Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2300/15.6T8BRG.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: MEDIADOR DE SEGUROS
RECEBIMENTO DE PRÉMIOS
PRINCÍPIO INDEMNIZATÓRIO
SEGURO DE COISAS
PRIVAÇÃO DO USO DE IMÓVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Tendo a seguradora conferido à sociedade mediadora, poderes para, em seu nome, cobrar e receber prémios de seguro bem como para, após o seu pagamento pelos tomadores e segurados, entregar àqueles os recibos respeitantes a tais pagamentos, conclui-se que a mediadora, actuou como representante da seguradora, produzindo-se os efeitos desses actos relativamente ao segurador como se fossem perante si directamente realizados.

II- O pagamento do prémio efectuado pelo tomador do seguro ao mediador, que não o entrega, como era seu dever, à seguradora, considera-se feito directamente a esta última, inexistindo, por esse motivo, fundamento legal e contratual para resolver o contrato, com a alegação de não ter recebido a quantia devida do prémio.

III- De harmonia com o princípio indemnizatório, não tendo sido acordado entre as partes, no clausulado do contrato, um valor de capital, para, em em caso de sinistro, ser calculada a indemnização, o que pressupunha avaliações prévias dos bens, objecto do seguro, e subsequente aceitação desses valores pelos contraentes, a prestação da seguradora deve ser limitada ao valor dos bens que ficaram danificados, em consequência do sinistro, até ao valor do capital declarado, para efeitos de seguro.

IV- No caso de seguro de coisas, o segurador apenas responde pela privação do uso do bem, se assim for convencionado, salvo se a compensação resultar do incumprimento de uma cláusula destinada a evitar a ocorrência desse dano, decorrente do sinistro.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

Manuela, viúva, residente na Rua …, Amares, Maria, divorciada, residente na Rua …., Braga, José, solteiro, maior, residente na Rua …, Amares, Joaquina, casada, residente na Rua …, Amares, Palmira, casada, residente na Rua …, Vila Verde e Tiago, casado, residente na Rua …, Amares, todos por si e na qualidade de únicos e legais representantes da herança aberta por óbito de Belmiro, falecido em 3 de Setembro de 2012, com residência habitual na Rua …, Amares, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “Seguradora X, S.A.”, com sede na Av. …, Lisboa, “PG, LDA.”, com sede na Rua …, Barcelos e Y - Companhia De Seguros, S.p.A., com sede na Rua …, Lisboa, pedindo a condenação da 1ª. ré e, subsidiariamente, das 2ª. e 3ª. rés:

a) a pagar-lhes a quantia de € 222.137,00, a título de capital/objecto seguro contratado e devido para a reposição do imóvel (€ 202.137,00) e do recheio do mesmo (€ 20.000,00) no estado em que se encontravam antes do sinistro, acrescida de juros de mora a contar de 03.08.2012 ou a contar da citação; ou, se assim não se entender, a condenação da 1ª ré a proceder no prazo máximo de 90 dias a contar do trânsito em julgado à reconstrução (reconstituição in natura) do imóvel, repondo-o no estado em que o mesmo se encontrava antes do incêndio, bem como à substituição dos móveis destruídos por outros de idênticas características e valor patrimonial; e
b) a pagar-lhes a quantia de € 16.000,00, a título de privação do uso do imóvel e inerente perda do seu valor locativo, bem como a quantia de € 500,00 por mês, a título de perda locativa futura até efectiva e integral restituição do status quo ante, acrescidas de juros de mora a contar de 03.08.2012 ou a contar da citação.
Alegaram que, no dia 3 de Julho de 2012, cerca das 14 horas, deflagrou um incêndio no 1º andar de uma casa de habitação integrada num prédio misto de que são proprietários, o qual determinou a destruição de toda a estrutura do edifício ao nível desse 1º andar e elementos integrantes, bem como todo o recheio, o que lhes causou danos patrimoniais naquele montante, necessário para a execução de todos os trabalhos de reconstrução e reparação do imóvel e para a aquisição de novos bens móveis de semelhantes características relativamente aos que foram destruídos.
Acrescentaram que se encontram privados do uso e fruição do prédio e que tiveram gastos com alojamento em unidades hoteleiras, invocando que o valor locativo do mesmo ascende a quantia não inferior a € 500,00 mensais e alegaram, de igual forma, a ocorrência de danos de natureza não patrimonial decorrentes dessa privação.
Invocaram, por fim, que por contrato de seguro celebrado com a 1ª. Ré e mediado pela 2ª. Ré, haviam transferido para esta a responsabilidade por danos ocorridos naquele imóvel resultantes, nomeadamente, de incêndio, tendo o respectivo prémio sido pago pela 2ª. Autora ao representante legal da 2ª. Ré dentro do prazo fixado (cuja actividade e correspondente risco se encontra transferido para a 3ª. Ré), que, por sua vez, lhe entregou o competente recibo emitido pela 1ª. Ré, não obstante aquele não ter enviado aquele montante para esta última.
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A 3ª. Ré contestou esclarecendo que o contrato que mantém com a 2ª. Ré foi celebrado em regime de co-seguro, requerendo por via disso, a final, a intervenção a título principal também das restantes seguradoras “W – Companhia de Seguros, S.A.”, “S. Seguros, S.A., K. Seguros, S.A.” e “Grupo A Seguros, S.A.”.
Defendeu a nulidade do contrato de seguro celebrado entre a 2ª. Autora e a 1ª. Ré, por falta de interesse daquela, uma vez que à data da sua celebração e do incêndio o imóvel não era sua propriedade mas sim dos seus pais Belmiro e a aqui 1ª. Autora.
Subsidiariamente, para a eventualidade de se considerar válido o contrato de seguro multi-riscos, pugnou pela inexistência de responsabilidade da 2ª. Ré e vigência daquele contrato, como decorrência do pagamento do respectivo prémio pela 2ª. Autora.
Por fim, impugnou a restante factualidade alegada pelos Autores, considerando exorbitante o montante indemnizatório peticionado e entendendo não ser devida a quantia reclamada a título de privação do uso do imóvel e de danos não patrimoniais, por não se encontrarem cobertos. *
A 1ª. Ré também contestou confirmando a celebração do contrato de seguro, embora com a 2ª. Autora, com início de vigência em 11-02-2011, o qual, no entanto, viria a ser anulado em 11-02-2012, por falta de pagamento do prémio de seguro, pelo que à data do sinistro inexistia seguro válido e eficaz.
Por outro lado, tendo o contrato sido celebrado pela 2ª. Autora em nome próprio, sem indicação de qualquer terceiro como titular do interesse seguro ou beneficiário do seguro, defende a nulidade daquele, uma vez que a outorgante não era proprietária do imóvel objecto do mesmo.
Quanto ao demais, impugnou a factualidade alegada pelos Autores respeitante ao pagamento do prémio e classificou a 2ª. Ré como uma corretora de seguros e não uma mediadora ou agente, concluindo pela ausência de responsabilidade de sua parte e pela inexistência de cobertura contratual quanto aos danos da privação do uso do imóvel e os não patrimoniais peticionados.
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Por despacho proferido em 21-09-2015, foi admitida a intervenção principal das seguradoras “W – Companhia de Seguros, S.A.”, “S. Seguros, S.A.”, “K. Seguros, S.A.” e “Grupo A Seguros, S.A.”, que havia sido requerida pela 3ª. Ré.
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A interveniente “W – Companhia de Seguros, S.A.” apresentou contestação , defendendo também a nulidade do contrato de seguro, por falta de interesse no seguro por parte da 2ª. Autora e a inexistência de responsabilidade por parte da 2ª. Ré, aderindo à contestação da 3ª. Ré.
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Também a “Grupo A Seguros, S.A.” contestou, impugnando grande parte da factualidade alegada pelos Autores e reiterando a ausência de responsabilidade por parte da 2ª. Ré, bem como a existência de contrato de seguro válido e eficaz celebrado com a 1ª. Ré.
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Contestou ainda a “S. Seguros, S.A.”, limitando a sua responsabilidade à proporção acordada no contrato de co-seguro (15%) e reforçando os argumentos já anteriormente expendidos pelas restantes intervenientes do lado passivo da demanda.
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Os Autores apresentaram resposta às excepções deduzidas (cfr. articulado de fls. 364 a 376), invocando que a 2ª. Ré mediou a celebração do contrato de seguro formalizado com a 1ª. Ré e que foi vontade e intenção da 2ª. Autora cobrir o risco de incêndio do imóvel e respectivo recheio pertencentes aos seus pais, nunca se tendo assumido como proprietária do mesmo, pelo que celebrou o contrato no interesse daqueles e não no interesse próprio.
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Proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

- condenou a 1ª Ré “Seguradora X, S.A.” a pagar aos 2º a 6º Autores a quantia de € 184.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde 3 de Agosto de 2012 até integral pagamento;
- condenou a 1ª. Ré “Seguradora X, S.A.” a pagar aos 2º a 6º Autores a quantia que vier a ser liquidada referente aos danos ocorridos com os bens que se encontravam no interior da casa de habitação e compunham o recheio do andar, até ao limite de € 20.000,00, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde 3 de Agosto de 2012 até integral pagamento;
- absolveu as Rés do restante pedido.
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Inconformada com a sentença, a 1.ª Ré, “Seguradora X, S.A.”, interpôs recurso, formulando as seguintes
Conclusões

