Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3821/12.8TJVNF.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS PRÓPRIOS
BENFEITORIA
CONSTRUÇÃO URBANA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Tendo as partes casado no regime da comunhão de adquiridos, a casa construída no terreno próprio da Ré, na pendência do casamento mesmo que não se prove ter sido paga com dinheiro próprio do cônjuge proprietário, não perde a qualidade de bem próprio deste.
II Quando muito, a provar-se que o Autor contribuiu com o dinheiro que ganhou do seu trabalho, ou de dinheiro apenas seu, tal contribuição só pode ser valorizada como benfeitoria útil por força do disposto no artigo 216º, 1, 2 e 3, do CC, na medida em que aumentaram o valor do bem, devendo ser reguladas a ser reguladas, na perspectiva de despesas e não da “coisa” a que deram lugar, a não ser para classificar essas mesmas despesas.

III- A data da separação de facto, fixada na sentença do divórcio, permite, excepcionalmente, fazer retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio à mesma, conforme art.º 1789º nº2 do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO

Manuel, divorciado, intentou a presente acção declarativa sob a forma ordinária, contra Maria, divorciada, pedindo:

a) ser a ré condenada a reconhecer que a habitação referida em 8 da p i) é um bem comum do dissolvido casal ( constituído pelas partes);

b) determinar-se os termos da partilha da habitação referida em 8 da pi);

c) determinar-se a partilha dos valores que se vierem a apurar serem comuns existentes à data do trânsito em julgado da sentença de divórcio entre autor e ré;

d) ser a ré condenada a restituir ao património comum do dissolvido casal, determinando-se posteriormente a sua partilha, todas as quantias em dinheiro que se apurar existirem em contas nas quais esta seja titular à data do trânsito da sentença de divórcio entre autor e ré.

Para tanto alegou factos que em seu entender, a resultarem provados, levariam á procedência dos pedidos formulados.

A ré contestou, impugnando a matéria alegada pelo autor.

O autor replicou, terminando como na petição inicial.

Frustrada a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, fixando-se os factos assentes e a base instrutória da causa.

Após audiência de julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se, a final, julgar improcedente a acção, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos.

Inconformado, o Réu apelou da sentença juntando alegaçõese extensas conclusões, de onde resulta, em suma, a sua discórdia relativamente á decisão da matéria de facto ínsita na sentença no que concerne concretamente ás respostas dadas aos quesitos 2.º, 7.º, 8.º, 9.º, 19.º e 20.º. da base instrutória, concretizando as respostas que entende serem mais correctas de acordo com os meios de prova que pessoais e documentais, pugnando pela procedência da acção no pressuposto da alteração da decisão de facto.

Não consta dos autos qualquer resposta ás alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

OBJECTO DO RECURSO.

Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegação, a questão a decidir é a de saber se a decisão de facto está enferma de erro de julgamento.

Os Factos Provados já com a alteração decidida por este tribunal, são os seguintes:

Dos factos já assentes.

a) Autor e ré contraíram casamento católico no dia 20 de Março de 1982, sem convenção antenupcial, no regime supletivo de comunhão de adquiridos, nos termos do artigo 1721.º do Código Civil.-

b) Por sentença de 04-02-2010, proferida nos autos de Divórcio Litigioso (convertido em Divórcio por Mútuo Consentimento), que correu os seus termos no 5.º Juízo Cível deste Tribunal, sob o n.º 3093/06.3TJVNF, foi declarado o divórcio entre Maria (aqui ré) e Manuel (aqui autor).

c) Não tendo havido acordo quanto à forma de partilhar dos bens comuns do casal, procedeu-se a Inventário, que correu por apenso à acção referida em b) sob o n.º 3093/06.3TJVNF-A.-

d) Por sentença de 27-06-2012, foi homologado o acordo de partilha obtido entre as partes (vide doc. 2).-

e) A construção da habitação foi iniciada em 1987.-

f) A construção do prédio foi, conforme o autor em parte reconhece, iniciada pela mãe da ré.-

g) Esta cuidou previamente de diligenciar pela obtenção do competente licenciamento, a que foi atribuído o n.º 1217/87, conforme decorre do teor do alvará de licença de construção a que corresponde o documento junto com a petição inicial sob o n.º 8.-

h) Após o decesso de sua mãe foi a ré quem requereu o alvará de licença de construção, o qual foi deferido em 29 de Abril de 1998 (cfr. doc. n.º 8 da petição inicial).-

Da base instrutória.

