Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4397/15.0T8GMR-H.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Para um exercício efetivo do direito ao contraditório, o juiz deve revelar previamente ao administrador de insolvência todos os motivos que prevê usar para o destituir desse cargo.

II- Não o fazendo, a decisão subsequente que proceda a essa destituição, é nula por excesso de pronúncia, em relação aos fundamentos não comunicados previamente, devendo, no entanto, o tribunal de recurso deles conhecer, se tiver elementos para isso.

III- Ocorrendo justa causa, o administrador da insolvência deve ser destituído pelo juiz, pois que o poder de destituição a este conferido é de exercício legalmente vinculado.

IV- O conceito de justa causa, sendo embora indeterminado, pressupõe sempre a prática pelo administrador judicial de uma falta funcional grave, seja ela de ordem técnica ou relacional.

V- A dita gravidade deve ser aferida perante o circunstancialismo concreto em que se insere a conduta a avaliar, tendo presente aquilo que, nesse contexto, seria objetivamente exigível a um gestor de bens alheios leal, criterioso, isento e cooperante, quer com todos os demais órgãos da insolvência, quer com o tribunal.

N - Comete uma falta do referido género, o administrador de insolvência que, no exercício das suas funções, para além do mais, contrata, para a emissão de um conjunto alargado de documentação destinada a comprovar créditos fiscais que somam, aproximadamente, 90.000,00O€, a TOC que não emitiu oportunamente essa documentação, não manteve, como devia, a contabilidade da insolvente devidamente organizada e registada, para além da mesma ser ainda responsável pela contabilidade de outras sociedades cujos sócios são familiares dos administradores de facto e da administradora de direito da insolvente, tudo situações que o referido administrador não desconhecia.”
Decisão Texto Integral:
Sumário:

1- Para um exercício efetivo do direito ao contraditório, o juiz deve revelar previamente ao administrador de insolvência todos os motivos que prevê usar para o destituir desse cargo.
2- Não o fazendo, a decisão subsequente que proceda a essa destituição, é nula por excesso de pronúncia, em relação aos fundamentos não comunicados previamente, devendo, no entanto, o tribunal de recurso deles conhecer, se tiver elementos para isso.
3- Ocorrendo justa causa, o administrador da insolvência deve ser destituído pelo juiz, pois que o poder de destituição a este conferido é de exercício legalmente vinculado.
4- O conceito de justa causa, sendo embora indeterminado, pressupõe sempre a prática pelo administrador judicial de uma falta funcional grave, seja ela de ordem técnica ou relacional.
5- A dita gravidade deve ser aferida perante o circunstancialismo concreto em que se insere a conduta a avaliar, tendo presente aquilo que, nesse contexto, seria objetivamente exigível a um gestor de bens alheios leal, criterioso, isento e cooperante, quer com todos os demais órgãos da insolvência, quer com o tribunal.
6- Comete uma falta do referido género, o administrador de insolvência que, no exercício das suas funções, para além do mais, contrata, para a emissão de um conjunto alargado de documentação destinada a comprovar créditos fiscais que somam, aproximadamente, 90.000,00O€, a TOC que não emitiu oportunamente essa documentação, não manteve, como devia, a contabilidade da insolvente devidamente organizada e registada, para além da mesma ser ainda responsável pela contabilidade de outras sociedades cujos sócios são familiares dos administradores de facto e da administradora de direito da insolvente, tudo situações que o referido administrador não desconhecia.
*

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

1- No processo de insolvência em que figura como insolvente, LT, S.A., foi, no dia 24/07/2017, proferido despacho que declarou essa insolvência como culposa.

Nesse despacho, foi julgado provado que o crédito reconhecido a Confeções P. Têxtil, Ldª, no valor de 11.831,44€, se encontra pago desde o dia 04/03/2015 e, por esse motivo, determinada a audição dos credores, do devedor e do Administrador de Insolvência, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 56.º, n.º 1, do CIRE.

2- Em resposta, o referido Administrador, António, arguiu, além do mais, a incompetência do Tribunal para apreciar a sua destituição com tal fundamento, uma vez que o facto invocado para esse efeito foi praticado no âmbito do processo especial de revitalização (PER) e o mesmo já se encontra encerrado, tendo, assim, cessado aí as suas funções.
3- Por sua vez, o Ministério Público, que foi notificado do aludido despacho no dia 26/07/2017, mas a quem foi aberta vista no dia 26/09/2017, elencou, no dia 28/09/2017, um conjunto de factos que, a seu ver, justificam a referida destituição.
4- Foi, então, no dia 16/10/2017, proferido despacho que destituiu de funções o referido Administrador de Insolvência.
5- Inconformado com este despacho, dele recorre o mesmo Administrador de Insolvência, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:

I - Nulidade do despacho de destituição (Art. 615º, n.º 1, alínea d), por remissão ao Art. 613º, n.º 3 CPC)
A. Decorre da alínea d), do n.º 1, do art. 615 do CPC (por remissão ao Art. 613º, n.º 3 CPC), que “É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia ter conhecimento”.
B. Sucede que, da análise do Despacho em crise, resulta forçoso concluir pela nulidade do mesmo por omissão e excesso de pronúncia. Senão vejamos,

Da Omissão de Pronúncia

C. Por despacho proferido na sentença de qualificação de insolvência (Apenso B), veio o douto tribunal ordenar a notificação do Sr. Administrador de Insolvência, para que se pronuncie sobre a sua eventual destituição, nos termos e para os efeitos do art. 56º, n.º 1 do CIRE.
D. Porquanto, considera o tribunal a quo que resultou provado que em 04/03/2015/ no decurso do PER, que correu termos na Comarca de Braga, Instância Central Guimarães - 1ª Secção de Comércio - J3, ao abrigo do Proc. n.º 768/15.0T8GMR, a Insolvente pagou o crédito reconhecido à Confecções P. Têxteis, Lda., no valor de € 11.831/44.
E. Segundo o despacho em referência, como tal acto se verificou no exercício das funções de Administrador Judicial Provisório, é fundamento bastante para a destituição do ora Administrador de Insolvência.
F. Em resposta ao douto despacho e ao abrigo do art. 56º do ClRE, invocou o Apelante uma excepção de incompetência do tribunal para conhecer do mérito do pedido de destituição, nos seguintes termos:

“antes de qualquer consideração, deverá ter-se em atenção que o acto em questão foi praticado no decurso do PER e não no decurso do presente processo de insolvência.
Pelo que, caso tal acto fosse fundamento bastante para a destituição, o que não se concebe, como o mesmo foi praticado no âmbito do PER, sempre seria nesse processo apreciada a destituição do então Administrador Judicial Provisório.

Sucede que,
Por despacho datado de 09/04/2015 (cfr. Anúncio que se junta como Doc. n.º 2), já transitada em julgado, o PER foi extinto por inviabilidade do acordo, conforme parecer do Administrador Judicial Provisório (Doc. n.º 3).
Cessando, nessa data, as suas funções.

