Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
53/11.6GBMNC.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO A CUMPRIR POR DIAS LIVRES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A prisão por dias livres (art. 45 do Cod. Penal) constitui uma verdadeira pena de substituição, não sendo um mero regime de cumprimento de pena que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação.
II – A pena de prisão efetiva, decorrente da revogação da respetiva suspensão, não pode ser alterada para o regime de prisão por dias livres.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Manuel G... veio interpor recurso do despacho de fls. 126, proferido em 29-5-2013, que lhe indeferiu a substituição da pena de 1 ano de prisão (decorrente da revogação da respectiva suspensão) pela de prisão por dias livres, por si requerida ao abrigo do disposto no art. 45º CP.

Suscita o arguido a questão de saber se no presente caso deve ser aplicada a pena de prisão por dias livres.

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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, alegando que as penas de substituição (como a prisão por dias livres) só podem ser aplicadas na sentença e, além disso, uma pena de substituição não pode ser substituída por outra pena de substituição em situações como a dos autos.

Nesta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido, invocando, entre o mais, o seguinte:

“… O momento próprio para a escolha da pena (privativa ou não privativa da liberdade), bem assim, das denominadas penas de substituição (em sentido próprio ou impróprio), é o da sentença condenatória e nestes autos, o recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução (por decisão há muito transitada em julgado e com a qual se conformou com o que se tornou definitiva, impossibilitando a discussão do seu conteúdo, nomeadamente da justeza e adequação da concreta pena imposta (e que o arguido então aceitou).

Por conseguinte, é manifestamente extemporânea a sua pretensão.

Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena de prisão suspensa, ordenada a revogação da suspensão sem que da mesma também tenha sido interposto recurso, não resta ao Tribunal a quo outra solução que não a de determinar a sua execução …”.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II- Fundamentação

Atentemos em primeiro lugar, de forma sintética, no ocorrido nos autos:

- Por sentença proferida em 16.09.2011 devidamente transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo a motor na via pública sem para tal estar legalmente habilitado, p. e p. pelo art. 3º, nº1 do DL 2/98 de 3/1, na pena de 1 ano de prisão suspensa pelo período de 1 ano, com a obrigação de, nesse prazo, se inscrever numa escola de condução e frequentar o número de aulas necessário para se poder submeter a exame de código (arts. 50º e 52º, nº1, al. c) do CP);

- O arguido não cumpriu esta condição vindo alegar, apenas quando notificado para o efeito, falta de recursos económicos para a inscrição, não obstante ainda ter obtido o necessário atestado médico (fls. 84 e 85).

- Entretanto cumpria a pena de 4 meses de prisão aplicada noutro processo pela prática de crime da mesma natureza, ocorrido em 20-11-2011, ou seja, já após a condenação nestes autos em pena suspensa (v. fls. 83).

- Após ter saído em liberdade inscreve-se e começa a frequentar uma escola de condução.

- Notificado para efeitos da eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, conforme promoção do MºPº, o arguido alega o cumprimento da obrigação de que aquela dependia, com a inscrição e frequência de uma escola de condução. Mas, a ser revogada a suspensão, pede a substituição da pena de prisão pela pena de prisão por dias livres ou em regime de permanência na habitação, sobretudo por razões familiares.

- A fls. 113, em 7-5-2013, é proferido despacho que, ao abrigo do disposto no art. 56º, nº1, al. b) do CP, revogou a suspensão da pena de prisão em que o arguido fora condenado nestes autos.

- A fls. 119 o arguido vem requerer a substituição da pena de prisão pela prisão por dias livres, repetindo os argumentos relativos aos inconvenientes de ordem familiar que a sua prisão causará.

- Por fim, a fls. 126, em 29.05.2013, é proferido o despacho recorrido, do qual consta que “O Tribunal conhece perfeitamente a situação pessoal do arguido e várias vezes o avisou de que estava a colocar em perigo a subsistência da sua família. Só que estamos a falar de uma pessoa que, no espaço de oito anos, foi condenado sete vezes por condução sem habilitação legal.

O Tribunal deu várias hipóteses ao arguido e sempre confiou que o mesmo iria começar a comportar-se de acordo com as normas de Direito. Foi o arguido que não quis apostar no seu futuro e foi esse mesmo arguido que não atentou nas necessidades do seu filho.

Por todas as razões expostas no despacho de fls. 113 e 114, o Tribunal entende que a prisão por dias livres não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim sendo, decide-se indeferir o peticionado”.

Sendo deste último despacho que nos surge agora o recurso do arguido.

