Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3349/11.3TBVCT-B.G1
Relator: HENRIQUE ANDRADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACÇÃO EXECUTIVA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÃO DE VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (artº88.º, nº1, do CIRE), pelo que, por maioria de razão, não poderá prosseguir a execução que tenha sido intentada, ainda que de boa fé, depois daquela declaração, devendo, por isso, ser declarada a extinção da instância;
II – O encerramento do processo de insolvência deve ser declarado pelo juiz, nos casos previstos no artº230.º do CIRE, não se confundindo, com aquele, a homologação do plano de insolvência, a qual poderá ou não determinar tal encerramento;
III – Assim, o prazo de 30 dias, previsto no artº233.º, nº2, alínea b), do CIRE, para requerer o prosseguimento da acção de verificação ulterior de créditos, de que fala o artº146,º do CIRE, conta-se a partir do conhecimento do encerramento do processo e não da homologação do plano de insolvência;
IV - Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, contra o devedor, com as restrições constantes do plano aprovado (alínea c) do nº1 do artº233.º do CIRE), o que se mostra em linha com o estabelecido no artº217.º, nº1, do mesmo código, que estende os efeitos do plano de insolvência aos créditos não reclamados nem verificados.
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, nos termos do artº656.º do actual CPC:

I – D…, Ldª, executada no processo de execução que lhe move P…, S.A., recorre do douto despacho, de 10-09-2013, que ordenou o prosseguimento da execução, concluindo deste jeito:
“I. O despacho proferido que determina o prosseguimento dos presentes autos não se pode manter.
II. O despacho proferido de prosseguimento dos autos assenta num pressuposto errado, pois a interpretação a dar ao disposto no artigo 233.º, n.º 1, c), do CIRE, não pode ser a que decorre do despacho proferido.
III. Da análise e conjugação dos artigos 233.º, n.º 1, c) e 233.º, n.º 2, b), do CIRE, outra conclusão não pode ser retirada senão que tinha que ter sido a Exequente a requerer, junto do processo de insolvência, o prosseguimento da acção de verificação ulterior de créditos por si interposta.
IV. Tal prosseguimento dos autos não foi requerido, tendo a Exequente deixado o prazo de 30 dias ser ultrapassado.
V. Tal facto que originou a caducidade da acção interposta, com a consequência de o crédito da Exequente ser aquele que resulta do processo de insolvência.
VI. Sendo o processo de insolvência o processo que regula a forma de pagamento de todos os créditos da Executada – onde se inclui o da Exequente – é inequívoca a conclusão que apenas no processo de insolvência pode a Exequente ser paga.
VII. Os presentes autros não são a forma correcta de a Exequente obter o pagamento do seu crédito, sob pena de se estabelecer uma desigualdade entre credores.
VIII. Quem foi ao processo de Insolvência e aí reclamou créditos, votou o plano apresentado e se sujeitou a este, e quem sabe até com algum perdão de parte do seu crédito, fica em situação muito pior do que um credor que não interveio no processo de insolvência, porque não quis ou porque deixou caducar, com culpa sua, uma acção por si interposta, e faz uso, agora, da acção executiva para cobrar integralmente o valor do seu crédito sem o eventual perdão a que todos os outros credores da mesma categoria se sujeitaram.
IX. Não é este o entendimento que decorre do CIRE e não foi essa, certamente, a intenção do legislador.
X. No sentido do que vem sendo narrado, veja-se as anotações feitas ao artigo em apreço, por Luís. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. II, Quid Juris, página 174 e seguintes, podendo-se ler na anotação n.º 6, que prescreve o seguinte: “Nesta matéria, para mais perfeito esclarecimento do regime contido nesta norma, importa começar por atender novamente às limitações que decorram da existência de plano de insolvência (…). Se não se verificar nenhuma destas situações, os credores da insolvência podem exercer livremente os seus direitos contra o devedor; nos demais podê-lo-ão fazer em conformidade com o plano aprovado.” (sublinhado nosso).
XI. A Exequente devia ter diligenciado junto do processo de insolvência pelo prosseguimento da acção ulterior de verificação de créditos que havia interposto.
XII. Se não o fez – e esta omissão apenas se fica a dever a uma falta de sua parte - não se pode agora fazer valer da presente acção executiva para cobrar um crédito que apenas pode ser pago através do cumprimento do plano de insolvência.
XIII. Ao contrário do que decorre do despacho proferido, o plano de insolvência da Recorrente é oponível à Exequente, sendo-lhe aplicável todas as limitações e restrições que nele constem, sob pena de se abrir um expediente para cobrança integral dos créditos: bastaria ao credor alhear-se do processo de insolvência, não reclamando o seu crédito nesse processo.
XIV. Não é essa a interpretação que decorre dos artigos 128.º e 146.º, do CIRE, não sendo esse, de todo, o objectivo do processo de insolvência.
XV. O Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 233.º, n.º 1, c), do CIRE.”.
Não houve contra-alegações.