Face ao exposto, resulta forçoso concluir que a destituição com o fundamento elencado, apenas poderia ser conhecida no âmbito do PER e já não no processo de insolvência.
Nestes termos, sempre se concluíra que o douto tribunal é incompetente para conhecer do mérito do pedido de destituição, dando lugar à absolvição do Sr. Administrador de Insolvência da instância, nos termos do art. 576º e 577º, alínea a) do CPC.”

Sucede que,

G. Como facilmente se retira do despacho ora em crise, o tribunal a quo não se pronunciou sobre a excepção invocada, limitando-se a referir que “O Sr. A.I. pronunciou-se no sentido de não haver razões para determinar a sua destituição”.
H. Face ao exposto, é forçoso concluir pela nulidade do despacho de que se recorre, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea d), ab initio, por remissão ao art. 613º, n.º 3 CPC

Do Excesso de Pronúncia

I. Conforme referido supra, em 26/07/2017 foi o Apelante notificado para, nos termos do art. 56º, n.º 1 do ClRE, se pronunciar sobre a sua eventual destituição com os seguintes fundamentos:

“Por força do facto referido em y) tendo-se verificado no exercício de funções de A.J.P., determina-se que no âmbito do processo principal, se proceda à notificação dos credores, do devedor e do próprio Administrador de Insolvência nos termos e para os efeitos do art. 56º, n.º 1 do CIRE.”
J. Neste seguimento, bastará o mero entendimento do bonus pater familias, para se concluir que o único facto que está na base da destituição do Sr. Administrador de Insolvência é o facto dado como provado na alínea y) da referida sentença, ou seja: “y) O crédito reconhecido a Confecções P. Têxteis, Lda. no valor de € 11.831,44, encontra-se pago desde 04/03/2015”.
K. Contudo, no despacho em crise o tribunal a quo alega novos fundamentos para a destituição do Apelante, como por exemplo a violação do dever de encerramento do processo no prazo de um ano, em conformidade com o disposto no art. 169º do CIRE, sem sequer ter ouvido o Sr. Administrador de Insolvência sobre os mesmos, como lhe competia nos termos do art. 56º do CIRE.
L. Neste seguimento será forçoso concluir pela nulidade do despacho de que se recorrei por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea d), in fine, por remissão ao art. 613º, n.º 3 CPC. Sem Prescindir,
II- Da extemporaneidade do parecer do Ministério Público e nulidade do despacho de destituição (Art. 615º, n.º I, alínea b), por remissão ao Art. 613º, n.º 3 CPC)
M. Conforme resulta do apenso B (Incidente de Qualificação de Insolvência), o Ministério Público foi notificado para se pronunciar, nos termos do art. 56º do CIRE, no dia 26/07/2017.
N. Pelo que, em conformidade com o art. 156º, n.º 2 do CPC, deveria o mesmo deduzir a respectiva promoção até ao dia 07/08/2017/ o que não se verificou!
O. Efectivamente, o Ministério Público só vem deduzir promoção em 28/09/2017/ ou seja, dois meses após ter sido notificado para o efeito, sendo certo que não foi o ora Apelante notificado da mesma.
P. Face ao exposto, resulta forçoso concluir que a promoção do Ministério Público é manifestamente extemporânea, pelo que deverá a mesma ser desentranhada dos autos e ser dada como não escrita para todos os devidos e legais efeitos.
Q. Consequentemente, sendo os “factos a atender” do Despacho de que se recorre, uma transcrição ipsis verbis da referida promoção do Ministério Público (devendo como tal ser dados como não escritos), sempre se dirá que o douto despacho não especifica os fundamentos de facto que justifiquem a decisão.
R. Deste modo, é flagrante concluir que o douto despacho se encontra ferido de nulidade nos termos da alínea b), do n.º 1, do art. 615º do CPC.
S. Neste sentido, veja-se o acórdão proferido em 06/11/2012, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do processo n.º 983/11.5TBPBL.C1, que se cita (…)
Ainda sem prescindir

III - Do recurso

T. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mero exercício académico se concebe e por mera cautela de patrocínio, vem o presente recurso interposto do Douta Despacho de 16/10/2017/ que declarou a destituição deste Administrador de Insolvência, nos termos do disposto no artigo 56º do CIRE, porquanto considera que “no caso em apreço temos verificada uma causa legalmente prevista de destituição, a do art. 169º do CIRE, acresce ainda que o pagamento provado sob y) da sentença proferida do apenso B, viola o tratamento igual dos credores, com impacto no património da insolvente a da situação dos credores, por violar o disposto nos arts. 194 e 47º ambos do CIRE.”
U. O recurso merece - com o devido respeito - inteiro provimento, como se irá tentar demonstrar.

Senão Vejamos:

V. Para fundamentar a destituição do Apelante, considerou o tribunal a quo como provada e relevante, a fundamentação infra, que se transcreve e enumera para melhor perceção:
1. “foi apresentada pelo AI a lista provisória de credores a que se refere o artigo 17ºD, nº 3 (fls. 255 a 286), não tendo sido reconhecido os créditos reclamados a inúmeros credores, nomeadamente créditos laborais, dando origem a inúmeras impugnações (fl.s 301 a 866), que nem chegaram a ser decididas, pelo que dos autos não consta a lista definitiva de credores”.
2. “consta dos autos que há credores que nunca foram contactados pela requerente/devedora tendo em vista as negociações do plano (fl.s 873,874 e 877).”
3. “apenas no dia 5 de Maio de 2015 (após a devedora/requerente apresentar requerimento aos autos, no qual refere que lhe é possível alcançar um plano de revitalização e reconhece a sua situação de insolvência), o AI provisório apresentou um requerimento aos autos dando conta de que a devedora não pretende apresentar o plano de recuperação, referindo ainda “decorrendo as negociações da inteira responsabilidade do devedor (a), deve este prestar toda a informação pertinente aos credores e ao administrador judicial provisório”.”
4. “Acresce que, como consta da sentença proferida no âmbito do apenso “B” que qualificou a insolvência como culposa, o crédito da Confecções P. Têxteis, Ldª, no valor de € 11 831, 44 encontra-se pago desde 04-03-2015.”
5. “No âmbito destes autos, na assembleia de credores que se realizou no dia 28-08-2015 (fls 5 175 a 181), efetuou um requerimento, onde refere: “No decorrer das diligências efetuadas à análise contabilística da sociedade insolvente verificou-se que a mesma estava desarticulada do ponto de vista informático.
Assim, não é crível que a sociedade insolvente tenha mais de €400.000,00 a receber de clientes, entende-se assim que o que poderá estar em causa é tão só o registo contabilístico de documentos em falta. No que se refere aos supostos créditos fiscais que a Insolvente detém haverá necessidade de emitir um conjunto alargado de documentação fiscal própria, que a ser efetuada só poderá ser concretizada por um Técnico Oficial de Contas e cujos montantes, conforme se poderá confirmar no Inventário elaborado, rondará aproximadamente € 90.000,00. Para o efeito, se determinar a contratação de um contabilista propõe-se à assembleia o pagamento de honorários no montante de €2.000, 00 mais tva, a ser pago pela massa insolvente e com a devida fiscalização do A. I.”.”
6. “Acontece que, no âmbito do apenso “B” (incidente de qualificação da insolvência) na audiência de julgamento que ocorreu no dia 06-04-2017 (fls 5 555 a 558), no decurso da inquirição da Dr. Lurdes, esta declarou que tinha sido a TOC contratada pelo AI para lhe prestar o aludido serviço, isto apesar de ser a TOC da insolvente e ainda de outras sociedades cujos sócios são familiares dos administradores de fato e da administradora de direito da insolvente, situação esta que o AI não desconhece e também não desconhece que recaia sobre esta TOC o dever de manter a contabilidade devidamente organizada, de encerrar as contas referentes ao ano de 2014 e de providenciar para que tais contas fossem registadas na conservatória do registo comercial, dever esse que não havia observado.”
7. “Pelos credores Filipe, Ricardo, Alberto, Josefa e Filipa foi requerida a qualificação da insolvência como culposa (fls. 13 a 15), tendo, em consequência, em 14-09-2015 sido instaurado o apenso “B”.”
8. “No cumprimento do disposto no artigo 186º, nº 3 do CIRE o AI apresentou apenas em 2016-01­08 o seu parecer donde consta, em resumo:

a. “desde 2013 e particularmente em 2014 o nível de faturação diminuiu de forma acumulada; à incoerência na gestão da contabilidade;”
b. “a empresa procedeu à venda de veículos automóveis e não apresentou a avaliação das viaturas alienadas;”
d. “vendeu imóveis que havia adquirido em 2012;”
c. “com a finalidade de proceder à revisão da contabilidade contratou contabilista certificada.”
d. “Concluiu que a insolvência deve, em seu entender, ser qualificada como fortuita, isto apesar de, no relatório previsto no artigo 155º, do CIRE que apresentou no âmbito destes autos (fls 150 a 156) constar, em resumo:
e. “a insolvente é uma sociedade com uma origem fabril já anterior à sua constituição, dado que derivou em local, equipamento e pessoal de outras empresas.”
f. “assim, a sociedade Maria, Unipessoal, Ldª, que entretanto passou a designar-se MDL1 cedeu todo o estabelecimento industrial à aqui insolvente LT, SA que continuou a sua exploração no local, com a mesma atividade, trabalhadores, máquinas e utensílios, fornecedores e clientes desde 1 de Maio de 2008”;”
g. “a insolvente não labora desde Fevereiro de 2015;”
h. “não tem qualquer pessoal afeto à atividade;”
i. “procedeu apenas ao registo da prestação de contas até ao exercício de 2013; foram detetados anomalias de relevo e um atraso significativo em determinados procedimentos administrativos;”
j. “a contabilidade não está informalmente atualizada”.
9. “Com finalidade sustentar em audiência de julgamento o parecer no sentido da qualificação da insolvência como fortuita e (ou) para contrapor a prova apresentada pelos requerentes, juntou documentos e indicou cinco testemunhas, que foram inquiridas.”
10. “a sentença que declarou a insolvência de LT, SA foi proferida em 6 de Julho de 2015 e, decorridos mais de dois anos, o apenso “F” (Liquidação) ainda não se encontra encerrado, pois ainda estão em curso diligencias tendo em vista a liquidação do ativo da massa insolvente.”

Dos Factos 1 a 4

W. Na sua fundamentação de facto inicia o tribunal a quo por elencar 4 factos decorrentes no âmbito do Processo Especial de Revitalização (doravante PER).
X. Antes de qualquer consideração, não nos olvidemos que o PER é um processo voluntário que visa a negociação entre o Devedor em situação económica difícil e os seus Credores, com um fim último de se revitalizar (art. 17º A CIRE).
Y. Neste sentido, cita-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 24/09/2013, à margem do Processo n.º 995/12.1TBVNO-C.C1 (…):
Z. Pelo que a intervenção judicial e a do próprio administrador de insolvência é diminuta.
AA. De salientar que, nos termos do art. 17º E, n.º 2 do CIRE, o Devedor apenas fica impedido de praticar os actos de especial relevo previstos no art. 161º do CIRE.
BB. Pelo que, a administração da Devedora apenas carece do prévio consentimento do Administrador Judicial Provisório, para os actos constantes do art. 161º, n.º 3 do CIRE.
CC. Neste seguimento e atenta a natureza do PER e as funções do Administrador Judicial Provisório, sempre se dirá que os factos elencados como 1 a 4, não preenchem os requisitos para destituição por justa causa do Administrador de Insolvência. Vejamos em pormenor,
DD. Ora, como resulta do art. 17º-D, n.º 2 do CIRE, cabe ao Administrador de Insolvência elaborar a lista provisória de créditos, o que se verificou, tendo a mesma sido junta aos autos em 02/04/2015.
EE. Efectivamente, como resulta do mencionado documento, o então Administrador Judicial Provisório, fundamentadamente e no exercício das suas funções, não reconheceu alguns dos créditos reclamados.
FF. Contudo, em momento algum foi o mesmo notificado da existência de quaisquer Impugnações, que lhe permitissem concluir que a lista apresentada não se converteria em definitiva.
GG. Sendo certo que, de qualquer modo, do facto enumerado como um não resulta na violação de qualquer dever por parte do então Administrador Judicial Provisório.
HH. O mesmo se dirá do segundo e terceiro facto dado como provado, nomeadamente no que respeita às negociações no âmbito do PER.
II. Até porque, nos termos do art. 17º-D, n.º 1 e 8 do CIRE, cabe ao Devedor contactar os Credores para encetar as negociações tendentes à sua revitalização.
JJ. Sendo uma obrigação do Devedor, a falta de contacto com os Credores não pode, por qualquer forma, ser imputada ao Administrador Judicial Provisório. Mais,
KK. Nos termos do art. 17º-D, n.º 5 do CIRE “findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês”.
LL. Ora, tendo a Lista Provisória sido junta aos autos em 02/04/2015, dispunham os Declarantes até ao dia 08/06/2015 para concluir as negociações.
MM. Pelo que, a apresentação por parte do Apelante, em 05/05/2015/ de um Requerimento no qual da nota de que a Devedora não pretende apresentar um Plano de Revitalização, facto que foi assumido nos autos pela própria Devedora, em nada viola os seus deveres enquanto Administrador Judicial Provisório.
NN. Não relevando, como tal, para fundamentar a alegada “justa causa” de destituição do ora Apelante. Posto isto,
OO. Atentemos ainda ao ponto quatro: “Acresce que, como consta da sentença proferida no âmbito do apenso “B” que qualificou a insolvência como culposa, o crédito da Confeções P. Texteis, Ldª, no valor de € 11 831, 44 encontra-se pago desde 04-03-2015.”
PP. Ora, a verdade é que tal pagamento, a existir, foi efectuado no âmbito do PER, sendo que face à natureza deste tipo de processo, sempre se dirá que o pagamento a um credor não consubstancia um acto de especial relevo, pelo que o mesmo não carece do prévio consentimento do Sr. Administrador Judicial Provisório.
QQ. Tanto assim é que, o pagamento em referência, nunca foi dado a conhecer ao Apelante.
RR. Prova do desconhecimento, conforme referido no seu Requerimento de 07/08/2017, é que o tribunal deu como provado que o crédito da Confecções P. Têxteis, Ldª foi liquidado em 04/03/2015.
SS. Contudo, como o mesmo constava da contabilidade, o então Administrador Judicial Provisório relacionou-o na lista provisória de créditos datada de 02/04/2015.
TT. Não tendo conhecimento da existência de quaisquer impugnações, é legítimo o Apelante considerar que a lista provisória se havia convertido em lista definitiva, em conformidade com o art. 17º D, n.º 4 do CIRE.
UU. E a verdade é que, consultados os autos, facilmente se conclui que o crédito da Confecções P. Têxteis, Ldª não foi impugnado, pelo que bastaria o entendimento do bonus pater familias, para se concluir que o mesmo ainda seria devido.
VV. Neste seguimento, por desconhecer o pagamento do mencionado crédito, o Sr. Administrador de Insolvência fez constar o mesmo da Lista de Credores Reconhecidos conforme o artigo 129º do CIRE, com a ressalva de que foi reconhecido porque constava da contabilidade da Insolvente, pese embora não tenha sido reclamado.
WW. Face ao exposto, sempre se dirá que, à data, Administrador Judicial Provisório procedeu de forma justa e adequada, respeitando sempre os limites da boa-fé e dos bons costumes.
XX. Não lhe podendo ser exigível que o mesmo conheça da liquidação de um crédito, cujo pagamento não lhe foi comunicado quer pela Insolvente, quer pela Credora em questão, nem Impugnado por qualquer outro Credor e que, além disso, constava da contabilidade.
YY. Nestes termos, sempre se dirá que dos factos constantes como 1 a 4 do Despacho em crise, não resulta qualquer fundamento para que o douto tribunal possa concluir pela existência de justa causa para destituição do Apelante.

