Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
176/10.9TAGMR-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: A dedução de pedido cível no âmbito do processo penal não está sujeita ao prévio pagamento de taxa de justiça
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, com o n.º176/10.9TAGMR-A.G1, do 3ºJuizo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi proferido pelo Sr.Juiz, em 16/2/2011, o seguinte despacho:
“Do pedido de indemnização civil:
O art.º 150.º-A do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Pagamento de taxa de justiça”, dispõe que:
“1- Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do beneficio do apoio judiciária, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2- A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.
3- Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512-B e 685.º-D.”
Ora, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo (art467. °, n.º 3 do CPC).
A secretaria recusa o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário.
No caso concreto, a demandante civil não juntou, com a apresentação do pedido de indemnização civil, documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário.
E não estava dispensada de o fazer.
Com efeito, o art.º 15.º do Regulamento das Custas Processuais, onde está prevista a dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça, não contempla o demandante civil em processo penal, excepção feita às situações em que o valor do pedido não excede as 20 UC, atento o disposto no art.º 4. °, n.º 1, al. m) do RCP – neste sentido, Edgar Valles, Custas Processuais, pág. 110 e 111, onde se lê:
“Pedido cível de indemnização (...)
No CCJ, havia lugar a dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça «nas acções cíveis declarativas e arrestos processados conjuntamente com a acção penal» (art.º29.º n.º 2, al. j).
No RCP não existe norma similar, pelo que nos pedidos cíveis de indemnização passa a haver lugar ao pagamento de taxa de justiça inicial com a apresentação da petição e também com a apresentação da contestação ao pedido cível.”
O pedido de indemnização civil deduzido não deveria, por isso, ter sido recebido pela secretaria.
Tendo-o sido, resta ordenar o seu desentranhamento, na medida em que a sua manutenção no processo configura a prática de acto que a lei não admite.
*
Em face do exposto, determino o desentranhamento do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes autos.
*
Notifique e, transitado, cumpra.”

Notificado desta decisão, o demandante interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões (transcritas):
1ª É entendimento do recorrente que a apresentação e admissão do pedido de indemnização civil em processo penal não depende do pagamento prévio de taxa de justiça, mas, mesmo que por hipótese dependesse, nunca a sanção processual poderia ser o desentranhamento, como se decidiu no despacho recorrido.
2ª Com efeito, com a entrada em vigor do Regulamento das Custas Judiciais (doravante RCP) nada se alterou relativamente à dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça nos pedidos de indemnização civil, apenas e tão-só se alterou, em beneficio das partes civis em processo penal o regime de isenção de custas.
3ª O argumento retirado a contrario sensu do disposto no art. 15.º do RCP alegado no despacho não deve, nem pode impressionar. Muito menos conjugado com a interpretação do art.º4 do mesmo Regulamento também vertida no despacho recorrido.
4ª É que, nos termos do disposto no art.º 24.º do CCJ, também aí não contava como excluído do pagamento de taxa de justiça inicial o pedido de indemnização civil em processo penal.
5ª Contudo, era jurisprudência e prática judicial firmes no domínio do CCJ que no pedido de indemnização civil não havia lugar ao pagamento da taxa de justiça inicial.
6ª Quando o Governo pretendeu alterar o regime das custas judiciais e elaborou a Proposta de Lei n.º 125/X com o objectivo confessado de uniformização e simplificação do sistema de custas processuais (cfr. a exposição de motivos da Proposta de Lei) submeteu à Assembleia da República uma proposta de lei de autorização que veio, efectivamente, a desembocar na Lei 26/07 de 23 de Julho.
7ª Nessa Proposta de Lei, nomeadamente, no seu art.º 2.º n.º1 al. e) e f) sob a epígrafe “Sentido e extensão da autorização legislativa”dizia-se expressamente:
1- O sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais) são os seguintes:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (. ..)
e) Estabelecer o elenco e regime de isenções de custas processuais, revogando todos os casos de isenções de custas previstos em leis avulsas e unificando o regime de isenções no Regulamento das Custas Processuais;
f) Reduzir significativamente o beneficio da dispensa do pagamento prévio, mantendo-o apenas no âmbito do processo penal, dos processos que devam correr no Tribunal Constitucional, nos casos previstos pela lei de acesso ao direito e aos tribunais e no que respeita ao Estado, em alguns processos que decorram nos Tribunais Administrativos e Fiscais; - negrito nosso.
8ª Quer isto dizer que foi intento do Governo, desde a primeira hora, que se mantivesse o regime de dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça no âmbito do processo penal, sendo que este mesmo texto foi transposto para a Lei de autorização legislativa n.º 26/07 de 23 de Julho, em cumprimento da qual foi colocado em vigor o DL 34/08 de 26 de Fevereiro, cujo art.º 2.º n.º l als. e) e f) transcrevem ipsis verbis os mesmos artigos da Proposta de Lei.
