Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
203/15.3T9PTL.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: DESPACHO NÃO FUNDAMENTADO
MERA IRREGULARIDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O despacho não fundamentado gera "mera irregularidade".

II - O princípio do contraditório é um princípio processual básico das sociedades democráticas, emanação do direito a uma "justiça equitativa" prevista na C.E.D.H., sendo também Constitucional e legalmente protegido.

III - Não faria sentido, que estando em causa Direitos Fundamentais de âmbito Convencional Internacional e Constitucionalmente protegidos, fosse a sua violação considerada como "mera irregularidade", o vício menor e residual em Processo Penal.

IV - Assim e além das nulidades típicas previstas no C.P.P., outras há que assumem tal natureza, ainda que atípicas, sob pena de a violação de princípios fundamentais e Constitucionalmente protegidos gerar invalidades mínimas, o que contraria a noção geral de realização do Direito e da Justiça.
Decisão Texto Integral:
1 - Relatório

Em 24 de Maio de 2 016 foi proferida sentença, nessa data depositada, nos termos da qual:

- a arguida “Empresa X, Sociedade Unipessoal, Lda.” foi absolvida, da prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts.º 256º/1, a), c) e e) e 255º/a C.P., conjugados com o art.º 11º/2, a), do C.P.;
-o arguido José foi absolvido, da prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º/1, a), c) e e) e art.º 255º/a, C.P.
Desta decisão foi interposto recurso.
Porque o recurso foi subscrito em nome de Maria, não foi o mesmo admitido – fls. 267.
A fls. 272, Sofia – a assistente nos autos – vem requerer a retificação do nome de quem interpôs recurso, para o seu nome. O Tribunal mandou abrir vista ao M.P., que referiu “nada a opor”.

Após e a fls. 275, o Tribunal, sem cumprir o contraditório na pessoa do arguido, defere o requerido, nestes termos: “Atentos os motivos invocados, defere-se a requerida correção”, manda fazer a retificação e admite o recurso, agora interposto pela assistente Sofia sem que a primeira questão tenha sequer transitado.

Após, o recurso, antes rejeitado em nome de Maria e agora admitido em nome de Sofia, teve a sua normal tramitação.
A arguida sociedade requereu ainda o desentranhamento de original de documento, a fim de ser sujeito a perícia grafológica, num outro processo que corre termos em juízo cível.
Nas suas alegações de recurso, a assistente/recorrente formula as seguintes:

“CONCLUSÕES
Dos Fundamentos do Recurso:

Vem o presente recursoda douta sentença de fls.. que julgou a acusação pública improcedente por não provada e consequentemente:

· Absolveu a arguida "Empresa X, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA" da prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256°, n°1, alínea a), c) e e), artigo 255°, alínea a), conjugados com o artigo 11°, n°2, alínea a), todos do Código Penal;
· Absolveu o arguido Empresa X da prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256°, n°1, alínea a), c) e e), artigo 255°, alínea a) do Código Penal.
· Decidiu julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante e, consequentemente, dele absolver o arguido/demandado.

II - Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

"1. A primeira arguida, "Empresa X, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA", é uma sociedade por quotas, com o NIPC n° …, tem como objecto social: "A abertura e limpeza de poços; minas; furos artesianos; escavações; fabrico e venda de argolas; trabalhos de construção civil".

2. A gerência da sociedade encontra-se, desde a data da sua constituição, em 16-03- 2005, a cargo do arguido Empresa X.

3. No exercício de tais funções, é o arguido quem dirige as actividades de gestão e administração da sociedade arguida, administrando-a e decidindo em seu nome e no seu interesse, competindo-lhe, designadamente, decidir a contratação e despedimentos de trabalhadores, os serviços a prestar, os materiais a adquirir, o preço a cobrar pelos serviços prestados, a elaboração e preenchimento dos respectivos contratos de empreitada/prestação de serviços e os meios a utilizar para proceder à cobrança de créditos.

4. Em data não concretamente apurada, sempre compreendida entre 23 de agosto de 2012 e 15 de setembro de 2012, Manuel, a mando de Maria, encetou contacto telefónico junto da sociedade arguida, com o fito de que esta executasse os trabalhos que se revelassem necessários à
limpeza e aprofundamento do poço que aquela detinha na sua residência, sita em …, Ponte de Lima.

