Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
181/16.1T8PRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADE
PERSONALIDADE JURÍDICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A dissolução da sociedade é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação do respectivo património, dando-se a cessação gradativa da sua existência.

II- Trata-se, assim, de uma modificação e não da sua extinção, já que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, passando, porém, os administradores a ser os liquidatários.

III- Só concluída a liquidação e feito o registo de encerramento da liquidação, cessa a personalidade jurídica da sociedade, só então se podendo considerar extinta, não podendo, então, a sociedade, regressar à actividade.

IV- Não tendo personalidade jurídica, a sociedade não tem personalidade judiciária (ut artº 5º CRC), não sendo tal falta passível de sanação, maxime ao abrigo do disposto no artº 8º CPC.

V- Extinguindo-se a sociedade, com a sua extinção - extinção esta equiparada à morte civil -, não podem os seus (ex) sócios propor acções para defesa de direitos que à extinta sociedade pertenciam, sob pena de se cair no absurdo de poder-se litigar em nome de entidade extinta -- sem prejuízo, porém, do estatuído no artº 164º CSC.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: Herança aberta por óbito de A, representada por B, C e D.
Recorridos: E e F.

Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua, J2.

Em sede de contestação vieram os Réus invocar a excepção dilatória de ilegitimidade activa, alegando em síntese que os autores intentaram a presente acção na qualidade de sócios da extinta sociedade HC - comércio e indústria de pneus, Lda..

Tal sociedade encontra-se extinta desde 19.04.2013, sendo que, conforme resulta da lei, conservando a sociedade a sua personalidade jurídica apenas até ao registo do encerramento da liquidação, a presente acção foi instaurada a 25 de Agosto de 2016, ou seja, muito depois da data do registo do encerramento da liquidação.
Ora, com a extinção da sociedade esta deixou de ter a possibilidade de ser titular de direitos e obrigações, deixou de poder ser parte em juízo, quer como autora, quer como ré.
Além disso, a presente demanda não estava pendente aquando do registo de encerramento da liquidação razão pela qual é inaplicável o disposto no artigo 162º do CSC.

Nestes termos, os autores como ex-sócios da sociedade HC, há muito extinta, não têm legitimidade para instaurar a presente acção.

Conclui, pedindo a sua absolvição da instância.

Os autores responderam à excepção afirmando que apesar da extinção da sociedade as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, conforme resulta do disposto nos artigos 162º, 163º e 164º do CSC pois os sócios devem encabeçar os direitos de crédito de uma sociedade extinta, caso contrário estar-se-ia perante um património sem dono.

Por se considerar reunir o processo todos os elementos necessários, foi proferida decisão na qual se decidiu julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade invocada e, em consequência, absolver os réus da instância.

Inconformado com tal decisão, apela a Autora, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

1. O presente recurso visa demonstrar que os AA. são parte legítima para a presente acção e que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que decrete o prosseguimento dos autos,
2. A base de sustentação da decisão de julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa, é o facto de não ter aplicação in casu o art.º 162.º do CSC.
3. Contudo entendem os ora Recorrentes que tem aplicação in casu o art.º 163.º n.º a do CSC, interpretado a contrario, isto porque se os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos após a extinção desta, por maioria de razão também podem interpor acções para reivindicação dos seus direitos, neste caso reivindicar para si o seu património.
4. Como resulta do disposto no art.º 163 n.º 1 do CSC que tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá de ser proposta contra a generalidade dos Sócios, como fazer quando se pretende acautelar o direito do Sócios perante terceiros após o acto de liquidação?
5. Concluindo, se os Sócios podem ser demandados após o acto de liquidação, poderão de igual modo demandar após aquele acto, em defesa dos interesses da Sociedade liquidada.
6. Com efeito, conforme resulta da certidão do registo comercial, a sociedade comercial dissolvida e registado o respectivo encerramento em 19-04-2013.
7. Dissolvida uma sociedade, esta entra em liquidação (artº 146º/1 CSC), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (artº 146º/2 CSC).
8. Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (artº 151º/1 CSC), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (artº 152º/3 CSC).
9. Efetivado o registo do encerramento da liquidação – a sociedade considerasse extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes.
10. Contudo, apesar da extinção da sociedade, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, como resulta claramente do disposto nos artºs 162º, 163º e 164º do CSC.
11. Não pode a presente situação ser vista de outro modo, sob pena de coarctar o direito dos sócios de uma sociedade extinta a reivindicar para si património da extinta sociedade.
12. A questão nem poderá ser tratada de forma diferente, veja-se se os sócios são responsáveis pelas dívidas da sociedade em função do que recebem em partilha social, por maioria de razão deverão estes encabeçar os direitos de crédito ou outros de uma sociedade extinta, caso contrario estar-se-ia perante um património sem dono.
*
Os Apelados não apresentaram contra alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Analisar da verificação ou não da excepção dilatória de ilegitimidade activa.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:

“(…)
Apreciando.
Lê-se no artigo 11.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte.
Como afirma Castro Mendes a personalidade judiciária é “o pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes” (in Direito Proc. Civil, 2º vol., 1980, AAFDL, pág. 13).

Com efeito, a legitimidade, por exemplo, ou a capacidade judiciária são atributos das partes. As partes é que são legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos por seu turno pressupõem uma parte, de que são atributos, e de que a susceptibilidade de o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto ainda.

Dispõe, ainda, o n.º 2 do citado normativo legal que quem tiver personalidade jurídica tem personalidade judiciária. Assim, pode afirmar-se de forma que cremos indubitável que é este o critério geral de atribuição da personalidade judiciária - critério da correspondência ou coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária.

Do que se acabou de expor decorre que todos os indivíduos gozam, entre o momento do nascimento completo e com vida e o momento da morte, de personalidade judiciária, podendo ser partes em juízo, já que todos podem, em princípio, ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas. E o mesmo sucede quanto às pessoas colectivas regularmente constituídas.
No entanto, a lei prevê casos de entidades que, pese embora não disponham de personalidade jurídica, têm, todavia, personalidade judiciária. Trata-se de entes desprovidos de capacidade de gozo de direitos privados, cuja personificação judiciária é reconhecida e fixada nos artigos 12.º e 13.º do Código de Processo Civil.

No que ora releva, e relativamente às sociedades comerciais, dispõe o artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais que elas gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem. No entanto, mesmo antes dessa data (do registo definitivo do contrato), já a lei processual lhes reconhece personalidade judiciária (artigo 12.º alínea d) do Código de Processo Civil).

Acresce que a personalidade judiciária das sociedades comerciais mantém-se mesmo após a dissolução. Isto porque, a sociedade, como pessoa colectiva, não se extingue quando se dissolve: apenas entra na fase de liquidação, pelo que se mantém a sua personalidade jurídica e bem assim a sua personalidade judiciária.

Tal apenas deixa de ocorrer com o registo do encerramento da liquidação, altura em que a sociedade se considera extinta (artigo 160.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais).
Ora, com a extinção da sociedade cessa a sua personalidade jurídica e judiciária, à semelhança do que acontece com a morte de qualquer pessoa singular.

In casu, a sociedade HC – Comércio e Industria de Pneus, Lda. encontra-se extinta desde Abril de 2013, razão pela qual perdeu a sua personalidade judiciária.

Sucede que a acção foi intentada pelos sócios B e pelos herdeiros da herança aberta por óbito de H pelo que não se coloca o problema de falta de personalidade judiciária da referida sociedade.

Os autores intentaram a presente acção pedindo que se declare nulo e sem nenhum efeito o contrato de trespasse e bem assim o acordo de revogação do contrato de arrendamento e confissão de dívida e a condenação da segunda ré a restituir a posse do estabelecimento em causa aos autores. Alegaram para o efeito o seguinte:

- em 23 de Janeiro de 2012 o autor B, em representação da sociedade HC declarou celebrar com o primeiro réu um contrato de trespasse de estabelecimento comercial. Ora, à data a sociedade obrigava-se com a assinatura do gerente H, o qual faleceu em Junho de 2009 sendo por isso necessária deliberação da assembleia geral da sociedade a atribuir poderes de representação ao autor B. Assim, o autor B à data da outorga do referido contrato de trespasse, não tinha poderes para o efeito sendo por isso o contrato nulo.
- Acresce que aquando da celebração do referido contrato de trespasse o passivo da sociedade HC era superior ao activo. Assim, no sentido de acautelar a existência da sociedade, do exercício da sua actividade e dos postos de trabalho celebraram o referido contrato de forma a que eventuais credores não pudessem afectar a actividade desenvolvida pela empresa.
- Ora, nem a sociedade, nem o sócio B pretenderam dar de trespasse o estabelecimento comercial de venda e assistência a pneus nem o primeiro réu pretendeu adquirir de trespasse o estabelecimento comercial em causa. Nunca o valor do trespasse foi pago nem aí foi exercida qualquer outra actividade por qualquer outra entidade que não a herança aberta por óbito de A. Nunca o réu E teve assim qualquer intervenção no estabelecimento comercial em causa, recebeu qualquer dividendo ou liquidou qualquer encargo relacionado com a actividade. O contrato nunca produziu qualquer efeito pois a actividade do estabelecimento comercial continuou sempre a funcionar nos exactos termos que até então.
- Assim, o negócio é nulo, também porque simulado.
- Ora, o primeiro réu não tem legitimidade para assinar um acordo de revogação de contrato de arrendamento e confissão de dívida e, por maioria de razão, não tem legitimidade para se confessar devedor relativamente a rendas e sobretudo no que concerne à entrega dos bens móveis constantes do Mapa de Existências, por se tratarem de bens de pessoas alheias pois o verdadeiro proprietário e possuidor do estabelecimento comercial são os AA.
Nas palavras de Antunes Varela, ser parte legítima na acção significa ter poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência /16.1T8PRG requerida, face ao modo como o autor configurou a relação jurídica, acrescentamos nós. (Cfr. Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2º ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, p.128 e 129).
A legitimidade tem, assim, de ser apreciada e determinada pelos proveitos ou prejuízos que possam advir para as partes da decisão da causa, tendo em conta o modo como o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, assumem na relação jurídica material controvertida apresentada pelo autor.
O Autor será parte legítima quando tiver interesse directo em demandar, exprimido pela utilidade derivada da procedência da acção. O Réu será parte legítima quando tiver interesse directo em contradizer, exprimido pelo prejuízo que da procedência da acção possa advir.
Por sua vez, o nº3 do Artigo 26º do Código de Processo Civil, dispõe que: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo Autor.” A legitimidade processual, é hoje indiscutível que deve ser averiguada em face da relação material controvertida tal como é desenhada ou configurada pelo Autor na petição inicial. E, assim, as partes são legítimas quando sejam os sujeitos da relação material controvertida tal como é desenhada pelo Autor na petição inicial, e ilegítimas quando, atendendo a essa relação jurídica configurada pelo Autor, não sejam sujeitos da mesma. A exigência deste requisito pretende acautelar que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, tornando-se assim necessário que estejam em juízo, como Autor e Réu, as pessoas titulares da relação jurídica em causa.
No caso em apreço, é importante considerar o disposto nos artigos 162º do Código das Sociedades Comerciais. O artigo 162º do CSC não tem aplicação no caso em apreço uma vez que se reporta às acções que se encontram pendente aquando da extinção da sociedade.

Assumirá relevância o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 164º do CSC, que prescrevem que: 1 - Verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.
2 - As acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse.
Decorre do disposto na referida disposição legal que os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos da sociedade após a extinção desta.
Sucede que na situação em apreço não está em causa qualquer direito de crédito. Conforme resulta da factualidade alegada na petição inicial, foi celebrado entre a sociedade extinta e o réu um contrato de trespasse de um estabelecimento comercial de recauchutagem e comércio de pneus. Os autores alegam agora que esse contrato foi simulado. Fazem-no invocando a sua qualidade de sócios da HC, por entenderem poder agora exigir a declaração de nulidade do negócio.
Sucede que na nossa perspectiva os autores não têm legitimidade para arguir a nulidade. Com efeito, a sociedade, que foi interveniente no negócio, encontra-se extinta desde 2013. A presente acção não pretende a cobrança de qualquer crédito da sociedade. Como os autores referem, o contrato celebrado foi feito com o intuito de evitar que os credores pudessem exercer os seus direitos sobre o estabelecimento comercial. Estamos, pois, perante a alegação de uma simulação fraudulenta.
É certo que, conforme decorre do disposto no artigo 242º do Código Civil a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta. Sucede que conforme resulta da alegação dos autores os simuladores do negócio foram a sociedade HC (já declarada extinta) e o primeiro réu. Os autores, a partir do momento em que ocorreu a extinção da sociedade, não têm legitimidade para a representar, apenas o podendo fazer se estivesse em causa a cobrança de créditos. E nem se diga que o poderiam fazer por aplicação analógica do disposto no nº 2 do artigo 242º /16.1T8PRG pois dos autos nada resulta que o negócio tenha sido feito com intenção de prejudicar qualquer dos sócios.