8ªAssim, deve entender-se que também no domínio do RCP os pedidos de indemnização civil não estão sujeitos ao pagamento de taxa de justiça inicial e, muito menos, ao seu pagamento prévio.
9ª Quer isto dizer que a interpretação que se extraia do disposto nos art.ºs 4º nº al. m), 6º, 8º, 11º e 15º do RCP a contrario sensu no sentido de que é devida taxa de justiça inicial paga por auto-liquidação pelo demandante quando deduza pedido de indemnização civil de valor superior a 20 UC, é organicamente inconstitucional porquanto tal interpretação é violadora da Lei de Autorização Legislativa concedida pela Assembleia da República.
10ª Acresce que, existe no Regulamento das Custas Judiciais uma disposição legal (artigo 8º) especialmente aplicável ao processo penal, sendo que ali estão expressamente referidas as situações em que a taxa de justiça deverá ser auto liquidada (constituição de assistente e abertura de instrução pelo assistente), não constando de tal norma qualquer referência ao pedido de indemnização civil.
11ª No entanto, é expressamente previsto no art.º 8.º n.º5 do RCP que nos restantes casos, ou seja, todos aqueles não referidos nos números anteriores, a taxa de justiça é fixada a final, pelo juiz, dependendo da complexidade do processado.
12ª Ora, vigorando neste âmbito o princípio da adesão, o qual impõe que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo; e uma vez que existe no Regulamento das Custas Judiciais uma norma especificamente destinada ao processo penal, parece, salvo melhor opinião, que não havendo na letra da lei qualquer referência expressa à autoliquidação de taxa de justiça no caso do pedido de indemnização civil, deverá entender-se que a este se aplica o disposto no n.º 5 do artigo 8.º daquele Regulamento, ou seja, que a taxa de justiça é paga a final.
13ª A tudo isto deverá ainda acrescer o argumento histórico, porquanto no âmbito da legislação anteriormente em vigor (Código das Custas Judiciais) o pedido de indemnização civil não acarretava a autoliquidação de taxa de justiça, pelo que se fosse intenção do legislador que tal passasse a suceder por aplicação do Regulamento das Custas Judiciais, parece que seria exigível que tivesse sido feita referência expressa a tal situação, tal como acontece com os supra aludidos casos da constituição de assistente e abertura de instrução pelo assistente.
14ª Acresce que, a taxa de justiça devida em processo penal constante da tabela III anexa ao RCP não se encontra fixada, contendo antes os intervalos entre os quais se deve fixar, como, aliás, demanda o art.º8º do RCP.
15ª Por fim, dir-se-á que as normas tributárias estão sujeitas ao princípio da legalidade/tipicidade, pelo que não constando do RCP que é devida taxa de justiça inicial pela apresentação do pedido de indemnização civil de valor superior a 20 UC, não pode o intérprete criá-la através de analogia não permitida em matéria tributária, pelo que se deve entender que a interpretação que se faça do disposto nos artºs 4º nº 1 al. m), 6º, 8º, 11º e 15° do RCP no sentido de que é devida taxa de justiça pela apresentação do pedido de indemnização civil, deve, também por esta via ser considerada inconstitucional, por violação do disposto nos art°s 103° da Constituição.
16ª Por outro lado, ainda que assim não fosse e mesmo que se aplicasse o disposto no art° 150.º-A do Código de Processo Civil ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, certo é que a sanção para a falta de junção do comprovativo do pagamento nunca seria a do desentranhamento da peça processual, mas sim de aplicação do disposto no art° 476° do Código de Processo Civil.
17.º Pelo que, constatando a secretaria que não foi junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça por auto-liquidação, havia que notificar o requerente para efectuar o pagamento omitido, sendo que possuiria o prazo de 10 dias para efectuar o pagamento da taxa e juntar o comprovativo após a recusa pela secretaria ou após a notificação da decisão judicial que a coonestasse.
18ª De facto, tendo em conta que vigora no processo penal o princípio da adesão (art. 71º do Código de Processo Penal), sancionar o ofendido/demandante com o não conhecimento e desentranhamento do pedido de indemnização civil por aplicação do art° 150°-A, 474° al. f) do Código de Processo Civil aplicáveis por via do disposto no art° 4° do Código de Processo Penal, sem que se desse uma oportunidade para a taxa ser paga e tal documento ser junto, constituiria violação do disposto nos ars 20° nº1, 4 e 5 e 32º, n8 da Constituição.
19ª Acresce que, dando entrada o pedido de indemnização civil nas secretarias do Ministério Público (à excepção dos deduzidos após o despacho de pronúncia), os funcionários dessas secretarias não seriam os competentes para rejeitar ou recusar o recebimento do pedido de indemnização civil, desde logo porque, por um lado, não estão formados para o efeito e, por outro, não é o Ministério Público que admite ou rejeita os pedidos de indemnização civil.