5. Na sequência da dita conversa, o arguido deu ordem ao funcionário Joaquim para que ali se deslocasse, com vista a apurar, em concreto, a obra solicitada, a sua viabilidade, os meios mecânicos, humanos e o prazo necessários à sua execução.

6. Em data não concretamente apurada, cerca do final do mês de agosto de 2012, o mencionado funcionário deslocou-se à habitação da Maria e, após observação do estado do poço e características do terreno, preencheu e apresentou àquela um documento designado "orçamento", junto a fls.92 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e do qual se pode ler o seguinte: "preço de deslocação de equipamentos:

300,00€. Serviço realizado por uma equipa de pessoal especializado, guincho eléctrico, compressor, bomba para esgoto de água e gerador para fabricação de corrente eléctrica, terá um custo/hora de 237,50€. No caso de obrigatoriedade de uso de explosivos, será necessária a obtenção de uma requisição emitida pelas autoridades competentes, no valor de 325,00€, os explosivos terão um custo de 20,00€ cada cartucho e detonador eléctrico terá um custo de 20,00€. Tudo acrescido do valor relativo a IVA, à taxa legal em vigor."

7. A Maria concordou com a realização da obra e, como não sabia ler e não conseguia assinar, chamou a sua filha, Sofia que, a seu pedido, assinou o mencionado documento designado "orçamento", apondo a sua assinatura no canto inferior esquerdo do mesmo.

8. O Joaquim trouxe consigo o referido documento, sem que a Ana ou a Maria ficassem na posse de um duplicado. (negrito nosso)

9. Dias mais tarde, o arguido deslocou para aquela residência: uma equipa de três trabalhadores e o equipamento necessário à execução da obra de limpeza e aprofundamento do poço, tal como solicitado, o que foi conseguido, ao final de três dias de trabalho, de oito horas cada.

10. Alguns dias depois, o arguido procedeu à contabilização dos custos da dita obra, cujo valor ascendia a 7380,00€ distribuídos do seguinte modo: 300,00€ (deslocação) + 5700,00€ (237,50€ x24 (3 dias x 8 horas)) + 1380,00€ (IVA à taxa de 23%).

11. Após terem sido interpeladas para o pagamento, inconformadas com o valor total e considerando-o excessivo, a Ana e a Maria recusaram-se a providenciar pela liquidação da quantia devida e, após diversos contactos com Joaquim, a Sofia, por intermédio de uma vizinha, pediu que lhe fosse enviado o "contrato", através de correio eletrónico.

12. O arguido preencheu um documento designado: "contrato de empreitada/prestação de serviço n° 1/2012" e um outro documento, juntos a fls.84 e 85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e dos quais consta em suma: a identificação da cliente- Maria, a assinatura do arguido e carimbo da sociedade arguida e bem assim, "preço de deslocação de equipamentos: 300,00€. Serviço realizado por uma equipa de 3 homens, grua de poços, compressor para perfuração e aspiração de gases, motor para esgoto de água e gerador para fabricação de corrente eléctrica, máquina de lavar à pressão, baldes e carrinhos de enchimento de detritos, lanternas de iluminação e pequenas ferramentas e utensílios necessários à execução do trabalho a realizar, terá um custo/hora de 237,50€. No caso de obrigatoriedade de uso de explosivos, será necessária a obtenção de uma requisição emitida pelas autoridades competentes, no valor de 325,00€, os explosivos terão um custo de 20,00€ cada cartucho e detonador eléctrico terá um custo de 20,00€. O preço estimado Empreitada/prestação de serviços é de 5000,00€ e será apurado mediante as quantidades de trabalhos a executar e em conformidade com o estado de conservação do poço/mina, com o seu nível freático e pela quantidade de detritos existentes no interior do mesmo. Tudo acrescido do valor relativo a IVA, à taxa legal em vigor."

13. O arguido realizou uma reprodução eletrofotográfica dos mencionados documentos e enviou-os através de correio electrónico a Sofia.

14. Como aquela e a Maria mantiveram a recusa em proceder ao pagamento da quantia devida, em 31 de Janeiro de 2013, o arguido, em representação e no interesse da sociedade arguida, intentou acção de injunção contra Maria, para pagamento do valor de 7380,00€ acrescido de juros de mora, que mereceu o n° de processo 195715/12.2YIPRT.

