Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1173/10.0GBGMR.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- Sempre que o valor do pedido de indemnização cível deduzido em processo penal for igual ou superior a 20 UC é devido o pagamento prévio de taxa de justiça.
II- Quando o pedido cível não for acompanhado de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, o juiz deve mandar notificar o demandante para em dez dias juntar tal documento, sob pena de ficar sem efeito o pedido cível.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No 1º Juízo Criminal de Guimarães (Proc. nº 1.173/10.0GBGMR), foi proferida despacho que ordenou que fosse desentranhado do processo o pedido cível deduzido pela demandante Mónica G..., por não ter sido efectuado o pagamento prévio da taxa de justiça devida.
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A demandante Mónica G... interpôs recurso desta decisão, suscitando as seguintes questões:
- em processo crime, o demandante cível não tem de autoliquidar a taxa de justiça por ter deduzido pedido de indemnização civil;
- mesmo que assim não se entenda, deve o demandante cível que não efectuou o pagamento prévio da taxa de justiça ser notificado para em 10 dias juntar o documento comprovativo.
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Não houve resposta ao recurso.
Nesta instância, o sra. procuradora-geral adjunta não emitiu parecer por o recurso versar apenas matéria cível.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
A questão deste recurso tem sido fonte de soluções distintas nos tribunais da relação.
Nesta Relação de Guimarães já foram proferidos acórdãos em sentidos opostos. No sentido pugnado no recurso, indica-se o acórdão proferido no Proc. 176/10.9TAGMR-A.G1 (relatora Luísa Arantes). Em sentido contrário, os acórdãos do Procs. 1907/09.5PBGMR (relator Filipe Melo) e 104/10.1GAEPS-A.G1 (relator Paulo Fernandes da Silva).
Não se vai fazer aqui a crítica de cada um dos entendimentos indicados, quer porque são conhecidos os motivos de divergência, quer porque as decisões judiciais não são o lugar mais indicado para as polémicas jurídicas.
Apenas se refere que, mau grado a consistência dos argumentos em sentido contrário, se concorda com o decidido nos acórdãos dos Procs. 1907/09.5PBGMR e 104/10.1GAEPS-A.G1, que seguem a mesma linha de argumentação. Por isso, este acórdão limitar-se-á a reproduzir, com as necessárias adaptações de redacção, o essencial da fundamentação do último indicado.
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1. Do pagamento da taxa de justiça quanto ao pedido cível.
Sustenta a recorrente a dispensa de pagamento de taxa de justiça enquanto demandante cível e em virtude da dedução do respectivo pedido indemnizatório em processo penal.
Vejamos. ---
Tendo-se o processo iniciado em data posterior à entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais, adiante designado por RCP, anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, tem-se por aplicável aos autos aquele diploma legal. Segundo os artigos 26.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, o RCP aplica-se aos processos iniciados a partir de 20.04.2009, o que é o caso na situação em apreço.
Ora, o artigo 4.º, n.º 1, alínea m), do RCP dispõe que «estão isentos de custas o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a 20 UC».
Por outro lado, o artigo 15.º, alínea c), do RCP estipula que «ficam ispensados do pagamento prévio da taxa de justiça os arguidos nos processos criminais ou nos habeas corpus e nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais».
Ou seja, da conjugação daquelas duas disposições legais decorre que:
· Sempre que o pedido de indemnização cível deduzido em processo penal for igual ou superior a 20 UC haverá lugar ao pagamento de custas por parte de qualquer demandante ou demandado;
· Quando o pedido indemnizatório seja inferior a 20 UC, haverá lugar ao pagamento de custas por parte do demandado que não seja arguido;
· Havendo lugar ao pagamento de custas, apenas o arguido está dispensado do pagamento de taxa de justiça.
Na falta de disposição especial quanto àquele pagamento da taxa de justiça, é aplicável o respectivo regime geral, pelo que a taxa de justiça é determinada em função do valor do pedido indemnizatório em causa e do indicado na Tabela I-A anexa ao RCP, é paga, em regra, integralmente e de uma só vez, até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito – cf. artigos 6.º, n.º 1 Segundo o qual, «a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento». ---, 11.º O qual dispõe que «a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo». --- , 13.º, n.º 2 Preceitua-se aí que «a taxa de justiça é paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário». , e 14.º, n.º 1 De acordo com o qual «o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento». ---, todos do RCP.
Ao contrário do entendimento do recorrente, não se configura que o artigo 8.º do RCP seja aplicável na matéria ora em causa.
Debalde se encontra nele qualquer referência ao pedido de indemnização cível deduzido em processo penal.
A Tabela III é omissa quanto a tal.
Nestes termos, «os restantes casos» aludidos no n.º 5. Dispõe-se aí que «nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III». --- do referido artigo 8.º por certo não integram o pedido de indemnização cível deduzido em processo penal.