20ª Por fim, dir-se-á que acedendo à plataforma na internet de pagamento de taxa de justiça no site do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP em “www.igfij-mj.pt/custas” em processo penal inexiste qualquer opção para pagamento da taxa de justiça no pedido de indemnização civil ou para pagamento de taxa de justiça pela interposição de recurso pelo assistente ou pelo demandante.
21ª A decisão recorrida violou ou fez errada interpretação dos artºs 71º, 74º n.º1 e 77.º n.º1 do Código de Processo Penal, 150°-A, 467° n.º3, 474 al. f), 476.º do Código de Processo Civil, 4° n°1 al. m), 6°, 8° n.º5, 11° e 15° do Regulamento das Custas Processuais, 2° n.º1 als. e) e f) da Lei 26/07 de 23 de Julho e dos art°s 20.º n.º1,4 e 5, 32° n.º8 e 103° da Constituição, não podendo, pois, manter-se.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
Admitido o recurso, subiram os autos a esta Relação.
A Exma.Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.412.º n.º1 do C.P.Penal).
Analisadas as conclusões, são duas as questões colocadas:
1ª-Saber se, num processo crime, o demandante cível tem, ou não, de autoliquidar taxa de justiça por ter deduzido pedido de indemnização civil.
2ª-Em caso afirmativo, quais as consequências da falta da autoliquidação da taxa de justiça.

1ªquestão:
Uma vez que o processo se iniciou já na vigência do Regulamento das Custas Processuais (de ora em diante designado RCP), pois foi instaurado posteriormente a 20/4/2009 (art.27.º do DL n.º34/2008, de 26/2, na redacção da Lei n.º64-A/2008, de 31-12), é este o diploma aplicável ao caso vertente.
O despacho recorrido sustenta que o art.15.º do RCP, que prevê a dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça, não contempla o demandante cível em processo penal, pelo que, no caso vertente, o demandante deveria ter autoliquidado a taxa de justiça.
Nos termos do art.4.º n.º1 al.m) do RCP, estão isentos de custas, o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a 20 Ucs.
Daqui resulta que, em processo penal, quando o valor do pedido de indemnização civil for igual ou superior a 20 Ucs, é da responsabilidade do demandante e do arguido/demandado o pagamento das custas que forem devidas, as quais são pagas nos termos das correspondentes normas do C.P.Civil – art.523.º do C.P.Penal (Custas no pedido cível).
No caso presente, em que não há isenção de custas, é devido o pagamento prévio da taxa de justiça?
Afigura-se-nos que a resposta tem de ser negativa. Vejamos.
Dispõe o art.14.º (oportunidade do pagamento) do RCP:
“1. O pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento.
2. Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário e o acto seja praticado directamente pela parte, só é devido o pagamento após notificação de onde conste o prazo de 10 dias para efectuar o pagamento e as cominações a que a parte fica sujeita caso não o efectue.
3. (…)
4. (…)”
E o art.15.º do RCP, Dispensa de pagamento prévio, estipula:
“Ficam dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça:
a) O Estado, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, quando demandem ou sejam demandados nos tribunais administrativos ou tributários, salvo em matéria administrativa contratual e pré-contratual e relativas às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado;
b) As partes que beneficiarem de apoio judiciário na modalidade respectiva, nos termos fixados em legislação especial.
c) Os arguidos nos processos criminais ou nos habeas corpus e nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais.”
Por sua vez, dispõe o art.8.º do RCP, sob a epígrafe Taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional:
“1-A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no montante de 1 Uc, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 Uc e 10 Uc, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.
2- A taxa de justiça devida pela abertura da instrução requerida pelo assistente é auto liquidada no montante de 1 Uc, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 Uc e 10 Ucs, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.
3-Para o denunciante que deva pagar custas, nos termos do disposto no art.520.º do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz um valor entre 1 Uc e 5 Ucs.
4-É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, sendo a taxa autoliquidada nos 10 dias subsequentes ao recebimento da impugnação pelo tribunal, no montante de 1 Uc, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
5-Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela Tabela III.”
Este art.8.º do RCP enumera taxativamente os casos de autoliquidação e prévio pagamento da taxa de justiça devida em processo penal e contra-ordenacional, sendo que no processo penal os reconduz à constituição de assistente (n.º1) e à abertura de instrução requerida pelo assistente (n.º2). Para os restantes casos, prevê, como regra geral, o pagamento da taxa de justiça a final, a qual é fixada pelo juiz, segundo a complexidade da causa, dentro dos limites previstos na Tabela III (n.º5).