Do quesito 2) Na constância do matrimónio a ré construiu a casa de habitação de rés-do-chão e cave, sita na Rua do Comércio, n.º ,,,, 4760-445 Cavalões, construída no prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo … urbano (vide doc.3) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … (lote 12) – vide doc. 4, cujo valor não será inferior a 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros) terreno esse para construção pertença da aqui ré que lhe adveio por sucessão.

Do quesito 3) Em 1998 foi obtido novo alvará de licença para construção (vide doc.8).

Do quesito 4) Quando deu início à construção da habitação, já se encontrava construída meia cave, construçãoessa iniciada pela mãe da ré Maria.

Do quesito 6) Para construir a habitação foi pedido um empréstimo, por autor e ré, à Caixa …, no valor de 6.000.000$00 (que equivale a 30.000,00€) – vide doc. 4.

Do quesito 7) A obra foi entregue ao empreiteiro Júlio… após a elaboração prévia de um orçamento (vide doc. 9).

Do quesito 8) O autor com o seu próprio trabalho, uma vez que é trabalhador da construção civil, também ajudou na construção dessa habitação.

Do quesito 10) O autor emigrou por várias vezes.

Do quesito 11) Tendo a ré ficado em Portugal com os filhos.

Do quesito 12) A habitação supra referida encontra-se actualmente habitada pela ré.

Do quesito 13) A mesma não se encontra registada.

Do quesito 14) Nem tem licença de habitação.

Do quesito 17) O autor ganhou dinheiro enquanto esteve emigrado, que depositava integralmente na conta comum do casal na CCA.

Do quesito 19)alteradoProvado apenas que,depois da data fixada na sentença que decretou o divórcio, do Autor eda Ré, esta acabou de pagar integralmente o empréstimo referido no facto provado sob o número 6, pelo menos em quantia não inferior a €15.000,00, acrescido dos juros.

Do quesito 20) As obras realizadas na sobredita habitação foram obras de pintura, canalização e carpintaria e o montante das mesmas atingiu o sobredito montante de três milhões de escudos (3.000.000$00) a que corresponde o contra valor em euros de aproximadamente quinze mil euros (€15.000,00).

2.2. Os Factos Não Provados.

Do quesito 2) Na constância do matrimónio autor e ré, construíram a habitação referida em 8. da pi) num terreno para construção pertença da aqui ré que lhe adveio por sucessão (vide doc. 5, 6 e 7 – fotografias).

Do quesito 4) O autor quando deu início à construção da habitação.

Do quesito 5) No entanto, o autor quando “pegou na obra” ainda teve de pagar uma dívida pendente ao empreiteiro de 150.000$00 (cerca de 748,00€).

Do quesito 9) Foi o autor que comprou os materiais para a construção da habitação, com excepção dos materiais utilizados para a construção da meia cave que já se encontrava construída.

Do quesito 10) Em 2004 o autor teve que emigrar para conseguir fazer face às despesas emergentes da construção da habitação.

Do quesito 15) A ré tinha outras contas abertas em seu nome próprio, na pendência do casamento, sem o conhecimento do autor.

Do quesito 16) Para onde a ré, sem o conhecimento do autor, transferia quantias do casal, nomeadamente fazendo transferências que eram efectuadas da conta comum na Caixa de Crédito Agrícola para conta(s) da ré.

Do quesito 18) E que quando regressou a Portugal definitivamente em meados de 2009 encontrou essa mesma conta sem dinheiro.

*

DECIDINDO

Pretende o apelante que este tribunal altere a decisão de facto ínsita na sentença.

A modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pela relação está prevista no art.º 662.º do CPC.

No caso concreto, o apelante cumpriu os ónus determinados no art.º 640.º do CPC, nada impedindo o conhecimento da impugnação da decisão de facto.

A impugnação da matéria de facto tem por objecto as respostas dadas aos quesitos 2.º, 8.º 9.º , 19.º e 20.º.

Estes quesitos têm a seguinte redacção:

Quesito 2.º: “ Na constância do matrimónio A. e R. construíram a habitação referida em 9 da pi num terreno para construção pertença da aqui R. que lhe adveio por sucessão?

Respondeu-se: Na constância do matrimónio a ré construiu a casa de habitação de rés-do-chão e cave, sita na Rua do Comércio, n.º …, 4760-445 Cavalões, construída no prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo … urbano (vide doc.3) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … (lote 12) – vide doc. 4, cujo valor não será inferior a 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros) terreno esse para construção pertença da aqui ré que lhe adveio por sucessão

Para o Autor a resposta deveria ser de provado

Quesito 8.º Foi o autor com o seu próprio trabalho, uma vez que é trabalhador da construção civil, que também ajudou na construção dessa habitação?

Respondeu-se: O autor com o seu próprio trabalho, uma vez que é trabalhador da construção civil, também ajudou na construção dessa habitação.

Para o Autor a resposta deveria ser literalmente dada como provada.

Quesito 9.º: Foi o autor que comprou os materiais para a construção da habitação, com excepção dos materiais utilizados para a construção da meia cave que já se encontrava construída.

Respondeu-se: Não provado

Para o Autor, tal facto deveria ser dado como provado.

Quesito 19.º; Apesar do dissolvido casal ter contraído um empréstimo em dinheiro na importância, ao tempo, de seis milhões de escudos, o certo é que, a amortização de tal quantia foi efectuada exclusivamente desde o mês de Janeiro de 2004, sendo esta que, aliás, requereu o registo do cancelamento da hipoteca que incidia sobre o prédio, como decorre da certidão predial junta com a petição inicial?

Respondeu-se: provado

Para o Autor tal facto deveria ter sido dado como não provado

Quesito 20.º: As obras realizadas na sobredita habitação foram obras de pintura, canalização, e carpintaria e o montante das mesmas atingiu o sobredito montante de três milhões de escudos a que corresponde ao contra valor em euros de aproximadamente quinze mil euros?

Respondeu-se: Provado,

Para o autor tal facto não se provou.

Para fundamentar a alteração da decisão de facto, louvou-se na prova documental, a saber o contrato de mútuo junto aos autos e o extracto da conta da Caixa Agrícola, e ainda nas declarações do Autor em audiência de julgamento, desvalorizando os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré.

Analisando a prova pessoal:

O Autor nas suas declarações, começou por dizer que a casa em questão não foi objecto de partilha do casal que foi constituído pelas partes. O terreno onde se construiu a casa era da mãe da Ré, filha única daquela. A sua falecida sogra já tinha edificado uma meia cave, mas foi o Autor quem pagou ao empreiteiro essa construção que lhe custou 150 contos, dinheiro que ganhou com oseu trabalho Córsega, para onde emigrou. Para continuar a obra, em 1991 emigrou outra vez para a Alemanha. o ex casal pediu um empréstimo para pagar a casa. A Ré é que geria o dinheiro que transferia para a conta bancária. Do casal que constituiu com a Ré nasceram dois filhos. Também esteve emigrado na Argélia. A obra foi entregue ao empreiteiro Júlio Lopes. Nos fins-de-semana o Autor que é trolha ajudava á construção da casa. Os materiais de construção foram pagos com o crédito que pediram. A casa foi paga pelos dois.A esposa trabalhava na confecção mas o seu ordenado era pequeno. As transferências que fazia do exterior eram também para sustentar a família. Em 2004 os filhos ainda estavam na escola e, em 2006, a filha ainda estava na escola. Cessou de transferir dinheiro para a conta bancária quando ambos ( autor e Ré) decidiram divorciar-se, talvez em 2006. Não sabe quando foi pago o empréstimo. A sua sogra gastava pouco. Quando o filho se casou deu-lhe uma prenda em dinheiro.