A questão a apreciar e decidir consiste em saber - tal qual enunciado acima - se no presente caso a pena de prisão efectiva decorrente da revogação da respectiva suspensão pode e deve ser alterada para o regime de prisão por dias livres, nos termos previstos no artigo 45.º do Código Penal.

E a resposta não pode deixar de ser negativa, não havendo sequer que entrar na aferição dos pressupostos previstos no art. 45º do Código Penal.

É que a presente situação - como refere correctamente a Ex.ª PGA no seu parecer - reporta-se a um condenado em pena de prisão suspensa na respectiva execução, por decisão há muito transitada em julgado e com a qual se conformou, com o que se tornou definitiva, impossibilitando a discussão do seu conteúdo, nomeadamente da justeza e adequação da concreta pena imposta e que o arguido então aceitou.

Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena de prisão suspensa, ordenada a revogação da suspensão sem que da mesma também tenha sido interposto recurso, não resta ao Tribunal a quo outra solução que não a de determinar a sua execução, resultando nesta fase manifestamente extemporânea a pretensão do recorrente, sendo inadmissível à luz dos princípios que regem o actual processo penal.

De facto a prisão por dias livres a que alude o art. 45º CP constitui uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão, como aliás o próprio recorrente aceita ao escrever no recurso que “… A prisão por dias livres, não é uma mera modalidade de execução da pena de prisão efectiva aplicada, mas antes verdadeira pena de substituição …” e tem sido salientado amiúde por doutrina e jurisprudência.

Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão, que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação e sendo em exclusivo competente para a respectiva aplicação o Tribunal do julgamento no preciso momento em que o efectua.

Assim, por exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Dez. 2008, nota 1 ao art.45º, pág. 185, ou Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 330 a 336.

O Ac. Rel. Porto de 20-10-2010, proc. 87/01.9 TBPRG.P1 no qual se escreveu:

“No entanto, a isso se opõe, desde logo, o art. 56º n.º 2, do Cód. Penal, que estatui que a revogação da suspensão da execução da pena determina “o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”, o que manifestamente exclui a aplicação subsequente de qualquer outra pena de substituição.

Por outro lado e ainda que assim não fosse, sabendo-se que a revogação da suspensão resulta do incumprimento culposo do condenado, não se vislumbra como seria possível emitir um novo juízo de prognose positiva sobre a desnecessidade de cumprimento da pena fixada.

Finalmente, o próprio regime das penas de substituição, que são verdadeiras penas autónomas, não o admite uma vez que estas têm que ser aplicadas pelo tribunal de julgamento, não podendo ser aplicadas em momento posterior à condenação transitada em julgado”.

O Ac. Rel. Guimarães de 30-5-2011, pr. 630/05.1 GTBRG-A.G1, rel. Maria Luísa Arantes, no qual pode ler-se:

“ Pretende o recorrente que a pena de 10 meses de prisão em que foi condenado seja substituída por prisão por dias livres …

O art.56º, nº2 do Código Penal estabelece que a revogação da suspensão da execução da pena determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, o que afasta a aplicação subsequente de outra pena de substituição …

Por outro lado, as penas de substituição, que são penas autónomas (neste sentido, v. Beleza dos Santos, in RLJ, ano 73, pág.385 e ss, Eduardo Correia, in “Estudos Beleza dos Santos”, pág.293 e ss. e Figueiredo Dias, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág.390 e ss.), têm de ser aplicadas pelo tribunal de julgamento, não podendo ser aplicadas em momento posterior à condenação transitada em julgado.

Não estando em causa, nesta sede, uma questão referente ao cumprimento da pena, mas antes de aplicação de uma pena de substituição, a pretensão do recorrente não pode ser atendida.

Pelo tribunal de julgamento foi aplicada uma pena de substituição - suspensão da execução da pena de prisão -, a qual veio a ser revogada. Tal revogação implica a execução da pena de prisão, não cabendo ao tribunal a quo que proferiu o despacho de revogação pronunciar-se sobre a aplicação de outra pena de substituição, como é a prisão por dias livres ou o regime de semidetenção”.

Ou o Ac. Rel. Guimarães de 29-3-2011, pr. 1507/09.0 TABRG.G1, rel. Fernando Chaves, no qual pode ler-se:

“… O momento em que a aplicação das penas de substituição em sentido próprio deve ser decidida é o da sentença condenatória, enquanto momento da escolha, determinação e aplicação da pena correspondente ao facto…”.

Resulta, por isso, destituída de qualquer fundamento válido a pretensão do recorrente no presente caso.

Improcede, consequentemente, o recurso, mantendo-se incólume o despacho recorrido ainda que por distintas razões.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs., sem prejuízo de decisões relativas a apoio judiciário.