15. Na sequência da citada injunção, Maria impugnou o valor peticionado, alegando, além do mais, que não tinha sido esse o valor acordado com a sociedade arguida e o que constava do documento assinado por Sofia.

16. Notificado da oposição à injunção, em 12 de Abril de 2013, o arguido em representação da sociedade arguida, veio apresentar resposta, na qual reiterava que a Maria tinha celebrado um contrato escrito de Empreitada/prestação de serviços com a sociedade arguida, consistente na limpeza e aprofundamento do poço existente na sua residência, na contrapartida do pagamento dos valores escritos no mesmo, que o mesmo havia sido assinado pela sua filha Sofia, que os trabalhos tinham sido executados conforme o acordado e que aquela não tinha efectuado o pagamento.

17. Com a mencionada resposta, juntou aos autos do P195715/12.2YIPRT, a correr termos no J2, nesta Instância Local, os documentos melhor descritos de 12. a 14.

18. A assinatura com nome de Sofia constante no local reservado ao "Dono da obra" na última folha do "contrato" e no canto superior direito do documento de fls.84 foi reproduzida por electrofotografia policromática. (negrito nosso)

Do pedido de indemnização civil:
19. A situação descrita em 18 provocou aborrecimentos e incómodos à demandante, por a sua mãe pensar que a demandante efetivamente tinha assinado os ditos documentos. (negrito nosso)

20. A demandante sofreu vergonha, desgosto e descrédito. (negrito nosso)

21. A demandante sempre negou que as assinaturas fossem da sua autoria. (negrito nosso)
(• • • )

Factos não provados:

1. O arguido preencheu o documento referido em 12 quando confrontado com a recusa de pagamento e a exigência de um contrato escrito por parte da Sofia, e receando que a assinatura do "orçamento" não fosse suficiente para a vincular ao cumprimento da obrigação decorrente do acordo celebrado e que daí decorresse um prejuízo de 7380,00€ para a sociedade arguida. O que fez em data não concretamente apurada, sempre compreendida entre meados do mês de setembro de 2012 e fim de dezembro de 2012.

2. Seguidamente, o arguido ou alguém a seu mando, aproveitando-se da assinatura que Sofia manuscreveu no "orçamento", efetuou a sua reprodução por electrofotografia policromática e colou-a, no local reservado ao "Dono da obra" na última folha do "contrato" e no canto superior direito do documento de fls.84.

3. Ao atuar como descrito, em 12. a 14. o arguido agiu por conta e no interesse da sociedade arguida, sua representada, ciente que os documentos que o próprio ou alguém a seu mando tinha fabricado eram falsos e não tinham sido assinados pela Sofia, com o fito de se munir de documentos dos quais resultasse, inequivocamente, que a Maria havia celebrado um contrato escrito, que tinha compreendido as suas cláusulas e que se tinha vinculado ao pagamentos dos valores ali referidos, através da assinatura da sua filha Sofia, benefício que bem sabia que não cabia à sua representada.

4. Ao usar os referidos documentos descritos, em 12. a 14., apresentando-os como meio de prova em juízo, o arguido agiu por conta e no interesse da sociedade arguida, sua representada, ciente que os documentos eram falsos e de que não tinham sido assinados pela Sofia, com o fito de convencer o Tribunal de que a Maria havia celebrado um contrato escrito, que tinha compreendido as suas cláusulas e que se tinha vinculado ao pagamentos dos valores ali referidos, através da assinatura da sua filha Sofia, procurando obter, por essa via, a procedência da ação, benefício que bem sabia que não cabia à sua representada.

5. 0 arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida criminalmente por lei.

6. A demandante vive num clima de angústia, ansiedade e perturbação.

7. Vê-se ainda mais agoniada por os referidos documentos terem sido juntos ao processo n° 195715/12.2YIPRT e com isso pretenderem descredibilizar a sua palavra.

8. A requerente perdeu noites de sono por causa de tal situação e receia que outras situações aconteçam.

9. O arguido, após ter preenchido o contrato e o orçamento final, entregou-os ao comercial para ele colher a assinatura junto da cliente.

