Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
139/14.5TBCBC.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: BALDIOS
USUCAPIÃO
COMPRA E VENDA
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Baldios são bens possuídos e geridos colectivamente por uma comunidade, que estão afectos à satisfação das necessidades desta, sendo a sua origem ancestral e associada a comunidades agro-pastoris.

II – Na vigência do Código Civil de Seabra e até à entrada em vigor do referido Dec.-Lei nº 39/76 de 19/01 (24/01/76) defendeu-se que os baldios eram susceptíveis de usucapião, mas, depois desta data, em face dos art. 202º nº 2 do C.C., art. 4º nº 1 da Lei nº 68/93 de 4 de Setembro e art. 6º nº 3 da Lei nº 75/2017 de 17 de Agosto, é pacífico tal insusceptibilidade.

III – A presunção registral é susceptível de ser ilidida mediante prova em contrário (art. 7º do Código do Registo Predial e art. 350º nº 1 e 2 do C.C.).

IV – Provando-se que o bem imóvel objecto de contrato de compra e venda e de partilha é bem alheio (não é particular tendo a natureza de baldio) há que declarar a nulidade de tal venda e partilha e proceder ao cancelamento dos respectivos registos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Baldio X e M instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:

V. M.,
F. S.,
Manuel,
C. J.,
António, e
Maria,

Pedindo a condenação dos réus a reconhecerem que os terrenos denominados “Olival P.”, “TT” e “Cerca B” são terrenos baldios, pertencendo em propriedade comunitária aos moradores dos locais de X e M, não praticando quaisquer actos de apropriação daquele terreno.

Mais pediu o cancelamento das descrições prediais dos referidos imóveis, bem como das inscrições, assim como o cancelamento das matrizes rusticas.

Alegou, em síntese, que, os réus, no ano de 1996, fizeram constar no inventário que correu por óbito de Manuel e V. M. três verbas denominadas “Olival P.”, “TT” e “Cerca B”; que tais verbas, por adjudicação e sucessão hereditária, estão actualmente registadas como pertencendo aos réus; que os terrenos relativos a tais verbas são baldios, sendo utilizados pelos habitantes dos lugares de X e M para pasto e corte de mato; que os antecessores dos réus, nas décadas de 40 e 50 do século passado, cultivaram os terrenos em causa ao abrigo de licenças de cultivo, nunca tendo utilizado os mesmos desde então e que os réus vedaram tais terrenos com esteios de cimento há cerca de três anos.
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O réu C. J. contestou negando ter-se apropriado de terrenos baldios, já que desde sempre o próprio e os seus antecessores utilizaram os terrenos em causa, limpando-os, cortando lenhas e matos, à vista de todos e sem qualquer oposição. O “Olival P.” encontra-se registado a seu favor e desde 1938 que os antepossuidores de tal terreno o começaram a possuir.
Em Reconvenção peticionou o reconhecimento da propriedade de tal terreno e o pagamento pelo autor de uma indemnização no valor de € 500,00 pelas preocupações que lhe estão a ser causadas em consequência da conduta deste.
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A ré V. M. contestou negando ter-se apropriado de terrenos baldios, já que desde sempre a própria e os seus antecessores utilizaram os terrenos em causa, limpando-os, cortando lenhas e matos, à vista de todos e sem qualquer oposição. O “Olival P.” foi adquirido pelo seu pai em 1938. A “TT” igualmente foi adquirida pelo seu pai em 1945. Desde tais datas que a ré e os seus antepossuidores utilizam tais terrenos, assim como a “Cerca B”, nele limpando o mato, cultivando e apascentando o gado, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem qualquer oposição e na convicção que o fazem no exercício de um direito próprio.
Em reconvenção peticionou o reconhecimento da propriedade, a seu favor, dos três terrenos.
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O autor replicou alegando factos que, em seu entender, demonstram a natureza baldia dos terrenos em causa.
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Posteriormente o autor requereu a ampliação do pedido peticionando a declaração de nulidade parcial da partilha operada pelo inventário n.º 30/1996 que correu termos neste Tribunal por óbito de Manuel e V. M., tendo a mesma sido deferida.
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Procedeu-se ao registo da acção na Conservatória de Registo Predial.
Foi realizada audiência prévia, na qual foram admitidas as reconvenções, fixado o objecto do litígio e enunciados temas de prova.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.
No final da audiência de julgamento foi proferido despacho no âmbito do qual foi determinado que seria apreciada a nulidade do contrato de compra e venda ocorrido em 1945, tendo as partes sido notificadas para se pronunciarem.
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Foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:

“Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência:

1. Declarar que o prédio rústico denominado “Olival P.”, com a área de 5.000 m2, no lugar de X, a confrontar do norte e nascente com a estrada, sul e poente com monte baldio, actualmente descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …, freguesia de …, é terreno baldio e pertence em propriedade comunitária aos moradores dos lugares de X e M, concelho de Cabeceiras de Basto;
2. Declarar que o prédio rústico denominado “TT”, com a área de 20.000 m2, no lugar de X, a confrontar de todos os lados com baldio, tendo dentro três nascentes de água, descrito originalmente no Registo Predial sob o nº …, fls. 192 do Livro …, de Cabeceiras de Basto, e actualmente sob o n.º …, freguesia de ... e inscrito na matriz rústica de Cabeceiras de Basto sob o n.º …, é terreno baldio e pertence em propriedade comunitária aos moradores dos lugares de X e M, concelho de Cabeceiras de Basto;
3. Declarar que o prédio rústico denominado “Cerca B”, composto por carvalho, videiras, olival e pinhal, com a área de 7.000 m2, no lugar de X, a confrontar de todos os lados com baldio, com direito a água das poças da J. e do B, desde segunda feira às oito horas até quarta feira à mesma hora, actualmente descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º …, freguesia de ..., e omisso na matriz, é terreno baldio e pertence em propriedade comunitária aos moradores dos lugares de X e M, concelho de Cabeceiras de Basto;
4. Condenar os Réus a reconhecerem a propriedade dos compartes sobre os prédios acima referidos e a restituí-los à posse daquela comunidade, desocupando-os e deixando-os no estado em que os encontraram;
5. Declarar parcialmente nula a partilha judicial celebrada no âmbito do proc. n.º 30/1996, que correu termos neste Tribunal, no que concerne às verbas n.ºs 12, 14 e 16;
6. Declarar oficiosamente nula a escritura de compra e venda celebrado entre M. B. e Manuel, datado de 27 de Fevereiro de 1945, lavrada a folhas 19 verso do Livro número … do Cartório Notarial de Cabeceiras de Basto, inscrita na transmissão número …, lançada a folhas 152 do Livro …. oitavo, em 11 de Dezembro de 1946;
7. Ordenar o cancelamento de todas as inscrições prediais dos prédios descritos sob os n.ºs ..., ...1 (originalmente descrito no Registo Predial sob o nº ..., fls. 192 do Livro ..., de Cabeceiras de Basto) e ..., todos da freguesia de ..., concelho de Cabeceiras de Basto, com a consequente inutilização das respectivas descrições prediais;
8. Ordenar o cancelamento do art.º 2401 da matriz rústica de ...;
9. Condenar os Réus a retirar os esteios de cimento por eles colocados nos terrenos acima referidos e a não mais perturbar, por qualquer modo, a posse, uso e fruição das mesmas parcelas pelos moradores dos lugares de X e M;
10. Condenar os Réus numa sanção pecuniária compulsória no valor de € 100,00 por cada acto de apropriação das parcelas de terreno denominadas “Olival P.”, “TT” ou “Cerca B”, com excepção do direito à exploração das oliveiras, por parte dos Réus, na parcela de terreno designada por “Olival P.”;
11. Absolver os Réus do demais peticionado;
12. Absolver os Autores do pedido de condenação formulado por C. J. no pagamento de uma indemnização de € 500,00 pelos transtornos por si sofridos;
13. Absolver os Autores dos demais pedidos reconvencionais de reconhecimento da propriedade dos prédios denominados “Olival P.”, “TT” e “Cerca B”, formulados pelos Réus C. J. e V. M..
(…)”
*
Não se conformando com a decisão veio a ré V. M. dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

