Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1046/10.6TBVVD.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Face à alteração legislativa operada pela Lei nº 55-A/2010, não pode o tribunal homologar plano de insolvência que não respeite o princípio legal da indisponibilidade do crédito tributário.
II - Constitui vício não negligenciável, nos termos e para os efeitos do CIRE, a violação de normas tributárias imperativas.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.


No âmbito dos presentes autos em que figura como insolvente G… , Lda., foi aprovada a proposta de plano de insolvência apresentada pela insolvente a fls. 312 e ss do p.p. (Ref. 416056 do p.e.), conforme consta da acta da assembleia de aprovação da proposta de plano da insolvência de 4 de Agosto de 2010 (fls. -647 e ss do p.p. e Ref. 1561911 do p.e.) e despacho de fls. 662 do p.p (Ref. 1572889 do p.e.).
A recorrente votou contra o plano, conforme fls. 661.
No plano propôs-se o pagamento dos créditos, que, no concerne à segurança social pressupõe o perdão de 80% dos juros vencidos, um período de carência de 2 anos e perdão de parte do capital, resultante da redução para metade das primeiras 24 prestações.
Por decisão de 24/6/2011 foi homologado por sentença o plano apresentado.

Inconformado o Centro Distrital de Braga do Instituto de Segurança Social, I.P., interpôs o presente recurso.

- Em conclusões defende que o PI homologado não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à segurança social, violando normas imperativas designadamente da LGT, da lei 55-A/2010 bem como do Código Contributivo. Foi violado o nº 3 do artigo 30 da LGT.

Sem contra-alegações.

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A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório.