1O contrato de seguro celebrado com a ora recorrente e com inicio em 11.02.2011 é de natureza facultativa que se rege pelas respetivas condições contratuais aplicáveis e que não foram impugnadas;
2ª.Embora a ora recorrente tenha emitido o documento junto a fls. 81 e 491 muito antes do vencimento da anuidade seguinte, ou seja, em 17.12.2011, não recebeu o valor correspondente;
3Com efeito, tal documento visa antes de mais avisar o tomador para a data, montante a pagar e efeitos do não pagamento do premio (conforme tudo que do supra referido documento consta) e;
4Deve ser utilizado pelo mediador, a quem é confiado, em conformidade com os interesses e indicações do segurador.Ora,
.Ficou expressamente provado que apesar de a A. Maria ter entregue ao legal representante da 2 Ré o montante de € 169,66, tal montante não foi entregue pelo mesmo à ora recorrente (ponto 56 da sentença); Assim sendo,
6ª.E por imperativo, quer contratual, quer legal, o contrato foi automaticamente resolvido por falta de pagamento do prémio, por isso inexistia contrato válido, à data do incêndio descrito nos autos (clausula 138 das condições gerais da apólice e art°s 53 n.º 2, art° 59, e 61° todos do DL 72/2008 de 16 de abril).
7Apesar de desvalorizada a validade probatória da proposta de seguro, contudo foi considerada válida a apólice de seguro, pelo que se consolidaram os dados constantes da mesma, nomeadamente tendo em conta o disposto nos art°s 37.º, n.º 4 parte final, art° 35.º ambos do DL 72/2008 de 16 de abril. Ora,
8Resulta da mesma que a entidade jurídica indicada como mediador do contrato em causa era a corretora de seguros "AI CORRETORES SEGUROS, SA", aliás em conformidade com o ACORDO DE UTILIZAÇAO DE ACESSOS INFORMÁTICOS, junto sob o doc. n.º 3 com a contestação da ora recorrente, e não a 2 Ré PG, Lda .. Alias,
9O ponto 44 da sentença reflete essa realidade, o que significa que a ora recorrente não mandatou a 2 ré para a representar, mas sim a corretora de seguros que consta na apólice, motivo pelo qual, não pode operar a representação invocada na sentença, para manter a validade do contrato de seguro em causa. Com efeito,
10É a ora recorrente completamente alheias às relações entre a 2 Ré e a corretora que indicou como mediadora no contrato, pelo que o pagamento do prémio ao legal representante da PG, Lda, não pode ter a virtualidade de servir para considerar o pagamento do prémio como se tivesse sido feito à ora recorrente e validar a anuidade em causa do contrato.
11Inexistindo representação da ora recorrente e por imperativo quer legal quer contratual supra identificado deve antes o contrato de seguro considerar-se legalmente anulado por operar a resolução automática por falta de pagamento até 11.02.2012 á ora recorrente.
12Todavia os interesses dos AA. mantêm a sua proteção em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre a 2ª e 3ª RR. válido à data dos factos e que foi participado ao respetivo segurador;
13Trata-se de um contrato de seguro de natureza obrigatória, nos termos do disposto no DL 144/2006 de 31 de Julho (nomeadamente art°s 17, n.º 1 al) e) e art° 19°, n.º 1 al) c) aplicável também ex vi o disposto no art° 28° do DL 72/2008 de 16 abril.
14ª-O segurador para o qual a responsabilidade civil profissional se encontrava validamente transferida à data dos factos, foi demandado na qualidade de Réu principal, tendo os próprios AA. invocado matéria de facto no sentido da condenação solidária quer da “PG, Lda.” quer do seu Segurador (cfr. nomeadamente art°s 110 a 119 da P.I. e alínea C) do pedido de condenação da P.I.)e sido admitida a intervenção dos restantes co-seguradores ao lado desta Ré.
15ª-Segurador de RC profissional que terá declinado a responsabilidade pelo sinistro fundamentalmente por considerar que não tinha havido prova do pagamento do prémio da A. Maria ao legal representante da sua segurada, o que a sentença, objeto do presente recurso, deu inquestionavelmente como assente e provado e
16-Bem assim, que a sua segurada ficou com o dinheiro e não o entregou á ora recorrente. Ou seja,
17.ª-Encontram-se reunidos todos os pressupostos, quer substantivos, quer processuais para absolver a ora recorrente e condenar solidariamente a 2ª e 3ª RR . Com efeito,
18ª-Foi a violação culposa dos seus deveres como mediador da 2 Ré, nomeadamente os previstos no art° 3° al) c e d do DL 144/2006 de 31 de Julho, omitindo a entrega do premio á ora recorrente que conduziu à resolução automática do contrato nos termos da lei, prémio que até à data não recebeu.
19-Trata-se de um contrato de seguro de natureza obrigatória cujo funcionamento deve também por isso prevalecer em relação ao contrato facultativo que existiu com a ora recorrente. Para alem disso,
20-Tendo a 3ª Ré oportunidade de alegar e provar o que entendeu em sua defesa na qualidade de Réu, mas tendo sido dada como assente a matéria dos pontos 46, 52, e 56, indicados na sentença, devem ser os 2° e 3 RR. condenados no pagamento e não a ora recorrente.
21-A existir algum direito de regresso é entre as 28 e 38 RR e não com a ora recorrente, dado inexistir uma obrigação solidária que permita tal figura em relação ao responsável originário, ou seja, a segurada da 3 Ré.
22-De acordo com o disposto nos art°s 146° a 148° inclusive do DL 72/2008 já teve a 38 ré oportunidade de defesa (147°) tendo-se provado antes a culpa da sua segurada, responsabilidade pela qual sempre responderia, mesmo na hipótese mais grave de se tratar de comportamentos dolosos, (art° 148 n.º 2) o que não foi sequer o caso.
23ª- Foi igualmente violado pela sentença proferida pelo Tribunal "a quo" o princípio da economia processual, podendo e devendo condenar-se de imediato os verdadeiros e originários responsáveis pelo pagamento da indemnização aos AA..
24-Não deve em caso algum haver condenação em pagamento de juros desde 03 de agosto de 2012, dado que só com a discussão judicial foi possível fixar matéria de facto suscetível de concluir pela responsabilidade, não se tratando, a montante de uma mera divida de valor. Pelo que,
25ª- Em qualquer caso os juros de mora deverão ser fixados antes a partir da citação das RR. para contestar a presente ação.
26ª- De igual modo considera-se ilegal a condenação no pagamento de danos em liquidação em execução de sentença, já que não tendo os AA. conseguido provar o que lhes competia no âmbito da repartição do ónus da prova ( art° 342 n.ª 1 Cod,. Civil) deveria o respetivo pedido ser julgado improcedente, já que,
27ª- A condenação em causa representa antes conferir a possibilidade de um segundo grau de prova que não é a finalidade da liquidação. Por maioria de razão,
28ª- Jamais deverá proceder a condenação em juros de mora relativa a esses danos desde 03 de agosto de 2012, já que nem líquidos eram e a proceder a condenação da liquidação, os juros deverão ser apenas devidos, a partir da correspondente sentença de liquidação e nunca antes.
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Os Autores apresentaram recurso subordinado, formulando as seguintes
Conclusões

