Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2695/16.4T8BRG.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: CONTRATO PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A mora do devedor é pressuposto da execução específica do contrato-promessa.

II - Não se mostrando efectuada qualquer interpelação de cumprimento aos herdeiros do falecido promitente vendedor, a penhora do quinhão hereditário de um deles não consubstancia mora ou intenção de não cumprimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - A. S., casado, residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão, instaurou contra:

s- Maria e marido João, casados em comunhão de adquiridos, residentes na Rua …, Vila Nova de Famalicão.
- C. S., que também usa e é conhecida por C. S. e por C. S., viúva,residente em Rue …, França.
- A. B. viúva, residente na Avenida …, Vila Nova de Famalicão.
- José, divorciado, residente na Avenida …, Vila Nova de Famalicão.
- Augusta, NIF …, divorciada, residente na Praça ..., Vila Nova de Famalicão, tendo formulado:

I) Pedido Principal:

a) Ser decretado que o Autor é legítimo possuidor, uti dominus, dos imóveis identificados no art. 1º desta petição.
b) Ser proferida sentença que produza os efeitos da promessa contida no contrato-promessa de compra e venda invocado, transmitindo-se para o Autor a propriedade dos referidos imóveis – mediante o depósito, à ordem do Tribunal, do remanescente do preço em dívida, € 2.493,99.
c) Ser o Autor notificado, previamente à prolação da sentença, para depositar o referido remanescente do preço em dívida.
d) Ser ordenado o cancelamento de quaisquer registos relativos aos mencionados imóveis, efectuados em detrimento do direito do Autor, mormente o da penhora a favor da 5ª Ré. - caso assim se não entenda, o que por mera cautela se admite: –

II) Pedido Subsidiário:

a) Ser decretado que os 1ºs a 4º Réus incumpriram definitivamente o contrato promessa e, em consequência, serem condenados a pagar ao Autor a quantia de € 119.711.50, correspondente ao sinal prestado, em dobro, acrescido de juros moratórios à taxa legal, a contar da citação e até efectivo embolso, ou o valor dos imóveis ao tempo do incumprimento, consoante venha o Autor a optar.
b) Mais ser decretado que o Autor goza do direito de retenção sobre os imóveis até total satisfação do seu crédito.
Após citações legais não houve contestação.
Declararam-se confessados os factos articulados sem prejuízo dos que exigem prova documental e demais exceptuados conforme artigo 567º nº 1 Código de Processo Civil e deu-se cumprimento ao seu nº 2.
O autor juntou alegações
Foi notificado ainda para juntar documentos em falta tudo como melhor consta de fls. 53.

Os autos prosseguiram tendo sido proferida a seguinte decisão:

Na improcedência da ação absolvo os RR totalmente dos pedidos formulados.

Inconformado o autor interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

- A acção foi julgada improcedente por a sentença recorrida ter entendido, basicamente, que não se verificaria o incumprimento do contrato promessa por parte dos Réus e que, em consequência, não assistiria ao Autor o direito a obter a execução específica do mesmo;
- Principia-se por salientar que não se mostra rigorosa, salvo o devido respeito, a afirmação da sentença de que «o incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora» – bastará atentar na situação de um promitente vendedor alienar o bem a terceiro antes de chegar a data que ajustou com o promitente comprador, caso em que ocorre incumprimento definitivo (e paralelamente, impossibilidade do mesmo), sem que se tenha verificado uma situação de mora.
- O direito à execução específica de um contrato promessa pode existir, quer na situação de um dos contraentes se encontrar em mora (cfr. Ac.s STJ de 04/03/2008, de 19/05/2010, disponíveis em www.dgsi.pt), quer na de se encontrar em incumprimento definitivo – como refere Januário Gomes (in Em Tema de Contrato-Promessa, 1990, p. 17), «se o credor mantiver interesse na prestação, não parece haver justificação plausível que obste ao recurso à execução específica, já que o incumprimento definitivo não determina, por si só, a resolução do contrato» – caso típico, aliás, desta situação, será a da ocorrência da recusa do promitente faltoso em cumprir.
- Ao invés do decidido na respeitável sentença recorrida, afigurase que se encontram alegadas e demonstradas nos autos três circunstâncias que traduzem situações, quer de mora, quer de incumprimento por parte dos Réus, qualquer uma delas legitimadora da procedência do pedido de execução específica.