A testemunha R… indicada pelo Autor, disse ter sido vizinha das partes dando-se bem com ambas. Perguntada, disse que a casa em causa nos autos foi paga com o dinheiro que o Autor ganhou no estrangeiro, mas não concretizou a sua razão de ciência. Também disse que nunca viu o Autor a pagar. Quando o Autor estava em Portugal via-o a trabalhar na construção da placa.

A testemunha D…, indicado pelo Autor, disse conhecer ambas as partes, nadatendo contra as mesmas. Atestou que instalou a ligação eléctrica provisória da cave construída pela sogra do Autor. Quando vinha a Portugal o Autor trabalhava na construção da casa juntamente com outras pessoas.O Autor viveu na cave da Sogra enquanto esteve a construir outra casa.

O depoimento da testemunha A… indicada pelo Autor não se afigurou relevante já que, a sua razão de ciência, fundou-se nas conversas que teve com o autor e pelo que constava.

A testemunha H… filho das partes, indicado pelo Autor, disse que não se dá com o pai.

Lembra-se que quando era pequeno vivia na casa da avó, que ainda não estava acabada. Entretanto o pai construiu outra casa.

A Avó trabalhou sempre numa fábrica e era pessoa que amealhou, não sabendo que quantia.

O pai ganhava mais do que a mãe e contribuía para as despesas da família. A testemunha também ajudou a construir a casa em causa, mas o pai quando estava em Portugal também ajudava e pagava.

A mãe estava á frente das obras de ambas as casas e fazia os pagamentos. Em 2006 a sua irmã ainda era menor.

O dinheiro que existia na Caixa … foi gerido pela testemunha desde 2014. O pai, pelo seu casamento, doou-lhe a quantia de 2500 euros e o resto do dinheiro foi para fazer obras nas casa já partilhada. Durante 4 ou 5 meses antes do casamento a testemunha e, depois do seu casamento, entregou-o ao pai. As obras da casa ora em causa terão sido custeadas pelo empréstimo que ambas as partes pediram. Quando a mãe decidiu divorciar-se, nada levantou da conta bancária e o pai abriu uma conta bancária com a filha nas Fontaínhas. A mãe emigrou para a Suíça em 2017.Foi a mãe que cancelou a hipoteca e registou a casa.

A testemunha F…, indicada pela Ré, disse ser filha do Autor e da Ré. Não tem contacto com o pai há mais de 11 ou 12 anos. Confirmou que o pai foi com ela á Caixa … levantar o dinheiro da conta que ali tinha e abriu uma conta nas Fontaínhas com a testemunha.

A testemunha C… irmão da mãe da Ré. Quando a irmã faleceu, a casa em questão não estava acabada. Quem a acabou foi o seu genro Júlio Lopes.

A sua irmã sempre trabalhou numa fábrica e ainda dava umas horas numa quinta. Ela deixou 5 ou 6 mil contos.

A testemunha M…indicada pela Ré, disse ser seu tio.por ser irmão da mãe daquela. Atestou que a sua irmã, comprou o terreno e fez a casa “para cima de meio”, em grosso. Quem acabou a obra foi o Júlio e quem pagou a obra foi a Ré com dinheiro deixado pela mãe. Como sua irmã era analfabeta,a mesma entregava o seu dinheiro ao irmão para o guardar e, assim, a testemunha foi dando esse dinheiro á sobrinha.

A testemunha J… atestou que foi contratado para fazer o “fino” na casa em questão. A casa tinha uma a cave e o Rés –do -Chão. As paredes e o telhado já estavam construídos em grosso (blocos). Confrontado com o documento de fls. 27 (orçamento), confirmou que foi ele quem o elaborou tendo feito os trabalhos ali referidos incluindo os materiais de construção.