1.A Douta Sentença recorrida devia ter condenado a Ré a pagar o capital seguro referente ao recheio - €20.000,00. Com efeito, tratando-se de seguro de danos e tendo-­se provado que, em consequência do sinistro, todos os bens que compunham o recheio ficaram destruídos, inaproveitáveis e sem qualquer valor económico, competia à 1a Ré satisfazer aos Autores o valor do capital seguro.
2. "Quando o valor do interesse seguro tiver sido acordado, não se aplica o princípio indemnizatório (que aliás não será um princípio de ordem pública), excepto se o valor acordado for manifestamente infundado." Cfr. Ac. do TRL, de 18-04-2013, Proc. 2212/09.2TBACB.L 1-2 (in www.dgsi.pt)
3. "Da conjugação do disposto nos arts 3°, 4° e 8°, n.º 2 do DL n.º 214/97, de 16 de Agosto, extrai-se que, no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, enquanto não for actualizado, nos termos legais, o valor do veículo seguro, a considerar para efeitos de indemnização em caso de perda total, nem for comunicada essa actualização ao tomador de seguro, as seguradoras estão constituídas na obrigação de responder, em caso de sinistro, com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à ocorrência do sinistro". Cfr. Ac. TRG, de 18.06.2013, Proc. 703/10.1TBEPS.G1.
4. O valor do capital seguro atribuído ao recheio e contratado [€20.000,00] não é infundado, pois, como resulta de fls. dos autos foi junto pela Ré - Y - Seguros - um relatório de peritagem que assume como verdadeiro o valor de €20.360,00, constante de uma lista anexa que faz parte integrante daquele referido relatório.
5. Ora, nem o teor do referido relatório de peritagem, nem o teor da referida lista, quanto aos valores do recheio, foram impugnados por qualquer das partes no processo, pelo que não tendo sido impugnada a genuinidade de tais documentos, deveria o Tribunal a quo atribuir-lhes valor probatório, pelo menos quanto às declarações favoráveis aos Autores (não declarantes) - art. 376°, nº2 do Código Civil.
6. Pelo exposto, deve proceder o primeiro fundamento do presente recurso e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida na parte em que condenou a 1a. Ré "Seguradora X, S.A." a pagar aos 2° a 6° Autores a quantia que vier a ser liquidada referente aos danos ocorridos com os bens que se encontravam no interior da casa de habitação e compunham o recheio do andar, até ao limite de €20.000,00 ( ... ), substituindo-a por outra que condene a 1a. Ré "Seguradora X, S.A." a pagar aos 2° a 6° Autores a quantia de €20.000,00, a título de capital/objecto seguro contratado e devido para a reposição do recheio [melhor identificado em 28. da petição] do imóvel (identificado em 4. da pi) no estado em que se encontrava antes do sinistro alegado em 13. e ss., acrescidas de juros de mora a contar de 03.08.2012 ou a contar da citação.
7. «De acordo com o princípio da boa-fé (cfr. art. 762.°, n.o 2 do CC) e com os princípios gerais de conduta de mercado, consignados no Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, as empresas de seguros devem garantir a gestão célere e eficiente dos processos de sinistro, procedendo com a adequada prontidão e diligência às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos. Os deveres de averiguação, confirmação e resolução do sinistro, em prazo razoável, configuram deveres acessórios de conduta, não abrangidos pelo contrato de seguro, nem a título principal nem em moldes secundários. No âmbito de um contrato de seguro facultativo, os deveres de informação e de celeridade assumem especial importância no caso de perda total do veículo uma vez que a entrega do capital permitirá, ao tomador/beneficiário do seguro, a compra de um outro veículo substitutivo. Não obstante a cobertura do risco da privação de uso não se encontrar especialmente contemplada no contrato de seguro, assiste ao tomador o direito de ser indemnizado no caso de perda total do veículo em resultado de acidente de viação, por ter ficado sem o poder utilizar, na sua vida diária, para as suas deslocações profissionais e nas viagens de lazer. A indemnização pelo dano patrimonial da privação do uso do veículo tem a sua fonte na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta por parte da seguradora.» Cfr. Ac. do TRG, de 09.03.2017, Proc. Nº4076/15.8BRG.G1
8. No mesmo sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31.03.2009, proferido no Proc. Nº254/07.1TB5JM: "No contrato de seguro do ramo multi-riscos/habitação, fica a seguradora obrigada a indemnizar o segurado pela privação do uso da habitação a partir do momento em que incumpriu aquela obrigação contratual de pagar a indemnização devida logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos."
9. No caso sub judice, é flagrantemente notório e manifesto que a 1a Ré (bem como as demais 2a e 3a Rés) incumpriu os mais elementares deveres acessórios de conduta, designadamente os deveres acessórios averiguação, confirmação e resolução do sinistro, em prazo razoável, manifestando total indiferença pela situação em que ficaram os AA .
10. Apesar de ter mandatado e/ou autorizado a 2a Ré para proceder ao recebimento do prémio de seguro correspondente à anuidade em que se verificou o incêndio, apesar ainda de saber que a A. havia procedido ao pagamento atempado do prémio do seguro e que estava na posse de factura/recibo demonstrativa desse pagamento, a 1a Ré, numa atitude injustificada e altamente censurável, declinou a assunção de responsabilidade, escudando-se na alegada e infundada resolução do contrato de seguro por falta de pagamento do prémio de seguro.
11.Em consequência disso, os AA. estão absolutamente privados do uso e fruição do imóvel objecto do contrato de seguro e das utilidades que este lhes proporcionava e sempre proporcionou desde a data do incêndio - 2/07/2012 - até hoje -11/10/2017 -, volvidos que estão mais de 5 anos. E assim continuarão até à data em que a 1a Ré se dispuser a pagar aos AA. a indemnização devida.
12. Pelo que, em consequência da atitude injustificadamente negatória da 1a Ré, os AA. estão a sofrer um prejuízo patrimonial mensal de valor pelo menos igual ao valor locativo mensal do imóvel - €500,00 por mês.
13. Assim sendo, de acordo com a Jurisprudência acima reproduzida, deve a Douta Decisão recorrida ser revogada e, consequentemente, em substituição da absolvição do pedido deduzido na aI. B), deve a 1a Ré ser condenada a pagar aos AA. a quantia de €16.000,00, a título de privação do uso do imóvel e inerente perda do seu valor locativo, bem como a quantia de €500,00 por mês, a título de perda locativa futura até efectiva e integral restituição do status quo ante, acrescidas de juros de mora a contar de 03.08.2012 ou a contar da citação.
14. Está prevista na apólice do contrato de seguro em referência, de entre as coberturas facultativas contratadas, a cobertura designada "Arrendamento de residência provisória", por força da qual a 1a Ré obrigou-se a pagar aos AA. "o arrendamento de uma habitação provisória ou a estadia num hotel de características semelhantes às da habitação segura, quando seja impossível ocupá-Ia durante a sua reparação, em consequência do sinistro coberto pela apólice, no máximo de €1 0.000,00." Cfr. doc, 2, junto com a contestação da 1a Ré.
15. Em consequência, se não proceder o pedido vertido na cláusula 13. supra, deve a 1a Ré pelo menos ser condenada no pagamento aos AA. de uma indemnização de €10.000,00, a título de privação do uso do imóvel objecto do seguro e/ou a título de compensação de despesas com arrendamento de habitação provisória ou com a estadia em hotel, nos termos da cobertura facultativa atrás referida.
16. Na eventualidade de o Tribunal de recurso concluir pela absolvição da 1a Ré (com fundamento na alegada falta de pagamento do prémio de seguro - pela circunstância de a 2a Ré o ter recebido e não o ter entregue à 3a Ré), haverá, em consequência, e inevitavelmente, de concluir pela procedência dos pedidos subsidiários formulados pelos AA. contra a 2a e 3a Rés e, agora, também contra as Intervenientes. Com efeito, neste quadro de raciocínio, ter-se-à de concluir que a hipotética resolução do contrato de seguro por falta de entrega atempada do prémio de seguro se deve a culpa da 2a Ré.
17. A factual idade julgada provada pelo Tribunal a quo é suficiente para fazer subsumir o evento lesivo na responsabilidade da 2a Ré, pois, como se viu, violou, de forma ilícita e culposa, as obrigações assumidas perante a tomadora do seguro, não tendo procedido à entrega à 1a Ré do prémio de seguro recebido, como lhe competia.
18. Em consequência de tal comportamento inadimplente, a 2a Ré deu causa directa e imediata à anulação do contrato de seguro (por falta de pagamento do prémio de seguro) celebrado entre a A. e a 1a Ré, anulação essa que não teria ocorrido se a 2a Ré houvesse cumprido, como era seu dever, as obrigações contratuais e legais a que estava adstrita, maxime a de entregar à 1a Ré o prémio de seguro recebido da Autora.
19. Se o contrato celebrado entre a A. e a 1a Ré não se devesse considerar anulado por falta de pagamento do prémio de seguro, os AA. seriam indemnizados nos termos das coberturas contratadas (e provadas) pelo sinistro ocorrido em 3.07.2012 dos consequentes danos que ficaram provados.
20. Em consequência, neste quadro hipotético, a 2a Ré estará obrigada a indemnizar os AA. nos exactos termos em que o Tribunal recorrido condenou a 1a Ré.
21. "A relação entre o mediador de seguros e o proponente de seguro resolve-se numa relação contratual (embora preparatória de uma outra relação contratual, a do contrato de seguro) pela qual o proponente incumbe o mediador de receber a proposta e de providenciar pelo seu encaminhamento para a seguradora, e o mediador se vincula a levar a cabo essa actividade. Não tendo o mediador cumprido pontualmente a obrigação de enviar à seguradora a proposta de alteração, que a teria aceitado, responde pelo dano sofrido pelo proponente em decorrência do sinistro que se quis ver coberto pelo seguro."Cfr. Ac. do TRG, de 09.02.2012, Proc. Nº170/09.2TBWD.G1 (in www.dgsi.pt)
22. Mutatis mutandis, se o mediador incumpre a obrigação contratual de entregar à seguradora o prémio de seguro que recebera atempadamente do tomador do seguro, e em consequência disso o contrato de seguro se dever considerar resolvido por falta de pagamento do prémio, o mediador incorre em responsabilidade contratual e, consequentemente, fica obrigado perante o segurado e/ou beneficiário do seguro a indemnizá-los dos danos sofridos e emergentes do sinistro que se quis ver coberto pelo seguro.
23.Tratando-se de responsabilidade contratual, como é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, o acto ilícito é constituído pela violação e/ou incumprimento da obrigação contratual, presumindo-se a culpa, nos termos do disposto no n01 do art. 799° do Código Civil.
24.Ora, no caso em apreço, concorrem simultaneamente todos os pressupostos da responsabilidade contratual do mediador, a saber: acto ilícito (incumprimento da obrigação de entregar o prémio de seguro à seguradora); culpa (negligência, consubstanciada na violação dos deveres de cuidado, diligência e gestão da carteira de clientes e dos prémios de seguro recebidos, bem sabendo que a falta de pagamento constitui causa-fundamento da resolução do contrato), que aqui se presume; dano (destruição do imóvel e do recheio do imóvel seguros); nexo de causalidade (não fosse a falta de entrega do prémio à seguradora, o contrato de seguro subsistiria à data do sinistro e, consequentemente, os danos emergentes do incêndio estavam cobertos pelo contrato de seguro.
25.Uma vez que, tal como também se provou, a responsabilidade da 2a Ré, por danos emergentes da sua actividade (actos ou omissões), está transferida para a 3a Ré e para as Intervenientes W - Companhia de Seguros, S.A., S. Seguros, S.A., K. Seguros - Seguros, S.A. e Grupo A Seguros, S.A., devem estas serem condenadas, solidariamente, a indemnizar os AA. nos danos sofridos.
26.Atento o acima exposto, deve o Tribunal ad quem julgar procedente o presente recurso e, consequentemente, conhecer dos fundamentos dos pedidos subsidiários deduzidos pelos AA., julgando provados e parcialmente procedentes tais os pedidos, condenando:
- solidariamente a 2a e 3a Rés e as Intervenientes, sendo a 3a Ré e as Intervenientes na diferente percentagem em que comungam do co-seguro, a pagar aos 2° a 6° Autores a quantia de €184.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde 3 de Agosto de 2012 até integral pagamento;
- solidariamente a 2a e 3a Rés e as Intervenientes, sendo a 3a Ré e as Intervenientes na diferente percentagem em que comungam do co-seguro, a pagar aos 2° a 6° Autores a quantia de €20.000,00, a título de capital/objecto seguro contratado e devido para a reposição do recheio [melhor identificado em 28. da petição] do imóvel (identificado em 4. da pi) no estado em que se encontrava antes do sinistro alegado em 13. e ss. da petição, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde 3 de Agosto de 2012 até integral pagamento.
- solidariamente a 2a e 3a Rés e as Intervenientes, sendo a 3a Ré e as Intervenientes na diferente percentagem em que comungam do co-seguro, a pagar aos 2° a 6° Autores a quantia de €16.000,00, a título de privação do uso do imóvel e inerente perda do seu valor locativo, bem como a quantia de €500,00 por mês, a título de perda locativa futura até efectiva e integral restituição do status quo ante, acrescidas de juros de mora a contar de 03.08.2012 ou a contar da citação, ou se assim não se entender, pelo menos a quantia de €10.000,00, a título de privação do uso do imóvel objecto do seguro e/ou a título de compensação de despesas com arrendamento de habitação provisória ou com a estadia em hotel, nos termos da cobertura facultativa referida em 14. supra, acrescida de juros de mora a contar de 03.08.2012 ou a contar da citação.
27.Em síntese, na eventualidade de procedência do recurso de apelação interposto pela 1a Ré/Apelante, deve revogar-se a Douta Decisão recorrida, concluindo-se pela procedência dos pedidos subsidiários, com a consequente condenação solidária das 2a e 3a Rés e demais Intervenientes, nos termos acima reproduzidos.
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Em ampliação do âmbito do recurso, a Ré “Grupo A Seguros, S.A.” formulou as seguintes
Conclusões