10. Ainda em fase de obra, o comercial entregou na empresa os referidos documentos já assinados.

11. Os arguidos sempre estiveram convencidos de que esses documentos eram verdadeiros, inclusive quanto às assinaturas apostas pela cliente. (negrito nosso)

li- Normas Jurídicas Violadas:
Ø Artigo 11° e artigo 256° ambos do Código Penal

III- Dispõe o artigo 11°, n° 2 do Código Penal que " as pessoas coletivas e entidades equiparadas, (...) são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos (...) 256° (...), quando cometidos:

a) em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou

b) por quem, aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.

IV- Por outro lado, estipula também o artigo 256° do Código Penal que,

"1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível

3 - Se os factos referidos no n.° 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.°, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias."

V- Como bem referiu a meritíssima juiz " a quo", mostra-se decisivo o relatório do exame pericial às assinaturas suspeitas, efetuado pelo LPC da PJ, conforme certidão de fls. 57 e seguintes, do qual resulta que as referidas assinaturas são "reproduções obtidas por electrofotografia policromática", bem como do teor dos documentos, com exceção do número de contribuinte "156083205", o qual foi obtido com caneta esferográfica de cor preta.

VI- Dos fatos não provados, mais concretamente no ponto 11, temos que não se provou que "Os arguidos sempre estiveram convencidos de que esses documentos eram verdadeiros, inclusive quanto às assinaturas apostas pela cliente."

VII- Entende a recorrente que quanto à autoria da reprodução das assinaturas forjadas, a prova produzida permitia concluir com a certeza exigível no âmbito de uma condenação penal, que foram os arguidos ou alguém a seu mando que praticaram os factos.

VIII- Foi a recorrida Empresa X, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA" quem prestou serviços, e esteve sempre representada, quer na pessoa do funcionário Joaquim que se dirigiu à casa da recorrente, quer na pessoa do funcionário Oscar, que apresentou os documentos em juízo onde continham as assinaturas falsas.

IX- Ora, o funcionário Joaquim, além de irmão esta testemunha é funcionário da arguida, pelo que sempre atuou de acordo com a ordens e sob a sua direção e em sua representação.

X- Resulta da douta sentença em crise, que o funcionário Joaquim afirmou que se deslocou ao local, viu a obra, preencheu o orçamento que deu a assinar à filha da cliente. Regressado à empresa deixou o orçamento (fls. 92) para contrato, que levou dias depois para a obra deixou para assinar e passado um dia ou dois recolheu já assinado e entregou na empresa, ficando com o orçamento de fls. 92 sempre na sua posse.

XI- Refere a meritíssima juiz "a quo", que a fazer fé neste depoimento, se verifica que o orçamento assinado pela recorrente esteve sempre na posse da testemunha, com exceção do tempo necessário a redigir o contrato. (sublinhado nosso)

XII- Na douta decisão lê-se que, "quem tinha o "contrato" na sua posse — entenda-se o orçamento de fls. 92 cuja assinatura não foi contestada — seria o Joaquim, que até efetuou alguns apontamentos no verso. E quem recebeu uma recusa de pagamento foi o Joaquim. Deste modo, quando a ofendida, por intermédio da testemunha Elisabete, pede o contrato, tanto interesse tinha o arguido em forjar um contrato com vista ao recebimento do preço, quanto tinha o Joaquim, com vista a justificar-se perante a sua entidade patronal, pelo facto de não se ter acautelado devidamente mediante a assinatura do contrato, como lhe era exigível. Para além disso, conforme resulta do exame pericial, não é apenas a assinatura com o nome da demandante que é uma reprodução, mas todo o contrato, à exceção do número de contribuinte, facto que era bem do conhecimento da testemunha que respondeu prontamente em Tribunal que se tratava de uma "digitalização"".( itálico nosso)

XIII- Resulta também da douta sentença que, o comercial e o arguido, aqui recorrido, prestaram declarações/depoimentos de forma nervosa e insegura e que por isso — não mereceram inteiro acolhimento.

XIV- Refere ainda a meritíssima juiz "a quo" que não se pode excluir que o arguido sempre esteve convicto de que os documentos que apresentou em juízo eram os originais. (negrito nosso)

XV- Na douta sentença conclui-se que, "podemos afirmar que os documentos são forjados, que o arguido e a sociedade arguida nisso tinham interesse, que outro interveniente nisso tinha interesse e tinha acesso aos documentos e que não há prova direta ou indirecta que permita afirmar que foi o arguido ou outrem a seu mando que efetuou a reprodução, nem que o arguido disso tinha conhecimento quando apresentou os documentos como prova em juízo.