I) O Tribunal "a quo" julgou provado que parte da "TT", foi, em tempos recuados, cultivada pelos antepassados dos réus, com base em licenças de cultura concedidas pelos Serviços Florestais, o que a Recorrente considera incorretamente julgado.
II) Da análise dos documentos constantes de fls.234 a 252 (documentação trocada entre Manuel e pai da ora recorrente e os Serviços Florestais de então) e também de toda a prova testemunhal produzida, não se deduz, não resulta e muito menos de forma clara e inequívoca, que alguma vez tivesse sido concedida alguma licença de cultivo a Manuel, antepassado dos Réus, apenas se pode concluir que tal licença foi requerida.
III) Pelo que, entende a Recorrente que a existência de cultivo pelos seus antepassados na TT com base em licenças de cultura deve ser julgada não provada.
IV) O Tribunal "a quo" julgou provado que os antepassados dos Réus, designadamente Manuel, vedaram a “TT” em meados dos anos 50, tendo os Serviços Florestais ordenado e procedido à demolição de tal vedação.
V) No entanto, salvo o devido respeito, não resultou da referida prova testemunhal, supra identificada, que os antepassados dos Réus designadamente Manuel, vedaram a TT em meados dos anos 50, mas antes em meados dos anos 40, conforme as declarações prestadas pelas testemunhas S. G., A. P. e conforme o documento n.º10 apresentado com a Réplica.
VI) Assim no entender da Recorrente deve ser julgado provado que os antepassados dos Réus, designadamente Manuel, vedaram pelo menos uma parte da "TT" em meados dos anos 40 com a área de 5000m2.
VII) Julgou provado o Tribunal "a quo" que desde data não concretamente apurada, mas anterior a 1970, os Réus ou os seus antepassados, designadamente Manuel, não usaram tal terreno.
VIII) Da fundamentação da matéria de facto resulta que o Tribunal "a quo" se baseou nas declarações de M. G., tendo o mesmo declarado ter começado a frequentar o terreno (Tapada TT) desde 1970 e que nessa altura não existia qualquer cultivo.
IX) Da prova testemunhal prestada por M. G. não decorre que ele tenha sequer frequentado o terreno, pelo contrário:
(1m36s-1m54s)
Mandatário do Recorrido: naquele rápido interrogatório para saber o que o senhor sabia, o senhor disse que lá para cima para as "TT" conhece muito mal, não é?
Testemunha: muito mal nem sou capaz de localizar aquilo.
Mandatário do Recorrido: então não lhe vou fazer perguntas sobre as "TT".
X) Consta da matéria de facto provada no ponto 33) que há doze anos, o Réu C. J. cortou um caminho público que atravessa o terreno baldio na zona das TT, desviando-o para fora da zona que os réus consideram sua propriedade, tendo o caminho sido reconstruído pelos Serviços Florestais a pedido do Autor.
XI) Encontra-se nos autos um ortofotomapa da localização da propriedade designada por "TT", datado de 1995 a cores, apresentado em 9/11/2016 pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, da sua análise verifica-se existir um caminho a direito a atravessar o terreno em causa e um caminho da parte de cima já em 1995.
XII) Pelo que, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, já há vinte e dois anos existia um caminho na parte superior da "Tapada TT", não correspondendo à verdade que o filho da Recorrente há doze anos desviou o caminho que atravessa o referido terreno para fora do terreno que alega pertencer-lhe, pois tal caminho já existia pelo menos desde 1995.
XIII) Deste modo deve ser considerada não provada a matéria constante do ponto 33) da matéria de facto, não sendo julgado provado que há doze anos o Réu C. J. cortou um caminho público que atravessa o terreno baldio na zona das TT, desviando-o para fora da zona que os réus consideram sua propriedade, tendo o caminho sido reconstruido pelos serviços Florestais a pedido do Autor.
XIV) No ponto 39) da matéria de facto provada, o Tribunal "a quo" julgou provado que "Desde tempos imemoriais e pelo menos até à vedação pelos Réus que os moradores dos lugares de X e M aproveitaram os terrenos denominados "Olival P.", "TT" e "Cerca B" para apascentarem o gado e cortarem mato e lenha, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e na convicção de que o fazem de acordo com os antigos costumes."
XV) Da prova testemunhal prestada pelas testemunhas F. P., F. G., M. G., M. A., A. B., M. C. indicadas pelo Autor não resulta provada a matéria constante do ponto 39) da matéria de facto, aliás conforme consta da fundamentação de facto do ponto 14) da douta sentença, resulta que as mesmas apenas frequentaram o terreno durante a década de 1970.
XVI) Das declarações prestadas pelas testemunhas M. B., A. P., S. G. e José, indicadas pelos Réus também não resultou provada a matéria constante do referido ponto 39).
XVII) No que respeita à testemunha A. R., prestou declarações de forma comprometida e contrariou de forma expressa a prova documental constante dos autos e julgada provada nos pontos 22 a 30 da matéria de facto julgada provada e a restante prova testemunhal.
XVIII) Deste modo, deve ser julgado não provada a matéria constante do ponto 39) da matéria de facto provada e em consequência ser julgado provado que desde o ano de 1945 data da escritura pública de compra e venda outorgada pelo pai da Recorrente, à qual foi anexada uma certidão emitida pela Câmara em 19/2/1945 (na segunda página da escritura); os Réus e os seus antepassados aproveitaram o mato e as lenhas e apascentaram o gado no terreno da "Tapadas das TT" de forma ininterrupta, pacífica, à vista de toda a gente e na convição que exercem um direito próprio.
XIX) Acresce que, conforme consta da douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo" na fundamentação da matéria de facto quanto à matéria de facto não provada, e resulta da prova testemunhal e da inspeção ao local, o caminho da poça do Rato seguia em linha recta e não atravessava nem confrontava directamente com a área vedada da "Tapada TT", ao invés, a vedação situava-se entre seis a dez metros abaixo do caminho.
XX) Uma vez que da referida escritura de compra e venda celebrada em 25/2/1947 não constava qualquer área, da prova produzida nos autos designadamente do documento n.º10 apresentado com a Réplica e que consiste num ofício elaborado pelo Guarda Florestal em 3/9/1952, resulta que a "Tapada TT estava vedada em duas prestações, a primeira parte com indícios de ser vedada já a uns anos com a área aproximada de 5000m2, esta foi deitada a baixo umas quatro vezes pela Câmara e pelo povo de Moimenta".
XXI) Sucede que a freguesia e o "povo" de Moimenta não pertencia aos baldios de X e M, mas pertenciam à freguesia de Cavez, ou seja o povo e habitantes de Moimenta não pertencia à comunidade local nem eram compartes, portanto não poderiam utilizar, gerir ou possuir a Tapada TT situada em X.
XXII) Na verdade, da prova testemunhal prestada pela testemunha dos Autores F. P. aos 14m37s, esta declarou ouvir falar ao falecido pai que chegou a decorrer um julgamento nas TT a respeito de uma água com uns senhores de Moimenta, tendo ocorrido de facto um litígio sobre a água com origem nas três nascentes existente na Tapadas das TT, existiam razões para a vedação ser "deitada a baixo" por habitantes de Moimenta a fim de poderem utilizar a água.
XXIII) Portanto, da prova produzida nos autos, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, decorre que o antepassado dos Réus, Manuel vedou o terreno das TT na área que comprou a M. B. através de escritura de compra e venda em 27/2/1945, correspondente a 5000m2 e posteriormente vedou mais área conforme decorre do documento n.º10 apresentado com a Réplica e corresponde ao ofício elaborado pelo Guarda Florestal em 3/9/1952.
XXIV) Assim, os pedidos de cultivo apresentados pelo pai da Recorrente respeitavam à área que o mesmo considerava excluída da escritura outorgada em 27/2/1945, tendo registado a Tapada TT em 11/12/1946, descrito sob o n.º… de Cabeceiras de Basto.
XXV) Ora, apesar das testemunhas do Autor declararem que sempre utilizaram o terreno em causa livremente, sem que ninguém os impedisse, na verdade o Tribunal "a quo" considerou que as testemunhas do Autor apenas frequentaram a Tapada TT durante a década de 1970.
