Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
401/11.9TBMNC.G1
Relator: EUGÉNIA MARIA DE MOURA MARINHO DA CUNHA
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE NA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ARRENDAMENTO RURAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito;

2- Passando a possibilidade de alteração da matéria de facto a ser função normal do Tribunal da Relação (verdadeiro Tribunal de substituição), com vista a, com mais um grau de jurisdição, poderem ser supridos erros de julgamento e, assim, melhor alcançado os fins a que o Estado se propõe – maior certeza e segurança jurídicas, com decisões mais justas que levam a maior equidade e paz social -, o legislador sentiu a necessidade de impor ao recorrente o cumprimento de rigorosas regras (v. art. 640º, do CPC) para evitar autenticas repetições de julgamentos, por vão inconformismo, pois que apenas quis consagrar a possibilidade de revisão quanto a concretas questões de facto relativamente às quais haja entendimento fundamentado do recorrente existir erro de julgamento;

3- Relativamente aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a al. a), do nº2, do art. 640º, do CPC, tem de ser interpretada de forma funcionalmente adequada tendo em vista os objetivos prosseguidos com a imposição do ónus nele estatuído e por referência ao princípio da proporcionalidade.

4- Não cumpre o ónus estabelecido naquela norma o recorrente que se limita a indicar no corpo das alegações o nome de depoentes, com mera indicação do início e termo dos respetivos depoimentos e nas conclusões nada refere;

5- A falta de indicação por parte do apelante das passagens da gravação em que funda o recurso têm, como consequência, a imediata rejeição do mesmo, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão;

6- Designa-se arrendamento rural a locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização, presumindo-se rural o arrendamento que recaia sobre prédios rústicos quando do contrato e respetivas circunstâncias não resulte destino diferente (art. 1º, nº1 e 2, da Lei do Arrendamento Rural, aprovada pelo Decreto-Lei nº 385/88, de 25/10, aplicável in casu por força da al. a), do nº2, do art. 39º, do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13/10, ao contrato de arrendamento, existente à data da sua entrada em vigor pois que o novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso);

7- Pressupondo o arrendamento rural uma regular utilização, o arrendatário que deixou de agricultar o terreno rústico integrado no arrendado, de tratar do solo, da vinha e das árvores de fruto, deixando que, ao longo de anos, se enchesse de vegetação infestante e que as videiras e árvores de fruto ficassem destruídas, não velando o arrendatário pela boa conservação dos bens, dá causa à resolução do contrato consagrada na al. d), do artigo 21º, do referido diploma (artigo que fixa taxativamente as causas de resolução do contrato de arrendamento rural pelo senhorio), por deteriorações consideráveis.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

L. A., por si e na qualidade de cabeça de cabeça de casal da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. A., e J. A., por si e na qualidade de herdeiro da referida herança, propuseram a presente ação declarativa, com forma de processo sumária, contra C. A., pedindo que:

- se decrete a resolução do contrato de arrendamento rural, em vigor, celebrado entre a falecida M. A. e o réu, sendo este condenado a despejar os prédios arrendados e a entrega-los à referida herança, desocupados de pessoas e bens e em perfeitas condições de conservação;
- se condene o Réu a pagar à referida herança uma quantia não inferior a € 39.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, a título de danos patrimoniais causados;
- se condene o Réu a pagar à mencionada Herança o valor correspondente às duas câmaras frigoríficas que destruiu, quantia a liquidar em execução de sentença.
Alegam, para tanto e resumidamente, que M. A. celebrou com o réu um contrato de arrendamento rural respeitante aos prédios que identificam, com início em 16/02/1990 e terminus em finais de 2015 e que o réu deixou de cultivar os terrenos, estando os mesmos ao abandono, tendo mudado a sua residência para Lisboa, o que motivou que perecessem videiras e árvores de fruto, estando os terrenos e a casa em estado de abandono e as câmaras frigoríficas destruídas.
Citado o réu, o mesmo apresentou-se a contestar, defendendo-se por exceção, ao invocar a ilegitimidade ativa, uma vez que o próprio também é herdeiro, e por impugnação, designadamente por o mencionado contrato já não estar em vigor, tendo sido celebrado um outro em 1993, com validade até finais de 2018. Alega, ainda, que, desde 1998, deixou de produzir uva, com o acordo da senhoria, sua mãe, o que também era do conhecimento dos autores.
Nessa sequência, os autores vieram requerer a ampliação do pedido, solicitando a resolução do contrato vigente, celebrado em 1993.
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A ampliação do pedido foi admitida e foi proferido despacho saneador, onde, após ter sido julgada improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, foram fixados o objeto do processo e os temas da prova.
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Realizou-se audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência a:

I – Decretar a resolução do contrato de arrendamento presentemente em vigor, celebrado entre M. A. e o réu, devendo este proceder à entrega imediata dos prédios arrendados, identificados em 1) e em 5), desocupados de pessoas e bens;
II – Condenar o réu na pagar à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por Óbito de M. A. uma indemnização, a título de danos patrimoniais pelos prejuízos mencionados em 22, 23 e 24 dos factos provados, em montante a liquidar posteriormente;
III – Absolver o réu do demais peticionado;
IV – Julgar improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé e a absolvê-los do mesmo.
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O Réu apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, a de direito pretendendo a sua substituição por outra que, dando por não provada nem procedente a ação, o absolva dos pedidos formulados pelos Autores.
Formulou o recorrente, as seguintes

CONCLUSÕES:

A. Visa o presente Recurso a alteração da matéria de facto provada e a apreciação da sentença no que à apreciação da prova e à aplicação do direito concerne, Mais visa a verificação de nulidades da sentença.
B. A questão fundamental em discussão nos autos é a de saber se o contrato de arrendamento outorgado entre a mãe de Réu e Autores foi ou não cumprido no que respeita à obrigação do locatário em velar pela boa conservação dos bens.
C. Dão-se por integralmente reproduzidos os factos provados e não provados que por economia processual se não reproduzem.
D. Em face dos depoimentos que agora se juntam, em face do Relatório dos peritos e do Relatório complementar, em face da Inspecção Judicial ao local, mas sobretudo em face do depoimento das testemunhas deve alterar-se a matéria de facto por forma a que:

1. Os solos dos prédios mantêm a sua capacidade produtiva- ponto 11;
2. O Réu mantém o cultivo das terras de cultivo - ponto 13, e em verdade reconverteu os cultivos, foi o Réu quem plantou a vinha e após reconverteu o cultivo da vinha em plantação de carvalhos americanos - ponto 14;
3. O Réu cultivou a vinha e tratou-a convenientemente, tendo em face da não rentabilidade reconvertido o cultivo da vinha - ponto 18;
4. O Réu habita a casa de morada, fez-lhe obras, zela pela habitação, limpa-a.
A casa está em perfeitas condições de habitabilidade - ponto 19.
5. Os terrenos da quinta, objecto do arrendamento mantêm a sua capacidade produtiva - ponto 21.
6. O Réu cultivou, cultiva, altera as culturas, substitui as explorações, faz o que produz qualquer lavrador - usa a terra como melhor lhe apraz.