Dos Factos 5 a 9
ZZ. Não obstante o tribunal a quo tenha dado como provados e a atender os factos supra enumerados com os números 5 a 9, a verdade é que não resulta do douto Despacho as ilações tiradas dos mesmos e em que medida é que estes foram decisivos para concluir pelo preenchimento da justa causa de destituição, em plena violação do disposto no art. 607º, n.º 4 do CPC, por remissão do art. 613º, n.º 3 do CPC.
AAA. Tanto assim é que, o tribunal conclui o seu despacho dizendo: “Ou seja, no caso em apreço temos verificada uma causa legalmente prevista de destituição, a do art. 1699 do CIRE, acresce ainda que o pagamento provado sob y) da sentença proferida no apenso B, viola o tratamento igual dos credores, com impacto para no património da insolvente a da situação dos credores, por violar o disposto nos arts. 194 e 479 ambos do CIRE”.
BBB. Face ao exposto, sempre se concluirá que os únicos factos que o douto tribunal tomou em consideração para a prolação do Despacho ora em crise, foram os factos aqui enumerados como 4 e 10.
CCC. Pelo que, os demais factos, não obstante estejam elencados, em nada influenciaram na decisão final, não tendo sequer sido analisados criticamente pelo tribunal a quo.
DDD. Nem o poderiam ser, pois a única coisa que resulta de tais factos é que, nos termos do art. 188º, n.º 3, do CIRE o Apelante apresentou um parecer de qualificação de insolvência como não culposa, quando o douto tribunal (transcrevendo ipsis verbis a promoção do Ministério Público) era da opinião que este deveria ter apresentado um parecer de qualificação da insolvência como culposa.
EEE. Ora, conforme resulta do douto normativo legal, a única obrigação imposta ao Sr. Administrador de Insolvência é a emissão de um parecer, ou seja, se no seu entendimento existem fundamentos bastantes para a qualificação da insolvência como culposa ou fortuita.
FFF. Sendo que, in fine e independentemente do parecer do Sr. Administrador de Insolvência ou da pronúncia do Ministério Público, quem decide a qualificação de Insolvência é douto tribunal após produção de prova.
GGG. Deste modo, não queira o douto tribunal imputar ao Apelante a culpa na qualificação da insolvência, por ser de parecer que a mesma é fortuita. Posto isto,
HHH. Mais uma vez se conclui que o Recorrente, mais não fez do que cumprir com as suas funções, ou seja, emitir um parecer, nos termos do art. 188º, n.º 3 do CIRE, não sendo obrigado por qualquer dispositivo legal a ter o mesmo parecer que o Ministério Público.

