Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
140/11.0GDGMR.G1
Relator: LÍGIA MOREIRA
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
NÃO ENTREGA DE CARTA DE CONDUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I- A falta de entrega pelo arguido da carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que aplicou a proibição de conduzir, após competente advertência para o efeito, constitui crime de desobediência punível nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 348.º do Código Penal.

II- O Juiz que condenar em pena acessória de proibição de conduzir não só pode como deve ordenar que a notificação do condenado para apresentar o seu título de condução seja feita efectuada sob pena de desobediência. Esta advertência não faz parte do tipo de crime, sendo mera condição de punibilidade.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, os Juízes na Secção Criminal deste Tribunal:

RELATÓRIO

No processo sumário nº 140/11.OGDGMR no 3º J Criminal de Guimarães, o arguido F… foi condenado pela prática, como autor material, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292 nº 1 do CPenal, na pena de 95 dias de multa à razão diária de 7,00 EUR (total de 665,00 EUR) e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 7 meses.
Na sentença, a final, foi ordenada a sua notificação ao arguido, com a expressa advertência de que deverá proceder à entrega da respectiva carta de condução na secretaria do Tribunal Judicial de Guimarães ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após trânsito em julgado da sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
Inconformado com a sentença, dela recorreu o arguido, em suma, pretendendo a aplicação do instituto da atenuação especial da pena de multa e consequente diminuição do número de dias para 10, a diminuição do seu quantitativo diário para 5 EUR e ainda a diminuição da duração da inibição de condução para 3 meses.
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu pugnando pela improcedência do recurso do arguido, em suma, por adequada dosimetria das penas aplicadas.
Também o Ministério Público recorreu da sentença, pretendendo que seja declarada ineficaz ou inoperante a advertência cominatória de crime de desobediência para o caso de falta de entrega da carta de condução no prazo de 10 dias após o trânsito da sentença.
A Exma Sra Procuradora Geral Adjunta nesta Relação porém, emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos, em suma, e respectivamente, porque as penas aplicadas se mostram adequadas, proporcionais e necessárias e porque a notificação questionada pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido é legítima e legal.
Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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O âmbito dos presentes recursos está delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim no caso, são as seguintes as questões a apreciar.
I- da dosimetria da pena de multa e da pena acessória de proibição de condução.
II- da cominação de crime de desobediência para o caso do arguido não entregar a carta de condução no prazo fixado.
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FUNDAMENTAÇÃO

Com interesse para as questões em causa, importam os FACTOS fixados como provados:
Em 27/3/2011 pelas 17 horas, o arguido F… conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, de sua propriedade, pela Rua 25 de Abril em …. -Guimarães e sendo submetido a exame de pesquisa de alcool no ar expirado realizado no aparelho “Drager 71 10 MKIII P”, apresentou uma TAS de 2,16g/l (dois vírgula, dezasseis grama/litro).
Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que devido à quantidade de bebidas alcoólicas que tinha voluntariamente consumido antes de iniciar a condução do veículo, apresentava uma taxa de alcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l que o impedia, nos termos da Lei, de conduzir qualquer veículo automóvel.
Ganha 545,00 Eur/m como empregado fabril, é viúvo e tem um filho com 12 anos de idade a cargo, vivendo com os pais na casa destes, embora tenha casa própria.
Tem o 6º ano de escolaridade.
Não apresenta antecedentes criminais.
Em audiência de julgamento, fez confissão integral e sem reserva dos factos.
Foi notificado/advertido nos termos determinados a final na sentença (cf. acta única da audiência de julgamento).

