CPC, que fosse marcada data para audição de duas testemunhas faltosas, que eram a apresentar, que se encontravam no estrangeiro, não podendo estar presentes, por motivos de trabalho, mas que a audição é indispensável à descoberta da verdade.

O julgador proferiu o seguinte despacho: “ Conforme flui do articulado de resposta o cabeça de casal comprometeu-se a apresentar as testemunhas, cuja inquirição quer ver agora adiada. Assim sendo, na falência do acordo expresso a que alude o artigo 630º do CPC., indefere-se o requerido adiamento da inquirição”.

Inconformado com o decidido, o "A" interpôs o respectivo recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões:

1ª) No dia designado para a sua inquirição, as duas testemunhas arroladas pelo aqui recorrente, por mera impossibilidade temporária, não compareceram no respectivo Tribunal Judicial.

2ª) Por esse motivo, a mandatária do Agravante, requereu, nos termos do disposto no art.º 629 n.º 2 e 3, alínea b) do Código de Processo Civil, que as testemunhas faltosas fossem inquiridas em nova data a designar para o efeito, uma vez que a sua audição era imprescindível para a descoberta da verdade material, com oposição por parte do Ilustre Mandatário da Agravada.

3ª) Pela Mma. Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho, de que se agrava:
“Conforme flui do articulado de resposta, o cabeça de casal comprometeu-se a apresentar as testemunhas, cuja inquirição quer ver agora adiada. Assim sendo, do acordo expresso a que alude o art. 630º do Código de Processo Civil, indefere-se o requerido adiamento da inquirição.”

4ª) Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, o art.º 630 do Código de Processo Civil não tem aplicação na situação aqui em causa, mas apenas nos casos em que se pretende o adiamento total da inquirição, o que não é o caso dos presentes autos.

5ª) As consequências do não comparecimento da testemunha estão previstas no art.º 629º do Código de Processo Civil, como resulta da própria epígrafe do artigo; ou seja, a Mma. Juiz decidiu erradamente quando indeferiu o adiamento da inquirição das testemunhas faltosas com fundamento na oposição do Ilustre Mandatário da Agravada e no disposto no art.º 630º do Código de Processo Civil.
6ª) Como ensina José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, Coimbra Editora, em anotação ao referido artigo, “o art.º 629º, n.º 2 impede, em princípio o adiamento das restantes diligências de prova marcadas para a mesma data, por falta de uma testemunha, o art.º 629º, n.º 3 permite, em certos casos, o exclusivo adiamento da inquirição da testemunha faltosa, a requerimento da parte que a ofereceu, e o art.º 630º permite, nos mesmos casos, o adiamento de todas as diligências, havendo acordo das partes.”

7ª) Ora, conforme supra se referiu, o que foi requerido pela mandatária do
Agravante, não foi o adiamento total da inquirição — esse sim condicionado ao acordo das partes (art.º 630º) — aliás impossível pois a inquirição já se havia iniciado, mas apenas que as duas testemunhas arroladas pelo Agravante (que não puderam comparecer no dia e hora designados), fossem inquiridas noutra data, não sendo, para tal, necessário o acordo da parte contrária.

8ª) O art.º629º do Código de Processo Civil, dispõe no seu n.º 2 que “a falta de alguma testemunha não é motivo de adiamento, sendo as testemunhas presentes ouvidas... “, mais referindo a alínea b) do n.º 3 que “se a impossibilidade for meramente temporária, a parte pode substituí-la ou, se não for possível depor ao abrigo do disposto nos art.ºs 639º e 639º - B e o tribunal reconhecer que existe grave inconveniente para a descoberta da verdade da sua não audição, a inquirição é adiada, marcando-se de imediato a continuação num prazo que se afigurar razoável, nunca excedente a 30 dias .“.

9ª) Ora, a Mma Juiz a quo, só poderia indeferir o requerido adiamento da inquirição das testemunhas faltosas com o fundamento de que a respectiva audição não era imprescindível para a descoberta da verdade material — o que não fez.

10ª) Acresce que, aquelas testemunhas, para além de serem imprescindíveis para a descoberta da verdade, foram as únicas arroladas pelo aqui Recorrente, por terem conhecimento directo dos factos por si alegados,

11ª’) Assim, a falta da sua audição põe ainda em causa o princípio do contraditório, consagrado no art.3º do Código de Processo Civil.

12ª) Pelo que, o douto despacho recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos art.ºs 629º, n.ºs 2 e 3, 630º e 3º do Código de Processo Civil.

Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências suprirão, se deverá dar provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido e, em consequência, seja ordenada a designação de nova data para a inquirição das testemunhas Graça M... e António de F..., mais se anulando todos os termos subsequentes do douto despacho recorrido e que dele dependam absolutamente, como o sejam a douta decisão de fls. 338 a 342 dos autos.

Não houve contra alegações.

