Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
849/14.7TBVRL.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RODOVIÁRIOS
REGIME APLICÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O regime aplicável in totum ao instituto da prescrição é o mesmo que já anteriormente à revisão de 2005 vigorava em sede de contra-ordenações rodoviárias, com a única diferença que ao invés do prazo regra de 1 ano ter passado a ter o prazo de prescrição de 2 anos (sempre sem prejuízo dos respectivos regimes de suspensão e interrupção previstos no regime geral).
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Recorre Carlos T. da sentença que julgou improcedente o respectivo recurso de impugnação judicial, mantendo nos seus precisos termos a decisão administrativa que pela prática de uma contra-ordenação muito grave de excesso de velocidade o condenou em competente coima e na sanção acessória de inibição de conduzir por 120 dias, em face do disposto nos arts. 27º, nº2, al. a), 3º, 28º, nº5, 136º, 138º e 146º, al. i), todos do Cód. da Estrada.

Suscita a seguinte questão:

- prescrição do procedimento contra-ordenacional.

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Na 1ª instância o Ministério Público não respondeu ao recurso.

Nesta Relação a Ex.ª PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do mesmo.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

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II- Fundamentação

É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:

Factos provados

“1. No dia 30.05.2012, no local A4, Km 102, Justes, comarca de Vila Real, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matrícula (…), pelo menos à velocidade de 175 km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível, correspondente à velocidade registada de 185 km/h.

2. A velocidade foi verificada através do radar fotográfico Multinova 6f-MUVR-6FD, aprovado pela DGV em 04.12.2002, e pelo IPQ através do despacho de aprovação do modelo n.º 111.20.00.3.40 de 28.03.2011, com n.º de série 12-01-2058, verificado pela IPQ 22.09.2011.

3. O limite máximo da velocidade permitida no local é de 100 km/h.

4. O arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5. O arguido procedeu ao pagamento da coima.

6. O arguido conta já no seu registo individual de condutor com as seguintes contra-ordenações:

a. N.º …, pela prática em 26.09.2006, de uma contra-ordenação de excesso de velocidade, na qual foi condenado em 60 dias de inibição substituída por 365 dias de caução, tendo o arguido sido notificado em 03.05.2007, iniciado a caução no dia 21.05.2007 e cujo terminus ocorreu no dia 20.05.2008;

b. N.º…, pela prática em 09.07.2007, de uma contra-ordenação por estar em marcha do veiculo com aparelho radiotelefónico, na qual foi condenado em 60 dias de inibição, tendo o arguido sido notificado em 03.06.2009, iniciado a inibição em 26.06.2009 e cujo terminus ocorreu no dia 25.08.2009.

7. O arguido foi notificado do auto de contra-ordenação no dia 30.05.2012, onde lhe é explicado o procedimento a seguir para apresentação de defesa relativamente aos factos imputados.

8. O arguido, no prazo legal, não apresentou qualquer defesa.

9. A decisão administrativa foi proferida no dia 17.05.2013.

10. A decisão administrativa foi notificada ao arguido no dia 18.06.2013.

11. O arguido interpôs impugnação judicial da decisão administrativa no dia 09.07.2013.

12. Os presentes autos deram entrada no Tribunal no dia 01.07.2014”.

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Apreciando

Prescrição do procedimento contra-ordenacional

Entende o recorrente que o procedimento contra-ordenacional no presente caso se encontra prescrito desde 30-5-2014, já que sendo o respectivo prazo de 2 anos nos termos do art. 188º CE, não lhe seriam aplicáveis as causas de suspensão e interrupção previstas nos arts. 27º e 28º do RGCO.

Escreveu-se o seguinte na peça recorrida sobre esta questão:

“… Por último, e no que diz respeito à invocada prescrição, igualmente não lhe assiste razão.

Na verdade, e para melhor facilidade de análise, recuperamos os dados processuais relevantes:

- Factos: 30.05.2012;

- Notificação ao arguido da contra-ordenação: 30.05.2012;

- Decisão administrativa: 17.05.2013;

- Notificação da decisão administrativa ao arguido: 18.06.2013;

- Interposição da impugnação judicial da decisão administrativa: 09.07.2013;

- Entrada dos autos no Tribunal: 01.07.2014.

O prazo de prescrição da contra-ordenação em causa é de dois anos, nos termos do artigo 188.º do C. Estrada.

Pelo que a não ser que haja causas de suspensão ou interrupção do procedimento contra-ordenacional, este prescreveu no dia 30.05.2014.

No entanto, compulsados os autos verifica-se que para além das causas de suspensão e interrupção do procedimento criminal previstas no Regime Geral das Contra-Ordenações, para as quais o artigo 188.º do Código da Estrada também remete e que se encontram verificadas, desde logo o próprio artigo 188.º do Código da Estrada prevê como causa de interrupção do procedimento contra-ordenacional a notificação ao arguido da decisão condenatória, o que ocorreu no dia 18.06.2013, pelo que nesta data iniciou-se outro prazo de prescrição de dois anos, o que, como resulta à saciedade, ainda não ocorreu.

Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea a) do RGCO, a prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação.

Pelo que também por este artigo a prescrição do procedimento por contra-ordenação foi interrompido.