DO ENQUADRAMENTO LEGAL

I- Para reapreciar da dosimetria, seja de pena de multa, seja de pena acessória de proibição de condução de veículo motorizado, importa o disposto no art. 40 do CPenal, nº1 “A aplicação de penas… visa a protecção de bens juridicos e a reintegração do agente na sociedade”; nº 2 “Em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa” e importam os critérios comuns enunciados no art. 71 do CPenal, a saber, (nº 1) “dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e atendendo (nº 2) “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior a este, esta especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta ilícita, manifestada no facto, quando essa falta deve ser censurada através da aplicação da pena”.
Atenta-se, na esteira do Ac. STJ in proc. nº 364/09.GESLV.E1.S1 de 14/7/2010 Rel. Fernando Fróis, que fez uma incursão quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, quanto à determinação da medida concreta da pena, que Fig. Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora 2001, pág. 65 e segs resume que 1)Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. Américo Taipa de Carvalho in Prevenção, Culpa e Pena/Liber Discipulorum para J. F. Dias, Coimbra Editora 2003 pág. 322 afirma que subjacente ao art. 40 do CPenal, está uma concepção preventivo-ética da pena; preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
“As penas, embora devam ter um sentido pedagógico e ressocializador, são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”- cf. Ac.s STJ de 10/4/96 in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168; de 17/9/97 in proc. nº 624/97-3ª; de 20/5/98 in proc. nº 370/98-3ª in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e BMJ 477, 124 e “…a pena, no mínimo, deve corresponder ás exigências e necessidades de prevenção geral, de modo que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”-cf. Ac. STJ de 22/9/04 in proc. nº 1636/04-3ª in ASTJ nº 83.
Como concluído, no supra referido Ac. STJ Rel. Fernando Fróis “…o juiz serve-se do critério geral contido no art. 71 do CP, estando vinculado….Acatados e respeitados os critérios de determinação concreta da medida da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável”.
No que tange à proibição de condução, também importa atender a que, como ensina Figueiredo Dias in Dto Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 205, “…à proibição de conduzir deve pedir-se um efeito de prevenção geral de intimidação que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa”. Desta pena acessória “…deve esperar-se que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
No caso em apreço, pondera-se que a culpa do arguido é acima da média, formulando-se relevante juízo de censura ético-juridico por apresentar uma TAS de 2,16 g/l ---muito elevada considerando o limite mínimo a partir do qual já se configura crime (1,2 g/l); quase o dobro dela !--- e também por ser habilitado com o 6º ano de escolaridade, assim necessariamente tendo consciência de que não estava em condições de conduzir e incorria em crime.
Ponderam-se preocupações de prevenção geral que no tipo de crime em causa, são muito relevantes, pois é um tipo de crime que ocorre com muita frequência e potencia muita sinistralidade rodoviária, muitas vezes com a gravíssima consequência de perda de vidas humanas, sendo assim muito importante a aplicação de penas que contribuam para o reforço, junto dos cidadãos, da validade e da eficácia da norma violada e interesse nela tutelado/comunitário de segurança rodoviária, enfim do sentimento de confiança e segurança nas instituições jurídico-penais.
E as circunstâncias do arguido se apresentar como primário (o crc nada regista), gozar de integração familiar e laboral e a sua confissão integral dos factos em audiência de julgamento, circunstâncias que jogam a seu favor, ainda que esta última com pouco significado já que foi submetido a julgamento, além do mais, com prova de teste de alcoolemia fazendo fé em juízo.
Porém tais circunstâncias, apesar de “realçadas” pelo arguido-recorrente para fundamento de uma “atenuação da pena de multa com consequente redução dos limites da pena de multa nos termos do art. 73 nº 1 c) do CPenal”, encontram-se frequentemente verificadas em muitos outros casos de idêntico tipo de crime e não diminuem, pelo menos “…por forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena” (cf. art. 72 nº 1 do CPenal, sublinhado nosso). O arguido F… não se distingue afinal, significativamente, de muitos outros condutores em estado de embriaguez, que também primários, adequadamente inseridos no meio social e assumindo em julgamento as suas práticas, por conduta inequívocamente culposa e para satisfação de razões de prevenção geral “de peso” demandam uma pena a encontrar na moldura abstracta normal prevista no art. 292 nº 1 do CPenal. Não se justifica no caso, a aplicação do instituto em causa, que sendo excepcional, é para aplicação por forma exigente e moderada.
Tudo isto ponderado, configuram-se justificáveis uma pena de multa e uma pena acessória de proibição de condução próximas do meio, quiçá até um pouco para além, das respectivas molduras abstractas (de 30 dias e 120 dias cf. art. 292 nº 1 do CPenal; de 3 meses a 3 anos cf. art. 69 nº 1 a) do CPenal) pelo que as fixadas no Tribunal recorrido ---95 dias de multa e 7 meses de proibição de condução ---são adequada e algo benevolente até, isto respectivamente, o que implica aqui, a sua confirmação.
Acresce que a razão diária da multa fixada ---7,00 EUR--- também se apresenta adequada face ao disposto no art. 47 nº 1 do CPenal, “A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no nº 1 do art. 71..” (do mesmo diploma) e nº 2 “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 e 500 EUR, que o Tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”, pois tem-se que o arguido tem trabalho certo que é remunerado mensalmente com 545 EUR e tem casa própria, também beneficiando de residência junto dos seus pais e que os encargos que tem são próprios e com um filho menor de 12 anos.
Atente-se em que uma pena pecuniária só alcançará as suas finalidades ---finalidades de prevenção geral positiva e também de prevenção especial, sempre dentro do limite da culpa---, se, para o condenado, representar um sacrifício real, se se traduzir em relevante privação no seu património, sob pena de ser então inócua e até ridícula.