XVI- Contudo não deixa de haver uma contradição entre esta conclusão (XV) e o ponto 11 dos fatos não provados!!!!

XVII- Uma vez que, não se dando como provado que os arguidos sempre estiveram convencidos de que esses documentos eram verdadeiros, inclusive quanto às assinaturas apostas pela cliente, salvo o devido respeito, não poderá concluir-se, que que não há prova direta ou indirecta que permita afirmar que foi o arguido ou outrem a seu mando que efetuou a reprodução, nem que o arguido disso tinha conhecimento quando apresentou os documentos como prova em juízo.

XVIII- Com a criminalização prevista no artigo 256° do Código Penal, neste tipo de condutas visa-se proteger a segurança e a credibilidade dos documentos no tráfico jurídico, mormente na sua vertente probatória.

XIX- Trata-se de um crime de perigo, uma vez que não se exige uma efectiva violação da segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório documental. E é um perigo abstrato, pois para o seu preenchimento basta que se conclua que a falsificação daquele documento é passível de lesar o bem jurídico protegido —ficando o tipo objetivo preenchido com o simples ato de falsificação.

XX- No entanto, o tipo de crime de falsificação de documento não pune apenas a
falsificação ou fabricação em si, mas a utilização de documento falso por pessoa distinta do que o falsificou ou fabricou.


XXI- Na vertente subjetiva, o crime de falsificação é um crime intencional, uma vez que se exige que o agente atue com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.

XXII- O arguido, aqui recorrido, atuando no interesse e por conta da sociedade arguida, que ali era autora, utilizou em juízo tais documentos como meio probatório, no âmbito do processo n°1195715/15.2YIPRT.

XXIII- A sociedade arguida, aqui recorridoa utilizou um documento falso, em juízo.

XXIV- Apurou-se que, o orçamento assinado pela recorrente esteve sempre na posse da testemunha Joaquim, que sempre atuou sob as ordens e direção da arguida.

XXV- Provou-se que as assinaturas são falsas e que tal causou danos não patrimoniais à recorrente, os quais são merecedores da tutela do direito, e portanto, deve a arguida, recorrente ser responsabilidade pelos referidos danos, devendo proceder o respetivo pedido de indemnização civil formulado.

XXVI- Conforme escreve P. Pinto de Albuquerque, no Comentário ao Código Penal, " A comissão direta do crime pelo líder da pessoa coletiva em seu nome e no interesse coletivo consiste na ação dolosa ou negligente, do líder. Não há responsabilidade criminal da pessoa coletiva se não se identificar, pelo menos uma pessoa física que tenha ocupado uma posição de liderança à data do fato e tenha atuado pela pessoa coletiva (Tersa Quintela de Brito, 2008:1430 a 1431, mas diferentemente Germano Marques da Silva 2008: 87, e 2009 a : 275 e Carlos Adérito Teixeira, 2008: 139, admitindo a responsabilização da pessoa coletiva mesmo quando não seja possível individualizar quem foi o agente do ato.

XXVII- Posto isto, a sociedade, recorrida, haveria sempre que responder pelo crime de falsificação de documento, porquanto se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 256°, n°1, alínea a), c) e e), artigo 255°, alínea a), conjugados com o artigo 11°, n°2, alínea a), todos do Código Penal.

XXVIII- Nestes termos e nos mais que Vs. Exas. mui doutamente suprirão, devem julgar o presente recurso procedente por provado, e em consequência:

I — Condenar a recorrida "Empresa X, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA" da prática do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256°, n°1, alínea a), c) e e), artigo 255°, alínea a), conjugados com o artigo 11°, n°2, alínea a), todos do Código Penal;
II —Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pela recorrente, consequentemente, condenar a recorrida ao seu pagamento, fazendo, como sempre, boa e sã JUSTIÇA”.

Respondeu ao recurso, a sociedade “Empresa X, Lda.”. Em seu entender, a recorrente não tem legitimidade para interpor o recurso, que tinha sido rejeitado. Em primeiro lugar, porque não foi cumprido o contraditório, quando proferido o despacho que determinou a retificação do lapso da recorrente. Em segundo, porque o pedido de correção só deu entrada em juízo 19 (dezanove) dias após a não admissão do recurso e, logo, excedido o prazo de 10 (dez) dias, previsto nos arts.º 105º C.P.P. e 149º C.P.C. Contesta ainda os argumentos da recorrente, em termos de análise da matéria de facto. Quanto ao pedido cível e, pelas mesmas razões, defende a manutenção da decisão de absolvição. Sustenta pois e em síntese, a improcedência total do recurso.