De igual modo, o artigo 27.º-A, n.º1, alínea c), do RGCO estabelece que a prescrição do procedimento fica suspenso a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima – que sucedeu no dia 08.07.2014, (cfr. fls. 27), - até decisão final do recurso, suspensão essa que não pode exceder, de acordo com o n.º2 do mesmo artigo, 6 meses.

Em face do exposto, verifica-se que ainda não ocorreu a prescrição da contra-ordenação imputada ao arguido…”.

Trata-se de questão na qual o recorrente perfilha tese ao arrepio do entendimento que sempre temos seguido Por exemplo, no Ac. Rel. Guimarães de 6-1-2014, Pr. 3290/13.5 TBBRG.G1, sendo relator o mesmo do presente processo

, correspondente, aliás, à maioria da jurisprudência conhecida.

Sobre esta questão escreveu-se o seguinte no Ac. Rel. Coimbra de 22-10-2008 Ac. Rel. Coimbra de 22-10-2008, pr. 127/06.5 TBPNC.C2, rel. Alberto Mira, publicado em www.dgsi.ptA Lei de Autorização Legislativa nº 53/2004, de 4 de Novembro (ao abrigo da qual foi publicado o Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), no que à prescrição concerne, limitou-se no seu art. 3º, alínea dd), a autorizar a previsão de prazo de dois anos para a prescrição do procedimento contra-ordenacional, da coima e das sanções acessórias.

Nada foi autorizado quanto a outros aspectos do instituto da prescrição, designadamente, quanto a causas de interrupção e de suspensão e por isso, também o C. da Estrada nada prevê quanto a estas.

Mas daqui não deve extrair-se a conclusão de que, no âmbito das infracções rodoviárias, não existem causas de interrupção e de suspensão da prescrição. Na verdade, tal entendimento, para além de se traduzir numa injustificada distinção de tratamento relativamente a este tipo de infracções, tenderia a manter a situação que determinou o legislador a estabelecer um prazo especial de prescrição para as contra-ordenações rodoviárias.

Assim, porque o C. da Estrada, enquanto lei especial, nada prevê quanto a causas da interrupção e da suspensão do procedimento contra-ordenacional, face ao disposto no seu art. 132º, são aplicáveis às contra-ordenações rodoviárias as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no RGCOC…”.

No mesmo sentido vai também, por exemplo, o Ac. Rel. Coimbra de 28-10-2009, pr. 401/07.3TBSRE-A.C1, rel. João Trindade, no qual pode ler-se:

“… As infracções ao Cód. da Estrada têm actualmente o prazo de prescrição de 2 anos, art. 188º.

É certo que o regime actual é mais gravoso para a arguida (e essa foi a intenção do legislador), mas é o aplicável, dado que a infracção estradal foi praticada no âmbito do Cód. da Estrada com a redacção do DL. 44/05 de 23-02 e que entrou em vigor 30 dias após a publicação.

O art. 132º do Cód. Estrada manda aplicar subsidiariamente o regime geral das contra-ordenações.

Assim há que averiguar se se verificaram suspensões ou interrupções do prazo de prescrição.

Ditam as normas aplicáveis:

Artigo 27º – (Prescrição do procedimento)

O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

Artigo 27º-A (Suspensão da prescrição)

1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso;

2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Nos termos do nº 3 do art. 28 do RGCOC, a prescrição ocorre sempre quando, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.

Prazo de prescrição acrescido de metade (2+1 anos) mais o prazo de suspensão (6 meses), perfaz 3 anos e 6 meses…”.

Da mesma forma se decidiu também no recente Ac. Rel. Porto de 11-2-2015, pr. 27/14.5 TBCPV.P1, relator Augusto Lourenço, a que alude o parecer da Ex.ª PGA.

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Aliás, se dúvidas houvesse nesta matéria, a própria Assembleia da República se encarregou de as desfazer em definitivo através da Lei 72/2013, de 3 de Setembro, que, entre o mais, veio instituir nova causa de interrupção do procedimento por contra-ordenação rodoviária no art. 188º., nº2 CE, esclarecendo, igualmente, de forma inequívoca da aplicação dos regimes de suspensão e interrupção previstos no regime geral das contra-ordenações:

“Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro

Artigo 188.º

[…]

1- O procedimento por contraordenação rodoviária extingue -se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contraordenação, tenham decorrido dois anos.

2- Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória”.

Em suma, o regime aplicável in totum ao instituto da prescrição é exactamente o mesmo que já anteriormente à revisão de 2005 vigorava nesta sede de contra-ordenações rodoviárias, com a única diferença que ao invés do prazo regra de 1 ano terem passado a ter o prazo de prescrição de 2 anos (sempre sem prejuízo dos respectivos regimes de suspensão e interrupção previstos no regime geral).

Daí que não mereça qualquer censura a decisão do Tribunal a quo nesta sede, uma vez que perante a data da prática da infracção (30-5-2012) e os elementos que os autos evidenciam a prescrição só ocorre a 30-11-2015.

Improcede, consequentemente, o recurso interposto, uma vez não se mostrar prescrito o procedimento contra-ordenacional aqui em causa.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.

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Guimarães, 13/4/2015