XXVI) Deste modo, deve ser julgado não provada a matéria constante do ponto 39) da matéria de facto provada e em consequência ser julgado provado que desde 1945 data da escritura pública de compra e venda outorgada pelo pai da Recorrente, à qual foi anexada uma certidão emitida pela Câmara em 19/2/1945 (cfr. segunda página da escritura); os Réus e os seus antepassados aproveitaram o mato e as lenhas, apascentaram o gado e cultivavam o terreno da "Tapadas das TT" com a área de 5000m2 correspondente à antiga vedação situada da parte de baixo do caminho da Poça do Rato, de forma ininterrupta, pacífica, à vista de toda a gente e na convicção que exerciam um direito próprio.
XXVII) Nos termos do artigo 10º do Código de Processo Civil há a ação declarativa e a ação executiva e as ações declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. Ainda, de acordo com o nº3, também do referido artigo, tendo em conta a sua finalidade, as ações podem ser de simples apreciação – se visam “obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto” – de condenação – se visam “exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito” – e constitutivas – se visam “autorizar uma mudança na ordem jurídica existente”.
XXVIII) No caso vertente, o Autor pede a condenação dos Réus no reconhecimento que as parcelas de terreno identificadas no artigo 16º da petição inicial integram o Baldio X e M; a condenação dos Réus a não praticarem quaisquer atos de apropriação de parcelas de terreno baldio, respeitando a sua administração pelo Autor, a condenação dos Réus a retirarem os esteios que implantaram em terreno baldio e decretado o cancelamento das descrições prediais referidas no artigo 16 bem como as respectivas inscrições.
XXIX) Pelo exposto, entendemos estar perante uma ação de condenação e não de simples apreciação, uma vez que o autor não invoca qualquer situação de incerteza e não se limita a pedir o reconhecimento do direito que invoca, pede também a condenação dos Réus a não praticarem quaisquer atos de apropriação de parcelas de terreno baldio, a retirarem os esteios que implantaram em terreno baldio e a uma sanção pecuniária compulsória de montante não inferior a 250,00€ por cada ato de apropriação de terreno baldio e de suas partes componentes.
XXXI) Ora, de acordo com o disposto no artigo 342º do Código de Processo Civil face à presente ação declarativa de condenação, incumbia ao Autor alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, o que não logrou, conforme se expôs nem ficou demonstrada a posse do terreno por quem quer que fosse antes da celebração da escritura de 1945, conforme consta no oitavo parágrafo de fls. 20 da douta sentença recorrida.
XXXII) Assim sendo, deve ser reconhecido o direito de propriedade da Recorrente e restantes Réus sobre o terreno da "TT", por força da presunção derivada de propriedade derivada do registo predial, estabelecida no artigo 7º do Código de Registo Predial, tendo em conta que o Autor não logrou elidir essa presunção, uma vez que não ficou demonstrado que à data da aquisição da TT pelos antepassados da Recorrente em 27/2/1945 a referida tapada pertencesse aos baldios administrados pelo Autor e tão pouco tenha resultado provado quem em 1945 a área pertencente à Tapada TT e comprada pelo pai da Recorrente fosse terreno baldio.
XXXIII) Acresce que não foi produzida prova da utilização particular ou pública da Tapadas das TT, não foi apurada a data da florestação por parte dos serviços florestais e conforme supra se expôs, o pedido de cultivo por parte de Manuel para a referida TT destinava-se à área que não lhe foi vendida e integrante ainda do terreno em causa.
XXXIV) Por outro lado, ainda que os Réus não pudessem prevalecer-se da presunção de propriedade derivada do registo, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º39/76 de 19 de Janeiro, os antepassados dos Réus adquiriram a propriedade da Tapada TT através do instituto da usucapião.
XXXV) De facto, as testemunhas M. B., A. P., S. G. e José, declararam ter visto a Tapada TT cultivada e vedada, tendo os antepassados dos Réus agido com a convicção que a área cultivada abaixo do caminho lhes pertencia, conforme resulta da prova testemunhal indicada pelos Autores e das declarações prestadas por Manuel ao Guarda Florestal e constantes do documento n.º10 anexo à Réplica e conforme decorre das declarações das referidas testemunhas.
XXXVI) A posse exercida pelos antepassados dos Réus foi pública, pacífica e titulada presumindo-se de boa fé, todavia entendeu o Tribunal "a quo"que Manuel tinha conhecimento que a TT era terreno baldio e por isso a sua posse apesar de titulada era exercida de má fé.
XXXVII) Se o Tribunal " a quo" decidiu que ficou por demonstrar a posse do terreno por quem quer que fosse anteriormente à escritura de 1945, que as testemunhas do Autor apenas frequentaram a Tapadas das TT na década de 1970 e baseou-se na correspondência mantida entre Manuel e os serviços florestais para presumir que o mesmo tinha conhecimento que o prédio em causa era baldio, ora se assim fosse certamente não o teria comprado e registado.
XXXVIII) Deste modo, entendemos salvo o devido respeito por entendimento contrário, que a posse exercida pelos antepassados dos Réus e por estes, era titulada e por isso de boa fé, aliás o artigo 476º do Código Civil de Seabra estabelecia o seguinte: "Posse de boa fé é aquela que procede de título cujos vícios não são conhecidos do possuidor."
XXXIX) Perante o exposto, exercendo o antepassado dos Réus, Manuel uma posse pública, pacífica e de boa fé, ao abrigo do disposto no artigo 526º, n.º2 do Código de Seabra, pelo decurso do prazo legal de dez anos, adquiriu a propriedade da área aproximada de 5000m2 do terreno da TT localizada na partesul e actualmente com restos de um muro de vedação.
XL) Em consequência não deve ser julgada procedente a nulidade da partilha ocorrida no processo de inventário n.º30/1996, na parte respeitante à área aproximada de 5000m2 da TT por não pertencer aos baldios de X e M, mas aos antepassados dos Réus.
XLI) No que concerne à declaração da nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 27/2/1945, o Tribunal "a quo" salientou que após o referido contrato os Serviços Florestais determinaram a remoção da vedação construída por Manuel na Tapada TT, por considerarem tratar-se de terreno baldio, tendo aquele pedido autorização para uma licença de cultivo no mesmo local.
XLII) Conforme supra se expôs e consta do documento n.º10 apresentado com a Réplica, correspondente a um ofício elaborado pelo Guarda Florestal S. C., em 3/9/1952, a Tapada TT encontrava-se vedada em duas prestações, a primeira parte com indícios de ser vedada já a uns anos, com a área aproximada de 5000m2 e uma segunda parte vedada posteriormente com a área de 7300m2, relativamente à segunda parte, neste documento consta o seguinte: "Nesta parte, o dito M. declarou ter vedado em conjunto com o terreno que consta na escritura, mais um cercado de terreno baldio com a área aproximada de 1800m2".
XLIII) É plausível ter Manuel pedido autorização para cultivar a área que ocupou pertencente ao baldio, o que justifica ter havida oposição por parte da Câmara Municipal e dos Serviços Florestais.
XLIV) Salvo o devido respeito por doutos entendimentos contrários, a ilação retirada pelo Tribunal "a quo" da improcedência de um processo instaurado pelo pai e antepassado da Recorrente, respeitante a uma ordem de demolição da vedação da TT intentada contra a Câmara Municipal, desconhecendo a matéria e as causas da improcedência da ação, não permite concluir que o terreno abrangido na referida escritura outorgada em 1945 abrangia terreno baldio.
XLV) Acresce que, não foi determinado e provado a posse do terreno à data da celebração da escritura, em 1945, nem foi deduzida oposição pelos compartes de X e M e apenas sessenta e nove anos após a celebração da escritura de compra e venda de que os Serviços Florestais e a Câmara Municipal teria conhecimento foi instaurada a ação competente, perante o exposto, a prova produzida não permitia ao Tribunal "a quo" concluir que o terreno da TT pertencia aos baldios de X e M.”.
Pugna pela alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito nos termos referidos.
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Contra-alegaram o autor e o Ministério Público pugnando ambos pela confirmação da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