I)

- Consta do contrato promessa (alínea D)) e, como tal, do elenco dos factos provados, que «as partes clausularam, quanto à realização da escritura “(…) desde já acordam ser feita até ao dia 30.12.2001 sendo certo que os primeiros outorgantes se comprometem a entregar ao segundo outorgante toda a documentação necessária para o efeito, de maneira a possibilitar a venda dos prédios que são objecto deste contrato, com a antecedência mínima de trinta dias sob a respectiva realização» (Facto e.) E que «Os imóveis prometidos vender encontravam-se omissos na competente Conservatória» (Facto i)). E ainda que «A escritura não se celebrou porque os promitentes vendedores não entregaram ao Autor a documentação necessária para esse fim, conforme cláusula contratual».
- Como refere Ana Prata, in «O Contrato Promessa e Seu Regime Civil» (Almedina, 2006), um contrato promessa pode bem conter o que se define como uma «obrigação secundária», que se define como «Aquela que se encontra ligada a outra, a principal, sendo instrumental do seu cumprimento ou adicionando à prestação principal um outro comportamento debitório, complementar ou autónomo» (cfr. mesma autora, «Dicionário Jurídico», Almedina, Vol. I).
- Afigura-se ser o caso do dever que impendia sobre os promitentes vendedores, de promover o registo dos imóveis a seu favor, como requisito necessário para a outorga do contrato prometido; e, como refere a citada Doutrinadora, «Para determinar os efeitos de um qualquer incumprimento, questão essencial é, desde logo, qualificar a obrigação secundária não cumprida em função da obrigação principal, isto é, determinar a autonomia ou instrumentalidade dessa obrigação relativamente à obrigação de contratar que constitui o cerne da eficácia do contrato-promessa» (pág. 656).
- E prossegue: «Já se (…) o dever incumprido for acessório ou instrumental do cumprimento da obrigação principal, os seus efeitos são tipicamente absorvidos e consumidos pelo não cumprimento que ele provoca na prestação principal».
- «Dado que, em razão da sua natureza funcional, o inadimplemento da obrigação instrumental tenderá a arrastar o total ou parcial (quantitativo ou qualitativo) incumprimento da obrigação principal, o promissário não terá, em princípio, de esperar pela consumação deste último para reagir ao não-cumprimento da obrigação acessória; ele poderá, em regra, exigir o seu cumprimento, que, se não for realizado voluntariamente, será susceptível de execução forçada».
10ª- Significa o expendido que é suficiente, por si só, o incumprimento da «obrigação acessória» de entregar toda a documentação necessária, vale dizer, o prévio registo dos imóveis a favor dos promitentes vendedores, para legitimar a iniciativa da «execução forçada» por parte do promitente comprador.
11ª- A citada Doutrinadora acrescenta, por forma lapidar, no capítulo sob o título «O pressuposto da acção de execução específica», o seguinte (que transcrevemos por não sabermos escrever melhor): «Ao analisar o quadro previsto do art. 830º, questão que se impõe colocar é a do pressuposto do recurso à execução específica da obrigação de celebrar certo negócio, certo como é que ele pode ser, como tipicamente sucede no regime geral da execução específica de uma qualquer obrigação, a mera existência da obrigação pura, hipótese em que a citação para a acção desempenha a função de interpelação do devedor para o cumprimento, ou, mais restritamente, ter de consubstanciar-se no não cumprimento espontâneo e tempestivo da obrigação, podendo, ainda aqui, prescindir-se ou não da culpa do obrigado no inadimplemento» (pág.s 917/918, destaque, nosso).
12ª- Mais acrescentando: «Como na generalidade dos casos de execução específica (…), não se vê porque não poderá o credor da obrigação de contratar lançar mão desse instrumento para fazer vencer a obrigação, suportando naturalmente os encargos processuais inerentes se o promitente se dispuser, uma vez citado, a celebrar o negócio espontaneamente» (ibidem, destaque nosso).
13ª- O que é dizer, face ao incumprimento da obrigação secundária, o promitente comprador – o Autor – promove a execução específica do contrato promessa, utilizando a citação para fazer vencer a obrigação; se, citados, os Réus, promitentes vendedores, se mostrarem na disposição de cumprir, ao Autor caberá arcar com as custas processuais.
14ª- Outrossim, uma vez que ficou acordado que a escritura seria outorgada até ao dia 30.12.2001, tendo os promitentes vendedores assumido o compromisso de entregar ao promitente comprador toda a documentação necessária para o efeito até então, nesta perspectiva os Réus, ao não terem cumprido essa obrigação, constituíram-se em mora (Cód. Civil, art. 804º nº 2).
15ª- Com um fundamento ou com o outro, assistia, pois – como assiste – ao Autor, o direito de obter a execução específica do contrato promessa.
Sem prescindir:

II)

16ª- Face à falta de qualquer contestação (nenhum dos Demandados contestou), verificou-se a cominação plena prevista no art. 567º nº 1 do Cód. Proc. Civil, ou seja, os factos alegados pelo Autor devem ser considerados provados.
17ª- De entre esses factos conta-se o constante do art. 29º, qual seja, «O Autor mantém todo o interesse na prestação que aos referidos Réus cabe realizar – sendo que o 4º Réu, executado na sobredita execução, não se mostra em absoluto na disponibilidade de o cumprir».
18ª- A sentença recorrida entendeu que esta expressão – de o 4º Réu «não se mostrar em absoluto na disponibilidade de cumprir» seria meramente «conclusiva» e «assaz irrelevante» e, com esse entendimento, não levou tal alegação à matéria factual assente por confissão (e, como tal, não a tomou em consideração).
19ª- Todavia, não se afigura por forma alguma que essa alegação se trate de uma «conclusão»: na verdade, um «facto» é, conforme a definição do Dicionário da Língua Portuguesa, «uma ocorrência da vida que aconteceu em determinado tempo e lugar», um «acontecimento»; enquanto que uma «conclusão» é um desfecho, uma consequência do facto (ou de factos).
20ª- Por sua vez, a definição de «disponibilidade» é a «Característica de quem está disposto a fazer alguma coisa»; mutatis mutandis, «indisponibilidade» será a característica de quem não está disposto a fazer alguma coisa – no caso, de cumprir o contrato promessa.
21ª- Ora, a alegação de que «o 4º Réu não se mostra em absoluto na disponibilidade de cumprir» é uma «ocorrência da vida», equivalente, aliás, a afirmar que ele «não pretende cumprir», «se recusa a cumprir», «não quer cumprir» ou outra equivalente – ou seja, trata-se de um facto, que não um «desfecho» de facto(s) [não confundir com as possíveis razões – «boas» ou «más» – que o 4º Réu poderá ter para essa indisponibilidade] .
22ª- Atentar-se-á que na transcrição feita na precedente 12ª conclusão, a Doutrinadora aí referida afirma que o Autor terá de suportar as custas se «o promitente se dispuser a celebrar o negócio» – ou seja, se esse facto (!) se verificar (que não essa «conclusão»).
23ª- Nos termos e para os efeitos do art. 640º nº 1 al.s a) a c) do CPC, o Autor considera este ponto incorrectamente julgado, face à cominação plena decorrente da falta de contestações, devendo pois ser aditada à matéria factual assente o mencionado facto, ou seja, de que «O Autor mantém todo o interesse na prestação que aos referidos Réus cabe realizar – sendo que o 4º Réu, não se mostra em absoluto na disponibilidade de o cumprir».
24ª- Com esse aditamento, e tendo em conta que a recusa em cumprir equivale a incumprimento definitivo (cfr. Ac. STJ de 7.01.93 in CJ, 1993, Vol I, p. 15), segue-se que ao Autor assiste o pleno direito de obter a execução específica do contrato promessa também com esse fundamento.
Sempre sem prescindir:

III)