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Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se a sentença de homologação é ilegal por violação das normas aplicáveis em matéria de regularização de dívidas à segurança social, se viola o princípio da indisponibilidade de créditos tributários, p. no artigo 32, 2 da LGT, com desrespeito pelo princípio da igualdade tributária, se ocorre violação do artº 190 do Código contributivo e violação do princípio constitucional da legalidade tributária.
Por fim coloca a recorrente ainda a questão da eficácia do plano em relação a si.
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Sustenta a recorrente que foram violadas as normas aplicáveis em matéria de regularização de dívidas ao Estado.
Após algumas decisões discordantes, a jurisprudência maioritária veio a firmar-se no sentido de que no âmbito do processo de insolvência, se aplicaria a todos os credores o mesmo regime, o resultante do CIRE, não sendo de chamar a colação regimes jurídicos diferentes para alguns créditos, designadamente os do Estado.
Entendia-se, sucintamente, que a filosofia subjacente ao CIRE, tendo em vista a satisfação do interesse dos credores através da auto-regulação, e perseguindo igualmente o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado, não era compatível com a aplicação de regimes diversos. Podia assim neste processo alterar-se os créditos do Estado, dentro do previsto no diploma.
Sustentava-se esta posição com o disposto no artigo 97 do CIRE, nos termos do qual se extinguem com a declaração de insolvência, (n. 1, a); Os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência; b) Os privilégios creditórios especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência; c) As hipotecas legais cujo registo haja sido requerido dentro dos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência, e que forem acessórias de créditos sobre a insolvência do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social.
Tais créditos passam a ser considerados créditos comuns como os restantes.
Argumentava-se ainda com o princípio da igualdade entre todos os credores, consagrado no artigo 194 do CIRE..
Tendo em conta estes normativos, entendia-se que tanto o perdão como a redução de valor ou estabelecimento de moratórias, podiam ser abordados no âmbito de um plano de insolvência, conforme artigos 192, 195 e 196. Resulta claramente destes, designadamente dos art.s 192 e 196 a possibilidade de regulação dos créditos no plano de insolvência, com perdão ou redução do valor dos créditos, modificações de prazos de vencimento ou taxas de juro dos créditos, etc…, sem exclusão de qualquer tipo de créditos; não se prevendo “qualquer regime de excepção” em função da natureza da pessoa do credor ou dos privilégios relativos ao crédito, salvo o que se encontra previsto no nº 2 do mesmo preceito legal.
(A possibilidade de se tratarem de forma diferente vários créditos da mesma natureza depende da existência de razão justificativa – 194, ou do consentimento, que podia ser tácito, mediante o voto favorável do plano, nº 2)
O confronto com o disposto no artigo 62 do CPEREF aponta no mesmo sentido. A pretender-se manter o regime ter-se-ía deixado claro na nova redacção tal intento.
Anteriormente, o credor que beneficiasse de garantia real ficava a coberto se dela não abdicasse, continuando a beneficiar do privilégio.
As decisões no âmbito do processo de insolvência e ao abrigo dos aludidos normativos, que constituem lei especial, não estão sujeitos nem condicionados ao que estatui o Dec. Lei n.º 411/91 ou qualquer outra norma de natureza fiscal.
No balanceamento de todos os interesses sem jogo e de todos os princípios intercorrentes, o legislador do CIRE optou por consagrar uma solução de igualdade entre todos os credores do insolvente, incluindo pois créditos do Estado, sobrelevando os princípios e valores perseguidos pelo CIRE no confronto com os princípios e regras relativas aos regimes específicos de determinados créditos, designadamente os de natureza fiscal.
-Refere-se ainda a sustentar a posição, que as normas de natureza fiscal são aplicáveis no âmbito duma relação estritamente tributária Estado/contribuinte e não de paridade dos credores e de auto-regulação dos seus interesses, como sucede na relação falimentar.
- E que o interesse dos credores fica acautelado até pelo mecanismo do artigo 216º, n.º 1, al. a), do CIRE, nos termos do qual o juiz pode recusar a homologação do plano de insolvência se tal lhe for solicitado por algum credor, desde que se demonstre em termos plausíveis que; "a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano".
Vd. STJ de 4/6/2009, www.dgsi.pt, processo nº 464/07.1 TBSJM-L.S1; Ac. RG de 3/3/2011, www.dgsi.pt, processo nº 1997/07.5TBFLG-H.G1; RG de 21/10/2010, www.dgsi.pt, processo nº 2159/09.2TBBCL-F.G1; RG de 30/10/08, www.dgsi.pt, processo nº 1976/08-2
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Este regime que resulta do CIRE e está diga-se em conformidade com os seus objectivos, veio afinal a ser afastado pelo nº 4 do artigo 30 da LGT, Aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Dispõe o normativo:
1 - Integram a relação jurídica tributária:
a) O crédito e a dívida tributários;
b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição;
c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto;
d) O direito a juros compensatórios;
e) O direito a juros indemnizatórios.
2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.
A mesma lei, no seu artigo 125º veio prescrever que o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.
A lei entrou em vigor a 1/1/2011, sendo consequentemente aplicável ao presente processo aquela norma da LGT.
Assim, em face deste normativo, os créditos na segurança social não podem “alterados” a não ser com respeito pelas normas próprias e de acordo com o que nelas se dispõe.
Impõe-se agora no processo de insolvência o princípio geral consagrado na LGT de o crédito tributário é indisponível, só podendo ser reduzido ou extinto com respeito pela igualdade e legalidade tributária.
Temos assim que resulta violado o princípio consagrado no nº 2 do artigo 30 da LGT, e o disposto nos artigos 190, 191ss do Cód. Contributivo, que dispõe sobre as situações excepcionais para a regularização das dívidas, e o D.L. 411/91 que estabelece o regime de regularização de dívida da segurança social.
Nos termos do artigo 215º do CIRE, o juiz tem de recusar oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentos ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Constitui vício não negligenciável, no que às normas aplicáveis se refere, a violação de normas imperativas tais como as referenciadas – sendo que a derrogação permitida no nº 2, e) do artigo 195 do CIRE se refere a normas do próprio diploma, conforme artigo 192, nº 1, in fine, do mesmo.
Procede consequentemente a apelação, sendo de rejeitar a homologação do plano de insolvência.
Decisão:
Em face do exposto acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e recusando-se a homologação do plano de insolvência.
Custas pela massa.
Guimarães, 27 de Outubro de 2011
Antero Veiga
Luísa Duarte
Raquel Rego