E. No caso vertente os imóveis constantes do contrato de arrendamento são:

- 12 prédios dos quais 11 prédios são rústicos e um prédio urbano - casa de morada destinada à habitação do rendeiro; - dos 11 prédios rústicos 6 prédios são prédios de mato, pinheiral e eucaliptal; 3 prédios são terrenos de cultura indiferenciada e 2 são prédios de mato, pinhal e vinha alvarinho. Cfr. ponto 5 da matéria de facto provada.
- Estamos assim perante um contrato de arrendamento misto, rural e florestal, sendo certo que no que concerne à larga maioria dos prédios o contrato diz respeito à exploração florestal e deverá regular-se pelo disposto no Decreto Lei nº 394/88 de 8 de Novembro.
- Em verdade, também, só dois prédios - os descritos em 5.0 ai. a) e ai. b) eram aptos à cultura da vinha.
F. Que o objecto do contrato de arrendamento é a exploração dos prédios descritos no contrato, mas não obrigando o arrendatário a um certo e determinado tipo de cultura ou aproveitamento agrícola. O Réu deixou de cultivar vinho e passou a cultivar e plantar carvalhos americanos, espécie muito rentável, não viola o contrato e faz um prudente uso dos prédios objecto do contrato, na sua maioria destinados a pinheiros e eucaliptos.
G. Em resumo, o Réu aproveitou e tem vindo a aproveitar os terrenos por meio do contrato de arrendamento:

1. Habitando a casa de morada e fazendo obras nela;
2. Aproveitando com pinhais e eucaliptais os prédios de mato e floresta;
3. Reconvertendo a vinha para outras culturas nomeadamente para plantio de carvalhos.
4. Aliás não é de estranhar esta reconversão de culturas:
5. A vinha já tinha mais de 20 anos, não era vinha intensiva, ocupava pouca área pelo que não era rentável, e
6. As árvores de fruto em terras como esta não são nem nunca foram rentáveis pelo que a câmara frigorifica, que já estava parada antes do contrato de arrendamento se revelou inútil por não haver árvores de fruto.
H. Faz a sentença uma errada interpretação da lei nomeadamente em face dos factos provados, viola o disposto no artigo 21º, do DL 385/88 de 25 de Outubro, pelo que deve ser substituída por sentença que dando por não provada nem procedente a acção, absolva o Réu dos pedidos formulados com as legais consequências.
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foi, no despacho proferido a fls 257, considerado inexistir a apontada nulidade porquanto os factos dados como provados não se encontram em contradição entre si ou com os não provados, sendo que o que o recorrente evidencia é a sua discordância com o sentido da decisão, o que constitui fundamento do recurso em si.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1ª - Da nulidade da sentença;
2ª - Determinar se é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo referido Tribunal;
3ª – Da falta de verificação de fundamento de resolução do contrato de arrendamento rural celebrado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

III . A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos que, na decisão recorrida, foram considerados provados, com relevância para a decisão:

1. Em 16 de fevereiro de 1990, foi celebrado um acordo escrito designado de “Contrato de Arrendamento Rural”, através do qual M. A., à data viúva, residente na Rua ..., Lisboa, entregou ao réu C. A., para exploração agrícola, mediante contrapartida económica, os prédios rústicos sitos na freguesia de …, concelho de Monção, então inscritos na respetiva matriz sob os artigos 51.., 51.., 52.., 52.., 50.., 51.., 51.., 23.., 51.., 26.., 52.., 52.., 71.., 63., 62., 52.., 69.., 69.., 69.., 50.., 51.., 51.., 51.., 51.., 51.., 51.., 51..., 51.., 51.., 51.., 52.., 52.., 52… e o prédio urbano composto por casa de habitação inscrito na matriz sob o artigo 624, conforme teor de fls. 15/19 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido;
2. A primeira outorgante faleceu em 3 de janeiro de 2011, tendo deixado a suceder-lhe, como seus únicos e universais herdeiros, os dois autores e o réu, em conformidade com a escritura de habilitação de herdeiros de fls. 22/24 dos autos;
3. A herança permanece ilíquida e indivisa;
4. Conforme escritura de habilitação de herdeiros, o cargo de cabeça de casal cabe ao autor L. A.;
5. Aquando da última avaliação fiscal do património rústico, levada a cabo em Monção no decorrido ano de 1991, os prédios rústicos mencionados no ponto 1 supra foram inscritos em apenas 11 novos artigos rústicos, a saber:
a. Prédio rústico composto por terreno de cultura, mato e vinha (alvarinho), sito no lugar de .., freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 13340 m2, a confrontar do Norte com A. B., Sul F. A., Nascente Caminho e Poente Estrada Nacional, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
b. Prédio rústico composto por terreno de vinha (…), pinhal e mato, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 20020 m2, a confrontar do Norte com Manuel (Guarda), Sul M. B. e outro, Nascente Estrada e Poente Caminho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
c. Prédio rústico composto por terreno de cultura e vinha, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 2640 m2, a confrontar do Norte com NN, Sul BB, Nascente Rio Gadanha e Poente Rio, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….
d. Prédio rústico composto por terreno de cultura, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 1350 m2, a confrontar do Norte com Caminho, Sul Caminho, Nascente Caminho e Poente PP e outro, inscrito na respetiva matriz sob o artigo….
e. Prédio rústico composto por terreno de cultura, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 1910 m2, a confrontar do Norte com S. M., Sul J. V., Nascente Caminho e Poente Rio Gadanha, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
f. Prédio rústico composto por terreno de mato e 12 amieiros, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 1850 m2, a confrontar do Norte com A. S, Sul Rio Gadanha, Nascente José e Poente Rio Gadanha, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
g. Prédio rústico composto por terreno de pinhal, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 2470 m2, a confrontar do Norte com F. C., Sul S. C. e outro, Nascente I. P. e Poente Caminho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
h. Prédio rústico composto por terreno de pinhal e eucaliptal, sito no lugar de …, freguesia de .., concelho de Monção, com a área de 1090 m2, a confrontar do Norte com L. A., Sul A. R., Nascente A. F. e Poente O. P., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
i. Prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 8990 m2, a confrontar do Norte com I. D., Sul HH, Nascente Caminho e Poente R. D., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
j. Prédio rústico composto por terreno de pinhal, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 1050 m2, a confrontar do Norte com AV, Sul HH, Nascente M. C. e Poente Caminho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
k. Prédio rústico composto por terreno de pinhal, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, com a área de 1400 m2, a confrontar do Norte com Estrada, Sul AC, Nascente Estrada e Poente Caminho e outro, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
6. No que respeita ao prédio urbano, o mesmo foi destinado a habitação do segundo outorgante, conforme mencionado nas cláusulas 5ª e 6ª do acordo supra mencionado, correspondendo a casa de morada com dois pavimentos, sita no lugar de Estrada, freguesia de …, concelho de Monção, a confrontar do Norte com Caminho, Sul Proprietário, Nascente Herdeiros de ARS e Poente Estrada Nacional, inscrita na respectiva matriz sob o artigo …;
7. O acordo celebrado compreendeu, ainda, uma câmara frigorífica para acondicionamento e conservação de fruta e outros produtos agrícolas, conforme se infere da cláusula 3ª;
8. O acordo foi celebrado pelo prazo de 25 anos, com início em 16 de fevereiro e término em finais de 2015, mediante o pagamento da renda anual de Esc. 60 000$00;
9. Por acordo reduzido a escrito, outorgado em 30/04/1993, designado de “Contrato de Arrendamento Rural”, M. A., à data viúva, residente na Rua ..., Lisboa, entregou ao réu C. A., para exploração agrícola, mediante contrapartida económica, os prédios nele identificados, conforme fls. 54 a 57 dos autos cujo teor se dá por reproduzido;
10. Parte não concretamente apurada dos terrenos de cultivo identificados no ponto 5) compreendia vinhas com capacidade produtiva, aquando da celebração do acordo mencionado em 1);
11. Os solos de tais prédios eram aptos para o cultivo de produtos agrícolas tais como milho, batatas e feijão;
12. Parte não concretamente apurada dos terrenos de cultivo identificados no ponto 5) compreendia árvores de fruto, aquando da celebração do acordo mencionado em 1);
13. O réu, há mais de 8 anos à data da petição inicial, que deixou de cultivar os terrenos de cultivo;
14. Não mais podou, atou, sulfatou e vindimou os bardos de vinha existentes, tendo deixado de amanhar o solo, o que potenciou a proliferação de ervas daninhas, silvas, e arbustos de pequeno porte que foram surgindo e crescendo no meio das vinhas;
15. As videiras pereceram na sua totalidade, tendo em sua substituição surgido matagais que albergam arbustos, silvas e vegetação daninha;
16. Alguns arames, ferros e parte dos postes em granito que integravam as latadas e bardos onde se acoplavam as videiras desapareceram;
17. Pereceram árvores de fruto, em número não concretamente apurado.
18. O réu deixou de residir na casa mencionada em 1) supra;
19. Deixou de zelar pela manutenção da dita casa, deixou de limpar as diversas divisórias que compõem o seu interior, encontrando-se a mesma em estado de abandono;
20. A câmara frigorífica, destinada ao acondicionamento e conservação de fruta e demais produtos agrícolas, encontra-se em estado de abandono;
21. O comportamento do réu no que concerne aos bens objeto do acordo mencionado em 1) originou a transformação de terrenos aptos para o cultivo, em terrenos improdutivos;
22. O valor das videiras que pereceram, custos do amanho do solo para a respetiva plantação, aquisição de fertilizantes, abertura de valas; podas e tratamentos até atingiram a idade e estado de produção ascende a um valor não concretamente apurado;
23. O custo de reconstrução das armações dos bardos e latadas existentes à data da outorga do acordo referido em 1) e que desapareceram, e que suportavam as sobreditas videiras, com recolocação de postes em granito, arames e ferros, ascende um valor não concretamente apurado;
24. O custo do corte e remoção da vegetação daninha que cobre os solos que integram os terrenos de cultivo, bem como o tratamento e fertilização intensiva da terra para a repor apta para o cultivo ascende a um valor não concretamente apurado;
25. Foi o réu quem colocou parte dos postes e arames da vinha;
26. Em data não concretamente apurada, o réu mandou fazer obras no telhado da casa;
27. Após a entrada em juízo da presente ação, o réu procedeu à limpeza de parte dos prédios rústicos referidos em 5), bem como à plantação de carvalhos em terrenos de cultivo.
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FACTOS NÃO PROVADOS

A decisão recorrida considerou que não se provou que:

1. O acordo compreendia diversos utensílios e alfaias para cultivo dos terrenos;
2. Pereceram mais de 10 000 (dez mil) videiras da casta alvarinho;
3. Não é possível aceder ao interior dos prédios dado o elevado porte da vegetação bravia que sobre eles cresceu;
4. O mato existente nos terrenos de monte há mais de 8 anos que não é roçado, tendo crescido desmesuradamente e impedindo o acesso de pessoas e veículos ao interior dos prédios;
5. No que tange aos pinhais, os mesmos foram votados ao completo abandono, existindo diversas árvores secas que urge cortar, bem como outras que já tombaram e que se encontram em decomposição no meio do mato que cobre o solo;
6. Há mais de 8 anos que o réu não corta e limpa o mato que cresce no permeio dos pinhais, impedindo, assim que nasçam e proliferem novas árvores;
7. O réu mudou o seu domicílio para a cidade de Lisboa;
8. Existe mato e vegetação à volta da casa;
9. O mato e vegetação à volta da casa não são cortados há muitos anos, encontrando-se a mesma em avançada degradação;
10. Existe uma outra câmara frigorífica, além da supra mencionada;
11. As câmaras frigoríficas estão destruídas;
12. O valor do descrito em 22, 23 e 24.
13. Entre a primeira outorgante e o réu existia um acordo verbal desde 1998 de que não se produzisse uva;
14. Tal acordo verbal era do conhecimento dos autores;
15. O réu mandou colocar um telhado novo a expensas suas.
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III . B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da nulidade da sentença