25ª- A sentença recorrida expende o ponto de vista de que a penhora de um quinhão hereditário não permite o registo da penhora dos bens imóveis que o integram, por se tratar de uma universalidade.
26ª- Sabemos que se trata de matéria controversa, ou seja, relativamente à qual a Jurisprudência e a Doutrina se encontram divididas; mostra-se contudo desnecessário, no caso, entrar na polémica, pois que, tenha-se o entendimento que se tiver, na situação em causa nos autos foi registada a penhora sobre os imóveis objecto do contrato promessa (aliás por conversão de arresto prévio, nos termos do art. 822º nº 2 do Cód. Civil).
27ª- Bem ou mal, o facto é que o foi e que como tal consta da descrição predial dos imóveis em questão, sem que alguém, aliás, o tenha impugnado.
28ª- Não é, por isso, rigorosa, salvo o devido respeito, a afirmação da sentença de que «a penhora do quinhão hereditário do R. José não afeta os bens que compõem a herança», pois que efectivamente os afecta – por a penhora, como se disse, se encontrar registada sobre eles.
29ª- E da vigência desse registo conclui-se que nenhum dos Réus, mormente o Réu José, nada fez, quer no sentido de evitar o arresto sobre esses bens, quer de o remover, ou à penhora – o que traduz que se colocaram numa posição de não os poderem vender «livres de ónus ou encargos», conforme contratualmente prometeram, vale dizer, numa posição, ora de mora, ora de incumprimento.
30ª- Em suma: assiste ao Autor o direito de obter a execução específica do contrato promessa, conforme peticionou, nos termos do art. 830º nº 2 do Cód. Civil, aliás por pelo menos três motivos distintos – os que se expuseram – pelo que a sentença recorrida interpretou e aplicou por forma inexacta os normativos constantes das presentes conclusões.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

a. Por contrato reduzido a documento escrito, celebrado em 3 de Novembro de 2000, Agostinho e mulher A. B., prometeram vender ao Autor dois imóveis, a saber:

- Prédio urbano composto de casa de habitação de r/c, sito no Lugar …, da então freguesia de …, inscrito na matriz sob o art. 227, omisso na Conservatória do Registo Predial;
- Prédio urbano composto de casa de habitação e armazém, também sito no Lugar …, da então freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. 416, igualmente omisso na Conservatória do Registo Predial (Documento nº 1).
b. Foi estipulado o preço global de PTE 12.500.000$00 (hoje, € 62.349,74), tendo sido atribuído ao primeiro dos referidos imóveis o valor de PTE 5.000.000$00 (hoje, € 24.939,89) e ao segundo o de PTE 7.500.000$00 (hoje, € 37.409,84) (cfr. o documento).
c. Na data da outorga do aludido contrato promessa, os promitentes vendedores receberam do promitente comprador, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de PTE 2.500.000$00 (hoje, € 12.469,95), de que aqueles deram quitação,
d. Tendo o remanescente do preço, PTE 10.000.000$00 (hoje, € 49879.79, ficado de ser pago da seguinte forma:
- PTE 2.500.000$00 (hoje, € 12.469,95) até 2001.01.30;
- Idêntica quantia até 2001.03.30;
- PTE 4.500.000$00 (hoje, € 22.445,91 até 2001.06.30;
- PTE 500.000$00 (hoje, € 2.493,99), na data da outorga da escritura de compra e venda, que ficou ajustado sê-lo até ao dia 2001.12.30 (cfr. O documento).
e. Consta da alinea D) do mesmo documento que as partes clausularam quanto à realização da escritura: “(…) desde já acordam ser feita até ao dia 30.12.2001 sendo certo que os primeiros outorgantes se comprometem a entregar ao segundo outorgante toda a documentação necessária para o efeito, d maneira a possibilitar a venda dos prédios que são objecto deste contrato, com a antecedência mínima de trinta dias sob a respectiva realização”
f. Sendo que foram entregues ao Autor as chaves do imóvel e estipulada a faculdade da execução específica do mesmo.
h. O Autor entregou ao promitente vendedor marido atrás identificado os três reforços de sinal referidos no precedente artigo, nas datas nele assinaladas.
i. Os imóveis prometidos vender encontravam-se omissos na competente Conservatória j. A escritura não se celebrou porque os promitentes vendedores não entregaram ao Autor a documentação necessária para esse fim, conforme clausula contratual.
k. O Autor ficou a aguardar a entrega dos documentos uma vez que estava na fruição do prédio.
l. O Autor permitiu a utilização da parcela a terceiros, no sentido de manter a respectiva manutenção fazendo estes reparações nos mesmos, sempre sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente.
m. O promitente vendedor marido faleceu em 2011.11.27.
n. Tendo sido habilitados como seus únicos e universais herdeiros os aqui 1ª a 4º Réus, mormente os 1ª e 4º, seus filhos, e a 3ª, sua cônjuge, por escritura de 2014.05.29, lavrada a fls. 129 a 132 do Livro 129 do Cartório, da Notária Dra. M. R. e efetuada a partilha que da mesma consta cabendo ao José um quinhão no valor de 13.260,25 euros. Cfra escritura junta.
o. A 2ª Ré foi igualmente habilitada como única e universal herdeira de seu marido, A. A., este também filho dos promitentes vendedores e entretanto falecido.
p. Sucessores esses que como os antecessores sempre reconheceram o Autor como legítimo promitente comprador.
q. Atualmente, os artigos matriciais que correspondem aos citados, objeto do contrato, são, respetivamente, os artigos 372º e 698º.
r. A 1ª Ré, deu a conhecer ao Autor que havia sido penhorado o quinhão hereditário do aqui 4º Réu, José Sampaio à ordem do processo que sob o nº 2840/12.9TJVNF corre termos pela 2ª Secção de Execução-J1 da Instância Central de Vila Nova de Famalicão, em que é executado ele 4º Réu e exequente a aqui 5ª Ré.
s.Sendo que a 1ª Ré, quando foi notificada do anúncio da venda desse quinhão, transmitiu à representante da exequente que os imóveis prometidos vender há já muito que tinham sido vendidos ao Autor – e em seguida facultou a este cópia da notificação que recebera (Doc nº 5).
t. Tendo o Autor constatado por essa via que fora aberta uma descrição para os imóveis em questão, para efeitos da penhora do referido quinhão hereditário – concretamente, as nºs 977/20120119 e 979/20120119.
u. Penhora essa efectuada por iniciativa da 5ª Ré
v. O Autor, na pessoa do seu mandatário, compareceu à diligência de venda por propostas em carta fechada, no dia e hora para ela designados, aí tendo lavrado termo de protesto pela reivindicação dos imóveis, não obstante não ter sido apresentada qualquer proposta para a compra do quinhão (Documento nº 6).
W O Autor mantém todo o interesse na prestação que aos referidos Réus cabe realizar
*