i.A douta sentença recorrida é nula por ambiguidade dos fundamentos de facto, concretamente quanto ao ponto 58 dos factos provados no segmento "a responsabilidade por todo e qualquer risco inerente à sua actividade";
ii) Atenta a prova documental produzida, concretamente, os documentos n.os 2 e 7 juntos com a contestação da ré "Y - Seguros" (condições particulares e gerais da apólice de seguro referida no ponto 58, deve este ser alterado no segmento referido no considerando anterior para "nas coberturas, com os limites e exclusões constantes das condições particulares e gerais da apólice juntas de fls._a _ aqui dadas por reproduzidas", sob pena de violação dos art.vs 362.° e 364.° do CCiv e art.vs 32.° n." 2 e 37.° da LCS;
iii) Atento o referido no art.º 42.0 n.º 3 do Decreto-Lei n.º 144/2006 de 31/7 e os factos provados de 47 a 50 não é possível estabelecer um nexo de causalidade directa e adequada entre a não entrega do dinheiro do prémio à 1 a R. pela 2a R . e quaisquer danos sofridos pelos AA.;
iv) inexistindo fundamento para a recorrida e demais participantes no co-seguro, terem de indemnizar quaisquer danos resultantes do incêndio para os AA.;
v) o que, de todo o modo, a acontecer, sempre teria de obedecer á regra da proporção no co-seguro e não por via de solidariedade;
vi) Não tendo a sentença recorrida violado qualquer das disposições legais que a recorrente refere, devendo manter-se a sentença recorrida.
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Os Autores e Rés contra-alegaram.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões dos recursos, traduzem-se em saber se a sentença é nula, na reapreciação do julgamento da matéria de facto (ponto 58), aferir da validade e eficácia do contrato de seguro, e, na hipótese de ser inválido/ineficaz, apurar se as 2.ªs e 3.ªs Rés devem ser responsabilizadas, na inadmissibilidade da liquidação dos danos (recheio) em execução de sentença, do direito à indemnização pelo dano de privação do uso do imóvel, e na contagem dos juros.
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Da nulidade da sentença e da modificabilidade da decisão de facto

A Recorrente “Grupo A Seguros” entende que o ponto 58 da matéria de facto é ambíguo, o que determina a nulidade da decisão pois não está em consonância com a prova documental produzida.
As causas de nulidade da sentença estão elencadas no artigo 615.º, n.º 1 nas alíneas a) a e) do C.P.Civil.
A ambiguidade prevista na alínea c) do referido preceito legal, para ser relevante, deve tornar a decisão ininteligível, o que, manifestamente, não se verifica.
É importante realçar que estamos perante vícios de natureza meramente formal, que não se confundem com a incorrecta análise ou valoração dos meios de prova que conduziram o juiz a decidir, a matéria de facto, num determinado sentido.
Ora, a argumentação aduzida pela Recorrente, para fundamentar o pedido de nulidade da sentença, prende-se tão-só com a correspondência dos factos ao teor do documento que os comprovam, e não com qualquer vício meramente formal.
Portanto, cumpre dar como provado a extensão da responsabilidade transferida para as intervenientes “W-Companhia de Seguros, S.A., S. Seguros, S.A., K. Seguros, S.A. e Grupo A Seguros, S.A., pelo contrato de seguro, titulado pela apólice n° ….
A Recorrente discorda do segmento constante do ponto 58 (''por todo e qualquer risco inerente à sua actividade") por não estar em conformidade com o contratado.
Em bom rigor, deve ser alterado o referido ponto 58 por forma a ficar em total correspondência com o contrato de seguro junto aos autos, o que irá ser feito na fundamentação.
Os Autores alertaram para a necessidade de correcção da parte dispositiva da sentença por ter absolvido as demais Rés do pedido uma vez que os pedidos subsidiários ficaram prejudicados com a condenação da 1.º Ré. Esta rectificação impõe-se em face da fundamentação de facto e de direito, pelo que, na parte dispositiva deste acórdão, tal será atendido.
Procedem, por tais motivos, as correcções sugeridas pela Recorrente.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
Factos

