Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
72/12.5TBVRL-AH.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: CIRE
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO LABORAL
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Cessado o contrato de trabalho por iniciativa do administrador judicial, constitui dívida da insolvência a indemnização devida ao trabalhador reclamante correspondente à sua antiguidade até à data da declaração da insolvência.
2. E já constitui dívida da massa o crédito indemnizatório do trabalhador relativo ao período em que perdurou o vínculo laboral após ter sido declarada a insolvência, bem como os créditos salariais vencidos nesse hiato de tempo - independentemente da data em que o contrato de trabalho tenha sido celebrado.
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da relação de guimarães

I.Relatório.

1.M… intentou esta verificação ulterior de créditos por apenso ao processo de insolvência de A… & Cª, Lda., alegando ter sido admitido ao serviço da empresa em 2009 e que é titular de créditos salariais e pela indemnização decorrente da cessação do contrato de trabalho.
No decurso dos autos, as partes fixaram o valor global dos créditos a pagar ao autor em € 8.786,69 (oito mil, setecentos e oitenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos) correspondente a: 1. Agosto de 2013, no valor de € 154,88, referente à isenção de horário de trabalho;
2. Setembro de 2013, no valor total de € 591,14, correspondendo € 287,50 ao vencimento base, € 77,44 de isenção de horário de trabalho, € 180,00 de comissões e € 46,20 de subsídio de alimentação; 3. Outubro de 2013, no valor total de € 251,95, correspondendo € 64,95 à isenção de horário de trabalho e € 187,00 a comissões; 4. 1 a 19.Novembro de 2013, no valor total de € 555,39, correspondendo € 383,33 ao vencimento base, € 103,25 de isenção de horário de trabalho e € 58,80 de subsídio de alimentação (13 dias); 5. Subsídio de férias de 2011, no valor de € 960,83; 6. Subsídios de férias e de natal de 2012, no valor total de € 1.782,96; 7. 50% dos duodécimos de Setembro (€ 30,41 * 2) e Novembro (proporcionais – € 15,21 * 2), dos subsídios de Natal e de férias de 2013, no valor total de € 91,24; 8. restantes 50% dos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal de 2013, no valor de € 646,56; 9. proporcionais das comissões dos subsídios de férias e de Natal de 2013, no valor de € 277,50; 10. indemnização pela cessação do contrato de trabalho, no valor de € 3.474,24.

II. Na sentença, o tribunal recorrido julgou verificados os créditos do Autor:
O crédito de € 960,83 relativo ao subsídio de férias de 2011, com privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel onde o Autor exercia funções, e os créditos indicados nos ponto1, 2, 3, 4, 6. 7, 8, 9, 10 como dívidas da massa insolvente, devendo observar-se, no seu pagamento, o estatuído no n.º 1 do art.º 172.º do CIRE.




III. A massa insolvente interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1.A recorrente assenta a sua discordância quanto à douta decisão recorrida no facto do MMº Juiz ‘’a quo’’ ter entendido que a compensação devida pela extinção do contrato de trabalho apesar de ser qualificada como divida da insolvência, enquadra-se na previsão do artigo 51º c) do CIRE, sendo tal crédito verificado a título de indemnização por antiguidade ser divida da massa insolvente, a pagar nos termos do artigo 172º, n.º 1 a 3, do CIRE.
2. A sociedade A… & Cª, Lda foi declarada insolvente em 03.02.2012.
3.O contrato de trabalho que o recorrido mantinha com a insolvente cessou em Novembro de 2013, por o administrador, antes do encerramento definitivo da empresa, ter considerado a colaboração dispensável à manutenção do funcionamento da empresa. Tendo enviado ao recorrido a respectiva declaração de desemprego, ao que este não se opôs.
4.O crédito a título de indemnização de antiguidade no valor de 3.474,24 €, não pode ser qualificado como dívida da massa insolvente.
5.A essência da ratio da existência de dívidas qualificáveis como dívidas da massa, a pagar com precipuidade, está na circunstância de haver dividas do funcionamento da empresa do período posterior à declaração de insolvência e de haver dividas que são contraídas tendo exclusivamente em vista a própria actividade de liquidação e partilha da massa, situação em que não estão ou se enquadram as dívidas por cessação dos contratos de trabalho, principalmente quando tal cessação, como é o caso, está indissoluvelmente ligada às vicissitudes que ‘’laceravam’’ a empresa insolvente, que a conduziram à sua insolvência.
6. A pensar-se diferentemente – não representando a declaração de insolvência a extinção dos contratos de trabalho em que a insolvente é empregadora – teríamos que, em caso de encerramento final da empresa da insolvente, todas as indemnizações/compensações por cessação de contratos de trabalho seriam sempre créditos sobre a massa.
7. Apenas e só, na generalidade dos casos, por formalmente a cessação dos contratos de trabalho ocorrer em procedimentos já levados a cabo na vigência temporal da Administração da Insolvente.
8. Os créditos consistentes na compensação/indemnização por cessação de contrato de trabalho, subsequente às vicissitudes/encerramento da empresa insolvente, são créditos da insolvência; não preenchendo alguma das alíneas do artigo 51º do CIRE.
9.Em face do exposto, verifica-se que a douta decisão sob recurso não interpreta correctamente as normas de direito aplicáveis a este caso concreto, ao considerar que a compensação devida pela extinção do contrato de trabalho apesar de ser qualificada como divida da insolvência, enquadra-se perfeitamente na previsão do artigo 51º c) do CIRE, sendo tal crédito verificado a título de indemnização por antiguidade no valor de 3.474,24 € ser divida da massa insolvente, quando os créditos da compensação/indemnização por antiguidade por cessação do contrato de trabalho após a declaração de insolvência são créditos da insolvência, não preenchendo alguma das alíneas do artigo 51º do CIRE, contrariamente ao que consta na douta decisão sob recurso.
10. Deverá pois o crédito da compensação/indemnização por antiguidade por cessação do contrato de trabalho no valor de 3.474,24 € ser qualificado como dívida da insolvência.