O recorrente pretende a alteração da matéria de facto, uma vez que alegou na petição inicial que “o 4º réu não se mostra em absoluto na disponibilidade de cumprir o contrato”, o que o tribunal recorrido teria que considerar provado face à ausência de impugnação.
Como decorre do artigo 567º n.º 1 do Código de Processo Civil, os factos alegados pelo autor consideram-se confessados.
Ora a matéria alegada consubstancia uma conclusão e uma das questões fundamentais de direito a decidir na presente acção, pelo que essa expressão nunca poderia integrar-se na matéria de facto provada.
*
Alega o recorrente que uma vez que ficou acordado que a escritura seria outorgada até ao dia 30/12/01 os réus não cumpriram a obrigação.

Segundo o nº1 do artigo 830º do Código Civil, “ se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.

A execução específica do contrato promessa confere ao autor, promissário, dois direitos, sendo um de natureza creditória, que consiste na faculdade de exigir do promitente a celebração do contrato prometido, e outro, de natureza potestativa , que se traduz na faculdade de obter uma sentença que supra a declaração negocial do faltoso e produza efeitos equivalentes aos do contrato prometido. ( cfr. Galvão Telles , Registo da Acção Judicial , o Direito, 124, III Julho / Setembro 1992, 495 e segs.)
Para se obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, é necessária a verificação cumulativa dos requisitos enunciados no citado normativo, a saber: a) não seja incompatível com a substituição da declaração negocial a natureza da obrigação assumida pela promessa; b) a inexistência de convenção em contrário; c) e o incumprimento do contrato.

«A execução específica significa tão somente que é possível obter-se uma sentença que valha pelo contrato prometido; uma sentença (constitutiva) que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso: uma sentença especialíssima que faz as vezes da declaração negocial do promitente que falta, sentença, que possuía eficácia que teria , por exemplo a escritura pública que se não fez» ( cfr. Pereira Delgado, Do Contrato Promessa , 3ª ed. pag. 310).