Do Facto 10
III. No despacho de que se recorre, considera o tribunal a quo como último facto a atender que: “a sentença que declarou a insolvência de LT, SA foi proferida em 6 de Julho de 2015 e, decorridos mais de dois anos, o apenso “F” (Liquidação) ainda não se encontra encerrado, pois ainda estão em curso diligencias tendo em vista a liquidação do ativo da massa insolvente”.
JJJ. Concluindo que, nos termos do art. “1699 do CIRE constitui justa causa para a destituição do AI se o processo não for encerrado no prazo de um ano”.
KKK. Neste seguimento e antes de qualquer consideração, atentemos ao teor integral do art. 169º do CIRE: “A requerimento de qualquer interessado, o juiz decretará a destituição, com justa causa, do administrador da insolvência, caso o processo de insolvência não seja encerrado no prazo de um ano contado a data da assembleia de apreciação do relatório, ou no final de cada período de seis meses subsequente, salvo havendo razões que justifiquem o prolongamento.”(negrito e sublinhado nosso)
LLL. Conforme resulta da transcrição supra, a insolvência só poderá ser decretada, nos termos do art. 169º do CIRE, a pedido de um interessado.
MMM. Ora, em momento algum foi o Apelante notificado de que algum interessado havia requerido a sua destituição, nos termos supra expostos.
NNN. Pelo que, será forçoso concluir que o tribunal o fez autonomamente em plena violação do primeiro requisito do art. 169º do CIRE. Ainda que assim não se entenda,
OOO. A verdade é que o prazo de um ano aí previsto poderá ser prolongado, havendo razões justificativas para o mesmo. Atentemos ao caso em apreço,
PPP. Por requerimento de 11/06/2016, no âmbito do apenso de Liquidação (F) o Apelante informa os autos que apenas falta vender os imóveis sitos no Lugar de …, cujas propostas obtidas ficavam aquém da avaliação efectuada.
QQQ. Neste seguimento, por requerimentos de 30/06/2016, 01/09/2016, 09/09/2016, 05/01/2017, 10/02/2017, 22/03/2017 e 29/04/2017, o Apelante foi dando a conhecer ao tribunal as suas dificuldades na venda dos imóveis em falta.
RRR. Além disso, por despacho de 24/05/2016, no âmbito do Incidente de Qualificação de Insolvência, o douto tribunal ordenou uma avaliação aos imóveis da massa insolvente, por um perito independente, a qual apenas foi junta aos autos em 28/10/2016.
SSS. De salientar que, pela sua própria natureza tal avaliação implica uma maior morosidade no processo de liquidação, desde logo, porque não pode o Sr. Administrado de Insolvência vender um bem sem ter um valor base.
TTT. Ora, da avaliação solicitada, poderia resultar um valor diverso do valor base anteriormente fixado, o que levaria, in fine, à sua alteração.
UUU. Pelo que teve o Apelante que aguardar o resultado da avaliação dos imóveis, para proceder à sua venda.
VVV. Justificando, deste modo e nos termos do art. 169º do CIRE, o prolongamento do prazo de liquidação do processo. Mais,
WWW. Ainda que não se queira acreditar na palavra do Sr. Administrador de Insolvência, a verdade é que no âmbito do Incidente de Qualificação de Insolvência (Apenso B), o perito independente nomeado pelo douto tribunal, veio em 12/12/2016, em resposta ao pedido de esclarecimentos, afirmar que: “Porque o mercado imobiliário apresenta ainda com alguma dificuldade na transacção deste tipo de imóveis e porque existe ainda no mercado uma quantidade de imóveis em venda superior à procuro, será razoável estimar um prozo de comercialização ou venda paro estes imóveis de cerca de 2 anos.”
XXX. E a verdade é que, em 01/08/2017/ menos de dois anos após a assembleia de apreciação do relatório (que teve lugar no dia 28/08/2015), o Apelante veio informar os autos que se encontrava em fase final de negociações para a venda dos terrenos e da viatura automóvel, pendentes para o encerramento da liquidação.
YYY. Face ao exposto, em 08/08/2017/ o Apelante junta aos autos uma proposta de aquisição dos imóveis em falta, pelo montante de € 30.000/00, concedendo um prazo de 10 dias para que os credores se pronunciassem.
ZZZ. Volvidos 22 dias (em 30/08/2017) sem que qualquer credor ou até mesmo o douto tribunal se pronunciasse, o Apelante procedeu à adjudicação do imóvel ao Proponente, como se lhe impunha, dando disso nota ao processo.
AAAA. Face ao exposto, resulta forçoso concluir que a liquidação só ainda não está encerrada por inércia do tribunal a quo.
BBBB. Aliás, mesmo após a decisão de adjudicação e o pagamento do IS e IMT por parte do Proponente, o tribunal a quo ordenou a notificação dos credores para se virem pronunciar sobre a proposta apresentada, mesmo tendo já decorrido o prazo concedido pelo Administrador de Insolvência.
CCCC. Face ao exposto, resulta forçoso concluir que a liquidação só não terminou dentro dos dois anos previstos pelo perito, porquanto o tribunal não respondeu, em tempo, ao Apelante.
DDDD. Assim, bastará o entendimento do bonus pater familias, para concluir que não se poderá imputar ao Recorrente a culpa pela delonga que os autos vêm sofrendo, sem imputar a mesma ao douto tribunal e ao estado do mercado imobiliário.
EEEE. Neste seguimento e reiterando tudo o alegado, resulta forçoso concluir que a conduta do Recorrente ao longo de todo o processo, não preenche o conceito de justa causa de destituição constante do art. 56º do CIRE.
FFFF. Vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 05/07/2015/ ao abrigo do Proc. n.º 1653/12.2TBVRL-E.G (…)
GGGG. Por tudo o que vem de referir-se e analisando criticamente os factos em discussão, facilmente se conclui que o Despacho em crise carece de todo e qualquer fundamento, sendo indubitável que a destituição e substituição do aqui Apelante jamais se deveria ter verificado, até porque a liquidação do activo da massa insolvente, se encontra terminado, faltando apenas escriturar um imóvel.
HHHH. Assim, o Douto Despacho recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 56º n.º 1/ 188º, n.º 3/ 169º e 17º-D do CIRE e nos artigos art. 156º, n.º 2, 607º, n.º 4 e o artigo 615º, n.º 1, alínea b) e d) do CPC, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que mantenha o aqui Apelante como Administrador de Insolvência”.
6- Respondeu o Ministério Público, pugnando pela confirmação do julgado.
7- Recebido o recurso e, depois do Tribunal recorrido se ter pronunciado sobre as nulidades arguidas, importa deliberar.
*
II- Questão prévia

No seu recurso, argui o Apelante a nulidade decorrente do facto do requerimento do Ministério Público, datado de 28/09/2017, ser extemporâneo. Isto, porque o Ministério Público foi notificado para se pronunciar sobre a destituição do Administrador de Insolvência no dia 26/07/2017 e só no dia 28/09/2017 elaborou e apresentou o dito requerimento.

Sucede que esta questão, tal como está enquadrada, configura uma nulidade que devia ter sido arguida perante a instância recorrida, após o seu conhecimento, e só depois, se a resposta fosse negativa, é que a mesma podia ser impugnada por via de recurso, se o mesmo fosse admissível, o que não é certo, face ao que se dispõe no artigo 630.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Ora, não foi isso que sucedeu. O Apelante, como dissemos, arguiu essa nulidade diretamente perante esta instância.
De modo que destinando-se os recursos “a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas na instância recorrida”(1)- isto, naturalmente, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (o que não é o caso)-, vedado está a esta instância conhecer de tal fundamento recursivo.
Daí que não se conheça do mesmo.
*
III- Mérito do recurso

A- Inexistindo, no caso presente, questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, considerando as conclusões das alegações da recorrente, como determinam os artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, é constituído pelas seguintes questões:

a) Em primeiro lugar, saber se a decisão recorrida é nula pelas razões invocadas pelo Apelante;
b) E, depois, decidir se há fundamento para o destituir das funções de Administrador de insolvência.
*
B- Fundamentação de facto
Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1- Foi apresentada pelo AI a lista provisória de credores a que se refere o artigo 17°D, nº 3 (fls. 255 a 286), não tendo sido reconhecidos os créditos reclamados a inúmeros credores, nomeadamente créditos laborais, dando origem a inúmeras impugnações (fls. 301 a 866), que nem chegaram a ser decididas, pelo que dos autos não consta a lista definitiva de credores.
2- Consta dos autos que há credores que nunca foram contactados pela requerente/devedora tendo em vista as negociações do plano (fls. 873,874 e 877).
3- Apenas no dia 5 de Maio de 2015 (após a devedora/requerente apresentar requerimento aos autos, no qual refere que lhe é possível alcançar um plano de revitalização e reconhece a sua situação de insolvência), o AI provisório apresentou um requerimento aos autos dando conta de que a devedora não pretende apresentar o plano de recuperação, referindo ainda “decorrendo as negociações da inteira responsabilidade do devedor(a), deve este prestar toda a informação pertinente aos credores e ao administrador judicial provisório”.
4- Acresce que, como consta da sentença proferida no âmbito do apenso “B” que qualificou a insolvência como culposa, o crédito da Confeções P. Texteis, Ldª, no valor de 11.831,44€ encontra-se pago desde 04/03/2015.
5- No âmbito destes autos, na assembleia de credores que se realizou no dia 28-08­-2015 (fls. 175 a 181), efetuou um requerimento, onde refere:

“No decorrer das diligências efetuadas à análise contabilística da sociedade insolvente verificou-se que a mesma estava desarticulada do ponto de vista informático. Assim, não é crível que a sociedade insolvente tenha mais de € 400.000,00 a receber de clientes, entende-se assim que o que poderá estar em causa é tão só o registo contabilístico de documentos em falta. No que se refere aos supostos créditos fiscais que a Insolvente detém haverá necessidade de emitir um conjunto alargado de documentação fiscal própria, que a ser efetuada só poderá ser concretizada por um Técnico Oficial de Contas e cujos montantes, conforme se poderá confirmar no Inventário elaborado, rondará aproximadamente € 90.000,00. Para o efeito, se determinar a contratação de um contabilista propõe-se à assembleia o pagamento de honorários no montante de € 2.000,00 mais IVA, a ser pago pela massa insolvente e com a devida fiscalização do A.I”.
6- Acontece que, no âmbito do apenso “B” (incidente de qualificação da insolvência) na audiência de julgamento que ocorreu no dia 06-04-2017 (fls. 555 a 558), no decurso da inquirição da Dr. Lurdes, esta declarou que tinha sido a TOC contratada pelo AI para lhe prestar o aludido serviço, isto apesar de ser a TOC da insolvente e ainda de outras sociedades cujos sócios são familiares dos administradores de fato e da administradora de direito da insolvente, situação esta que o AI não desconhece e também não desconhece que recaia sobre esta TOC o dever de manter a contabilidade devidamente organizada, de encerrar as contas referentes ao ano de 2014 e de providenciar para que tais contas fossem registadas na conservatória do registo comercial, dever esse que não havia observado.
7- Pelos credores Filipe, Ricardo, Alberto, Josefa e Filipa foi requerida a qualificação da insolvência como culposa (fls. 13 a 15), tendo, em consequência, em 14-09­-2015 sido instaurado o apenso “B”.
8- No cumprimento do disposto no artigo 186°, nº 3 do CIRE o AI apresentou apenas em 2016-01-08 o seu parecer donde consta, em resumo:

- desde 2013 e particularmente em 2014 o nível de faturação diminuiu de forma acumulada; há incoerência na gestão da contabilidade;
- a empresa procedeu à venda de veículos automóveis e não apresentou a avaliação das viaturas alienadas;
- vendeu imóveis que havia adquirido em 2012;
- com a finalidade de proceder à revisão da contabilidade contratou contabilista certificada.
- Concluiu que a insolvência deve, em seu entender, ser qualificada como fortuita, isto apesar de, no relatório previsto no artigo 155°, do CIRE que apresentou no âmbito destes autos (fls. 150 a 156) constar, em resumo:
- a insolvente é uma sociedade com uma origem fabril já anterior à sua constituição, dado que derivou em local, equipamento e pessoal de outras empresas.
- assim, a sociedade Maria, Unipessoal, Ldª, que entretanto passou a designar-se MDL1 cedeu todo o estabelecimento industrial à aqui insolvente LT, SA, que continuou a sua exploração no local, com a mesma atividade, trabalhadores, máquinas e utensílios, fornecedores e clientes desde 1 de Maio de 2008”;
- a insolvente não labora desde Fevereiro de 2015;
- não tem qualquer pessoal afeto à atividade;
- procedeu apenas ao registo da prestação de contas até ao exercício de 2013; foram detetados anomalias de relevo e um atraso significativo em determinados procedimentos administrativos;
- a contabilidade não está informalmente atualizada.
9- Com finalidade sustentar em audiência de julgamento o parecer no sentido da qualificação da insolvência como fortuita e (ou) para contrapor a prova apresentada pelos requerentes, juntou documentos e indicou cinco testemunhas, que foram inquiridas.
10- A sentença que declarou a insolvência de LT, SA, foi proferida em 6 de Julho de 2015 e, decorridos mais de dois anos, o apenso “F” (Liquidação) ainda não se encontra encerrado, pois ainda estão em curso diligencias tendo em vista a liquidação do ativo da massa insolvente.
*
C- Fundamentação jurídica
1- Da alegada nulidade da decisão recorrida

Essa nulidade deriva, na perspetiva do Apelante, de três vícios: a) Omissão de pronúncia; b) Excesso de pronúncia; e, c) Falta de fundamentação de facto.

Vejamos, então, se o Apelante tem razão.

Comecemos pela omissão de pronúncia. Deriva essa omissão, na perspetiva do Apelante, do facto do Tribunal recorrido não se ter pronunciado, como devia, sobre a exceção de incompetência por ele arguida, no exercício do contraditório prévio ao despacho recorrido.
E, na verdade, tem razão. A instância recorrida não lhe dedicou qualquer atenção. Mas, devia fazê-lo. Como decorre do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o juiz está obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, a não ser que essa análise esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Ora, no caso, como já dissemos, essa análise não foi feita. De modo que, nessa parte, a decisão recorrida é nula. E, sendo nula, compete a esta instância suprir semelhante nulidade (artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Pois bem, o que está em causa é a questão de saber se a instância recorrida era competente para conhecer de um fundamento de destituição do Administrador de Insolvência que, segundo este, ocorreu durante o PER que antecedeu a declaração de insolvência.
Ora, do nosso ponto de vista, a resposta só pode ser linearmente afirmativa.

Na verdade, a competência não passa da medida da jurisdição que é atribuída a cada tribunal (2). E, desse ponto de vista, é inequívoco que o Tribunal competente para o PER que antecedeu o processo de insolvência da devedora, é igualmente competente para conhecer e decidir todas as questões que se suscitem neste último processo (artigo 91.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

De resto, não é bem à falta de competência que o Apelante parece querer referir-se. É ao desfasamento do objeto, pois que, do seu ponto de vista, o fundamento elencado no despacho que determinou a sua audição, ou seja, o pagamento do crédito que a insolvente detinha sobre a sociedade Confeções P. – Têxteis, Ldª, não poderia servir para a sua destituição do cargo de Administrador de Insolvência.

Ora, em nosso entender, não é assim. A pessoa em causa é a mesma e todos os seus atos de administração praticados seja na fase do processo de revitalização, seja na fase do processo de insolvência, podem ser avaliados na perspetiva da sua idoneidade para ocupar o cargo de Administrador. E isso, quer enquanto Administrador Provisório, quer como Administrador de Insolvência, já a título definitivo.

Em qualquer ponto de vista em que nos situemos, pois, nunca ao Apelante pode ser reconhecida razão, neste ponto.

Passemos à análise do seguinte.

O que nele está em causa é a questão de saber se a instância recorrida ao elencar outros fundamentos para a destituição do Apelante, que não aquele que lhe transmitiu inicialmente, incorreu em excesso de pronúncia.