A) Apurar se houve erro no julgamento de facto;
B) Apurar se houve erro na subsunção jurídica.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. O Baldio X e M situa-se nos lugares desses nomes, freguesia de ..., deste concelho, sendo composto por cerca de seiscentos hectares de terrenos incultos para matos e pastagens.
2. Os terrenos que compõem este baldio vêm sendo utilizados pelos habitantes dos lugares de X e M para aproveitamento de matos e lenhas e para pastagem de gados e fazendas, desde tempos imemoriais, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e na plena convicção de que o fazem com base em antiquíssimos costumes segundo os quais os habitantes desses lugares os podem utilizar comunitariamente.
3. O Baldio X e M foi administrado em conjunto com os demais da freguesia de ..., sendo que, em meados dos anos 90 do século passado, ele passou a ser administrado autonomamente, tendo os seus próprios órgãos de gestão (Assembleia de Compartes, Conselho Diretivo e Conselho Fiscal).
4. Correu neste Tribunal o inventário nº 30/1996 por óbito de Manuel e sua mulher V. M..
5. Nesse inventário foram relacionados, entre outros, os seguintes bens:

a) Verba 12 – Prédio rústico denominado “Olival P.”, com a área de 5.000 m2, no lugar de X, a confrontar do norte e nascente com a estrada, sul e poente com monte baldio, não descrito no Registo Predial e omisso na matriz;
b) Verba 14 – Prédio rústico denominado “TT”, com a área de 20.000 m2, no lugar de X, a confrontar de todos os lados com baldio, tendo dentro três nascentes de água, descrito no Registo Predial sob o nº ..., fls. 192 do Livro ... e omisso na matriz;
c) Verba 16 – Prédio rústico denominado “Cerca B”, com carvalho, videiras, olival e pinhal, com a área de 7.000 m2, no lugar de X, a confrontar de todos os lados com baldio, com direito a água das poças da J. e do B, desde segunda-feira às oito horas até quarta-feira à mesma hora, não descrito no Registo Predial e omisso na matriz.
6. O “Olival P.” foi adjudicado a José. e a “TT” e “Cerca B” à Ré V. M., tendo os mesmos sido posteriormente registados a favor dos adjudicatários.
7. José. faleceu em 18/01/2004, com testamento de 21/05/2001 a fls. 50 do Livro nº 34 do Cartório Notarial de Cabeceiras de Basto, no qual legou ao seu sobrinho, o Réu C. J., o aludido bem.
8. C. J. faleceu no dia 14/5/2008 no estado de casado, em comunhão geral, com a ré V. M., tendo-lhe sucedido como herdeiros a viúva e os seus cinco filhos, Réus nesta acção, tendo sido relacionadas as verbas anteriormente adjudicadas a V. M..
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9. O “Olival P.” é actualmente composto por 6 ou 7 oliveiras.
10. Em 7 de Março de 1938, Manuel, pai da Ré V. M., comprou a Francisco quinze oliveiras que se encontravam implantadas no montado da “Monte P.”.
11. Desde tal data, Manuel e, posteriormente, José. passaram a tratar de tais oliveiras.
12. Tal imóvel encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..., freguesia de ... e registado a favor do Réu C. J..
13. Os Réus colocaram, cerca de três anos antes da propositura da acção, ao longo da margem da estrada que confronta com o aludido “Olival P.”, diversos esteios de cimento.
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14. Parte da “TT” foi, em tempos recuados, cultivada pelos antepassados dos réus, com base em licenças de cultura concedidas pelos Serviços Florestais.
15. Por escritura pública de compra e venda datada de 27 de Fevereiro de 1945, lavrada a folhas 19 verso do Livro número 350 do Cartório Notarial de Cabeceiras de Basto, inscrita na transmissão número 6296, lançada a folhas 152 do Livro G. oitavo, em 11 de Dezembro de 1946, Manuel, pai da Ré V. M., declarou adquirir a M. B. o terreno denominado “TT”.
16. Tal terreno encontra-se descrito sob o n.º 17029 de Cabeceiras de Basto, datada de 11 de Dezembro de 1946, actualmente correspondendo ao n.º …, freguesia de ..., estando actualmente registado a favor da Ré V. M..
17. Da aludida escritura de compra e venda, bem como da descrição original do imóvel, não se verifica qualquer menção à área do terreno.
18. Os antepassados dos Réus, designadamente Manuel, vedaram a “TT” em meados dos anos 50, tendo os Serviços Florestais ordenado e procedido à demolição de tal vedação.
19. Em data não apurada, os Serviços Florestais procederam à florestação da “TT”.
20. Anteriormente a Agosto de 1952, Manuel remeteu à Circunscrição Florestal requerimento no qual pedia autorização para renovar a parede e abertura da servidão da propriedade denominada “Tapada TT”.
21. Por via disso, foram solicitados ofícios à Guarda Florestal e à Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto.
22. Em 3 de Setembro de 1952, foi proferido pela Guarda Florestal um ofício com o seguinte teor:

“A propriedade a que se refere Manuel, denominada Tapada TT, encontra-se completamente vedada, mas vedada em duas prestações, a primeira parte com indícios de ser vedada já a uns anos, com a área aproximada de 5.000 m2, esta foi deitada abaixo umas quatro vezes pela Câmara e pelo povo de Moimenta.
A segunda parte vedada ainda não há um ano, com a área aproximada de 7.300 m2. Nesta parte o dito M., declarou ter vedado em conjunto com o terreno que consta na escritura, mais um bocado de terreno baldio, com a área aproximada de 1.800 m2. Todas estas declarações foram-me fornecidas pelo mesmo M..
Por informações colhidas a dita propriedade foi toda feita no terreno baldio.”
23. Por seu turno, em 8 de Outubro foi proferido pela Câmara Municipal um ofício com o seguinte teor:

“Respondendo ao ofício de V.ª Ex.ª n.º 454, cumpre-me informar que o prédio denominado “Tapada TT” que Manuel solicita autorização para renovar a parede de vedação do referido prédio, é terreno baldio.
Esta Câmara, em tempos, mandou demolir as paredes de vedação do prédio acima mencionado, tendo o Manuel intentado, por este facto, uma acção contra esta Câmara, a qual foi julgada improcedente.”
24. Em tal requerimento apresentado por Manuel foi junta a escritura de compra e venda da aludida propriedade, bem como a certidão da Conservatória de Registo Predial.
25. Não obstante, a Direcção Geral indeferiu o requerimento apresentado por Manuel.
26. Por sua vez, em 1957, o mesmo Manuel, bem como dois outros habitantes de X, apresentaram ao Presidente do Conselho uma exposição na qual declararam estar na posse de parcelas de terreno outrora baldio, tendo as mesmas sido vedadas então há mais de dez anos, e que na sequência de um ofício enviado pela Administração, o qual solicitava o envio de documentos comprovativos da posse do terreno vedado, requeriam que fossem dispensados da apresentação de tais documentos, uma vez que não os possuíam.
27. Em consequência, foi organizado um processo que contém uma informação do Eng.º Silvicultor encarregado da Administração Florestal de Cabeceiras de Basto, sendo que na mesma se refere que o Manuel, “teimosa e abusivamente vedou diversas parcelas de terreno baldio, parcialmente cultivados com centeio, batatas e pouco milho”, tendo as vedações sido “iniciadas a partir de 1952 e continuadas pelos anos seguintes até à sua integral conclusão”.
28. A tal informação encontra-se em anexo a relação dos indivíduos de X que “vedaram terrenos no monte baldio do perímetro da Serra da Cabreira”, entre os quais o Manuel com três vedações – duas nas TT e uma em B.
29. No seguimento da informação e da concordância do superior hierárquico, foi remetida ao Manuel uma carta comunicando-lhe que, oportunamente, se procederia à destruição das vedações, ficando impedido de utilizar os terrenos e que, após a sua arborização, seria promovida a concessão de licenças de cultura.
30. No seguimento dessa notificação, Manuel requereu licença para “cultivar 3.000 m2 de terreno baldio, sito no montando das TT, nos limites do lugar referido de X”.
31. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 1970, os Réus ou os seus antepassados, designadamente Manuel, não usaram tal terreno.
32. Em 1987, o marido da 1ª Ré, C. J., vendeu e ordenou o corte de alguns castanheiros em tal terreno, tendo os Serviços Florestais reagido e apreendido a madeira cortada.
33. Há doze anos, o mesmo C. J. cortou um caminho público que atravessa o terreno baldio na zona das TT, desviando-o para fora da zona que os réus consideram sua propriedade, tendo o caminho sido reconstruído pelos Serviços Florestais a pedido do Autor.
34. Aproximadamente três anos antes da propositura da acção, os Réus implantaram nessa zona uns postes de cimento a rodear a área que dizem pertencer-lhes.
*
35. Parte da “Cerca B” foi, em tempos recuados, cultivada pelos antepassados dos réus, tendo tal cultivo sido realizado com base em licenças de cultura concedidas pelos Serviços Florestais, por períodos limitados de tempo e a título precário, tendo o respectivo cultivo cessado há mais de 50 anos.
36. Em Dezembro de 2006, a Ré V. M. cortou e vendeu alguns carvalhos lá existentes, tendo o Autor apresentado queixa contra aquela, vindo tal queixa a ser arquivada.
37. Tal imóvel encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..., freguesia de ... e registado a favor da Ré V. M..
38. Cerca de três anos antes da propositura da acção, os Réus implantaram nessa zona uns postes de cimento a rodear a área que dizem pertencer-lhes.
*
39. Desde tempos imemoriais e pelo menos até à vedação pelos Réus que os moradores dos lugares de X e M aproveitaram os terrenos denominados “Olival P.”, “TT” e “Cerca B” para apascentarem o gado e cortarem mato e lenha, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e na convicção de que o fazem de acordo com os antigos costumes.
*
Foram considerados não provados:

1. Que, nos anos 50 e 60 do século passado, os terrenos “Olival P.” e “B” tenham sido arborizados pelos Serviços Florestais.
2. Que, na parte inferior do “Olival P.”, os Réus tenham tapado o acesso a um olival de um vizinho, também implantado em terreno baldio.
*
3. Que, desde 1938, que os antepossuidores do Réu C. J. tenham usado o “Olival P.”, nele aproveitando lenhas e apascentando os seus animais, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, contínua e sem a oposição de quem quer que seja, na convicção que eram donos do mesmo.
4. Que, desde 1940 imemoriais, os Réus e os seus antepossuidores aproveitem o mato e as lenhas e para pastagem de gado o terreno denominado “TT”, de forma ininterrupta, pacífica, à vista de toda a gente e na convicção que exercem um direito próprio.
5. Que, desde tempos imemoriais, os Réus e os seus antepossuidores aproveitem o mato e as lenhas e para pastagem de gado o terreno denominado “Cerca do B”, de forma ininterrupta, pacífica, à vista de toda a gente e na convicção que exercem um direito próprio.
6. Que o Réu C. J. tenha sofrido preocupações em virtude da conduta do Autor.
*
A) Reapreciação da matéria de facto

Entende a apelante que os factos dados como provados nos pontos 31, 39 devem ser considerados não provados e os pontos 14 e 18 deve ser provado com outra redacção.
Os apelados defendem que a matéria de facto foi correctamente julgada.

Vejamos.
O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência. A este propósito refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 3ª ed., p. 256: “A exigência legal, para ser atacada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamento), fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes”.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.
Tendo por base estas considerações passemos à apreciação da matéria de facto em causa a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar nos termos do art. 662º do C.P.C..
*
1.
Pretende a apelante que o ponto 14 da matéria de facto dada como provada seja parcialmente alterada por, no seu entender, não se haver provado a concessão a Manuel de licenças de cultivo.
Da prova testemunhal produzida (A. P., S. G. e José) resulta que os antepassados dos réus, designadamente Manuel, cultivaram uma parte da “TT”. Com efeito, nenhuma das testemunhas revelou saber da concessão de licença de cultivo, nem a mesma se mostra junta aos autos, aliás Manuel refere, no requerimento de fls. 234 a 235, que “não tem documentos”, o que é reconhecido pelos serviços florestais a fls. 238 a 245 (embora o mais relevante neste ofício seja a referência à destruição de vedações abusivamente feitas por aquele). Acresce que o Eng. Silvicutor, em 1957 (fls. 245), volta a referir-se ao facto daquele não ter direito de vedar, à destruição de vedações e à necessidade de requerer uma licença de cultivo, o que o mesmo veio a requerer cfr. doc. de fls. 246.

Pelo exposto, assiste razão à apelante pelo que o ponto 14 da matéria de facto passa a ter a seguinte redacção:

“14. Parte da “TT” foi, em tempos recuados, cultivada pelos antepassados dos Réus.”.

2.
No que concerne ao ponto 18 da matéria de facto, atento o teor do doc. de fls. 252 (ofício dos serviços florestais datado de 03/09/1952, no qual se alude a duas partes da TT e ao facto de uma estar “completamente vedada” havia vários anos – documento que, a nosso ver, prevalece sobre o doc. de fls. 238 a 243) e o depoimento das testemunhas A. P. e S. G. (por referência às suas datas de nascimento – 1941 e 1936 - e à idade em que começaram a “ir para o monte” com o gado) conclui-se que assiste razão à apelante pelo que tal ponto passa a ter a seguinte redacção:

“18. Os antepassados dos Réus, designadamente Manuel, vedaram parte da “TT” por volta de meados dos anos 40, tendo os Serviços Florestais ordenado e procedido à demolição de tal vedação.”.

3.
Reconhecemos que o depoimento da testemunha M. G. não permite dar como provado o ponto 31 da matéria de facto.
Contudo, uma vez que o réu C. J. confessou, no seu depoimento de parte, que, pelo menos, desde 1976, que a “TT” não era utilizada, o que foi confirmada pela testemunha F. G. quando aludiu ao facto de estar “cheio de mato” e pela testemunha A. B. que nenhuma referência fez a qualquer utilização pelos réus, afigura-se-nos que assiste razão à apelante e o ponto 31 da matéria de facto deve passar a ter a seguinte redacção:

“31. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 1976, os Réus ou os seus antepassados, designadamente Manuel, não usaram tal terreno.”.

4.
No que concerne ao ponto 33 da matéria de facto o réu C. J. admitiu que não abriu o caminho existente na parte de cima da “TT”, o qual preexistia. O mesmo resulta do doc. de fls. 409 a 417 (ortografia). J. R., representante da autora, foi peremptório em afirmar que foi C. J. (pai) quem cortou o caminho público, o qual foi reconstruído pelos Serviços Florestais (mas não referiu que tenha sido a pedido do autor), o que foi confirmado pela testemunha Mário Afonso.