1. No dia 3 de Julho de 2012, pelas 14 horas, deflagrou um incêndio no 1º andar de uma casa de habitação integrada no prédio misto composto por “casa de rés-do-chão e andar, para habitação, com rocio e ramada, e Quinta e lote do ...”, sito no Lugar do ..., actual Rua …, da freguesia de …, concelho de Amares, inscrito na matriz sob os artigos …/Urbano e … e …/Rústicos e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o ….
2. Em consequência do incêndio, ocorrido por causas não apuradas, o 1º andar da casa de habitação ficou destruído, mantendo-se apenas as paredes exteriores de alvenaria de granito aparelhado em pé, da verga/padieira dos vãos, bem como outros elementos construtivos que carecem de ser removidos integralmente.
3. O fogo consumiu também a estrutura de madeira da cobertura, fazendo com que a dita cobertura/telhado ruísse, arrastando na sua queda todos os elementos que lhe estavam ligados, nomeadamente as paredes interiores, que ficaram quase integralmente destruídas, estando as poucas que restam sem condições de recuperação, impondo-se a sua demolição e subsequente reconstrução.
4. Os revestimentos dos pavimentos combustíveis (em alcatifa, nos quartos) foram consumidos pelas chamas, sendo certo que os demais (cerâmicos) se encontram danificados, carecendo de ser removidos e substituídos.
5. A betonilha de regularização superior da laje de pavimento da habitação, em razão das temperaturas a que esteve submetida, encontra-se degradada, carecendo por isso de ser removida.
6. Toda a instalação eléctrica, bem como a pichelaria, redes de águas e esgotos foram danificadas e destruídas pelo incêndio, carecendo de ser repostas.
7. Na zona de ligação entre a habitação e o terraço que serve de cobertura à cozinha rústica e quarto do rés-do-chão, o incêndio e as inerentes temperaturas elevadas provocaram uma ruptura na ligação e continuidade das lajes, sendo visível uma fissura por onde se infiltra a água para o interior dos compartimentos do rés-do-chão, o que causou a formação de bolores, cheiros e a deformação da pintura, afectando a utilização dessas dependências.
8. Todas as caixilharias de vãos exteriores, portas interiores, portadas exteriores, rebocos, tectos e cobertura foram consumidos e destruídos pelas chamas e os que não foram consumidos ficaram em condições de ruína ou ameaça de ruína, carecendo de demolição e subsequente reconstrução.
9. Todas as demais carpintarias, bem como todas as peças de mobiliário, móveis de cozinha, electrodomésticos e demais equipamentos, peças de decoração, artigos do lar e demais bens móveis que compunham o recheio do andar foram consumidos pelas chamas e as poucas que não foram consumidas ficaram destruídas, inaproveitáveis e sem qualquer valor económico.
10. A reposição do status quo ante implica, quanto aos bens que compunham o recheio do andar habitacional, a aquisição de objectos, móveis e artigos de decoração de semelhantes e/ou correspondentes características e idêntico valor económico.
11.O edifício é uma casa de habitação com características de casa de quinta, constituída por rés-do-chão e andar.
12.O rés-do-chão está dividido em dois compartimentos não habitacionais: uma adega, com um grande lagar em pedra para fermentação do mosto e fabrico do vinho, e os vasilhames para armazenamento de vinho, e uma despensa.
13. Ainda no rés-do-chão, sob o terraço, existe uma cozinha rústica e um quarto.
14. O andar, totalmente destinado a fim habitacional, era constituído pela cozinha, sala, 3 quartos, 2 casas de banho, varanda e terraço.
15. As paredes exteriores do imóvel são construídas em pedra, com junta argamassada, rebocada e pintada em determinadas zonas.
16.Os vãos exteriores eram em madeira pintada e vidro e tinham protecções exteriores de portadas de madeira.
17. A cobertura era revestida com telha cerâmica.
18.Interiormente as paredes eram de alvenaria de tijolo, estucadas e pintadas, sendo nas casas de banho e cozinha revestidas com material cerâmico.
19.Os tectos, do tipo maceira na sala com traves à vista, e horizontais nas restantes dependências, eram forrados com madeira. 20.A cobertura, realizada sobre uma estrutura de madeira, era revestida com telha cerâmica, assente sobre ripado de madeira.
21.Os pavimentos eram revestidos a cerâmico na sala, cozinha e casas de banho, sendo em madeira assente sobre a laje de piso e alcatifa sobre o pavimento de madeira em todos os quartos.
22.As portas interiores eram em madeira maciça, sendo os vãos exteriores em madeira e vidro, com portadas exteriores em venezianas de madeira.
23.O andar do edifício reunia todas as condições de habitabilidade e conforto, designadamente instalação de água, gás, energia eléctrica, telecomunicações e rede de esgotos e estava dotado de rede de aquecimento central, com radiadores de aquecimento em todos os compartimentos do andar, bem como no compartimento habitacional localizado no rés-do-chão.
24.Era no prédio que a A. Manuela e o seu falecido marido tinham, desde há mais de 20 anos, a sua única e permanente residência.
25.Há mais de 20 anos, o prédio constituía a casa de morada de família da A. Manuela e do falecido marido, bem como dos filhos do casal.
26.Era nessa casa que a A. Manuela, o falecido marido, e os filhos festejavam as festas de família: Natal, Páscoa, aniversários, dia do pai, dia da mãe e que os filhos emigrados no estrangeiro passavam as suas férias, aí pernoitando e confeccionado as suas refeições.
27.A reposição do edifício no status quo ante implica, designadamente, a realização dos seguintes trabalhos e/ou obras: a) Demolição, com transporte a vazadouro de todos os restos de paredes interiores, rebocos e revestimento de paredes, betonilhas de pavimentos, restos da estrutura da cobertura, devendo ser tomadas as medidas necessárias para que não haja derrocada das paredes exteriores; b) Desmontagem e montagem da parte superior das paredes exteriores, até à altura da verga/padieira dos vãos exteriores; c) Sanear a betonilha de regularização da placa de piso; d) Fornecimento e execução de laje maciça em ferro A400 NR e respectiva betonagem em betão B20 (C16/20) e B25 (C20/25) na reconstrução da cornija exterior da cobertura; e) Construção de estrutura de cobertura em madeira de carvalho, madres e ripas em castanho, estrutura de suporte do forro e isolamento térmico, sendo toda a madeira devidamente tratada e pronta a receber o revestimento e forro em castanho; f) Revestimento da cobertura com telha Lusa, incluindo cumes cravados, beira, rufos, caleiros e tubos de queda; g) Construção das paredes divisórias interiores em tijolo de 30x20x11; h) Fornecimento e execução das chaminés em tijolo furado 30x20x15; i) Fornecimento e colocação de tampas das chaminés em ferro metalizado e pintado; j) Fornecimento e execução de lareira igual à que existia, em tijolo refractarário; k) Execução das redes elétricas e ITED, incluindo tubos, cabos, quadro eléctrico, equipamento de manobra e luminárias; l) Execução da rede de esgotos; m) Execução da rede de águas frias, quentes e de aquecimento central; n) Rebocos e revestimento das paredes interiores, sendo as das casas de banho e cozinhas revestidas com material cerâmico; o) Revestimento de tectos com forro de madeira de castanho e isolamento térmico, sendo do tipo maceira e com traves à vista na sala; p) Betonilha e revestimento de pavimentos; q) Limpeza e lavagem de paredes exteriores, refechamento de juntas e rebocos onde existiam; r) Soleiras e peitoris nos vãos exteriores; s) Caixilharia em madeira devidamente pintada nos vãos exteriores e portadas, incluindo vidros; t) Fornecimento e colocação de peças para segurar as portadas dos vãos exteriores, iguais às que existiam; u) Carpintarias interiores, incluindo portas, aros, baguetes, rodapés, guarnições de vãos e remates necessários, com ferragens e fechaduras; v) Louças sanitárias, armários e equipamentos em casas de banho e cozinha; w) Reconstrução do alpendre na varanda da sala, em madeira de castanho; x) Móvel de cozinha em MDF lacado, com gavetas, gavetões portas pivotantes, respectiva pedra mármore e aberturas para os electrodomésticos; y) Pinturas de paredes, tectos, caixilharias de madeira e portadas e envernizamento de madeiras interiores; z) Remate da junta de ligação entre a laje da habitação e a laje do terraço que cobre a cozinha rústica e quarto existente no R/C; aa) Impermeabilização e pavimentação do terraço; bb) Construção de fogão de sala, chaminé e chaminé da cozinha; cc) Fornecimento e aplicação de aquecimento central em todas as dependências, incluindo caldeira, radiadores e depósito para águas quentes sanitárias; dd) Limpeza no final da obra.
28.A execução de todos estes trabalhos e obras de demolição/reconstrução/ reparação, incluindo fornecimento de materiais e mão-de-obra, para reposição do status quo ante do edifício, ascende ao valor de € 130.000,00, acrescido de IVA à taxa legal, o que perfaz a quantia de € 159.900,00.
29.Aos custos da reconstrução acrescem os inerentes e necessários custos com a elaboração de projectos, obtenção de licenciamento, fiscalização, acompanhamento, gestão e coordenação de segurança da obra, o que se estima na importância de € 20.000,00, acrescida de IVA à taxa legal, o que perfaz a quantia de € 24.600,00.
30. Em consequência do estado em que ficou o andar, a água da chuva infiltra-se na placa do pavimento e vasa para o rés-do-chão, o que provocou e provoca a destruição das pinturas interiores, da instalação eléctrica, bem como o apodrecimento de móveis e objectos ali guardados.
31. Os AA. também estão impedidos de usar e fruir do rés-do-chão.
32. O imóvel tem o valor locativo de € 500,00 por mês.
33. Por escritura de compra e venda outorgada em 15 de Julho de 1977 no 2º Cartório Notarial de Braga, Belmiro e a 1ª. Autora Manuela declararam comprar o acima identificado prédio a Joaquim e mulher FP, que o declararam vender, pelo preço de mil e oitocentos contos.
34. Esta aquisição encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial, pela Ap. 3, de 1977/05/10, a favor dos referidos compradores.
35. No dia 3 de Setembro de 2012 faleceu, na freguesia de …, concelho de Braga, Belmiro, no estado de casado sob o regime da comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos com a aqui 1ª. Ré Manuela.
36. O falecido Belmiro não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade, sucedendo-lhe como herdeiros os Autores.
37. No dia 4 de Fevereiro de 2017, na freguesia de …, faleceu a 1ª. Ré, Manuela, no estado de viúva de Belmiro, sucederam-lhe como herdeiros os 2º a 6º Réus.
38. A 2ª Ré dedica-se, a título societário e com escopo lucrativo, à actividade de mediação de seguros, no âmbito da qual tem relações comerciais e acordos negociais celebrados com diversas companhias de seguros, entre as quais a 1ª Ré, por força dos quais propõe a celebração e medeia a vigência de contratos de seguro entre aquelas seguradoras e clientes por quem é contactada.
39. A Autora (Maria) manifestou verbalmente ao legal representante da 2ª Ré a vontade de celebrar um contrato de seguro, vulgo multi-riscos habitação, tendo por objecto a cobertura dos riscos que pudessem afectar o edifício identificado em 1º e o respectivo recheio.
40. Comunicou-lhe, ainda, que o imóvel pretendido segurar era uma casa de habitação, propriedade dos seus pais (Belmiro e Manuela), a qual constituía a residência permanente dos mesmos e não permanente dela (Maria) e dos seus irmãos (3ºs a 6ºs Autores).
41. Em resposta, a 2ª Ré propôs-lhe que celebrasse, no interesse dos seus pais, proprietários do imóvel pretendido segurar, e demais beneficiários (2ºs a 6ºs Autores) um contrato de seguro com a 1ª Ré e aceitou e obrigou-se a mediar a celebração desse contrato, com aquele concreto fim e aqueles determinados beneficiários, o que a 2ª. Autora aceitou.
42. Com vista a concluir a celebração daquele contrato de seguro, a 2ª Ré solicitou que a 2ª. Autora lhe fornecesse os seus elementos de identificação e a sua morada, os elementos de identificação dos seus pais e respectiva morada, dos irmãos, bem como o lugar da situação do imóvel objecto do pretendido seguro, o que a 2ª. Autora efectivamente cumpriu.
43. Na posse de tais elementos, o legal representante da 2ª Ré, agindo nessa qualidade, obrigou-se a concretizar a celebração do contrato de seguro junto da 1ª Ré, nos termos e condições referidas em 39º a 41º.
44. Entre a 2ª. Autora e a 1ª. Ré, por intermédio da 2ª. Ré e através da corretora de seguros “AI Corretores Seguros, S.A.”, foi celebrado um contrato de seguro, do ramo multi-riscos habitação, mediante o qual a 1ª. Ré assumiu a cobertura do risco de incêndio do edifício identificado em 1º, obrigando-se a indemnizar os pais dos 2ºs a 6ºs Autores e estes últimos de todos os danos emergentes do sinistro, ocorridos no imóvel, pelo capital de € 175.000,00 e no respectivo recheio, pelo capital de € 20.000,00.
45. Este contrato teve o seu início em 11.02.2011 e foi celebrado pelo prazo de um ano, renovando-se por iguais e sucessivos períodos.
46. Para efeitos da renovação por mais um ano, com início em 11.02.2012, a A. Maria pagou o correspondente prémio de seguro, dentro do prazo fixado (até 11.02.2012), mediante a entrega da quantia de € 169,66, em numerário, ao legal representante da 2ª Ré.
47. Contra o recebimento desta quantia de € 169,66, o legal representante da 2ª Ré entregou à A. Maria a factura/recibo nº …, emitida pela 1ª Ré em 17.12.2011, constando da mesma que o novo período teria início em 11-02-2012 e com validade de 366 dias e que o capital seguro era de € 202.137,00.
48. Este era o procedimento corrente, normal e habitual de pagamento dos prémios de seguro referentes à acima referida apólice pela Autora, procedimento esse que sempre foi aceite pela 1ª e 2ª Rés.
49. De todas as vezes em que efectuou o pagamento dos prémios de seguro referentes à apólice acima referida à 2ª Ré, a A. recebeu desta a correspondente factura/recibo do prémio pago,
50. Sempre a 1ª Ré aceitou como bons os pagamentos dos prémios de seguro efectuados pela A. Maria directamente à 2ª Ré, considerando o contrato de seguro renovado desde a data do efectivo pagamento à 2ª Ré.
51. Jamais a A. Maria foi informada de que o prémio de seguro referente à apólice supra aludida não podia ou não devia ser efectuado à 2ª Ré (mediadora), ou sequer esclarecida de que o seu pagamento só se consideraria realizado mediante o pagamento efectuado à 1ª Ré.
52. A A. Maria sempre confiou que a 2ª Ré estava autorizada pela 1ª Ré a mediar a celebração de contratos de seguro, bem como a receber os prémios de seguro respeitantes às apólices de seguro celebrados por mediação da 2ª Ré e, concretamente, o prémio de seguro referente à apólice supra aludida, estando convencida que o pagamento do prémio de seguro à 2ª Ré correspondia aos interesses da 1ª Ré e se compreendia dentro dos poderes da 2ª Ré.
53. Foi e é a 1ª Ré quem emite as correspondentes facturas/recibos dos prémios a pagar pelo tomador do seguro, colocando-as em poder e na disponibilidade da 2ª Ré, com o propósito desta entregar aqueles recibos aos respectivos tomadores e contra o efectivo e integral pagamento do prémio de seguro, como sucedeu no caso em apreço.
54. A posse da correspondente factura/recibo pela 2ª Ré e a sua entrega contra o acto de pagamento criou na A. a firme convicção de que a 2ª Ré estava previamente autorizada pela 1ª Ré a receber os prémios de seguro, bem como a entregar-lhe a competente factura/recibo e, consequentemente, a renovar-lhe o contrato de seguro desde essa data.
55. A 1ª. Ré conferiu à 2ª. Ré poderes para, em seu nome, cobrar e receber prémios de seguro, nomeadamente os prémios respeitantes ao contrato supra referido, bem como para, após o seu pagamento pelos tomadores e segurados, entregar àqueles os recibos respeitantes a tais pagamentos.
56. A 2ª. Ré não entregou à 1ª. Ré a importância de € 169,66 correspondente ao referido prémio de seguro.
57. Foi participado à 1ª Ré o referido sinistro, após o que os AA. foram informados da recusa de assunção de responsabilidade pela 1ª Ré, por o prémio de seguro referente à anuidade de 2012, pago pela A. à 2ª Ré, não ter sido transferido pela 2ª Ré à 1ª Ré.
58. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº …, a 2ª Ré transferiu para a 3ª Ré e para as intervenientes W – Companhia de Seguros, S.A., S. Seguros, S.A., K. Seguros, S.A. e Grupo A Seguros, S.A. a responsabilidade nos termos constantes do doc. de fls. 117 a 142.
59.Este contrato foi celebrado em regime de co-seguro, no qual a 3ª. Ré é líder, tendo a responsabilidade das mesmas sido assumida nas seguintes proporções: pela Y - Seguros, como líder, 35%; pela W 30%; pela S. 15%; Pela K. 10%; pela Grupo A 10%.
60.A 2ª Ré participou à 3ª Ré que não havia entregue o valor do prémio de seguro à 1ª. Ré, solicitando o ressarcimento aos AA. dos prejuízos sofridos.
61. À data do incêndio apenas a 1ª. Autora residia no imóvel e já não nenhum dos restantes autores.
62.A 2ª. Autora, apesar de não ter residência permanente no imóvel objecto do seguro, nele pernoitava alguns dias úteis da semana, e todos os fins-de-semana (desde sexta-feira até à segunda-feira seguinte), feriados, dias santos e férias, aí fazendo as suas refeições de jantar e pequeno-almoço, na companhia dos pais, e às vezes de outros irmãos, e no conforto daquele lar.
63. O imóvel era para a 2ª. Autora uma segunda casa, que, além de alguns dias úteis da semana, era usada e fruída como casa de campo ou casa de aldeia, onde a Autora (Maria) gozava todos os seus dias de descanso semanal, de feriados e de dias-santos, bem como os seus dias de férias.
64. Para além de usar e fruir de todos os compartimentos comuns (sala, cozinha, casas de banho e outros), a 2ª. Autora tinha um quarto só para si, que só a ela era reconhecido o direito de o usar e fruir, e só ela, com exclusão de outrém, desse quarto retirava todas as utilidades que o mesmo lhe proporcionava.
65. A 2ª. Autora mobilou e decorou esse quarto ao seu gosto, com mobílias e objectos de decoração seus.
66. Era nesse quarto que a 2ª. Autora tinha muitos objectos pessoais, da sua exclusiva propriedade: roupas e outros acessórios de moda, artigos de bijuteria, perfumes, etc.
***
Com relevo para a discussão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente que:

a) Para a substituição dos bens que compunham o recheio do 1º andar do edifício os Autores necessitam de despender € 40.350,00, acrescidos de IVA.
b) Em consequência disso, os AA. tiveram gastos com alojamento em unidades hoteleiras e similares, que, não fosse o incêndio e a não reconstrução do imóvel, não teriam sofrido.
c) Os AA. têm andado tristes, arreliados, nervosos e ansiosos com a privação do edifício, o que lhes acarreta imensos embaraços e transtornos económicos, obrigando-os a gastos que não teriam que fazer.
d) A 2ª. Autora celebrou o contrato de seguro em nome próprio, não tendo indicado qualquer terceiro como titular do interesse seguro ou beneficiário do seguro.
e) A 2ª. Autora preencheu e assinou a proposta de seguro, indicando que celebrava o contrato na qualidade de proprietária.
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IV- DIREITO

A primeira questão, essencial, que a 1.ª Ré suscita no recurso consiste em saber se o contrato de seguro facultativo, que cobria os riscos do mencionado imóvel, à data em que aí deflagrou o incêndio, era válido e eficaz.
Defende a Recorrente que, nessa data, o contrato de seguro já tinha sido automaticamente resolvido, por imperativo legal e contratual, pois não recebeu o respectivo prémio.
Não foi esse, e bem, o entendimento acolhido na sentença.

Declarou-se, em resumo, que o pagamento do prémio ao representante legal da 2.ª Ré, dentro do prazo legal, considera-se efectuado à 1a. Ré, seguradora, pelo que não existe qualquer fundamento para a resolução contratual, por falta de pagamento.
Perante a factualidade apurada e demonstrada nos autos, não podia ser outra a decisão, que se mostra totalmente acertada.
Resulta da fundamentação que a 2ª Ré dedica-se à actividade de mediação de seguros, no âmbito da qual tem relações comerciais e acordos negociais celebrados com diversas companhias de seguros, entre as quais a 1ª Ré, por força dos quais propõe a celebração e medeia a vigência de contratos de seguro entre aquelas seguradoras e clientes por quem é contactada.

A Autora Maria encetou contactos com o legal representante da 2ª Ré com vista a celebrar um contrato de seguro multi-riscos habitação, tendo por objecto a cobertura dos riscos que pudessem afectar o edifício em causa e o respectivo recheio, pertencente a seus pais, o que foi concretizado com a 1.ª Ré, através da mediação daquela e da corretora de seguros “AI Corretores Seguros, S.A.”, com início em 11.02.2011, pelo prazo de um ano, renovando-se por iguais e sucessivos períodos.

Em conformidade com o procedimento corrente, normal e habitual de pagamento dos prémios de seguro referentes à referida apólice, sempre aceite pela 1ª e 2ª Rés, a Autora pagou o correspondente prémio de seguro, dentro do prazo fixado (até 11.02.2012), mediante a entrega da quantia de € 169,66, em numerário, ao legal representante da 2ª Ré.

Contra o recebimento desta quantia de € 169,66, o legal representante da 2ª Ré entregou-lhe a factura/recibo nº …, emitida pela 1ª Ré em 17.12.2011, constando da mesma que o novo período teria início em 11-02-2012 e com validade de 366 dias e que o capital seguro era de € 202.137,00.
Inexiste a mínima dúvida que sempre a 1ª Ré aceitou como bons os pagamentos dos prémios de seguro efectuados pela A. Maria directamente à 2ª Ré, considerando o contrato de seguro renovado desde a data do efectivo pagamento à 2ª Ré.