O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o que se fará em decisão sumária, atenta a respectiva simplicidade.
II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam.
III – Fundamentação:
i) Factualidade assente:
1 – A executada/recorrente foi declarada insolvente por decisão judicial de 05-07-2011;
2 – A execução em questão iniciou-se a 08-11-2011;
3 – A exequente deu conhecimento, na execução, em 30-11-2011, da declaração de insolvência da executada;
4 – No processo de insolvência, onde a exequente não figura como credora, foi apresentado plano de insolvência, que foi aprovado em assembleia de credores de 20-12-201, e homologado por decisão judicial de 23-01-2012, nada naquele se prevendo acerca da fiscalização da sua execução;
5 – A 19-01-2012, a exequente deu entrada, por apenso ao processo de insolvência, contra a insolvente/executada, de uma acção de verificação ulterior de créditos, que, por decisão judicial de 26-01-2012, foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, “face à aprovação do plano de insolvência, devidamente homologado por despacho judicial (…)”;
6 – Não consta que tenha sido declarado o encerramento do processo de insolvência.

ii) O mérito do recurso:
A decisão recorrida assenta no equívoco de considerar que a homologação do plano de insolvência corresponde ao encerramento do processo.
Não é assim. O encerramento do processo deve ser declarado pelo juiz, nas situações previstas no artº230.º do CIRE, parecendo que, no caso dos autos, nada obsta a tal declaração - ver alínea b) do nº1 do dito artº230.º.
Mas, ainda que o processo tenha sido, ou venha a ser, declarado encerrado, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, contra o devedor, com as restrições constantes do plano aprovado (alínea c) do nº1 do artº233.º do CIRE), o que se mostra em linha com o estabelecido no artº217.º, nº1, do mesmo código, que estende os efeitos do plano de insolvência aos créditos não reclamados nem verificados.
Neste conspecto, terá sido prematuramente extinta a acção de verificação ulterior de créditos, a confirmar-se que o processo de insolvência não foi declarado encerrado, visto que apenas o encerramento, antes do rateio final, determina tal extinção, podendo os autores dessas acções, caso o encerramento decorra da aprovação de plano de insolvência, requerer o prosseguimento daquelas, no prazo de 30 dias (a contar do conhecimento do encerramento), segundo a alínea b) do nº2 daquele artº233.º.
Ademais, a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, ut artº88.º, nº1, do CIRE.
Embora se possa admitir que a execução em questão tenha sido instaurada, depois da declaração de insolvência, por desconhecimento, desta, por parte da exequente/recorrida, a consequência, por maioria de razão (se a execução, intentada antes da declaração de insolvência, não pode prosseguir, mais razão haverá para que o não possa a intentada, ainda que de boa fé, depois dessa declaração), não pode ser outra que não seja a da extinção da instância, por impossibilidade da lide, nos termos do artº287.º, alínea e), do anterior CPC.

Em suma, o recurso, com mérito, deverá proceder.

Em síntese:
I – A declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (artº88.º, nº1, do CIRE), pelo que, por maioria de razão, não poderá prosseguir a execução que tenha sido intentada, ainda que de boa fé, depois daquela declaração, devendo, por isso, ser declarada a extinção da instância;
II – O encerramento do processo de insolvência deve ser declarado pelo juiz, nos casos previstos no artº230.º do CIRE, não se confundindo, com aquele, a homologação do plano de insolvência, a qual poderá ou não determinar tal encerramento;
III – Assim, o prazo de 30 dias, previsto no artº233.º, nº2, alínea b), do CIRE, para requerer o prosseguimento da acção de verificação ulterior de créditos, de que fala o artº146,º do CIRE, conta-se a partir do conhecimento do encerramento do processo e não da homologação do plano de insolvência;
IV - Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, contra o devedor, com as restrições constantes do plano aprovado (alínea c) do nº1 do artº233.º do CIRE), o que se mostra em linha com o estabelecido no artº217.º, nº1, do mesmo código, que estende os efeitos do plano de insolvência aos créditos não reclamados nem verificados.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando a apelação procedente, se revoga a decisão recorrida, declarando-se a extinção da instância.
Custas pela recorrida.

• Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis.
• Entende-se que a reclamação para a conferência, nos termos do artº652.º, nº3, do actual CPC, está sujeita a custas [tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, in fine (0,25 a 3)], devendo observar-se o disposto no artº14.º, nº1, deste.
Guimarães, 13-03-2014
Henrique Andrade