Os mínimos pretendidos pelo recorrente, de pena de multa por atenuação especial e da razão diária, configurar-se-iam manifestamente insuficientes por, considerada a sua culpa, não satisfazerem finalidades de prevenção seja geral, seja especial.
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II- O Ministério Público junto do Tribunal recorrido insurge-se quanto à circunstância de na sentença se ordenar a notificação ao arguido de que a falta de entrega da respectiva carta de condução na secretaria do Tribunal Judicial de Guimarães ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após trânsito em julgado da sentença, o fazer incorrer na prática de um crime de desobediência.
Já nesta Instância, o Ministério Público configura tal notificação/advertência como possível e inclusivé, como devida, por legítima, legal, em suma, por respeitar a punição de conduta de incumprimento da entrega do título nos termos ordenados, e não se prender com a questão da posterior apreensão do título.
O recurso mereceu admissão na 1ª Instância, em nosso entender bem, pois com todo o respeito pela posição tomada no Ac. TRG de 9/5/2011 in proc. nº 194/099.OTAGMR.G2 Rel. Nazaré Fernandes no sentido da irrecorribilidade de decisão idêntica à dos autos, porque, em suma, integrará o conceito de despacho de mero expediente “...o recurso não incide sobre o acto decisório, acórdão, uma vez que a discordância do … recorrente não respeita a decisão tomada …quanto ao objecto do processo…” “…o (tribunal) limita-se a regular… a fase de execução da pena acessória de proibição de condução…” “…a cominação… é uma mera advertência…” “…tal despacho não afecta qualquer direito do arguido…” e no Ac. TRG de 30/5/2011 in proc. nº 79/10.7PTGMR.G1 de Fernando Monterroso, nele então Relator, no sentido de que o Ministério Público carecerá de interesse em agir “…se o arguido vier a não entregar a carta, não é neste processo, mas no processo crime que eventualmente for instaurado, que terá que ser discutido e decidido, se efectivamente cometeu um crime de desobediência.” “A mera advertência não afecta qualquer direito do arguido…”, entendemos que em causa está (ainda) o objecto do processo pois nos termos do art. 375 nº 1 do CPP, quando seja caso disso, na sentença condenatória além da delimitação e aplicação da pena devem ficar fixados “…o início e o regime do seu cumprimento e outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração”; o arguido, ao sofrer a cominação de responsabilidade e inquérito criminal (já) está a sofrer uma compressão dos seus direitos, isto independentemente do desfecho que aquele venha a ter; e ainda porque o Ministério Público, porque vela pela legalidade democrática e interesses que a lei determinar, mormente para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as Leis, caso entenda que assim não aconteceu nos autos, movido por interesse de reposição de legalidade, tem o dever-poder de recorrer com a legitimidade que o art. 401 nº 1 a) do CPP lhe atribui.
A matéria das consequências da falta de entrega da carta de condução de condenado na pena acessória de proibição de conduzir é objecto de profunda divisão na nossa jurisprudência, desenhando-se em suma, três orientações distintas, a saber, que a falta de entrega da carta de condução I-não constitui crime de desobediência; II-integra o crime de violação de imposições, proibições ou interdições p. no art. 353 do CPenal; III- integra um crime de desobediência; a) p. na alínea a) do art. 348 do CPenal; b) p. na alínea b) do mesmo.
Todas ponderadas, e na esteira do Ac. TRL de 24/3/2010 Rel. Carlos Almeida e dos Ac.s TRP de 9/6/2010 Rel. Eduarda Lobo, TRG de 15/11/2010 Rel. Maria Augusta Fernandes, TRL de 23/11/2010 Rel. Ricardo Cardoso, TRP de 2/3/2011 Rel. Araújo de Barros e TRP de 18/5/2011 Rel. Paula Guerreiro, estes in www.dgsi.pt, entendemos também que a conduta de quem não entregue a carta de condução em prazo fixado na sentença condenatória, na sequência da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir a que alude o art. 69 do CPenal, é passível de integrar a prática de um crime.
Crime porque, em suma, não foi pretendida pelo legislador que alterou o C. Estrada com o DL nº 2/98 de 3/1 ao acrescentar no art. 167 a proibição de conduzir à inibição de conduzir e à cassação de licença já constantes do anteriormente correspondente art. 161, uma diferenciação entre a apreensão do título na sequência de sanção de inibição de conduzir ou de cassação, da que ocorre por força de pena acessória de proibição. A apreensão não é uma sanção e como resulta do teor do art. 160 nº 4 do C. Estrada “…sem prejuízo da punição por desobediência…pode a autoridade competente determinar a sua apreensão”, não exclui a punição por desobediência.
Não, um crime de violação de imposições proibições ou interdições p. no art. 353 do CPenal que se referirá afinal, a violação de imposições determinadas a título de “pena” (v. g. não conduzir) e não, a imposições “processuais” decorrentes da aplicação de uma pena (v. g. não entrega da carta de condução), sendo que a alteração do referido artigo operada pela lei nº 59/07 de 4/9 ao acrescentar à previsão legal a violação de “imposições”, a par das de proibições ou interdições, pretendeu a punição da violação das penas com obrigações de conteúdo positivo, como as injunções cominadas a pessoas colectivas, penas acessórias que com o mesmo diploma passaram a estar contempladas nos art.s 90-A nº 2 alínea a) e 90-G do CPenal.
Configura-se um Crime de desobediência p. e p. pelos art.s 348 nº 1 alínea a) do CPenal, tendo presente o estatuído no art. 160 nº 1 e 3 do C. Estrada, pois a proibição de conduzir a que se refere o art. 160 do C. Estrada é a pena acessória de natureza penal que se encontra prevista no art. 69 do CPenal. Após a revisão do C. Estrada de 1998, a lei passou a prever com a cominação de desobediência simples a omissão do dever de entrega da carta de condução, quando a mesma seja imposta como pena acessória de proibição de condução, na esfera das infracções estradais.
O Juiz que condenar em pena acessória de proibição de conduzir não só pode como deve ordenar que a notificação do condenado para apresentar o seu título de condução seja feita efectuada sob pena de desobediência. Esta advertência não faz parte do tipo de crime, sendo mera condição de punibilidade” -Ac. TRP de 2/3/2011 já supra referido.
A sentença no que a tal questão respeita, não nos merece, pois, qualquer censura.