De outro modo, a um tempo era chamada à colação a Tabela I-A, para determinar o valor da taxa de justiça, e a outro tempo a Tabela III, para dispensar o pagamento de tal taxa, o que seria destituído de razoabilidade.
In casu.
Conforme decorre do pedido indemnizatório deduzido, neste o ora recorrente peticionou a condenação do arguido no pagamento da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros legais.
Deduziu, pois, pedido indemnizatório superior a 20 UC, o que significa que está sujeito ao pagamento de taxa de justiça que no caso se cifra no montante de 2 UC, conforme ponto 2 da referida Tabela I-A.
Não tendo o ora recorrente procedido atempadamente a tal pagamento, cumpre apurar dos efeitos dessa omissão.
2. Da omissão de pagamento prévio da taxa de justiça.
Quanto «aos processos criminais», o artigo 13.º, n.º 1, do RCP prescreve que «a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil».
Ora, naquele diploma legal, do pagamento da taxa de justiça cuidam os respectivos artigos 150.º-A, 474.º, alínea f), 475, 476.º, 486.º-A e 685.º-D.
Aquele último referido preceito é de todo inaplicável na situação em apreço, na medida em que em causa não está o pagamento prévio de taxa de justiça relativo a recurso, objecto de regulação por aquele preceito.
Igualmente inaplicável configura-se o regime do referido artigo 486.º-A, nomeadamente o respectivo n.º 3 Segundo o qual «na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC». ---, pois em causa não está uma oposição a um pedido, mas a dedução deste.
A dedução de pedido cível em processo penal enxerta neste uma instância cível, pelo que a apresentação de tal pedido, embora não introduza propriamente o facto em juízo, insere neste a óptica civilística, o que aproxima a situação muito mais da apresentação da petição de inicial do que da contestação em processo civil.
Ora, desse ponto de vista interessa trazer à colação os artigos 150.º-A, n.º Dispõe-se aí, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, vigente à data dos factos em causa que «sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512.º-B e 685.º-D». -, 474.º, alínea f) Segundo o qual, na redacção do Decreto-Lei n.º 52/2008, de 28.08, vigente à data dos factos em causa, «a secretaria recusa o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando (…) não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n.º 5 do artigo 467.º»., 475 Na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.08, vigente à data dos factos em causa, dispõe-se aí que «1 - Do acto de recusa de recebimento cabe reclamação para o juiz. 2 - Do despacho que confirme o não recebimento cabe sempre recurso até à Relação, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 234.º-A». -, 476.º O qual preceitua, na redacção do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10.08, vigente à data dos factos em causa, que «o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo».
Da conjugação de tais preceitos decorre, além do mais, que quanto à apresentação em juízo da petição inicial, caso a falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça seja verificada pelo juiz, deve este notificar da omissão o sujeito processual que olvidou tal acto para, em dez dias, juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sob pena de ficar sem efeito a apresentação da petição inicial.
Com efeito, conforme resulta do referido artigo 476.º, se quando há recusa de recebimento da petição pela secretaria ou rejeição da distribuição da mesma, os apresentantes daquela têm a faculdade de, nos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, então, por maioria de razão, cumpre reconhecer tal faculdade quando a petição foi indevidamente recebida pela secretaria e objecto distribuição, tendo-se apenas o juiz da causa apercebido em momento ulterior da falta de pagamento da taxa de justiça Neste sentido, no que respeita à jurisdição cível, entre outros, os acórdão da Relação de Coimbra de 13.10.2009, Processo n.º 1485/09.5TBACB.C1, da Relação de Lisboa de 20.04.2010, Processo n.º 6612/09.0TVLSB.L1-1, e da Relação de Coimbra, Processo 459/09.0TTFAR.L1-4, in www.dgsi.pt..
Tal regime do processo civil configura-se plenamente aplicável ao caso em apreço.
Ou seja, do exposto decorre que em processo penal quando o pedido cível não seja acompanhado de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, nos casos em que tal é necessário, o juiz deve notificar o demandante cível para, em dez dias, juntar tal documento, sob pena de ficar sem efeito o seu pedido cível.
Desta forma nega-se àquela omissão um efeito preclusivo, conferindo uma tutela jurisdicional efectiva, com salvaguarda da proporcionalidade própria do Estado de Direito.
Mal andou, pois, o Tribunal recorrido quando ordenou o desentranhamento sem mais do pedido indemnizatório apresentado pelo ora recorrente, havendo, assim, que revogar o respectivo despacho e ordenar a substituição por outro nos termos apontados.
DECISÃO.
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães julgam o recurso parcialmente procedente, ordenando que o despacho recorrido seja substituído por outro que se abstenha de desentranhar dos autos por ora o pedido cível e mande notificar o demandante cível, ora recorrente, para, em 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça omitida.
Sem custas.