Sinteticamente e ainda na 1ª instância, o M.P. defendeu a procedência do recurso da assistente, de acordo aliás com o que defendeu em alegações, refere.

neste Tribunal da Relação, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que o original de documento junto a estes autos deveria ser remetido ao Proc.º 123/17.7T8PTL – o que já foi determinado, por despacho de fls. 311 . Mais, sustenta que o pedido de correção feito pelo assistente foi tempestivo e que a preterição do contraditório se trata de mera irregularidade, já sanada pelo decurso do prazo, nos termos estatuídos no art.º 123º/1 C.P.P. Quanto ao recurso em si, entende que está em causa impugnação ampla da matéria de facto, não tendo sido cumpridos os ónus previstos no art.º 412º/3 e n.º 4), do C.P.P. Considera pois, que nesta parte não é possível sindicar o julgamento da matéria de facto, feito. Também não vê qualquer contradição, na decisão recorrida. A final, sustentou pois, a improcedência integral do recurso.

Notificados recorrente e recorrido nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., apenas a primeira respondeu. Nada opôs ao desentranhamento do documento original. Refere não ter dado cumprimento aos ónus previstos no art.º 412º/3 e n.º 4), C.P.P., “uma vez que não visou impugnar a matéria de facto”.
O recurso vai ser decidido em conferência, como impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentação

Uma vez que se julgará procedente a questão prévia suscitada, é desnecessário proceder à transcrição da sentença recorrida.
A questão, suscitada pelo recorrido “Empresa X, Lda.” em termos de legitimidade para recorrer, tem a ver com os despachos de fls. 267 (de não admissão do recurso interposto por Maria) e de fls. 275, 2ª parte, em que o mesmo recurso é admitido, agora como interposto pela assistente Sofia.
De permeio, o despacho de fls. 275, 1ª parte, em que se deferiu, o pedido de correção de erro material no requerimento de interposição de recurso.

Diz-se no mesmo, “ipsis verbis”:
Fls 272:
“Atentos os motivos invocados, defere-se a requerida correção.
Retifique em conformidade.”