Mais disse que, o preço acordado foi de três milhões de escudos (€14.963.95). Foi a Ré que lhe pagou. Ainda lhe devem 200 contos. Era a Ré que tratava de tudo. O Réu disse que não lhe pagava a quantia em dívida

Quanto á prova documental, para além do já referido documento de fls 27, relevam os documentos de fls. 19 relativo ao registo do terreno em questão, em nome da Ré que a adquiriu por sucessão de sua mãe Maria ... Consta do mesmo documento que o imóvel esteve onerado por hipoteca voluntária, seguramente para garantia do mútuo celebrado pelas partes com a Caixa …, cancelada segundo o registo, em 2011/12/13.Releva também a sentença que decretou o divórcio do Autor e Ré, onde se fixou a separação de facto desde de Janeiro de 2004 (cf. fls 9 a 14).

Acresce ainda a cópia do mútuo celebrado pelas partes com a Caixa … a fls 89 e ss eainda a declaração emitida pela mutuária Caixa…, atestando que, em 10/04/2007, o capital em dívida por via do mútuo era de €14.938,46,

Quanto ao quesito 2.º não temos dúvidas sobre a correcção da resposta dada pela Mm.ª Juiz da primeira instância.

Sucede que, a casa em questão foiconstruída no terreno da mãe da Ré e parcialmente edificada por aquela. Assim, tendo as partes casado no regime da comunhão de adquiridos a casa acabada de ser construída em terreno próprio da Ré, na pendência do casamento mesmo que não se prove ter sido paga com dinheiro próprio do cônjuge proprietário, não perde a qualidade de bem próprio deste.

Quando muito, a provar-se que o Autor contribuiu com o dinheiro que ganhou do seu trabalho, ou de dinheiro apenas seu, tal contribuição só pode ser valorizada como benfeitoria útil por força do disposto no artigo 216º, 1, 2 e 3, do CC, na medida em que aumentaram o valor do bem, devendo ser reguladas a ser reguladas, na perspectiva de despesas e não da “coisa” a que deram lugar, a não ser para classificar essas mesmas despesas.

Assim e neste entendimento sufragado pela jurisprudência veja-se entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 09-12-2013, Acórdãos de Relação de Coimbra, de 15-2-2011ede 23-10-2012,e ainda, Acórdão desta Relação de 12-03-2015, todos publicados em www.cgd.pt.

Em face do exposto, não se vislumbra qualquer contradição entre a resposta ao quesito 2.º e a resposta ao quesito 8.º .

Relativamente ao quesito 9.º, para além das declarações do Autor, nenhuma prova se fez do facto ínsito no quesito. Pelo contrário, o que se provou foi que, a construção da casa em questão, foi acabada pela testemunha J… empreiteiro a quem foi entregue tal obra, que incluía todos os materiais necessários, conforme documento de fls 27.

Quanto ao quesito 20.º entendemos que o mesmo ficou provado em face do documento de fls. 27 e do depoimento da testemunha Júlio Lopes sendo certo que, da prova produzida, com excepção das declarações do Autor não resulta que, a edificação em causa, (excluindo a parte já construída pela mãe da Ré) tenha custado mais dos€15.000,00 referidos pela testemunha Júlio.

Efectivamente as declarações do Autor não são o bastante para se dar como não provado tal facto.

Quanto ao quesito 19.º é consensual que o mútuo celebrado pelas partes com a Caixa … se destinou a pagar as obras da casa. Do que se provou, o custo das obras construídas pela Ré ascenderam ao valor de €15.000,00 sendo que, o valor do mútuo ascendia ao dobro desta quantia, donde se conclui que, o valor restante do mútuo, não foi aplicado nas obras ora em causa.

Sucede que, no extracto bancário relativo da conta da Caixa … de que ambas as partes eram titulares constam várias transferências do exterior confirmando que as declarações do Autor no sentido da existência de tais transferência que para além do mais seriam para ajudar ás despesas da família, sendo que, também decorre de tal extracto que dessa conta foram debitadas prestações provavelmente relacionadas com o mútuo em causa.