Pois bem, para responder a esta questão é importante começar por ter presente que o juiz, como resulta do disposto no artigo 56.º, n.º 1, do CIRE, pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substitui-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa.
Mas o juiz não só pode, como está legalmente vinculado a fazê-lo. “Ocorrendo justa causa, o administrador deve efetivamente ser destituído pelo juiz. De outro modo, deixar-se-ia ao seu critério a manutenção de uma situação que, com boa dose de probabilidade, não conduziria à conveniente tutela dos interesses a proteger, o que manifestamente, não é querido pela lei” (3).

Daí que o poder do juiz, neste caso, seja de exercício vinculado; isto é, ele não pode deixar de ser exercido quando se verifique justa causa.

Questão diferente é a de saber se o juiz deve facultar o exercício do contraditório em relação a todos os fundamentos que prevê usar para destituir o Administrador de Insolvência. E, sob esse ponto de vista, parece não haver quaisquer dúvidas de que assim deve ser.

Efetivamente, o princípio do contraditório emana de um outro princípio que se traduz na exigência constitucional do direito de ação ou direito de agir em juízo através de um processo equitativo (artigo 20.º da CRP). E este último, por sua vez, ou seja, a noção de processo equitativo, abarca diversas dimensões às quais não é alheia a própria conformação do processo, de modo a que, através dele, se obtenha uma tutela judicial efetiva, em termos materialmente adequados.

Ora, uma das formas de alcançar esse resultado no âmbito estritamente civil, é conferindo àqueles que são afetados pelas decisões judiciais o direito ao contraditório; ou seja, o direito de invocarem as pertinentes razões de facto e de direito que sejam necessárias para a defesa das suas posições processuais, o direito a oferecer as próprias provas, a controlar aquelas que são apresentadas pela parte contrária e ainda o direito de se pronunciarem sobre o valor probatório de todas elas.

Estes direitos estão legalmente consagrados, mas dedica-lhe particular atenção o artigo 3º do Código de Processo Civil.
Segundo este preceito, “[o] tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição” (n.º 1).

“Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida” (n.º 2).

E, como regra, “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (n.º 3).

De modo que para um exercício efetivo do direito ao contraditório, o juiz não pode deixar de revelar previamente ao Administrador de Insolvência todos os motivos que prevê usar para a sua destituição do cargo.

E, se não o fizer ?
Se não o fizer, a decisão que proferir ulteriormente, levando em consideração fundamentos que não foram previamente objeto de contraditório, fica viciada por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil).

E isso, pelo menos, por dois motivos:

“- O primeiro é o de que, até haver o proferimento da decisão-surpresa, não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir; a parte pode suspeitar de que o tribunal vai aplicar um regime não discutido no processo e de que vai proferir uma decisão-surpresa; todavia, é apenas no momento do proferimento desta decisão que o vício se manifesta e se constitui”;
O segundo “é o de que o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria; a decisão padece de um vício de conteúdo e, por isso, é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC); estranho seria, aliás, que o vício que afecta a decisão-surpresa, sendo um vício de conteúdo, não tivesse o mesmo tratamento e não originasse as mesmas consequências dos demais vícios de conteúdo que, segundo o disposto no art. 615.º, n.º 1, CPC, conduzem à nulidade da sentença” (4).
Nesta parte, pois, ou seja, na parte em que a decisão recorrida levou em consideração fundamentos não anunciados previamente ao Apelante, essa decisão é nula. Como tal, porque o Apelante já teve oportunidade de esgrimir as suas razões em sede de recurso, incumbe a esta instância, como já referido, suprir essa nulidade, apreciando tais fundamentos, por força do disposto no artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. É o que se fará ulteriormente.
Por fim, resta por analisar a arguida falta de fundamentação de facto da decisão recorrida.
Ora, como é bom de ver pela simples leitura dessa decisão, aquela falta não ocorre. Foram elencados os factos provados e a proveniência dos mesmos, embora aqui, por regra, com referência, à sua localização processual e nada mais.
Mas, como é doutrina pacífica, “apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” (5).
De modo que podemos concluir, com segurança, que não se verifica este vício, tal qual o mesmo está previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

2- Passemos, então, à questão de mérito; ou seja, à questão de saber se a destituição de funções do Apelante, é juridicamente fundada.

Como vimos, ocorrendo justa causa, o juiz não só pode, como deve destituir o Administrador da Insolvência.
A justa causa, no entanto, é um conceito indeterminado que não se encontra legalmente preenchido. Alguns casos há em que a lei prevê essa consequência, como seja, por exemplo, a aquisição de bens ou direitos compreendidos na massa insolvente pelo administrador da insolvência, ainda que por interposta pessoa, ou quando o processo de insolvência, sem justificação, não seja encerrado no prazo de um ano contado da data da assembleia de apreciação do relatório, ou no final de cada período de seis meses subsequente (artigos 168.º e 169.º do CIRE), mas, no mais, pode haver uma multiplicidade de situações legitimadoras do afastamento do administrador de insolvência do exercício desse cargo. Casos de violação pela sua parte dos deveres funcionais que lhe estão cometidos (como por exemplo, a recusa de prestação de informações à comissão de credores ou ao tribunal, nos termos do artigo 55.º, n.º 5, do CIRE), mas também situações que “tornem objetivamente insustentável a sua manutenção no cargo, mormente por constituírem sinal de quebra irreversível do elo de confiança que o legítima ou por serem suscetíveis de revelar inaptidão ou incompetência para o respetivo desempenho” (6).
Essencial é, em qualquer caso, que estejamos perante uma falta objetivamente grave. Não faria, de facto, sentido, que o referido administrador pudesse ser destituído por qualquer atitude que simplesmente desagradasse ao insolvente, a algum dos credores ou a outro interveniente processual. A necessidade da justa causa ser preenchida por uma falta grave constitui um elemento essencial para garantir a independência do administrador da insolvência, a qual, por sua vez, “é decisiva para a consecução dos objetivos do processo, no respeito pelo princípio da igualdade dos credores e na defesa genérica dos seus interesses” (7).

Sem esse tipo de falta, pois, seja ela de ordem técnica ou relacional, nunca a justa causa de destituição se pode ter por verificada.
Ao falarmos de falta objetivamente grave, no entanto, não estamos a referir-nos a qualquer arquétipo uniforme e abstratamente definido, passível de ser cristalizado no tempo. Tratando-se, como se trata, de um conceito valorativo, a dita gravidade deve ser aferida perante o circunstancialismo concreto em que se insere a conduta a avaliar, tendo presente aquilo que, nesse contexto, seria objetivamente exigível a um gestor de bens alheios criterioso, isento e independente, capaz de garantir a maximização dos interesses cuja defesa lhe está confiada. Só nessas circunstâncias se pode concluir se uma dada conduta é, ou não, passível de justificar a destituição do administrador de insolvência que a praticou. O que pressupõe o conhecimento dos factos concretos que preenchem essas circunstâncias e a sua subsequente avaliação no plano jurídico (8).