Jamais a Autora Maria foi informada de que o prémio de seguro referente à apólice supra aludida não podia ou não devia ser efectuado à 2ª Ré (mediadora), ou sequer esclarecida de que o seu pagamento só se consideraria realizado mediante o pagamento efectuado à 1ª Ré.

A Autora Maria sempre confiou que a 2ª Ré estava autorizada pela 1ª Ré a mediar a celebração de contratos de seguro, bem como a receber os prémios de seguro respeitantes às apólices de seguro celebrados por mediação da 2ª Ré e, concretamente, o prémio de seguro referente à apólice supra aludida, estando convencida que o pagamento do prémio de seguro à 2ª Ré correspondia aos interesses da 1ª Ré e se compreendia dentro dos poderes da 2ª Ré.
A 1ª. Ré, seguradora, conferiu à 2ª. Ré, mediadora, poderes para, em seu nome, cobrar e receber prémios de seguro, nomeadamente os prémios respeitantes ao contrato supra referido, bem como para, após o seu pagamento pelos tomadores e segurados, entregar àqueles os recibos respeitantes a tais pagamentos.

Ora, basta este último parágrafo para se concluir que a 2.ºª Ré actuou sempre como representante da 1.ª Ré, no exercício da sua actividade de mediadora, reconhecida e aceite por aquela.
Relativamente aos efeitos da representação, o artigo 258.º do C.Civil estabelece que o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
Verificam-se, in casu, “os dois requisitos indispensáveis para que a representação produza o seu efeito típico, que é a inserção directa, imediata, do acto na esfera jurídica do representado (dominus negotii):

a)Que o representante aja em nome do representado (contemplatio domini) (…)
b)Que o acto realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante.” (…)(1)

Esses efeitos, no que respeita ao contrato de seguro, estão especialmente contemplados no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL n.º 72/2008, de 16 de Abril.
Como se refere na sentença, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 31° do referido diploma legal, "quando o mediador de seguros actue em nome e com poderes de representação do segurador, os mesmos actos realizados pelo tomador do seguro, ou a ele dirigidos pelo mediador, produzem efeitos relativamente ao segurador como se fossem por si ou perante si directamente realizados."
Por conseguinte, o facto de a 1.ª Ré, seguradora, ter ainda outra sociedade mediadora do seguro em causa, é irrelevante pois está provado que foi a 2.ª Ré quem exerceu a intermediação entre a 1.ª Ré e a Autora com vista à celebração do contrato de seguro, o que foi concretizado.
Por outras palavras, se a 1.ª Ré entendesse como válida apenas a mediação da "AI CORRETORES SEGUROS, SA", não tinha aceite a intervenção da 2.ª Ré nem os procedimentos habituais e normais relativos ao contrato nomeadamente de recebimento dos prémios e entrega de recibos ao tomador.
É importante salientar que ficou provado que foi e é a 1ª Ré quem emite as correspondentes facturas/recibos dos prémios a pagar pelo tomador do seguro, colocando-as em poder e na disponibilidade da 2ª Ré, mediadora, com o propósito desta entregar aqueles recibos aos respectivos tomadores e contra o efectivo e integral pagamento do prémio de seguro, como sucedeu no caso em apreço.
Na sequência destes poderes representativos, em contrapartida do pagamento do valor correspondente ao prémio devido, a 2.ª Ré entregou à Autora a factura/recibo nº …, emitida pela 1ª Ré em 17.12.2011, constando da mesma que o novo período teria início em 11-02-2012 e com validade de 366 dias e que o capital seguro era de € 202.137,00.
Porém, a 2ª. Ré não entregou à 1ª. Ré a importância de € 169,66 correspondente ao referido prémio de seguro, que havia recebido da Autora Maria.
Esta omissão em nada afecta a validade e a eficácia do contrato de seguro uma vez que, nos termos do art. 258.º do C.Civil, o acto de pagamento do prémio à 2.ª Ré, na qualidade de representante da 1.ª Ré, considera-se efectuado a esta última, por se produzirem na respectiva esfera jurídica os efeitos daquele acto.
Na hipótese de inexistência de poderes representativos, a invocação por parte da 1.ª Ré desse facto, quando lhe é imputável a criação de uma situação de representação aparente, traduz, nas palavras do Acórdão do STJ, uniformizador de jurisprudência, de 05/07/2016 (2) uma inadmissível e desproporcionada lesão da confiança de terceiros, integrável na figura do abuso de direito.
A segunda questão que importa dirimir, sobre a inadmissibilidade da liquidação em execução de sentença dos danos referentes ao recheio da habitação, está conexionada com um dos fundamentos do recurso subordinado dos Autores ao exigirem o pagamento do capital seguro, a quantia de € 20.000,00, sem necessidade de liquidação ulterior.
Ambas as questões foram, na nossa perspectiva, bem decididas pelo tribunal a quo.
Foi celebrado entre as partes um contrato de seguro facultativo, multi-riscos, destinado a cobrir nomeadamente o risco de incêncio do imóvel em causa e respectivo recheio, obrigando-se a 1.ª Ré a indemnizar os pais dos 2ºs a 6ºs Autores e estes últimos de todos os danos emergentes do sinistro, ocorridos no imóvel, pelo capital de € 175.000,00 e no respectivo recheio, pelo capital de € 20.000,00.
Este contrato de seguro é enquadrável no seguro de coisas previsto no artigo 130.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) ficando a seguradora vinculada a entregar, ao beneficiário desse seguro, uma prestação correspondente ao valor do interesse seguro ao tempo do sinistro.
Este preceito constitui uma decorrência (3) do princípio indemnizatório plasmado no artigo 128.º do RJCS : a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.
De acordo com esse princípio, nem o valor do capital seguro pode ser superior ao valor do interesse seguro, nem o valor da prestação a cargo do segurador pode ser superior ao valor do interesse lesado (4).
Não tendo sido acordado entre as partes, no clausulado do contrato, um valor de capital, para, em em caso de sinistro, ser calculada a indemnização, o que pressupunha avaliações prévias dos bens, objecto do seguro, e subsequente aceitação desses valores pelos contraentes, a prestação da seguradora deve ser limitada ao valor dos bens que ficaram danificados, em consequência do sinistro, até ao valor do capital declarado, para efeitos de seguro.
Referem os Recorrentes Autores que o valor de 20.000,00 € atribuído ao recheio da habitação não é infundado porquanto foi junto aos autos pela Ré - Y - Seguros - um relatório de peritagem que assume como verdadeiro o valor de €20.360,00, constante de uma lista anexa que faz parte integrante daquele referido relatório.

Ora, a questão que se podia colocar, em face de tal documento, não era sobre uma correcta estimativa do valor dos objectos que compõem o recheio da habitação mas sim de impugnação da decisão que deu como não provado o valor dos mesmos, o que não sucedeu.

E a verdade é que o tribunal não conseguiu apurar, face aos meios de prova produzidos e com a segurança exigível, o valor das peças de mobiliário, móveis de cozinha, electrodomésticos e demais equipamentos, peças de decoração, artigos do lar e demais bens móveis que compunham o recheio do andar, consumidos pelas chamas.

Portanto, cumpre determinar o valor dos bens que ficaram destruídos, em consequência do incêndio, uma vez que a prestação da seguradora não pode exceder o valor equivalente ao dano sofrido, sob pena de enriquecimento injustificado dos Autores.
Segundo o disposto no artigo 609.º, n.º 2 do C.P.Civil se o tribunal não tiver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, condena no que vier a ser liquidado.
Sobre esta temática, A. dos Reis (5) explicava que “Dá-se ao magistrado este comando: se não puder condenar em objecto ou quantidade líquido, condene em objecto ou quantidade ilíquido.
Eis o conteúdo e o sentido da norma referida, a qual tanto se aplica ao caso de se ter formulado pedido genérico, como ao de se ter formulado o pedido específico, mas não se ter conseguido fazer a prova da especificação.”
E acrescenta, com interesse, que “Reconhece (o tribunal) que tem de condenar o réu mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face destes factos nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. E tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico como ao caso de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegaram a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação” (6)
É justamente o caso dos presentes autos: provou-se que os bens acima mencionados ficaram destruídos, em consequência do incêndio que deflagrou na casa dos Autores, mas desconhece-se, em concreto, a identificação/caracterização dos bens existentes, nessa data, bem como o respectivo valor para efeitos de se condenar a 1.ª Ré, seguradora, na prestação a que se encontra adstrita, por força do contrato de seguro.
Improcedem, por isso, os recursos da 1.ª Ré e dos Autores sobre estas questões.

Os Autores reiteram o pedido de indemnização por privação do uso do imóvel, por lhes ter sido recusado o pagamento do capital, o que configura, na sua opinião, violação dos deveres acessórios que incumbiam à 1.ª Ré, seguradora.
Por seu turno, a 1.ª Ré discorda da sua condenação no pagamento de juros desde 03 de agosto de 2012, dado que só com a discussão judicial foi possível fixar matéria de facto suscetível de concluir pela responsabilidade, não se tratando de uma mera divida de valor.
As duas questões que importa dirimir têm, como fundamento coincidente, o retardamento da obrigação de entrega da prestação monetária que compete à seguradora satisfazer, emergente do contrato de seguro.
Por esse motivo, irão ser apreciadas e decididas, em conjunto, por razões de lógica argumentativa.

Nos termos do disposto no n.º1 do art. 102° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro "O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências."
Após o apuramento dos factos, a obrigação do segurador, que pode ser pecuniária ou não pecuniária, vence-se decorridos 30 dias-cfr. arts. 104.º e 102.º do RGCS.