Invocando o apelante nulidade da sentença, tal questão é a que primeiro cumpre apreciar, pois que, contendendo com a validade da própria decisão, só se concluirmos pela sua validade se passa à apreciação das demais questões suscitadas, o que de outro modo fica prejudicado.
O Réu apelante entende ser a sentença nula, sem que subsuma tal nulidade a qualquer das causas de nulidade taxativamente consagradas, considerando serem de introduzir alterações nas respostas à matéria de facto.
Cumpre apreciar.
O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os artigos citados sem outra referência, consagra as causas de nulidade da sentença estabelecendo que é nula a sentença é quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no referido nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito (1).
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, efetivamente, a sindicar noutro âmbito.
E, como bem refere o Tribunal a quo, nenhuma concreta nulidade foi arguida sendo que o que o recorrente evidencia é a sua discordância com o sentido da decisão, o que constitui fundamento do recurso em si.
Concluímos, pois, que a sentença não padece da apontada nulidade.
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2. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto

Cabendo, de seguida, apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, cumpre, antes de mais, analisar se o impugnante observou os ónus que lhe são legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados no art. 640º, os quais constituem requisitos habilitadores para que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
Na verdade, no que se reporta à atividade jurisdicional que, quanto a tal, deve ser levada a cabo por este Tribunal de Segunda Instância, o nº1, do art. 640º, consagra que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (negrito nosso):

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O n.º 2, do referido artigo acrescenta que:

a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).
Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (2).
Com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador consagrou o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. O tribunal de segunda instância passou a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.
Comparando o anterior regime com o atual (cfr. o art. 712º, do anterior CPC, com o art. 662º do atual), verificamos que a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era excecional, passou a ser função normal do Tribunal da Relação, elevado a verdadeiro Tribunal de substituição, verificados os referidos requisitos legais. Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça. O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (3).
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente. (4)
Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras. O Tribunal da Relação, sendo de 2ª instância, continua a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (5), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Em suma, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (6).
É entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.
Não obstante o NCPC proceder, como vimos, ao alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º (7).
A indicação “com exatidão das passagens da gravação em que se funda” concretiza-se mencionando o minuto em que cada uma de tais “passagens” tem início. A “transcrição” das “passagens” não constitui uma alternativa à indicação “com exatidão das passagens da gravação” e esta indicação não se pode ter por feita quando somente se menciona a hora de início e do fim de cada depoimento (8)
Como se decidiu no Acórdão desta Secção, em que a ora Relatora foi Adjunta, proferido na apelação nº 3361/12.5TBBCL.G1 a Doutrina consideraimpõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (9).
Os critérios que se acabam de enunciar têm sido seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme evidenciam, a título exemplificativo, os acórdãos proferidos em 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
Note-se que aquela instância superior tem operado uma distinção entre ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de fato, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados com o mérito ou demérito da pretensão, e ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do recurso, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º-A do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2 daquele art. 640º-A, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, a jurisprudência considera que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz de um critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (10).
Sustenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar de a indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (11).
Conforme se lê no acórdão do STJ, cujo excerto se acaba de transcrever e infra identificado, “na interpretação da norma que consagra este ónus de indicação exata a cargo do recorrente que impugna prova gravada, não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao atual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de um interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação – evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjetivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais”.
Acontece que não obstante ser entendimento unânime do STJ no sentido de que aquele ónus de impugnação secundário tem de ser apreciado à luz de um critério da proporcionalidade, sendo de rejeitar a impugnação da matéria de facto quando não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte tenha fundado a sua impugnação, já existe discordância sobre as concretas condições que têm de se encontrar observadas para que à luz do enunciado critério de proporcionalidade se considere estar cumprido minimamente esse critério, de modo a não levar à rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Assim, enquanto no Ac. do STJ. de 09/07/2015, proferido no Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1, se considerou que “tendo o apelante, nas suas conclusões de recurso (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão no qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv), bem como referido qual o resultado probatório que no seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar” (12), outros entendem que o cumprimento daquele ónus por referência ao princípio da proporcionalidade não se basta com a indicação do início e termo dos depoimentos em que se funda o recurso, sequer com a apresentação da transcrição integral desses depoimentos, mas exige a indicação da concreta passagem ou passagens da gravação em que se funda o recurso (início e termo do excerto ou excertos em relação aos depoimentos que o recorrente considere relevantes) ou a transcrição desse excerto ou excertos.
Neste último sentido pronunciou-se o Ac. STJ. de 14/09/2006, Proc. n.º 06B1998, onde se lê que: “Deve ser rejeitado o pedido de alteração da matéria de facto formulado na apelação que se refira unicamente aos depoimentos de determinadas testemunhas, mas omita os concretos pontos gravação das declarações daquelas que impunham uma decisão diversa sobre os trechos da matéria de facto impugnada”.
Também no Ac. do STJ. de 19/01/2016, Proc. n.º 3326/10.4TBLRA.C1.S1, pondera-se que “ a falta de indicação exata e precisa do segmento da gravação em que se fundamenta o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação eletrónica/digital e transcreve os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório.
Ainda no Ac. do STJ. de 19/02/2015, Proc. 405/09.1TMCBR.C1.S1, escreve-se que “… que a apresentação das transcrições globais dos depoimentos não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640º do Cód. Proc. Civil”.
Sem se perder de vista que o ónus enunciado no n.º 2 do art. 640º é meramente processual, destinando-se a facilitar a localização pelo tribunal ad quem, mas também pelo recorrido, dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação, habilitando o último a exercer cabalmente o seu direito de defesa em sede de contra-alegações e a apreender o raciocínio seguido nessa impugnação pelo recorrente por referência a esses concretos elementos probatórios, e que a filosofia subjacente ao atual CPC acentua a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências meramente formais, reclamando que se interprete o art. 640º, n.º 2, al. a) de forma funcionalmente adequada atento o fim a que se destina, o que reclama o recurso ao princípio da proporcionalidade na apreciação do cumprimento daquele ónus, sendo de rejeitar toda e qualquer interpretação do enunciado normativo no sentido de impor o indeferimento do recurso da matéria de facto como decorrência automática do incumprimento do ónus que prescreve, propendemos para este segundo entendimento. É que, de contrário, não só estaríamos a fazer tábua rasa daquele preceito legal, que é expresso no sentido de impor ao recorrente a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ou em alternativa, proceder à transcrição das mesmas, falando, aliás, em “transcrição de enxertos” de depoimento ou depoimentos que o recorrente “considere relevantes”, como se estaria a minorar os princípios da auto-responsabilidade das partes que, em sede de recurso, independentemente do valor da causa, têm de estar sempre representadas por técnico habilitado com os indispensáveis conhecimentos jurídicos – advogado -, além de se estar a restringir, minorando-os, os deveres de cooperação, lealdade e boa-fé processuais a que se encontram adstritas e, inclusivamente, se poder fazer perigar os direitos de defesa do recorrido, que desconheceria quais os concretos e específicos fundamentos probatórios em que o recorrente funda a sua impugnação e o raciocínio por ele seguido a partir desses fundamentos, por forma a poder cabalmente defender-se, em sede de contra-alegações, carreando para os autos outros excertos do depoimento daquela ou de outras testemunhas ou partes que sustentariam, na sua perspetiva, o julgamento feito pelo tribunal a quo.
Resulta do que se vem dizendo, que não pudemos deixar de sufragar a posição jurisprudencial que sustenta que ao cumprimento do ónus enunciado no art. 640º, n.º 2, al. a), não basta ao recorrente que pretende atacar a decisão quanto aos concretos pontos da matéria de facto dados como provados e/ou não provados pelo tribunal a quo indicar o início e o termos dos depoimentos que, na sua perspetiva, impõem solução diversa, sequer a transcrição integral desses depoimentos, mas antes reclama que o recorrente indique a concreta passagem em que se funda o seu recurso, indicando o início e termo do(s) excerto(s) dos depoimentos das partes e/ou testemunhas que impõem essa solução diversa ou proceda à transcrição desse(s) excerto(s)”.
In casu, impõe-se reconhecer que o recorrente deu cumprimento aos ónus, que sobre si impendiam, prescritos no n.º 1 do art. 640º do CPC, não tendo, contudo, cumprido o consagrado na al. a) do n.º 2 daquele artigo, pois que nas conclusões se limitou a referir “sobretudo em face do depoimento de testemunhas” que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa da proferida, sem sequer as mencionar e no corpo das alegações indicou, tão somente, o início e o fim do depoimento de cada testemunha, o que não cumpre, como acima sustentamos, o ónus enunciado no preceito anteriormente referido.
Assim, analisado o corpo das alegações e as respetivas conclusões, entendemos que o Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c), isto é, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida mas não indica as passagens da gravação em que funda o recurso (como imposto pelo nº 2 al. a) do citado normativo).
Na verdade, conclui o recorrente que em face dos depoimentos que agora se juntam, em face do Relatório dos peritos e do Relatório complementar, em face da Inspecção Judicial ao local, mas sobretudo em face do depoimento das testemunhas deve alterar-se a matéria de facto por forma a que:

1. Os solos dos prédios mantêm a sua capacidade produtiva- ponto 11;
2. O Réu mantém o cultivo das terras de cultivo - ponto 13, e em verdade reconverteu os cultivos, foi o Réu quem plantou a vinha e após reconverteu o cultivo da vinha em plantação de carvalhos americanos - ponto 14;
3. O Réu cultivou a vinha e tratou-a convenientemente, tendo em face da não rentabilidade reconvertido o cultivo da vinha - ponto 18;
4. O Réu habita a casa de morada, fez-lhe obras, zela pela habitação, limpa-a.
A casa está em perfeitas condições de habitabilidade - ponto 19.
5. Os terrenos da quinta, objecto do arrendamento mantêm a sua capacidade produtiva - ponto 21.(sublinhados nossos).
6. O Réu cultivou, cultiva, altera as culturas, substitui as explorações, faz o que produz qualquer lavrador - usa a terra como melhor lhe apraz.
E no corpo das alegações, quanto à pretendida “alteração da matéria de facto” o Réu reporta-se aos depoimento das testemunhas, referindo apenas as horas de início e fim dos depoimentos prestados (cfr fls 248, verso e 249, frente) citando partes de frases soltas dos depoimentos.
Ora, como vimos, tal não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta 2ª Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados. A falta de indicação por parte do apelante quer dos elementos probatórios que conduziriam à alteração dos pontos nos termos por ele propugnados, quer da decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida quer, ainda, das passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo), situação que se verifica in casu, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639º, nº3, do CPC.
Na esteira do que acima se deixou dito, perante a omissão pelo recorrente do cumprimento do ónus estatuído no art. 640º, n.º 2, al. a), impõe-se rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pelo mesmo.
Independentemente do que se acaba de concluir, cumpre referir que, ainda, que o Recorrente tivesse cumprido o ónus enunciado no citado art. 640º, n.º 2, al. a) do CPC, sempre se imporia confirmar a sentença recorrida quanto àquela concreta matéria decidida, pois que na fundamentação de facto bem ponderou e decidiu as questões impugnadas como se passa a citar:
A convicção do Tribunal baseou-se na posição das partes assumidas nos articulados em audiência de julgamento (depoimento e declarações de parte), nos documentos juntos aos autos, bem como à prova pericial realizada e esclarecimentos prestados em audiência pelos senhores peritos, prova testemunhal produzida em audiência e inspeção judicial ao local reduzida a auto.
Assim, desde logo atendeu-se ao teor dos dois contratos juntos aos autos, às certidões matriciais e à certidão da escritura de habilitação, documentos não impugnados e aceites por ambas as partes, bem como a identificação dos prédios (com ressalva de alguns lapsos cuja correção se efetuou no confronto com as certidões matriciais) e inclusão da casa e uma câmara frigorífica no contrato (conforme confissão do réu e ainda conforme auto de inspeção ao local quanto à existência de apenas uma câmara frigorífica).
Por outro lado, também resulta desde logo da confissão expressa do réu que parte dos prédios compreendiam vinhas e que este deixou de produzir uvas. Confessou também que à data do contrato os prédios eram aptos a produzir milho, batata e feijão, embora não se fizessem tais culturas (facto que de resto também não foi alegado).
Ressalvou que tinha um acordo verbal com a mãe para que não se produzisse uva e ainda que nunca teve a quinta ao abandono, pois sempre foi limpando na medida do possível e levantou a vinha existente – referindo que parte fora o próprio a colocar – e procedeu à plantação de carvalhos, pinheiros e eucaliptos, o que foi fazendo conforme as suas possibilidades.
Efetivamente, decorre do relatório pericial e do auto de inspeção ao local que parte da quinta (que compreende diversos prédios), nomeadamente, a parte mais junto à casa, tem uma plantação de carvalhos, que se afigura recente, de acordo com o parecer dos peritos (e também pelo tamanho das árvores que é visualizável nas fotografias juntas com o relatório pericial).
Sucede que as duas testemunhas que demonstraram ter maior conhecimento dos factos, situam esta plantação em momento posterior à entrada em juízo desta ação, identificando sem qualquer margem para dúvidas um período dilatado de tempo em que a quinta esteve ao abandono, sem ser cultivada, ser se cuidar das vinhas, sem qualquer utilização rentável.
Também os senhores peritos referiam que, tirando a parte de monte, o resto não tem sinais de ser cultivado.
Veja-se, aliás, que o réu nem sequer afirma que sempre explorou os prédios, limitando-se a referir que sempre foi procedendo à limpeza.
A testemunha BB, que conhece a freguesia por ter sido durante vários anos Presidente da Junta, referiu que a quinta estava ao abandono e que as silvas invadiram as vinhas e ainda que, do que se apercebe, o réu passa 15 dias na casa e 4 ou 5 meses ausente, donde se depreende que o réu ali não reside com caráter de permanência – embora também não se tenha apurado que haja transferido o seu domicílio para Lisboa ou qualquer outro local.
Mostrou-se ainda decisivo o depoimento da testemunha M. S., o qual é ali vizinho há 37 anos e demonstrou conhecer bem as vicissitudes da quinta.
Referiu, assim, que na parte junto à casa existiam, até há 20 anos atrás, macieiras, pereiras e outras árvores de fruto. Há cerca de 20 anos, o réu tirou as árvores de fruto e colocou vinha – nesta parte o depoimento da testemunha escora até a versão do réu de que uma parte da vinha foi colocada por ele próprio – e que a mesma apenas foi cuidada durante cerca de 5 anos. Após esse período, ficou votada ao abandono durante aproximadamente 10 anos (ou seja, englobando a data em que foi proposta a presente ação). Há cerca de 4 a 5 anos a esta parte (momento presente), foi arrancada a vinha e postos carvalhos franceses.
A testemunha esclareceu os factos de modo seguro e descreveu as várias “fases” da quinta, com maior pormenor na parte mais junto à casa, mostrando-se isenta e descomprometida, tanto mais que até veio confirmar uma parte da versão do réu, no sentido de que foi este quem colocou uma parte da vinha.
Referiu que o pomar ocupava a parte junto à estrada e que a parte junto à câmara frigorífica já tinha vinha, mas nunca foi intervencionada, crescendo silvas. Entretanto, há 3 ou 4 anos, começou a ser limpo e postos carvalhos.
Estas intervenções ocorreram após 2011.
Houve, por isso, um período de cerca de 10 anos ou mais, em que cresceram silvas e “codeços”, de tal sorte que até as ovelhas dos vizinhos andavam lá a pastar.
Referiu, por fim, que se passam meses sem ver o réu.
Também a testemunha do réu A. A. referiu que, a pedido do réu, intervencionou o telhado da casa. Confirmou que, efetivamente, quando lá se deslocou a primeira vez viu parte da vinha abandonada e com silvas contra os valados. Mais referiu que viu trabalhos de limpeza e que não diria que a estava totalmente ao abandono, mas que não estava em condições de produzir.
Aqui chegados, forçoso é concluir que o réu deixou de cultivar de modo que as videiras pereceram – aliás, o próprio nem sequer o nega; o mesmo sucedendo com as árvores de fruto, sendo que os terrenos de cultivo ficaram sem condições de produzir, crescendo vegetação daninha.
Já após a entrada da presente ação, procedeu à sua limpeza e plantou carvalhos.
Também em relação à casa, é forçoso concluir que o réu ali não reside, com caráter de permanência, mas apenas esporadicamente.
Aliás, o estado da casa atestado no relatório pericial, nas fotografias e nos esclarecimentos dos peritos é bem elucidativo, pois que a casa encontra-se sem pertences, com cheiro a mofo e humidade, sem sinais de ser utilizada. Veja-se que as obras mencionadas pelos senhores peritos, ainda se encontravam praticamente no mesmo estado aquando da inspeção ao local, como decorre do confronto do relatório com o auto.
Também as testemunhas referiram que o réu apenas ali está ocasionalmente e que, quando está ausente, a casa encontra-se fechada.
Também o estado do jardim evidenciado nas fotografias juntas pelos peritos demonstra que o mesmo não é cuidado, conferindo uma aparência de abandono à casa.
Em relação aos factos não provados, cumpre referir que não se apurou que o contrato também incluísse alfaias e nem qual o número de videiras que pereceram, tanto mais que até se apurou que uma parte fora plantada pelo próprio réu.