IV. Colhidos os vistos cumpre decidir a questão colocada no recurso:
Uma vez cessado o contrato de trabalho por iniciativa do administrador judicial da insolvência, a indemnização por antiguidade a que tem direito o trabalhador é dívida da massa insolvente ou dívida da insolvência?




Factos provados:
A sociedade A… & Companhia, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida a 03/02/2012.
Em sede de assembleia de credores datada de 21/03/2012 foi decidida a manutenção do estabelecimento da insolvente e a apresentação de plano de recuperação.
O Autor foi admitido ao serviço da sociedade insolvente em 01/10/2009, tendo trabalhado por conta, sob a direcção, fiscalização e autoridade da referida sociedade até 20/11/2013.

No Capítulo IV do C.I.R.E. Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas a que pertencem as normas que a seguir se indiquem sem expressa referência a outro diploma legal),, sob a epígrafe “efeitos sobre os negócios em curso”, encontramos normas que se ocupam dos efeitos da declaração da insolvência sobre diversos tipos de contratos, mas neles não figura o contrato de trabalho por insolvência do empregador. O artº 111º trata dos “Contrato de Prestação Duradoura de Serviços” e o artigo 277º é uma norma sobre conflito de leis, nesse aspecto acompanhamos Menezes Leitão Direito da Insolvência, 5ª edição, pág. 181 e segs. e Rosa Palma Ramalho Aspectos Laborais…”, págs. 694/696. autores que defendem a aplicação do regime do artigo 347º, do Código do Trabalho, nos termos do qual «a declaração de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado» (nº1), mas isso pressupõe e está implícito que o trabalhador continue após a declaração da insolvência a prestar serviço à empresa da massa falida, sob as ordens e a direcção de quem a representa (o administrador judicial).




A importância da distinção entre dívidas da insolvência (artigo 47º) e dívidas da massa insolvente (artigo 51º) reside na circunstância de estas serem pagas precipuamente, e só depois são pagas as dívidas da insolvência conforme a prioridade que lhes compete no confronto com os demais credores (artigos 172º e 174º).
Os créditos laborais remuneratórios vencidos e reportados a uma relação laboral pré-existente à declaração da insolvência são claramente dívidas da insolvência, a graduar, conforme a natureza dos bens, segundo o privilégio mobiliário e/ou imobiliário que lhes confere o artigo 333º do CT, enquanto os posteriores à declaração de insolvência são dívidas da massa (nesse sentido, cfr. Menezes Leitão, em anotação ao Ac. do TRC de 14.07.2010, in Cadernos de Direito Privado nº34, Abril/Junho de 2001, pág. 55 e segs), e quanto a estes não vislumbramos de facto razão jurídica válida para se fazer qualquer distinção entre os contratos celebrados antes da declaração da insolvência do empregador e os celebrados pelo administrador judicial