Assim, o ponto 33 da matéria de facto passa a ter a seguinte redacção:

“33. Há doze anos, o mesmo C. J. cortou um caminho público que atravessa o terreno baldio na zona das TT, tendo o mesmo sido reconstruído pelos Serviços Florestais.”.

5.
É de manter o ponto 39 da matéria de facto e o ponto 4 da matéria de facto não provada, pois do conjunto da prova produzida resulta a utilização comunitária das três parcelas para apascentar o gado e cortar mato e lenha. Com efeito, todas as testemunhas aludiram ao modo como elas próprias as utilizaram sem que ninguém as impedisse. O mesmo referiu a testemunha M. G. quanto às duas outras parcelas que não a “TT”. A testemunha M. R. não mereceu credibilidade uma vez que ele próprio tem contra si uma acção referente a uma parcela que o autor entende ser baldio.
Dos acima referidos depoimentos, ainda que nos mesmos não haja uma referência expressa, resulta este tipo de utilização desde data anterior àquela em que as testemunhas nasceram. De qualquer modo, da documentação junta resulta, de forma repetitiva e clara, que são terrenos baldios. Da mesma prova documental resulta a presença de Manuel na “TT” e a sua insistência em fazer valer um seu direito de propriedade, o qual foi, desde, pelo menos os anos 50, veemente negado pelos serviços florestais e confirmado em acção judicial, não obstante a escritura de 1945 por si apresentada. De qualquer modo, aquele, ao requerer uma licença de utilização, reconheceu que não é proprietário (fls. 246).
A habilidosa argumentação da apelante referente ao facto de Manuel ser proprietário de uma parte da parcela por a haver adquirido e haver requerido licença de utilização quanto a outra parte da parcela não procede na medida em que da prova documental não é possível perceber a localização de uma e outra.
*
Por uma questão metodológica, passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada, de acordo com o decidido nesta instância:

1. O Baldio X e M situa-se nos lugares desses nomes, freguesia de ..., deste concelho, sendo composto por cerca de seiscentos hectares de terrenos incultos para matos e pastagens.
2. Os terrenos que compõem este baldio vêm sendo utilizados pelos habitantes dos lugares de X e M para aproveitamento de matos e lenhas e para pastagem de gados e fazendas, desde tempos imemoriais, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e na plena convicção de que o fazem com base em antiquíssimos costumes segundo os quais os habitantes desses lugares os podem utilizar comunitariamente.
3. O Baldio X e M foi administrado em conjunto com os demais da freguesia de ..., sendo que, em meados dos anos 90 do século passado, ele passou a ser administrado autonomamente, tendo os seus próprios órgãos de gestão (Assembleia de Compartes, Conselho Diretivo e Conselho Fiscal).
4. Correu neste Tribunal o inventário nº 30/1996 por óbito de Manuel e sua mulher V. M..
5. Nesse inventário foram relacionados, entre outros, os seguintes bens:

a) Verba 12 – Prédio rústico denominado “Olival P.”, com a área de 5.000 m2, no lugar de X, a confrontar do norte e nascente com a estrada, sul e poente com monte baldio, não descrito no Registo Predial e omisso na matriz;
b) Verba 14 – Prédio rústico denominado “TT”, com a área de 20.000 m2, no lugar de X, a confrontar de todos os lados com baldio, tendo dentro três nascentes de água, descrito no Registo Predial sob o nº ..., fls. 192 do Livro ... e omisso na matriz;
c) Verba 16 – Prédio rústico denominado “Cerca B”, com carvalho, videiras, olival e pinhal, com a área de 7.000 m2, no lugar de X, a confrontar de todos os lados com baldio, com direito a água das poças da J. e do B, desde segunda-feira às oito horas até quarta-feira à mesma hora, não descrito no Registo Predial e omisso na matriz.
6. O “Olival P.” foi adjudicado a José. e a “TT” e “Cerca B” à Ré V. M., tendo os mesmos sido posteriormente registados a favor dos adjudicatários.
7. José. faleceu em 18/01/2004, com testamento de 21/05/2001 a fls. 50 do Livro nº 34 do Cartório Notarial de Cabeceiras de Basto, no qual legou ao seu sobrinho, o Réu C. J., o aludido bem.
8. C. J. faleceu no dia 14/5/2008 no estado de casado, em comunhão geral, com a ré V. M., tendo-lhe sucedido como herdeiros a viúva e os seus cinco filhos, Réus nesta acção, tendo sido relacionadas as verbas anteriormente adjudicadas a V. M..
*
9. O “Olival P.” é actualmente composto por 6 ou 7 oliveiras.
10. Em 7 de Março de 1938, Manuel, pai da Ré V. M., comprou a Francisco quinze oliveiras que se encontravam implantadas no montado da “Monte P.”.
11. Desde tal data, Manuel e, posteriormente, José. passaram a tratar de tais oliveiras.
12. Tal imóvel encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..., freguesia de ... e registado a favor do Réu C. J..
13. Os Réus colocaram, cerca de três anos antes da propositura da acção, ao longo da margem da estrada que confronta com o aludido “Olival P.”, diversos esteios de cimento.
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14. Parte da “TT” foi, em tempos recuados, cultivada pelos antepassados dos réus.
15. Por escritura pública de compra e venda datada de 27 de Fevereiro de 1945, lavrada a folhas 19 verso do Livro número … do Cartório Notarial de Cabeceiras de Basto, inscrita na transmissão número 6296, lançada a folhas 152 do Livro ... oitavo, em 11 de Dezembro de 1946, Manuel, pai da Ré V. M., declarou adquirir a M. B. o terreno denominado “TT”.
16. Tal terreno encontra-se descrito sob o n.º … de Cabeceiras de Basto, datada de 11 de Dezembro de 1946, actualmente correspondendo ao n.º …, freguesia de ..., estando actualmente registado a favor da Ré V. M..
17. Da aludida escritura de compra e venda, bem como da descrição original do imóvel, não se verifica qualquer menção à área do terreno.
18. Os antepassados dos Réus, designadamente Manuel, vedaram parte da “TT” por volta de meados dos anos 40, tendo os Serviços Florestais ordenado e procedido à demolição de tal vedação.
19. Em data não apurada, os Serviços Florestais procederam à florestação da “TT”.
20. Anteriormente a Agosto de 1952 de Manuel remeteu à Circunscrição Florestal requerimento no qual pedia autorização para renovar a parede e abertura da servidão da propriedade denominada “Tapada TT”.
21. Por via disso, foram solicitados ofícios à Guarda Florestal e à Câmara Municipal.
22. Em 3 de Setembro de 1952, foi proferido pela Guarda Florestal um ofício com o seguinte teor:

“A propriedade a que se refere Manuel, denominada Tapada TT, encontra-se completamente vedada, mas vedada em duas prestações, a primeira parte com indícios de ser vedada já a uns anos, com a área aproximada de 5.000 m2, esta foi deitada abaixo umas quatro vezes pela Câmara e pelo povo de Moimenta.
A segunda parte vedada ainda não há um ano, com a área aproximada de 7.300 m2. Nesta parte o dito M., declarou ter vedado em conjunto com o terreno que consta na escritura, mais um bocado de terreno baldio, com a área aproximada de 1.800 m2. Todas estas declarações foram-me fornecidas pelo mesmo M..
Por informações colhidas a dita propriedade foi toda feita no terreno baldio.”
23. Por seu turno, em 8 de Outubro foi proferido pela Câmara Municipal to um ofício com o seguinte teor:

“Respondendo ao ofício de V.ª Ex.ª n.º 454, cumpre-me informar que o prédio denominado “Tapada TT” que Manuel solicita autorização para renovar a parede de vedação do referido prédio, é terreno baldio.
Esta Câmara, em tempos, mandou demolir as paredes de vedação do prédio acima mencionado, tendo o Manuel intentado, por este facto, uma acção contra esta Câmara, a qual foi julgada improcedente.”
24. Em tal requerimento apresentado por Manuel foi junta a escritura de compra e venda da aludida propriedade, bem como a certidão da Conservatória de Registo Predial.
25. Não obstante, a Direcção Geral indeferiu o requerimento apresentado por Manuel.
26. Por sua vez, em 1957, o mesmo Manuel, bem como dois outros habitantes de X, apresentaram ao Presidente do Conselho uma exposição na qual declararam estar na posse de parcelas de terreno outrora baldio, tendo as mesmas sido vedadas então há mais de dez anos, e que na sequência de um ofício enviado pela Administração, o qual solicitava o envio de documentos comprovativos da posse do terreno vedado, requeriam que fossem dispensados da apresentação de tais documentos, uma vez que não os possuíam.
27. Em consequência, foi organizado um processo que contém uma informação do Eng.º Silvicultor encarregado da Administração Florestal de Cabeceiras de Basto, sendo que na mesma se refere que o Manuel, “teimosa e abusivamente vedou diversas parcelas de terreno baldio, parcialmente cultivados com centeio, batatas e pouco milho”, tendo as vedações sido “iniciadas a partir de 1952 e continuadas pelos anos seguintes até à sua integral conclusão”.
28. A tal informação encontra-se em anexo a relação dos indivíduos de X que “vedaram terrenos no monte baldio do perímetro da Serra da Cabreira”, entre os quais o Manuel com três vedações – duas nas TT e uma em B.
29. No seguimento da informação e da concordância do superior hierárquico, foi remetida ao Manuel uma carta comunicando-lhe que, oportunamente, se procederia à destruição das vedações, ficando impedido de utilizar os terrenos e que, após a sua arborização, seria promovida a concessão de licenças de cultura.
30. No seguimento dessa notificação, Manuel requereu licença para “cultivar 3.000 m2 de terreno baldio, sito no montando das TT, nos limites do lugar referido de X”.
31. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 1976, os Réus ou os seus antepassados, designadamente Manuel, não usaram tal terreno.
32. Em 1987, o marido da 1ª Ré, C. J., vendeu e ordenou o corte de alguns castanheiros em tal terreno, tendo os Serviços Florestais reagido e apreendido a madeira cortada.
33. Há doze anos, o mesmo C. J. cortou um caminho público que atravessa o terreno baldio na zona das TT, tendo o mesmo sido reconstruído pelos Serviços Florestais.
34. Aproximadamente três anos antes da propositura da acção, os Réus implantaram nessa zona uns postes de cimento a rodear a área que dizem pertencer-lhes.
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35. Parte da “Cerca B” foi, em tempos recuados, cultivada pelos antepassados dos réus, tendo tal cultivo sido realizado com base em licenças de cultura concedidas pelos Serviços Florestais, por períodos limitados de tempo e a título precário, tendo o respectivo cultivo cessado há mais de 50 anos.
36. Em Dezembro de 2006, a Ré V. M. cortou e vendeu alguns carvalhos lá existentes, tendo o Autor apresentado queixa contra aquela, vindo tal queixa a ser arquivada.
37. Tal imóvel encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..., freguesia de ... e registado a favor da Ré V. M..
38. Cerca de três anos antes da propositura da acção, os Réus implantaram nessa zona uns postes de cimento a rodear a área que dizem pertencer-lhes.
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39. Desde tempos imemoriais e pelo menos até à vedação pelos Réus que os moradores dos lugares de X e M aproveitaram os terrenos denominados “Olival P.”, “TT” e “Cerca B” para apascentarem o gado e cortarem mato e lenha, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e na convicção de que o fazem de acordo com os antigos costumes.
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Foram considerados não provados:

1. Que, nos anos 50 e 60 do século passado, os terrenos “Olival P.” e “B” tenham sido arborizados pelos Serviços Florestais.
2. Que, na parte inferior do “Olival P.”, os Réus tenham tapado o acesso a um olival de um vizinho, também implantado em terreno baldio.
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3. Que, desde 1938, que os antepossuidores do Réu C. J. tenham usado o “Olival P.”, nele aproveitando lenhas e apascentando os seus animais, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, contínua e sem a oposição de quem quer que seja, na convicção que eram donos do mesmo.
4. Que, desde 1940 imemoriais, os Réus e os seus antepossuidores aproveitem o mato e as lenhas e para pastagem de gado o terreno denominado “TT”, de forma ininterrupta, pacífica, à vista de toda a gente e na convicção que exercem um direito próprio.
5. Que, desde tempos imemoriais, os Réus e os seus antepossuidores aproveitem o mato e as lenhas e para pastagem de gado o terreno denominado “Cerca do B”, de forma ininterrupta, pacífica, à vista de toda a gente e na convicção que exercem um direito próprio.
6. Que o Réu C. J. tenha sofrido preocupações em virtude da conduta do Autor.
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B) Subsunção jurídica

Não obstante as pequenas alterações introduzidas na matéria de facto mantém-se a decisão jurídica propriamente dita, a qual se mostra correctamente elaborada, remetendo-se para a mesma por razões de economia.

Contudo, sempre se dirá o seguinte:
Na data da propositura da presente acção e na data da prolação da sentença encontrava-se em vigor a denominada Lei dos Baldios aprovada pela Lei nº 68/93 de 04 de Setembro (com as alterações introduzidas pelas Lei nº 89/97 de 30/07, Lei nº 72/2014 de 02/09, rectificação nº 46/2014 de 29/10), diploma esse que foi entretanto revogado pela Lei nº 75/2017 de 17 de Agosto que aprovou o regime aplicável aos baldios e aos demais meios de produção comunitários.
Nos termos do art. 1º nº 1 daquela lei “São baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais” sendo que, nos termos dos nº 2 e 3 do mesmo preceito, comunidade local é o universo de compartes, sendo estes os cidadãos residentes nas comunidades locais onde se situam os respectivos terrenos baldios que usufruem dos mesmos conforme os usos e costumes locais e os gerem.

O art. 2º do diploma define o seu âmbito de aplicação.
No art. 3º prevê-se que “Os baldios constituem, em regra, logradouro comum, designadamente para apascentação de gados, recolha de lenhas ou de matos, de culturas e de outros aproveitamentos dos recursos dos respectivos espaços rurais”.
Preceitua o art. 4º nº 1 que “Os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, são nulos, nos termos gerais de direito, excepto nos casos expressamente previstos na presente lei”.
Nos termos do art. 5º nº 1 “O uso, a fruição e a administração dos baldios efectivam-se de acordo com os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.”.
Em resumo “Baldios são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à “comunidade” formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as necessidades e apetências, os transmitem intactos aos vindouros” (Jaime Gralheiro, in Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, pág. 53).
A sua origem é ancestral, associada a comunidades agro-pastoris que os utilizam em comum com base nos usos e costumes.
Existem referências a bens comuns, possuídos e geridos por um conjunto de pessoas residentes num lugar ou lugares, numa paróquia ou concelho, nas Ordenações Manuelinas e Filipinas.
Nos séc. XVII a XIX assistiu-se a uma tendência para a privatização dos baldios que, nalguns casos, foi violentamente rejeitada pelas populações principalmente no Centro e Norte do país, onde os baldios estavam ligados à sobrevivência dos povos.
O Código Civil de 1876, conhecido como Código de Seabra, enquadrou os baldios no conceito de coisas comuns (art. 381º do C.C.).
O Código Administrativo de 1940 definiu baldios como “as terras não individualmente apropriadas, das quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos residentes em certas circunscrições administrativas ou parte delas” e que declarou que os mesmos são prescritíveis (art. 388º).
À luz destes diplomas parte da doutrina defendia que os baldios eram alienáveis e susceptíveis de serem adquiridos mediante prescrição aquisitiva ou positiva que era regulada nos art. 517º e ss. do C.C. de 1867.
O actual Código Civil suprimiu a categoria legal das coisas comuns e parte da doutrina continuou a entender que os mesmos eram susceptíveis de apropriação e de usucapião.
Após o 25 de Abril de 1974, e no âmbito da reforma agrária, foi aprovado o Dec.-Lei nº 39/76 de 19/01, em cujo prêambulo se lê “a entrega dos terrenos baldios às comunidades que deles foram desapossadas pelo Estado fascista corresponde a uma reivindicação antiga e constante dos povos”.
Dispunha o art. 2º deste diploma: “Os terrenos baldios, encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluindo a usucapião”.
Harmonicamente o Dec.-Lei nº 40/76 de 19/01 confirma a insusceptibilidade de apropriação individual dos baldios e declara anuláveis a todo o tempo os actos ou negócios jurídicos que tivessem por objecto a apropriação de baldios ou parcelas de baldios por particulares, bem como as subsequentes transmissões.
O art. 89º nº 2 c) da C.R.P., na versão originária, aludia aos bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais como fazendo parte do sector público de Estado. Actualmente, no art. 82º nº 4 b) da C.R.P., refere-se que o sector cooperativo e social compreende, entre outros, os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais.