Por outro lado, resulta do relatório pericial que é possível aceder à maioria dos prédios, sendo que não se demonstrou que exista algum cujo acesso, na presente data, se revele impossível.
Além disso, pelo menos à data da realização da perícia, foi considerado pelos senhores peritos que os terrenos de pinhal e mato se encontravam em condições razoáveis, tendo em conta as características do meio.
Quanto ao redor da casa, pese embora seja visível das fotografias que o exterior da casa não é cuidado, conferindo um aspeto de abandono, não se pode concluir que haja vegetação e mato que não sejam cortados há vários anos, nem que a casa esteja em avançado estado de degradação, pese embora seja evidente das fotografias a falta de manutenção.
Relativamente às eventuais câmaras frigoríficas, conforme resulta do auto de inspeção, existe apenas uma e não duas e a mesma não se encontra destruída, embora esteja visivelmente abandonada e a necessitar de obras de manutenção.
Acresce que não se apurou se aquela funciona ou não.
Relativamente aos custos de reposição de videiras, reconstrução dos bardos, limpeza e fertilização dos terrenos, pese embora os cálculos efetuados pelos senhores peritos, não é possível determinar os valores, pois que se apurou, como o réu alegara, que parte da vinha foi o próprio que colocou.
Além disso, conforme se apurou, o réu procedeu à limpeza de parte dos terrenos, pelo que tais factos terão de ser tidos em conta na fixação da eventual indemnização, não sendo por ora possível apurar os valores concretos.
Por fim, no que se refere ao eventual acordo existente entre a primeira outorgante e o réu, no sentido de que não se produzisse uva, o mesmo foi afirmado pelo réu e negado pelos autores, pelo que, na ausência de quaisquer outros meios de prova que possam confirmar ou infirmar tais declarações, de acordo com as regras da distribuição do ónus da prova, considera-se tal facto como não provado.
Por fim, quanto à questão do telhado, apurou-se que o réu efetuou algumas intervenções, mas o depoimento da testemunha A. A. não foi claro e inequívoco, por si só, no sentido de que o réu mandou proceder à colocação de um telhado novo, a expensas suas.
Vigorando os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regulando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, a Relação só deve alterar a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a específicos pontos impugnados.
Como referido, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (13), devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento (14) (negrito nosso).
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, conforme citado no Douto Acórdão deste Tribunal, no Processo nº3300/15.1.T8GMR-J.G1 (15), relatado pelo Ilustre Desembargador Pedro Alexandre Damião Cunha e analisando o caso concreto, concluímos que nenhuma censura mereceria a sentença recorrida, subscrevendo-se integralmente a fundamentação acima transcrita, sendo que nenhuma alteração seria de introduzir aos concretos pontos de facto mencionados nas conclusões do recurso e acima citados, únicos a poder ser apreciados, caso tivesse sido cumprido o ónus consagrado na al. a), do nº2, do art. 640º.
Com efeito, servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, nelas devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação (quanto aos demais previstos no art. 640º, é suficiente que constem de forma explícita na motivação do recurso) (16).
Sendo função das conclusões do recurso indicar, embora de forma sintética, os fundamentos porque se pede a alteração (seja de facto seja de direito) da decisão, nelas tem o recorrente, que impugna a matéria de facto, de especificar os concretos factos que entende estarem mal julgados. A aferição deste mau julgamento é a questão colocada à decisão do tribunal de 2ª instância e, como tal, tem de constar das conclusões ou estará fora do objeto do recurso. Já a especificação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa e o cumprimento da exigência indicada na al. a), do nº2, do art. 640º do NCPC têm a sua sede própria no corpo da alegação. Acresce, ainda, que cabe ter em conta, que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado somente aos recursos em matéria de direito. A falta de especificação nas conclusões dos factos concretos que se consideram mal julgados não dá lugar a despacho de aperfeiçoamento no quadro do nº3, do art. 639º do NCPC, (17).
Assim, por falta de observância do formalismo imposto pela al. a) do nº2, do art. 640º, do CPC, rejeita-se o recurso, na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto referente aos pontos mencionados nas conclusões (os únicos que seriam de apreciar por o objeto do recurso estar limitado a elas), com base na prova gravada.
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3. Do fundamento de resolução do contrato
Cabe, agora, em face da matéria de facto supra, definitivamente fixada, analisar do mérito da decisão e se a mesma deve ser alterada, tendo presente que, como vimos, o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2.
Considera o recorrente estar-se perante um contrato de arrendamento misto, rural e florestal, e, dada a exploração florestal, deverá regular-se pelo disposto no Decreto Lei nº 394/88 de 8 de Novembro.
Conclui que a questão fundamental em discussão nos autos é a de saber se o contrato de arrendamento foi ou não cumprido no que respeita à obrigação do locatário de velar pela boa conservação dos bens, que tem vindo a aproveitar os prédios e que a sentença faz uma errada interpretação da lei violando o disposto no artigo 21º, do DL 385/88 de 25 de outubro.
Decorre dos factos provados que em 16 de fevereiro de 1990, foi celebrado um acordo escrito, designado de “Contrato de Arrendamento Rural”, através do qual M. A., entregou ao réu C. A., para exploração agrícola, mediante contrapartida económica, os prédios nele referidos – v. doc de fls 15 e segs.
Tal contrato foi revogado por acordo reduzido a escrito, outorgado em 30/04/1993, que as partes outorgantes intitularam de “Contrato de Arrendamento Rural”, tendo por objeto os mesmos prédios e tendo-se as partes obrigado nos termos constantes de fls 54 a 57.
O Regime Jurídico do Arrendamento Rural vigente à data da celebração deste contrato, consagrado no Decreto-Lei nº 385/88, de 25/10, foi alterado pelo Decreto-Lei nº 294/2009, de 13/10.
Porém, como decorre do disposto no artigo 39º, nº 2 al. a) do referido diploma:
“2. Aos contratos de arrendamento, existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, aplica-se o regime nele prescrito, de acordo com os seguintes princípios:
a) O novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso (…)”.
Deste modo, e uma vez que à data da entrada em vigor deste diploma, ainda o prazo do contrato em causa nos autos – 25 anos - se encontrava em curso, é-lhe aplicável o disposto na referida Lei do Arrendamento Rural, aprovada pelo Decreto-Lei nº 385/88, de 25/10.
Assim, de acordo com o disposto no respetivo artigo 1º, nº 1, do referido diploma designa-se arrendamento rural a locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização, presumindo-se, nos termos do nº2, rural o arrendamento que recaia sobre prédios rústicos quando do contrato e respetivas circunstâncias não resulte destino diferente.
In casu, do acordado entre as partes no contrato celebrado e formalizado resulta, efetivamente, que estamos perante um contrato de arrendamento rural, tal como elas o intitularam e qualificaram e do acordado não resulta destino diferente. Ao invés, resulta que as partes acordaram que “os referidos prédios rústicos destinam-se à exploração agrícola” (cfr. nº6, de fls 56).
Porém, mesmo que surgisse dúvida a questão está, desde logo, ultrapassada pois que o arrendamento se presume rural nos termos do preceito anteriormente referido.
Mediante a presente ação, os autores, em representação da herança da falecida primeira outorgante, pretendem ver decretada a resolução do contrato de arrendamento, vigente, celebrado entre a autora da herança e o réu e que abrangeu a “Quinta da Ponderosa” no seu todo (cfr. cláusula 3ª, a fls 55-56).
Quanto à resolução do contrato de arrendamento rural pelo senhorio, dispõe o referido artigo 21º da Lei do Arrendamento Rural:

O senhorio só pode pedir a resolução do contrato no decurso do prazo do mesmo se o arrendatário:

a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprios;
b) Faltar ao cumprimento de uma obrigação legal, com prejuízo direto para a produtividade, substância ou função económica e social do prédio;
c) Utilizar processos de cultura ou culturas comprovadamente depauperantes da potencialidade produtiva dos solos;
d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objeto do contrato, existam no prédio arrendado;
e) Subarrendar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ainda ceder a sua posição contratual nos casos não permitidos ou sem o cumprimento das obrigações legais;
f) Não atingir os níveis mínimos de utilização do solo estabelecidos na legislação em vigor ou não observar injustificadamente o que for determinado nos planos a que se referem os artigos 6.º e 14.º”.
No domínio do arrendamento rural, as causas de resolução do contrato de arrendamento são, apenas, as que vêm enunciadas no art.º 21º do DL 385/88, de 25 de outubro, ou seja, são taxativas, vigorando aqui o princípio da tipicidade. (18)
Os autores invocam a verificação da alínea d) do mencionado preceito, com fundamento na qual foi proferida a decisão recorrida.
Com relevância para a apreciação de tal fundamento de resolução, apurou-se, efetivamente, que:
- Parte não concretamente apurada dos terrenos de cultivo arrendados compreendia vinhas com capacidade produtiva;
- Os solos de tais terrenos de cultivo eram aptos para o cultivo de produtos agrícolas tais como milho, batatas e feijão; - Parte não concretamente apurada dos terrenos de cultivo arrendados compreendia árvores de fruto;
- O réu, há mais de 8 anos à data da petição inicial, que deixou de cultivar os terrenos;
- Não mais podou, atou, sulfatou e vindimou os bardos de vinha existentes, tendo deixado de amanhar o solo, o que potenciou a proliferação de ervas daninhas, silvas, e arbustos de pequeno porte que foram surgindo e crescendo no meio das vinhas;
- As videiras pereceram na sua totalidade, tendo em sua substituição surgido matagais que albergam arbustos silvas e vegetação daninha;
- Alguns arames, ferros e parte dos postes em granito que integravam as latadas e bardos onde se acoplavam as videiras desapareceram;
- Pereceram árvores de fruto, em número não concretamente apurado;
- O réu deixou de residir na casa mencionada;
- O Réu deixou de zelar pela manutenção da dita casa, deixou de limpar as diversas divisórias que compõem o seu interior, encontrando-se a mesma em estado de abandono;
- A câmara frigorífica, destinada ao acondicionamento e conservação de fruta e demais produtos agrícolas, encontra-se em estado de abandono;
- O comportamento do réu no que concerne aos bens objeto do acordo originou a transformação de terrenos aptos para o cultivo em terrenos improdutivos.
Ora, em face destes factos, como bem se refere na decisão recorrida, forçoso é concluir que o réu não zelou pela boa conservação dos bens, estando preenchida a alínea d) do artigo 21º da LAR.
O arrendatário que deixou de agricultar uma parte do terreno rústico integrado no arrendado e não tratou convenientemente o solo e as árvores de fruto, deixando que a parte não cultivada se enchesse de vegetação infestante, que árvores de fruto ficassem destruídas e outras em vias de destruição, dá causa à resolução do contrato por deteriorações consideráveis, aqui ocorridas por omissão.
A lei não distingue entre acção e omissão, para efeitos de resolução do contrato com tal fundamento. – Ac. Da Relação do Porto de 28/4/1987, Bol. 366, 565. (19)
Com efeito, o arrendamento rural pressupõe uma “regular utilização” (cfr art. 1º, da LAR) e o Réu deixou de proceder a ela, não conservando os bens, o que ocorreu por muitos e longos anos. Somente na pendencia da causa, procedeu, então, à limpeza de alguns prédios, bem como à plantação de carvalhos e tal não consiste numa “regular utilização”, pois o arrendamento rural não se confunde com o florestal e aquela árvore não é de fruto. Na verdade, a plantação de carvalhos não integra uma exploração agrícola, consistindo numa utilização para outros fins.
Resultou provado que a atuação do réu originou que terrenos de cultivo se tornassem em terrenos improdutivos, o que indubitavelmente integra a al. d) do referido preceito, sendo fundamento de resolução do contrato de arrendamento rural celebrado e em vigor à data da propositura da ação.
Para além do direito à resolução do contrato, os autores têm, ainda, direito à indemnização, a liquidar em incidente de liquidação de sentença, fixada pelo Tribunal a quo.
Na verdade, dispõe o artigo 16º da LAR, que O senhorio tem direito a exigir do arrendatário, quando ocorrer a cessação da relação contratual, indemnização relativa a deterioração ou danos causados nos prédios arrendados, ou coisas neles integradas por facto imputável ao mesmo arrendatário, ou como consequência de este não haver cumprido com as obrigações normais de cultivador. Tendo-se apurado que o comportamento do réu arrendatário, cultivador, no que concerne aos bens objeto do contrato originou a transformação de terrenos aptos para o cultivo, em terrenos improdutivos, mostra-se evidente que o réu terá de responder pelos prejuízos causados, nos termos e em conformidade com o decidido, pois que, por facto ilícito e culposo a si imputável, pois que deixou de cultivar e de tratar dos prédios, foram originados os apontados danos.
Deste modo, ponderadas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, sendo evidente que não existe qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, podendo, aqui, manter-se, na íntegra, a fundamentação de direito que o Tribunal de 1ª Instância desenvolveu na sentença que proferiu.
Conclui-se, pois, pela improcedência do Recurso.
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Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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IV. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Guimarães, 16 de novembro de 2017