Ora, tal despacho está fundamentado apensa de forma genérica, o que equivale â falta de fundamentação . o que contraria o disposto nos arts. 97º/4 C.P.P., decorrência do imperativo Constitucional previsto no art.º 205º/1 C.R.P e art.º 6º, par. 1º da C.E.D.H. Esta necessidade de fundamentação decorre aliás das exigências de um processo equitativo (a “due process of law”) decorrentes da citada Convenção Internacional – cfr. “Código de Processo Penal Comentado”, vários Conselheiros, 2ª Ed., 2 016, “Liv. Almedina”, pág. 294.
O preceito previsto no art.º 97º/4 C.P.P. é claro quando determina que “devem ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. O que a citada decisão não faz.
Com efeito, o citado despacho não invoca nem as razões de facto, nem as de direito da decisão proferida ou sequer, a norma jurídica em que se apoia. Certo, que o nosso sistema adotou um sistema de nulidades taxativamente fixadas e previstas nos arts.º 119º, 120º ou preceito específico e que a falta de fundamentação apenas vem prevista como causa de nulidade da sentença e não dos despachos – cfr. arts.º 379º/1, a) e 374º/2 C.P.P.
Daí que haja quem entenda estar-se, no caso de despacho, perante mera irregularidade, sanável pelo decurso do prazo de 3 (três) dias a partir do conhecimento, sem arguição – art.º 123º/1 C.P.P. Neste sentido aliás, o Ac. do S.T.J. de 21/2/2 007, proferido no Proc.º 3 932/06, Rel. Conselheiro Oliveira Mendes, em www.dgsi.pt.
Acresce que, o despacho que a seguir admitiu o recurso de Sofia, depois de não admitido o de Maria, nem aguardou o trânsito de tal despacho, que deferiu o pedido de correção. Pelo contrário, é proferido de seguida e na mesma página.
É porém certo, que não foi arguida qualquer irregularidade sobre o despacho que admitiu a correção do requerimento, nem do mesmo foi interposto recurso. E, também o é, que o despacho de admissão de um recurso no Tribunal “a quo”, não vincula o Tribunal “ad quem” – arts.º 417º/6, b), 420º/1, b) e 414º/2 C.P.P.
Ou seja: sempre poderia agora este Tribunal admitir ou não, o recurso interposto afinal, por Sofia.
É aqui porém, que surge a questão prévia fundamental.
É que a assistente requereu (fls. 272), o Tribunal determinou fosse ouvido o M.P. sobre o requerido (fls. 273), que expressou a sua opinião com um “nada a opor”, também não motivado. Mas, sobre a questão não foram ouvidos os arguidos, ora recorridos, o que configura pois uma ausência integral de contraditório.
Também o princípio do contraditório é um princípio processual básico das sociedades democráticas, emanação do princípio do direito a uma “justiça equitativa” (art.º 6º/1 C.E.D.H.) e também Constitucional e legalmente protegido (arts.º 32º/5 C.R.P. e 3º C.P.C., via art.º 4º C.P.P.).
E, parece óbvio que, se a recorrente requereu e o Tribunal até ouviu o M.P., deveria também ter ouvido os recorridos ou sejam os arguidos. Não parece curial, nem equitativo que, pelo contrário, tenha decidido, dando a uns a oportunidade de se pronunciar e a outros não. Decisão que, repete-se, não saiu fundamentada e constitui pressuposto da admissibilidade do recurso.
A questão assume tanta mais relevância, quanto a questão suscitada pode ter várias abordagens e suscitar várias questões de direito.
Que este Tribunal da Relação só deve decidir em definitivo, depois de , de todos os sujeitos processuais. Quer por uma questão de garantia dos direitos individuais, quer por os sujeitos processuais deverem cooperar com o Tribunal, no sentido de ser encontrada, com a colaboração de todos, a decisão mais justa e adequada.
E, se é verdade que aquele despacho não está diretamente sob censura neste recurso, também o é que tem direta relevância, para a questão da admissão do recurso nestes autos – questão prévia suscitada pelo recorrido “Empresa X, Lda.” e que, independentemente disso, sempre deveria ser apreciada.
Questão que se coloca agora é a do vício, decorrente da preterição do princípio do contraditório.
À primeira vista não se tratará de uma nulidade, cuja tipicidade como já se referiu, é taxativa.
Mas, não faria sentido que, estando em causa Direitos Fundamentais de índole Convencional Internacional e Constitucionalmente protegidos – diretamente aplicáveis e que vinculam entidades públicas e privadas (art.º 18º/1 C.R.P.) – fosse a sua violação considerada como mera irregularidade (art.º 123º/1 C.P.P.), o vício menor e residual em Processo Penal.

E, por isso, há quem entenda que, nos casos em que estão em causa Direitos Fundamentais, a preterição dos mesmos dá ainda lugar ao vício da nulidade, ainda que não diretamente expresso na lei.
Foi aliás assim, que se decidiu no Acórdão desta Relação de Guimarães de 18/9/2 006, em www.dgsi.pt. Ali se disse, a propósito destas nulidades, que

“Isto é, para além delas” – as nulidades previstas na lei – “existe um número de situações em que os atos ou omissões processuais podem ser nulos e assim acontece, em especial, quando são afetados direitos e garantias Constitucionalmente consagrados” (…). “Ou, por outras palavras, um vício que era considerado como ferido de inconstitucionalidade passaria a ser considerado, pelas regras do processo penal, como uma nulidade sanável ou como um vício menor”.

É que, o Direito só faz sentido se visto numa perspetiva global e de realização da justiça.

Termos em que, se declara procedente a questão prévia suscitada pelo recorrido pessoa coletiva, ainda que com diversa motivação e, por via disso, decide-se

3 – Decisão

a) Declarar procedente a questão prévia suscitada pelo recorrido “Empresa X – Sociedade Unipessoal, Lda.” e assim,,declarar a nulidade de todo o processado a partir de fls. 275;
b) Determinar que o despacho que consta de tais fls. seja substituído por outro, que determine a audição dos arguidos para se pronunciarem, querendo, sobre o requerido a fls. 272, também com cópia da promoção de fls. 274.
c) Sem custas.
d) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Bernardes)