Os Dec.-Lei nº 39/76 e 40/76 foram revogados pela Lei dos Baldios aplicável ao caso em apreço.
Esta resenha histórica permite concluir que, desde o Código Civil de Seabra e até à entrada em vigor do referido Dec.-Lei nº 39/76 (24/01/76), os baldios eram susceptíveis de usucapião desde que o autor faça prova de que nessa data já havia decorrido o tempo necessário à consolidação desta forma de aquisição da propriedade (neste sentido vide Ac. da R.G. de 13/10/2016, in www.dgsi.pt).

Depois de 24/01/76 é pacífico tal insusceptibilidade atento o disposto nos art. 202º nº 2 do C.C., art. 4º nº 1 da Lei nº 68/93 de 04/09 e art. 6º nº 3 da Lei nº 75/2017 de 17 de Agosto.
Feitos estes considerações importa reverter ao caso sub judice.

Da matéria de facto dada como provada resulta a existência do Baldio X e M, sito nos lugares desses nomes, freguesia de ..., concelho de Cabeceiras de Basto, com 600 ha, composto por matos e pastagens, utilizado e gerido pelos habitantes desses lugares desde tempos imemoriais segundo os usos e costumes.
Este baldio institui-se ou constituiu-se por afectação ao uso e fruição das referidas comunidades e consequente satisfação das suas necessidades (art. 2º nº 1 d) da Lei nº 68/89).

Refere-se de um modo algo impreciso que os baldios são “propriedade” de determinada comunidade que, ao longo dos tempos, deles retiram utilidades, contudo, como refere Jaime Gralheiro, in ob. cit., nota da pág. 63, “(…) o baldio não é propriedade de ninguém, senão que está, apenas, afecto à satisfação de determinadas necessidades comunitárias, que se corporizam ou encabeçam na “comunidade local”.
As parcelas denominadas “Olival P.”, “TT” e “Cerca B” inserem-se no referido baldio uma vez que se provou que nelas as comunidades dos lugares de X e M, onde se incluíam os antepassados da apelante, desde tempos imemoriais, apascentaram o gado, cortaram mato e lenha, à vista de toda a gente, sem oposição e na convicção de que exercem um direito próprio.

Acresce que, da matéria de facto provada, não resultou uma utilização privada da “TT”, no todo ou em parte, até 1945; os Serviços Florestais opuseram-se às tentativas de Manuel de vedar parte do terreno em meados dos anos 40 e anos subsequentes, não obstante este se arrogar proprietário de uma parte por a haver comprado naquele ano e haver registado, e ordenaram e procederam à demolição da vedação (por mais que uma vez); ocorreu uma florestação; Manuel instaurou acção para ver reconhecido o seu alegado direito de propriedade, mas esta foi julgada improcedente, no início dos anos 50 o referido Manuel pediu autorização para renovar a parede, para abrir uma servidão e solicitou a concessão de uma licença de cultivo de uma parte da parcela, actos dos quais se retira a consciência por parte daquele que não é proprietário; a ré e os seus antepassados não usam a parcela desde data não apurada, mas anterior a 1976; em 1987 o marido da apelante cortou e vendeu castanheiros tendo os Serviços Florestais reagido e apreendido a madeira; por volta de 2002 o mesmo vedou um caminho público tendo este sido reconstruído pelos Serviços Florestais.
Não colhe, assim, a tese da apelante de que o autor não alegou e não provou os factos constitutivos do seu direito nos termos do art. 342º nº 1 do C.C. sobre a “TT”.
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Apurou-se que Manuel logrou registar o prédio denominado “TT” em seu nome em 1946, mostrando-se o mesmo actualmente registado no nome dos réus.
Nos termos do art. 7º do C.R.Predial O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Trata-se de um presunção juris tantum, i.e., ilidida mediante prova em contrário (art. 350º nº 1 e 2 do C.C.).
Uma vez que o autor logrou provar que o referido prédio é terreno baldio a referida presunção mostra-se ilidida.
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Pretende a apelante que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre a parcela “TT” por o haver adquirido por usucapião.

Ora, uma vez que, da matéria de facto dada como provada, não resultam factos susceptíveis de integrar o conceito de posse (corpus e animus) (art. 1251º do C.C.) por parte de Manuel e/ou seus descendentes no período compreendido entre 1946 e 1976, de modo algum, se pode concluir pela aquisição por parte daquele(s) da propriedade do prédio, no todo ou em parte, por usucapião (nos termos do C.C. de 1876 e/ou de 1966 seja a posse titulada ou não, boa ou má-fé, pacífica ou violenta).
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Uma vez que o prédio “TT” é terreno baldio e não propriedade de Manuel e mulher, atento o disposto nos art. 2123º nº 1, 892º, 289º do C.C., é parcialmente nula a partilha judicial por óbito daqueles que correu termos através de inventário nº 30/1996 no Tribunal de Cabeceiras de Basto no que concerne à verba 14 e há que proceder ao cancelamento do respectivo registo.
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Não tendo os réus logrado provar que o prédio “TT” pertencesse a M. B. em data anterior a 27/02/1945 e tendo-se provado a natureza de terreno baldio, ao abrigo do disposto no art. 892º do C.C., é nulo o contrato de compra e venda datado de 27/02/1945 celebrado entre Manuel e M. B. e há que proceder ao cancelamento do respectivo registo.
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Sendo terreno baldio tem o autor o direito à remoção dos esteios colocados na “TT”, que os réus se abstenham de utilizar o mesmo e a uma sanção pecuniária compulsória nos termos fixados por cada acto de apropriação da referida parcela.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - Baldios são bens possuídos e geridos colectivamente por uma comunidade, que estão afectos à satisfação das necessidades desta, sendo a sua origem ancestral e associada a comunidades agro-pastoris.
II – Na vigência do Código Civil de Seabra e até à entrada em vigor do referido Dec.-Lei nº 39/76 de 19/01 (24/01/76) defendeu-se que os baldios eram susceptíveis de usucapião, mas, depois desta data, em face dos art. 202º nº 2 do C.C., art. 4º nº 1 da Lei nº 68/93 de 4 de Setembro e art. 6º nº 3 da Lei nº 75/2017 de 17 de Agosto, é pacífico tal insusceptibilidade.
III – A presunção registral é susceptível de ser ilidida mediante prova em contrário (art. 7º do Código do Registo Predial e art. 350º nº 1 e 2 do C.C.).
IV – Provando-se que o bem imóvel objecto de contrato de compra e venda e de partilha é bem alheio (não é particular tendo a natureza de baldio) há que declarar a nulidade de tal venda e partilha e proceder ao cancelamento dos respectivos registos.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 26/04/2018


(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)