Ora, procedendo deste modo, o que verificamos, no caso presente, é que se há factos demonstrados cuja ocorrência não pode ser imputada ao Apelante, outros há que são da sua exclusiva responsabilidade e determinam, necessariamente, a sua destituição do cargo em que foi investido, por serem de molde a quebrar o necessário elo de confiança que o exercício desse cargo pressupõe.
Referimo-nos aos factos relatados nos pontos 5 a 9, inclusive, do capítulo dos Factos Provados.

Consta dos dois primeiros desses pontos o seguinte:

“No âmbito destes autos, na assembleia de credores que se realizou no dia 28-08­-2015 (fls. 175 a 181), [o Administrador da Insolvência] efetuou um requerimento, onde refere:

“No decorrer das diligências efetuadas à análise contabilística da sociedade insolvente verificou-se que a mesma estava desarticulada do ponto de vista informático. Assim, não é crível que a sociedade insolvente tenha mais de € 400.000,00 a receber de clientes, entende-se assim que o que poderá estar em causa é tão só o registo contabilístico de documentos em falta. No que se refere aos supostos créditos fiscais que a Insolvente detém haverá necessidade de emitir um conjunto alargado de documentação fiscal própria, que a ser efetuada só poderá ser concretizada por um Técnico Oficial de Contas e cujos montantes, conforme se poderá confirmar no Inventário elaborado, rondará aproximadamente € 90.000,00. Para o efeito, se determinar a contratação de um contabilista propõe-se à assembleia o pagamento de honorários no montante de € 2.000,00 mais IVA, a ser pago pela massa insolvente e com a devida fiscalização do A.I”.

“Acontece que, no âmbito do apenso “B” (incidente de qualificação da insolvência) na audiência de julgamento que ocorreu no dia 06-04-2017 (fls. 555 a 558), no decurso da inquirição da Dr. Lurdes, esta declarou que tinha sido a TOC contratada pelo AI para lhe prestar o aludido serviço, isto apesar de ser a TOC da insolvente e ainda de outras sociedades cujos sócios são familiares dos administradores de fato e da administradora de direito da insolvente, situação esta que o AI não desconhece e também não desconhece que recaia sobre esta TOC o dever de manter a contabilidade devidamente organizada, de encerrar as contas referentes ao ano de 2014 e de providenciar para que tais contas fossem registadas na conservatória do registo comercial, dever esse que não havia observado” (6).

Ou seja, apesar de todas as faltas contabilísticas relatadas e de ter sido a Técnica Oficial de Contas (TOC) da Insolvente quem lhe deu causa, o Apelante, sabendo disso, ainda assim, contratou-a e, presumivelmente, a insolvente pagou-lhe, para suprimir, pelo menos, uma daquelas faltas.

Ora, este procedimento, quer do ponto de vista ético, quer jurídico, é absolutamente inadmissível. E se a isto acrescentarmos os riscos que decorrem das relações que essa TOC mantém com outras sociedades cujos sócios são familiares dos administradores de facto e da administradora de direito da insolvente, logo concluímos que o Apelante não se comportou como lhe era exigido; isto é, como um gestor de bens alheios criterioso, isento e independente, capaz de garantir a maximização dos interesses cuja defesa lhe foi confiada.

Pelo contrário, premiou quem descuidou os interesses da insolvente e fez os respetivos credores incorrerem em riscos desnecessários.

Por outro lado, a conduta processual do Apelante também não é isenta de críticas. Efetivamente, sabendo que a insolvente não tinha contabilidade organizada e registada em relação ao último exercício, que nessa contabilidade tinham sido detetadas anomalias de relevo, um atraso significativo em determinados procedimentos administrativos e que a insolvente tinha vendido veículos automóveis, em relação aos quais não apresentou qualquer avaliação, bem como imóveis adquiridos em 2012, ainda assim, propôs a qualificação da insolvência como fortuita.

Ora, a lei presume, de modo inilidível, que estamos perante uma insolvência culposa quando, para além do mais, os administradores, de direito ou de facto, da insolvência, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, tenham “[d]estruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor” - artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE (9). O que parece, pelo menos, estar indiciado, não podendo o Apelante desconhecer que assim era.

Bem sabemos que a qualificação da insolvência não lhe compete, mas ao Tribunal. Mas, além do parecer do Administrador da Insolvência ser juridicamente relevante, pois só assim se justifica a sua existência no quadro normativo em que se insere, também não deixa de ser certo que, neste caso, como consta dos factos provados, o Apelante “com finalidade sustentar em audiência de julgamento o parecer no sentido da qualificação da insolvência como fortuita e (ou) para contrapor a prova apresentada pelos requerentes (10), juntou documentos e indicou cinco testemunhas, que foram inquiridas”.

Não se compreende este procedimento, nem, menos ainda, as referidas finalidades. De resto, o Apelante também não dá qualquer explicação para elas neste recurso.

Ora, como já vimos, se há qualidades que se exigem ao Administrador de Insolvência é a sua isenção e independência, no sentido de garantir a maximização dos interesses cuja defesa lhe está confiada.

Por isso mesmo, independentemente da demais factualidade apurada, cuja apreciação aqui se mostra inútil e prejudicada, cremos estar suficientemente comprovado que o Apelante cometeu faltas graves no exercício das suas funções, sendo, por conseguinte, justificada a sua destituição do cargo em que foi investido.

Em suma: ainda que por razões não coincidentes, o decidido na sentença recorrida é de confirmar, improcedendo, assim, este recurso.
*
IV- DECISÃO

Assim, pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
*
- Porque decaiu na sua pretensão, as custas deste recurso serão suportadas pelo Apelante - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreira
Alexandra Rolim Tenreiro


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 25. “Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a ação e a julga-la como se fosse a primeira vez, indo antes controlar a correção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último” – José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 7 e 8.
2. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, Iº Vol. AAFDL, pág. 346.
3. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., Quid Júris, pág. 351.
4. Teixeira de Sousa, em comentário ao Ac. RP de 02/03/2015, Processo n.º 39/13.6TBRSD.P1, no Blog do IPPC. No mesmo sentido, já se pronunciou o mesmo Autor outras vezes no mesmo Blog, incluindo em anotação ao Ac. do STJ de 23/6/2016, Processo n.º 1937/15.8T8BCL.S1, que seguiu idêntica orientação.
5. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221. No mesmo sentido, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 194.
6. Ac. RLx de 02/02/2010, Processo n.º 1173/05.1TBCLD-Q.L1-7, consultável em www.dgsi.pt.
7. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob cit., pág. cit.
8. Neste enquadramento seguimos de perto o Acórdão relatado pelo ora relator no Processo n.º 197/09.4TYVNG-AY.P1, proferido no Tribunal da Relação do Porto e consultável em www.dgsi.pt.
9. Nestas hipóteses, a lei institui “uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação, não admitindo a produção de prova em sentido contrário”- Neste sentido, por exemplo, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2013, 5ª edição, Almedina, pág. 248.
10. Presumimos, dessa qualificação.