Se relativamente aos créditos remuneratórios vencidos após a declaração da insolvência não existe grande controvérsia, o mesmo já não se pode dizer quanto à indemnização por antiguidade a que o trabalhador tem direito depois do vínculo laboral iniciado em data anterior à declaração de insolvência ter cessado por iniciativa do administrador nos termos do nº2 do artigo 347º do Código do Trabalho (despedimento do trabalhador considerado dispensável para o funcionamento da empresa). Nesses casos, a indemnização fixada a título de antiguidade do trabalhador é uma dívida da massa, como na situação em apreço foi entendido pela sentença recorrida ou, ao invés, constitui uma dívida da insolvência, conforme sustenta e reclama o recorrente?
A doutrina tem-se dividido, e as duas posições são sintetizadas e expostas com toda a clareza por Miguel Lucas Pires em «Os Privilégios Creditórios», 2015, págs 408 a 413, que data vénia seguimos de perto.
Dizem uns autores que se trata duma dívida da massa porque a cessação do contrato resulta de um acto praticado pela administração da massa insolvente- alínea c) do nº1 do artigo 51º (Carvalho Fernandes in Revista de Direitos e Estudos Sociais, 2004, pág. 26) ou ora porque se trata de um acto do administrador da insolvência no exercício das suas funções [art. 51º, nº 1, al. d)] Menezes Leitão, A natureza dos créditos laborais resultantes de decisão do administrador de insolvência, in Cadernos de Direito Privado, nº 34 (Abril/Junho 2011), cit., pp. 65 e 66.
Outros defendem que se tratam de dívidas da insolvência, posição que acompanhamos, e em benefício dessa tese diversos argumentos podem ser aduzidos:
A cessação do contrato de trabalho é “consequência daquele estado de insolvência, uma vez que a compensação é um direito adquirido com referência à duração do vínculo laboral, cujo contrato de trabalho perdurou enquanto a empresa insolvente esteve em actividade” (Joana Costeira in Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, 2013-91);
Não parece que se possa dizer, regra geral, «que a compensação devida pela cessação seja uma daquelas despesas que se inserem no escopo da lei ao qualificar certas dívidas como dívidas da massa”. Não só as causas do despedimento “se encontram na situação económica da empresa pré-existente à declaração de insolvência, como, e, sobretudo, a compensação (…) é tarifada em função dos anos de antiguidade que terão lugar, em regra, anteriormente à declaração de insolvência, pelo menos na sua maior parte” (Julio Gomes in Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho, Almedina 2013, pá. 292 a 295);
Ao invés dos créditos retributivos, «os créditos compensatórios não só não pressupõem qualquer contraprestação por parte do trabalhador, como também não assumem a natureza alimentar dos créditos retributivos…, e é duvidoso que a fonte de tais créditos radique na actuação do administrador, «pois se a cessação do vínculo em si pode ser reconduzida a esse acto volitivo, não é menos verdade que o direito de crédito associado a tal cessação tem fonte legal, por ser a lei que determina, para além das condições de tal cessação, a forma de cálculo da compensação a atribuir aos trabalhadores visados» (Miguel Lucas Pires, obra citada, pág. 413/414).
E com efeito, como enfatiza este último autor, a primeira solução indicada conduziria a uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores despedidos em data anterior à declaração de insolvência, cujo crédito compensatório é dívida da insolvência, e os despedidos após a declaração da insolvência – que pode até ocorrer poucos dias depois - que vêm o crédito compensatório classificado como dívida da massa, ponto de vista este que a nosso ver não pode ser desvalorizado.

No caso em apreço podemos concluir dos factos provados que o crédito compensatório do recorrido se reporta ao tempo do vínculo laboral situado entre à antiguidade do recorrido situada entre 1 de Outubro de 2009 e 23 de Novembro de 2013. Assim, na linha da última posição enunciada, à qual se adere, constitui divida da insolvência o valor do crédito indemnizatório correspondente ao período entre 1 de Outubro de 2009 e 3 de Fevereiro de 2012 (data da declaração de insolvência), e dívida da massa o valor correspondente ao vínculo laboral entre declaração da insolvência e 20.Novembro.2013, data em que cessou o contrato.

Sumário
1. Cessado o contrato de trabalho por iniciativa do administrador judicial, constitui dívida da insolvência a indemnização devida ao trabalhador reclamante correspondente à sua antiguidade até à data da declaração da insolvência.
2. E já constitui dívida da massa o crédito indemnizatório do trabalhador relativo ao período em que perdurou o vínculo laboral após ter sido declarada a insolvência, bem como os créditos salariais vencidos nesse hiato de tempo - independentemente da data em que o contrato de trabalho tenha sido celebrado.
V.Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando-se a decisão, declara-se como dívida da insolvência o crédito indemnizatório do reclamante correspondente à sua antiguidade até à data da declaração da insolvência, e como tal deverá ser graduado com a prioridade que a lei lhes confere (v.g. a resultante dos privilégios mobiliários e/ou imobiliários - artigo 333º do Código do Trabalho).
Custas pela massa.

TRG, 09.07.2015

(Heitor Gonçalves)

(José Raínho)

(Carvalho Guerra)