DECISÃO
Atento o exposto, os Juízes deste Tribunal acordam negar provimento quer ao recurso interposto pelo arguido, quer ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se a medida das penas aplicadas e a cominação ao arguido nos termos da sentença.

Custas pelo recorrente-arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Guimarães, 17 de Outubro de 2011

Lígia Moreira
Fernando Monterroso (vencido)
José da Cruz Bucho

Voto de vencido
Como decorre do relatório do acórdão, o recurso limita-se à decisão de advertir o arguido de que deverá proceder à entrega da carta de condução na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de incorrer em crime de desobediência.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido defende não haver lugar à cominação.
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Porque a questão já foi tratada no acórdão proferido no recurso do Proc. 79/10.7PTGMR.G1, de que fui relator, e em despachos de rejeição de recurso que proferi no Proc. 60/11.9GCGMR, limitar-me-ei a reproduzir aqui o essencial do decidido naqueles processos.
Entendo que o Ministério Público carece de interesse em agir.
Dispõe o art. 401 nº 2 do CPP que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
Esta norma significa que o recorrente, além da legitimidade, deve, no caso concreto, ter necessidade de usar do meio processual que é o recurso para realizar o seu direito. Não existe interesse processual quando o recorrente apenas visa satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial a seu favor – Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pag. 171.
Daqui resulta que não deverá conhecer-se do recurso se o recorrente em nada vir alterados os efeitos da decisão recorrida, mesmo que procedam inteiramente as conclusões por si formuladas.
Ora, nestes autos o objecto do processo é só determinar se o arguido cometeu o crime que lhe foi imputado e, em caso afirmativo, quais as sanções e obrigações adequadas ao seu caso.
A cominação em causa é, pela sua própria natureza, uma mera advertência, que não contém nenhuma decisão, ainda que implícita, sobre o mérito de qualquer questão, designadamente quanto à questão da verificação do crime de desobediência, em caso de incumprimento. Nada distingue esta advertência das advertências similares que são feitas por entidades administrativas, por exemplo, num embargo de obra. O embargado não pode "recorrer" ou impugnar judicialmente a mera advertência (pode, naturalmente, impugnar a obrigação de parar a obra, o que é diferente).
Por outras palavras, se o arguido não entregar a licença de condução, não é neste processo, mas no processo crime, que, eventualmente, for instaurado, que terá de ser discutido e decidido se, efectivamente, cometeu um crime de desobediência.
Na realidade, apesar da improcedência do recurso, se o arguido vier a não entregar a carta, o Ministério Público não fica obrigado a acusar em consequência do acórdão agora proferido. O mesmo sucederia se o MP não tivesse interposto o recurso deixando transitar a sentença da primeira instância. O nosso processo penal é enformado por um princípio do acusatório “puro”.
Isto é, a mera advertência não afecta qualquer direito do arguido, pois que, se tal sucedesse, a decisão já seria recorrível em conformidade com os arts 20º, nº 1 e 32º, nº 1, da CRP.
O que significa, no meu entendimento, que, nesta parte, estamos perante um despacho de mero expediente, conquanto inserido na sentença, cuja irrecorribilidade está prevista no art. 400, nº 1, al. a), do CPP.