(Dr. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha)
(Dr. José Manuel Alves Flores)
(Dr. Sandra Maria Vieira Melo)


1. Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pags 155-156
3. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
4. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017,pag. 153
5. Ibidem, pág. 153.
6. Ibidem, pags 155 e seg e 159
7. Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
8. Cfr. Ac. Da Relação de Guimarães de 30/1/2014, Processo 273733/11.1YIPRT.G1. e Ac. Da Relação de Coimbra de 24/2/2015, Processo 145/12.4TBPBL.C1, in dgsi.Net
9. Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
10. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs.
11. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados.
12. Base da dados da DGSI, pronunciando o Ac. STJ, de 29/10/2015, Proc. 233/09.4TBVNG.G1.S1,
13. Ac. da Relação do Porto de 19/9/2000, in CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3, cujo relator foi o Ilustre Desembargador Dr. Ataíde das Neves
14. Acórdão da Relação de Coimbra de 3/6/2003, in CJ, 2003, 3º, 26 e Apelação Processo nº 5453/06.3, relator pelo Ilustre Desembargador Dr. Ataíde das Neves .
15. Acórdão da Relação de Guimarães de 16-02-2017 Processo nº3300/15.1.T8GMR-J.G1, in www.dgsi.net
16. Cfr. Ac. Da Relação de Évora de 3/11/2016, processo 1070/13. dgsi.Net
17. Ac. Do STJ de 3/5/2016, Processo 145/11, Sumários, Maio/2016, p.3
18. Cfr. neste sentido Acórdãos do STJ de15/5/2014, Processo 1707/07.7TBGMR.G1.S1 e da Relação de Évora de 30/9/2009, processo 215/07.0TBLGS.E1, dgsi.net e Jorge Alberto Aragão Seia e outros Arrendamento Rural, 2ª Edição, 1993, Almedina, pag 96
19. Jorge Alberto Aragão Seia e outros Arrendamento Rural, 2ª Edição, 1993, Almedina, pag 99