A propósito do n.º2 do art.8.º RCP, refere Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado”, 3ªedição, pág.226, que esta norma “Não se reporta à taxa de justiça devida pelo arguido por virtude do requerimento de abertura da instrução, pelo que a conclusão é no sentido de não dever ser por ele objecto de prévio pagamento.”
O n.º5 do citado preceito, que estatui que a taxa de justiça é paga a final e que o juiz a deve fixar nos limites estabelecidos pela Tabela III, tem um cariz residual, abrangendo uma pluralidade de actos processuais não previstos nos n.º1 a 4, mas relativos à área do processo penal ou contra-ordenacional. Porém, esta Tabela III não abrange o pedido de indemnização cível deduzido no processo penal, cuja taxa de justiça devida é determinada nos termos da Tabela I-A anexa ao RCP.
Como se refere no Ac.R.Porto de 6/4/2011, proc. n.º 4515/09.7TAMTS-B.P, relatado pela Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias, in www.dgsi.pt, “no entanto, nem todos os actos a tributar estão previstos nessa tabela III: a propósito, recorda Salvador da Costa que a “lei não prevê especificamente, na referida tabela, além do mais, a fixação de taxa de justiça devida pelo assistente no caso de o arguido ser absolvido ou não ser pronunciado por todos ou por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido, se decair, total ou parcialmente, em recurso que houver interposto ou em que tenha feito oposição, ou se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar, a que se reportam as alíneas a), b) e d) do art. 515º do Código Processo Penal. (…) Por isso, o facto de o lesado não ter de auto-liquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença (altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas).”
Se o legislador pretendesse que no processo penal fosse auto-liquidada a taxa de justiça pela dedução do pedido de indemnização civil, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez para os casos de constituição de assistente e abertura da instrução requerida pelo assistente (art.8.º n.º1 e 2 do RCP).
E compreende-se a opção do legislador de no processo penal não exigir a auto-liquidação da taxa de justiça quando é deduzido pedido cível ou quando é apresentada contestação a esse pedido cível, pois a tramitação do pedido cível é muito simplificada.
“A própria formulação do pedido cível no processo penal não obedece aos requisitos mais exigentes previstos no CPC para a petição inicial (onde, aí sim, se justifica, o prévio pagamento de taxa de justiça, dado o impulso processual das partes e trabalho que se irá desenvolver).
Também a contestação do pedido cível, enxertado na acção penal, não obedece às exigências previstas no CPC, sendo certo que, em qualquer caso, a sua falta não implica a confissão dos factos (art. 78º, nº 3, do CPP).
Inclusivamente no processo penal, o tribunal pode remeter as partes para os tribunais civis, verificando-se as situações previstas no art. 82º, nº 3, do CPP. E, pode mesmo arbitrar oficiosamente indemnização à vítima nos casos especiais previstos no art. 82º-A do CPP (portanto, independentemente do impulso do lesado).
A legitimidade e poderes processuais das partes civis (que são sujeitos processuais em processo penal) estão limitados de acordo com o disposto no 74º do CPP (não sendo, portanto, tão amplas como sucede no processo civil).” – in acórdão supra citado.
O pedido cível enxertado no processo penal tem especificidades próprias que justificam a opção do legislador em não exigir a auto-liquidação da taxa de justiça pela dedução do pedido cível ou pela apresentação da contestação a esse pedido cível.
Por outro lado, a Lei n.º26/2007, de 23-7, que autoriza o Governo a aprovar um Regulamento das Custas Processuais, no art.2.º n.º1 dispõe que “O sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais, são o seguintes:
(…)
f)- Reduzir significativamente o benefício da dispensa de pagamento prévio, mantendo-o apenas no âmbito do processo penal, dos processos que devam decorrer no Tribunal Constitucional, nos caos previstos na lei que aprova o regime de acesso ao direito e aos tribunais e no que respeita ao Estado, em alguns processos que decorram nos tribunais administrativos e fiscais.”
Ora, no domínio do anterior Código das Custas Judiciais a dedução de pedido de indemnização civil em processo penal não estava dependente do prévio pagamento de taxa de justiça e a autorização legislativa para aprovação de um Regulamento das Custas Judiciais foi dada no sentido de, no processo penal, se manter o âmbito da dispensa do prévio pagamento da taxa de justiça.
Pelas razões expostas, concluímos que a dedução de pedido cível no âmbito do processo penal não está sujeito ao prévio pagamento de taxa de justiça e consequentemente impõe-se a revogação da decisão recorrida que ordenou o desentranhamento do pedido cível em virtude do demandante não ter apresentado documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário.
Face à procedência desta parte do recurso, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada.
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III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido que não admitiu o pedido de indemnização cível com fundamento em ser devido o pagamento prévio de taxa de justiça.
Sem custas.
(texto elaborado e revisto integralmente pela relatora, 1ªsignatária)

Guimarães, 12/9/2011