A prestação convencionada pelas partes é, atento o disposto no art. 550.º do C.Civil, de natureza pecuniária, por ser uma obrigação de quantidade (7).
É indiscutível, como se discorreu no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 09/03/2017 (8), que de acordo com o princípio da boa-fé e com os princípios gerais de conduta de mercado, consignados no Decreto-Lei nº 94-B/98, de 17 de Abril, as empresas de seguros devem garantir a gestão célere e eficiente dos processos de sinistro, procedendo com a adequada prontidão e diligência às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos.
Reconhecendo-se também “que os deveres de averiguação, confirmação e resolução do sinistro, em prazo razoável, configuram deveres acessórios de conduta, não abrangidos pelo contrato de seguro, nem a título principal nem em moldes secundários.”
O incêndio a que se reportam os autos foi participado à 1ª Ré, após o que os AA. foram informados da recusa de assunção de responsabilidade por parte desta, com o fundamento do prémio de seguro referente à anuidade de 2012, pago pela A. à 2ª Ré, não ter sido transferido pela 2ª Ré à 1ª Ré.
Portanto, não é admissível afirmar, em bom rigor, e ao contrário da situação apreciada no referido aresto de 09/03/2017, que a 1.ª Ré não observou os seus deveres acessórios de conduta relativos à conclusão do processo de sinistro, em tempo razoável.
E afigura-se-nos que não se pode confundir a violação de deveres acessórios de conduta com a recusa justificada, do ponto de vista da seguradora, de entrega da prestação emergente do contrato de seguro, concorde-se ou não com os motivos apresentados.
Por outro lado, no caso de improcedência das razões que justificaram, na perspectiva da 1.ª Ré seguradora, o não pagamento, no prazo legal, da prestação convencionada, torna-a responsável, segundo o art. 798.º do C.Civil, pelo prejuízo que causa ao credor, presumindo-se a sua culpa, ou seja, constitui-a na obrigação de indemnizar a contraparte que corresponde, nas obrigações pecuniárias, ao pagamento de juros (cfr. arts. 799.º, n.º 1, 804.º, n.º 1 e 806.º do C.Civil).
Os juros são devidos desde a constituição em mora, que, neste caso, tem prazo certo (cfr. art. 805.º, n.º 2, al.a) do C.Civil), à excepção do crédito ilíquido, que vence juros, nos termos do art. 805.º, n.º 3, do C.Civil, só após se tornar líquido, ou seja, com a notificação da sentença de liquidação.
No caso de seguro de coisas, o artigo 130.º, n.ºs 2 e 3 do RGCS dispõe que o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado, aplicando-se igualmente ao valor de privação do uso do bem.
O dano da privação do uso, como dano emergente, é susceptível de ser indemnizado, nos termos gerais, ou seja, na hipótese de se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil (9), extracontratual, o que não aconteceu no caso em apreciação.
Com efeito, nas obrigações pecuniárias, a indemnização pelo retardamento na prestação corresponde aos juros contados desde o dia da constituição em mora, salvo se o credor, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, provar que teve danos superiores aos juros (cfr. art. 806.º n.º 1 e 3 do C.Civil).
No caso sub judice não foi convencionada a cobertura do risco de privação do uso do imóvel nem de lucros cessantes (impossibilidade de arrendamento).

Porém, sob o título "Arrendamento de residência provisória", ficou estipulado "O arrendamento de uma habitação provisória ou a estadia num hotel de características semelhantes às da habitação segura, quando seja impossível ocupá-la durante a sua reparação, em consequência do sinistro coberto pela apólice.
Esta garantia é válida pelo período indispensável à reinstalação do Segurado na habitação segura, nunca excedendo o prazo de seis meses. (…) Valores seguros:Em primeiro risco, até 10% do capital seguro para o conteúdo e/ou edifício, no máximo de €10.000,00.".
À data do incêndio apenas a 1ª. Autora residia no imóvel, sendo a sua única e permanente residência.

Há mais de 20 anos, que este prédio constituía a casa de morada de família da Autora Manuela e do falecido marido, bem como dos filhos do casal, aqui Autores.
Era nessa casa que a Autora Manuela, o falecido marido, e os filhos festejavam as festas de família: Natal, Páscoa, aniversários, dia do pai, dia da mãe e que os filhos emigrados no estrangeiro passavam as suas férias, aí pernoitando e confeccionado as suas refeições.
E era a segunda residência da 2.ª Autora, nela pernoitando alguns dias úteis da semana, e todos os fins-de-semana (desde sexta-feira até à segunda-feira seguinte), feriados, dias santos e férias, aí fazendo as suas refeições de jantar e pequeno-almoço, na companhia dos pais, e às vezes de outros irmãos, e no conforto daquele lar.

Em consequência do incêndio que deflagrou, em 03 de Julho de 2012, o 1º andar da casa, parte habitacional do imóvel, ficou destruído, mantendo-se apenas as paredes exteriores de alvenaria de granito aparelhado em pé, da verga/padieira dos vãos, bem como outros elementos construtivos que carecem de ser removidos integralmente.

A reposição do edifício implica a realização dos trabalhos de reconstrução do edifício, discriminados na factualidade dada como provada, que nos abstemos de reproduzir, atenta a sua extensão, para o tornar novamente habitável.
Como bem alertaram os Recorrentes Autores, a reconstrução da casa estava e está dependente do pagamento da indemnização pela Seguradora, o que, decorridos mais de cinco anos desde a data do sinistro, ainda não foi satisfeita.
Ora, se a Seguradora tivesse, atempadamente, procedido ao cumprimento da sua obrigação, podia ser exigido, ao abrigo da cláusula acima mencionada, o arrendamento de residência provisória ou o pagamento de um hotel, de características semelhantes à habitação segura, pelo menos em relação à 1.ª Autora, que aí residia, de forma permanente, e que ficou sem poder ocupar a sua residência.
Da interpretação desta cláusula contratual resulta, de forma evidente, que se destina precisamente a evitar o prejuízo resultante da impossibilidade de ocupação do imóvel seguro, em termos habitacionais, decorrente do sinistro e da necessidade de o mesmo ser reparado.
Acompanhando o raciocínio exposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2017, (10) que apreciou um seguro facultativo, de danos próprios, em veículo automóvel, o efeito prático-jurídico do pedido de compensação pela privação do uso de veículo é compatível com a privação resultante do incumprimento desta obrigação contratual (de entrega de veículo de substituição).
Reportando ao caso em apreço, e adaptando aquela orientação do Supremo Tribunal de Justiça ao circunstancialismo apurado, o fundamento que possibilita o ressarcimento do dano de privação do uso da habitação, sofrido pela 1.ª Autora, é o incumprimento desta cláusula específica, por não terem sido autorizados/pagos os trabalhos de reconstrução do imóvel ou entregue a indemnização para esse efeito.
Afigura-se-nos que não se pode justificar o incumprimento desta cláusula com a circunstância de ainda não ter sido dado início aos trabalhos de reparação, sob pena de dupla penalização, pelo menos da 1.ª Autora: não recebeu a indemnização que lhe permitia repôr o imóvel no estado anterior ao sinistro e, por tal motivo, ou seja, por não estar a ser reparado, é-lhe recusada uma habitação provisória.
Inexistindo elementos nos autos que nos permitam quantificar a quantia mensal de um arrendamento ou as despesas da estadia num hotel, que teria satisfeito as necessidades de habitação da 1.ª Autora, durante o período de tempo da reparação do imóvel seguro, até ao limite de seis meses, tal será feito em liquidação de sentença, nos termos dos artigos 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2 do C.P.Civil, até ao limite máximo de €10.000,00.
Por último, considerando que foi confirmada a responsabilidade da 1.ª Ré, por existir seguro válido e eficaz, na data do sinistro, ficam naturalmente prejudicados os pedidos subsidiários e os recursos que estavam dependentes da sua eventual absolvição.
*
V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedentes os recursos dos Autores e da 1.ª Ré, e em consequência, alteram a sentença, condenando a 1.ª Ré a pagar aos Autores a quantia que vier a ser liquidada, a título de compensação de despesas com arrendamento de habitação provisória ou com estadia em hotel, nos termos da cobertura facultativa da cláusula 9.ª do contrato de seguro, acrescida dos juros calculados à taxa legal, desde a notificação da sentença de liquidação até integral pagamento e a pagar-lhes os juros calculados à taxa legal, desde a notificação da sentença de liquidação, da quantia que vier a ser liquidada referente aos danos ocorridos com os bens que se encontravam no interior da casa de habitação e compunham o recheio do imóvel seguro, até ao limite de € 20.000,00, até integral pagamento, eliminando-se o segmento absolutório das 2.ªs e 3ªs e julgando-se prejudicados os pedidos subsidiários e consequentemente, os respectivos recursos, mantendo-se o mais decidido.
Custas provisoriamente a cargo dos Autores e 1.ª Ré, na proporção das respectivas sucumbências, fazendo-se o apuramento definitivo na liquidação.
Notifique e registe.
Guimarães, 25 de Janeiro de 2018

(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)


1. V. P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 240.
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. Cfr. Martinez, Pedro Romano,e outros, Lei do Contrato de Seguro, Anotada, 2011, 2.ª edição, pág. 443.
4. Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiro, Estudo de Direito Civil, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, pág. 253.
5. Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 615 e vol. V, págs. 70 e 71.
6. Ob. cit., vol. V, págs. 70 e 71.
7. v. P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 4.ª edição, pág. 557.
8. Disponível em www.dgsi.pt.
9. Neste sentido, v. Rocha, Francisco Rodrigues, Do Princípio Indemnizatório no Seguro de Danos, 2015, pág. 207.
10. Disponível em www.dgsi.pt.