A execução específica que vem na presente acção formulado como um dos pedidos principais, só pode ter como fundamento a mora e nunca o incumprimento definitivo. E isto porque visa a realização do contrato prometido que só se pode concretizar se este for possível. E só acontece quando a situação seja apenas moratória, porque apesar de retardado, ainda é possível a sua concretização por parte do devedor e o credor da prestação ainda tem interesse. E com a execução específica atinge-se o objectivo do contrato promessa que é a concretização da prestação ( cfr. Calvão da Silva , in Sinal e Contrato – Promessa ; entre outros Ac. STJ de 5/03/1996 CJ Tomo I , 115; Ac. STJ 18/06/1996 CJ Tomo II pag. 153).
No caso dos autos foi alegado que por ter sido penhorado o quinhão hereditário do réu José este não se mostra em absoluto na disponibilidade de cumprir o contrato.
Quanto ao alegado incumprimento do contrato como resulta dos autos se é certo que foi acordado que a escritura se realizaria em 2001, nada mais resulta dos autos sobre o comportamento dos promitentes vendedores.
A mora do devedor, ou mora debitória, verifica-se se houve atraso culposo no cumprimento, mas subsiste a possibilidade futura deste (Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 9.ª Edição, pág. 979).

No caso, não sendo a redacção da cláusula respeitante à marcação da data da escritura e à escolha do Cartório, totalmente isenta de dúvidas (“…escritura será efectuada no máximo até ao dia 30/12/01), permitindo uma leitura que remete para a necessidade de acordo quanto ao local, a verdade é que o clausulado não deixa na disponibilidade de qualquer das partes a faculdade de marcação da data da escritura, pelo que a boa fé na execução dos contratos (art. 762º, nº 2, do CC), sempre exigiria que a sua marcação fosse antecedida de um entendimento prévio.
Não existindo esse acordo prévio, não existe mora por parte dos promitentes vendedores na prestação correspondente à celebração do contrato prometido - Fernando Gravato de Morais, na sua obra sobre o contrato promessa (“Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial”, Almedina, págs. 181 e segs.), disseca as diversas hipóteses em que a fixação da data para a celebração do contrato prometido assume relevância.
Começando por recordar o princípio de que a fixação de um prazo para a celebração do contrato prometido não é um elemento essencial do contrato promessa, distingue, como outros autores, entre a estipulação pelas partes de um termo fixo (absoluto) e a estipulação de um termo não fixo (relativo).
Enquanto o primeiro pode gerar a cessação imediata do contrato, a fixação de um termo não fixo importa tão-só uma situação de mora no cumprimento, a qual apenas é susceptível de desaguar no incumprimento definitivo depois de efectuada a interpelação admonitória, dado que do decurso do prazo não decorre, em princípio, uma perda objectiva do interesse do credor.
A regra é, aliás, a de que havendo dúvidas sobre como dever ser entendido o prazo fixado pelas partes, seja o mesmo considerado como um termo subjectivo relativo (Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, Almedina, 12.ª Edição, pág. 144).
No caso, as partes relativamente à convenção de prazo fixaram no próprio texto do contrato promessa uma data certa para a conclusão do negócio definitivo (“escritura pública de compra e venda, que será efectuada até ao dia 30 de Dezembro de 2001…”), cabendo decidir se a mesma, na economia do contrato e face à factualidade provada, deve ser considerada como um termo fixo absoluto ou relativo nos termos a que acima nos referimos.
O critério que tem seguido a jurisprudência é o de aquilatar da essencialidade do prazo em face das circunstâncias do caso, descortinando na vontade das partes se o decurso desse prazo implica uma clara intenção de considerar o contrato como não cumprido e, desse modo, fundar um juízo de incumprimento, ou ainda possibilita o seu cumprimento tardio.
É essa, nomeadamente, a posição sustentada no Acórdão do STJ de 02-06-2009 disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual «no contrato-promessa, a questão de saber qual a natureza do prazo (fixo ou não) é de natureza interpretativa tendo de ser indagada a vontade das partes, tendo em conta, mormente, o contrato em si e o objectivo económico que visa, a par do equilíbrio contratual postulado pelas regras da boa-fé.”.