Este extracto reporta-se a datas em que o ex casal já estava separado de facto, conforme sentença do divórcio. Atestou a testemunha H… filho do Autor e da Ré que, nessa altura, a mãe não geria a conta, nem levantou qualquer quantia da mesma. Mais disse que, o pai, pelo seu casamento, doou-lhe a quantia de 2500 euros e o resto do dinheiro foi para fazer obras nas casa já partilhada. Durante 4 ou 5 meses antes do casamento a testemunha e, depois do seu casamento entregou-o ao pai.

O Autor referiu que, deixou de transferir dinheiro para a conta em 2006. Ora, em 10/04/2007, o capital em dívida era ainda de €14.938.46, e a hipoteca do imóvel foi cancelada em 2011, pela Ré. Não se evidenciando que a Ré tenha usado para tanto dinheiro do ex-casal ou do Autor, tanto mais que até emigrou para a Suiça, Do exposto resulta que, já depois da data da separação de facto fixada na sentença que decretou o divórcio, foi a Ré que pagou o restante valor do mútuo, seguramente em valor não inferior a (€15.000,00) valor das obras em causa, acrescido dos juros.

Ademais, este pagamento, por ter sido efectuado depois da data da separação de facto fixada na sentença do divórcio, permite, excepcionalmente, fazer retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio à mesma, conforme artº 1789º nº2 do CC. Assim sendo, não é aplicável a presunção de comunicabilidade do art.º 1725.º do CC, cabendo ao Autor o ónus de provar que a quantia a que ascenderam as obras foram pagas com dinheiro seu ou comum do casal.

Entendemos que, em face do exposto, não logrou o Réu cumprir tal ónus de prova.

Assim, responde-se ao quesito 19.º nos seguintes termos:

Provado apenas que, depois da data fixada na sentença que decretou o divórcio, do Autor e da Ré, esta acabou de pagar integralmente o empréstimo referido no facto provado sob o número 6, pelo menos em quantia não inferior a €15.000,00, acrescido dos juros.

O DIREITO

Embora não subscrevendo os fundamentos de direito da decisão recorrida, entendemos que não podem proceder os pedidos formulados pelo Autor. Como já referimos, mesmo que se alterasse a decisão de facto, a acção teria necessariamente de improceder. O bem em causa, desde o falecimento da mãe da Ré, sua filha, sempre foi e continua a ser bem próprio da Ré. A provar-se, o que não se verificou, que o Autor contribui monetariamente para as despesas das obras, apenas teria direito a ser reembolsado a título de benfeitorias, tanto mais que nem sequer se evidencia a possibilidade da aquisição originária por acessão nos termos do art.º 1326.º e ss do CC.

Em conclusão:

I- Tendo as partes casado no regime da comunhão de adquiridos, a casa construída no terreno próprio da Ré, na pendência do casamento mesmo que não se prove ter sido paga com dinheiro próprio do cônjuge proprietário, não perde a qualidade de bem próprio deste.

IIQuando muito, a provar-se que o Autor contribuiu com o dinheiro que ganhou do seu trabalho, ou de dinheiro apenas seu, tal contribuição só pode ser valorizada como benfeitoria útil por força do disposto no artigo 216º, 1, 2 e 3, do CC, na medida em que aumentaram o valor do bem, devendo ser reguladas a ser reguladas, na perspectiva de despesas e não da “coisa” a que deram lugar, a não ser para classificar essas mesmas despesas.

II- A data da separação de facto, fixada na sentença do divórcio, permite, excepcionalmente, fazer retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio à mesma, conforme art.º 1789º nº2 do CC.

DECISÃO

Pelo exposto e acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível em alterar a decisão de facto nos termos supra expostos e, em consequência, julga-se improcedente a presente acção absolvendo-se a ré dos pedidos formulados pelo Autor.

Custas pelo Autor sem prejuízo do apoio judiciário.

G. 28.05.2015

Isabel Rocha

Jorge Teixeira

Manuel Bargado