O juiz sustentou o despacho.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Ao abrigo do disposto no artigo 713 n.º 6 do CPC. damos como assente a matéria constante dos autos.

Das conclusões, ressalta a seguinte questão:

É de deferir a audição de duas testemunhas faltosas, a apresentar, a uma audiência de inquirição, em data a marcar pelo tribunal, nos termos do artigo 629 n.º 2 e 3º al. b) do CPC, depois de terem sido ouvidas as que se encontravam presentes na diligência.

A questão suscitada incide sobre a aplicação, ao caso, do artigo 629 n.º 2 e 3 al. b) conjugado com o artigo 630 do CPC. Estes normativos foram alterados pelo decreto-lei 183/2000 de 10 de Agosto. Com esta alteração, visou-se disciplinar os adiamentos das audiências por falta de testemunhas. Daí que, agora, o princípio dominante é iniciar a audiência, ouvindo-se as pessoas presentes, e continuar a diligência, noutra data, para serem ouvidas as testemunhas faltosas, como resulta da nova redacção do nº.2 e 3 do artigo 629 do CPC.

O artigo 630 do mesmo diploma, com a nova redacção, eliminou do seu contexto as testemunhas que a parte se tinha obrigado ou estivesse obrigada a apresentar. O que quer dizer que passou a abranger qualquer testemunha indicada no processo com vista à sua inquirição.

O primeiro normativo aqui em discussão refere-se, na sua epígrafe às “ consequências do não comparecimento da testemunha”. A ausência da ou das testemunhas indicadas pelas partes, gera o direito de serem substituídas ou ser marcada uma nova data para a sua inquirição, dentro dum prazo de trinta dias, se se verificarem os pressupostos aludidos no artigo 629 n.º 2 e 3º do CPC. E isto aplica-se tanto às testemunhas a apresentar como às notificadas ou a notificar pelo tribunal.

Na verdade, com as alterações introduzidas pela reforma processual civil de 1995/96, os artigo 630 e 631 do CPC., com grande destaque para o artigo 631, obtiveram uma redacção, em que foi eliminada pura e simplesmente a impossibilidade de substituição de testemunhas que a parte devesse apresentar. O artigo 630 apenas foi adaptado à nova forma de documentação da prova – a gravação magnética dos depoimentos.
Assim, actualmente, podem ser substituídas as testemunhas faltosas à inquirição que foram notificadas pelo tribunal, como as que as partes se obrigaram a apresentar. E, dentro do espírito reformista do legislador, se enquadra também a possibilidade de serem ouvidas noutra data, as testemunhas faltosas a uma diligência, que as partes se obrigaram a apresentar. É o que resulta da nova redacção dada ao artigo 631, 630 e 629 n.º 2 e 3 do CPC.

Apenas ficou em destaque o facto de não ser prescindida a testemunha faltosa. O que quer dizer que neste caso, a parte que indicou a testemunha, quer que o seu depoimento seja concretizado mais tarde, se não exercer o direito de a substituir.

O artigo 630 do CPC., face à sua nova redacção, visa, essencialmente, as situações de adiamento total da diligência, pela primeira vez, quando falte alguma testemunha. Mas, para tal, é necessário o acordo das partes. É uma excepção ao princípio geral consagrado no artigo 629 n.º 2 do CPC.
( Conferir – Lebre de Freitas – CPC. Anotado II VOL. Pag. 555 a 566)

No caso em apreço, estamos perante uma situação em que a diligência iniciou-se com a inquirição das testemunhas presentes, e depois foi requerido que fosse marcada nova data para serem ouvidas as testemunhas faltosas, invocando-se uma impossibilidade temporária de comparência. Perante uma situação destas, o juiz tinha a ponderar a situação, de molde a certificar-se se a inquirição era indispensável a formar a sua convicção ou não. No caso afirmativo, dentro dum prazo razoável, nunca superior a 30 dias, marcava nova data para continuar a diligência.

Em caso negativo, consignava na acta que não era necessária a sua inquirição para a descoberta da verdade, e indeferia o requerido. O certo é que o não fez, como o impunha o artigo 629 n.º 2 e 3 al. b) do CPC.

O argumento aduzido, de falta de acordo da parte contrária não se aplica ao caso sub judice, porque não estamos perante um adiamento total da diligência, mas apenas parcial.

Assim, terá de ser revogado o despacho impugnado e substituído por outro que continue com a diligência, anulando-se todos os actos posteriores ao despacho em crise.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em conceder provimento ao recurso, e, consequentemente, revogam o despacho recorrido e ordenam que seja proferido despacho a continuar a diligência de inquirição das duas testemunhas, marcando-se data para o efeito, dentro dos parâmetros legais, ficando sem efeito todos os actos posteriores ao despacho revogado.

Sem custas – artigo 2º n.º 1 al. g) do C. Custas judiciais