Importa, pois, saber se as partes pretenderam que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pudesse ser já obtida com a prestação ou se ainda admitiram a possibilidade de uma prestação ulterior, que ainda satisfaça a finalidade da obrigação.
Não resulta que a estipulação da data certa fixada como limite máximo para a realização da escritura pública tenha como característica uma essencialidade absoluta impeditiva da existência do interesse na realização do negócio em momento ulterior.
Conforme se decidiu no Acórdão de STJ de 02-03-2011 “resultando do contrato-promessa que a escritura de compra e venda deveria ser celebrada no prazo máximo de um ano, e não fluindo dos autos que tal prazo fosse essencial, não é o decurso do mesmo suficiente para, só por si, fundar a declaração de resolução do contrato.”

Indemonstrada a essencialidade do prazo de cumprimento de contrato-promessa e tendo-se concluído pela inexistência de mora dos promitentes vendedores , tem que se concluir que não se verificam os pressupostos da execução específica.
“… O direito à execução específica pode ser exercido logo que há mora e também quando a obrigação se considera definitivamente não cumprida devido ao contraente faltoso não ter realizado a prestação no prazo para o efeito fixado pelo outro contraente, desde que ela seja física e legalmente possível e este continue a ter nela interesse.
Fixado ao contraente faltoso um prazo suplementar razoável para cumprimento da prestação sob cominação de ser pedida a execução especifica, é evidente que o outro contraente não pretende a resolução do contrato” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 3.10.1995, in CJSTJ, 1995, III, 45.
Ora no caso e como se refere na sentença recorrida não foi alegado que o autor tivesse interpelado os promitentes vendedores para a realização da escritura, nem que lhe tivesse concedido qualquer prazo para o efeito, nem para lhe entregarem a documentação necessária à realização da escritura, nem resulta dos autos que aquele prazo era essencial.
O que o autor alega é que a penhora do quinhão hereditário consubstancia incumprimento.

Como já se referiu, a mora do devedor é o pressuposto de execução específica do contrato-promessa.

Tal mora depende de o devedor ter sido interpelado — judicial ou extrajudicialmente — para cumprir.
Tal interpelação só pode ser efectuada a partir do momento em que o credor pode exigir a realização da prestação devida.

No caso, não se mostra efectuada qualquer interpelação de cumprimento aos herdeiros do falecido promitente vendedor e a penhora do quinhão hereditário de um deles não consubstancia mora ou intenção de não cumprimento por parte deste.
E se é certo que o promitente vendedor e, posteriormente, os seus não entregaram a documentação, também é certo que não consta dos autos qualquer interpelação aos mesmos para os entregar e designar a data para a escritura, ou que o autor a tenha designado, uma vez que não consta dos autos a quem competia marcá-la.
E não estando alegado, nem se tendo provado que o prazo referido no contrato era essencial, só após a interpelação podemos considerar que há mora dos réus.
E não havendo no caso dos autos qualquer interpelação quer judicial ou extrajudicial ( art. 805 nº1 do C. Civil) fixando aos réus um prazo razoável para a realização da escritura ou para a entrega dos documentos , não se pode falar também que os RR se tenham constituído em mora.

Deste modo, não se verificam os pressupostos da execução específica.

Por outro lado, os bens da herança, antes de realizada a partilha, constituem uma massa indivisa " e o direito a ela representa um direito ideal a uma universalidade, pois o titular desse direito não sabe ainda em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança; das operações de partilha depende a formação da sua quota, que tanto pode ser constituída neste ou naquele imóvel, como em móveis ou dinheiro" (Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol 2.º, pág. 224).

Resulta dos autos que a penhora (por força da conversão do arresto) é muito anterior à partilha que consta de fls. 18, onde não foram contemplados os prédios em causa, mas o certo é que a penhora do referido quinhão é anterior a essa partilha.

Por outro lado, mesmo em relação aos prédios em causa a venda do quinhão hereditário, não significa a venda dos imóveis, uma vez que não há partilha.

E como se refere na sentença recorrida a penhora do quinhão hereditário e a posterior venda do mesmo apenas opera a substituição da posição do réu José na herança, o que não afecta os direitos e as obrigações que decorrem do contrato promessa, em relação ao qual se mantém a sua validade.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 15 de Março de 2018.

Conceição Bucho
Maria Luísa Ramos
António Sobrinho