Aliás, aquando da extinção da sociedade, os sócios tinham já perfeito conhecimento do negócio em causa pelo que, antes dessa extinção poderiam, em nome da empresa, pedir a anulação do negócio. Não o tendo feito, carecem agora de legitimidade para o fazer. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.06.2011, processo nº 1631/10.6TBFAF.G1 segundo o qual Após o registo de encerramento da dissolução da sociedade, a mesma é considerada extinta, nos termos do disposto no artº 160, nº2, do CSC e as funções dos liquidatários terminam, nos termos do artº 151, nº 8, do mesmo código.
O sócio nomeado liquidatário da sociedade, não pode exigir o pagamento de créditos a terceiros, já existentes aquando da deliberação de dissolução, através de acção proposta em data posterior à data do registo de encerramento da dissolução.
Nessa altura, o sócio não pode agir em nome da sociedade porque esta já não existe e, não pode agir como liquidatário da mesma porque essas funções terminaram com a extinção daquela.
Deste modo, impõe-se concluir que os autores são parte ilegítima para intentar a presente acção.
Termos em que se julga procedente a excepção dilatória de ilegitimidade arguida e se absolvem os réus da instância.
Custas a cargo dos autores.
Registe e notifique.
P. da Régua, 20 de Abril de 2017”
(…)

Fundamentação de direito.

Fundamentam os Recorrentes a sua pretensão recursória no facto de, em seu entender, consistindo a base de sustentação da decisão de julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa, no facto de se considerar não ter aplicação in casu o art.º 162.º do CSC, é seu entendimento que, in casu, tem aplicação o disposto no art.º 163.º n.º 1 do CSC, interpretado a contrário, isto porque se os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos após a extinção desta, por maioria de razão também podem interpor acções para reivindicação dos seus direitos, neste caso reivindicar para si o seu património.

Conforme resulta da certidão do registo comercial, a sociedade comercial dissolvida e registado o respectivo encerramento em 19-04-2013, sendo que, dissolvida uma sociedade, esta entra em liquidação (artº 146º/1 CSC), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (artº 146º/2 CSC), passando os seus administradores a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (artº 151º/1 CSC), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (artº 152º/3 CSC).

Só uma vez efectivado o registo do encerramento da liquidação é que a sociedade se considera extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes.

Contudo, apesar da extinção da sociedade, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, como resulta claramente do disposto nos artºs 162º, 163º e 164º do CSC, pelo que, em seu entender, não pode a presente situação ser vista de outro modo, sob pena de coarctar o direito dos sócios de uma sociedade extinta a reivindicar para si património da extinta sociedade.

Definidos os termos da controvérsia suscitada nos autos, desde já diremos que muito pouco ou mesmo quase nada de relevante entendemos ser de acrescentar à decisão proferido nos autos, a qual aborda de modo exaustivo, sustentado e coerente todos os aspecto relevantes da questão suscitada e em litígio nos autos.

A propósito da situação em que fica uma sociedade dissolvida escreve-se no acórdão da Relação do Porto, de 27/03/2008 o seguinte:
“(…)
Pergunta-se, então: em que posição fica a sociedade com a sua (mera) dissolução?
Raul Ventura(1) escrevia que num sentido restrito, dissolução das sociedades entende-se como o acto pelo qual se determina a extinção da sociedade. Num sentido amplo, que é o corrente, é todo o período que vai desde o acto que determina a extinção das sociedades até ao seu completo desaparecimento, isto é, até ao final da partilha.
De forma mais sintética e expressiva, diz o mesmo autor (2) que a dissolução é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação.
Já Pinto Furtado (3)] diz que a dissolução da sociedade é a cessação gradativa da sua existência, através da liquidação do respectivo património, com satisfação do passivo e final partilha do resíduo pelos sócios.
Daqui se vê que a dissolução é uma mera modificação da situação jurídica da sociedade que se caracteriza pela sua entrada em liquidação; trata-se de uma modificação e não da sua extinção. É que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação (ut artº 160º, nº2) (4).
À deliberação ou declaração judicial de dissolução deve seguir-se, igualmente, a escritura pública e registo de dissolução -- o que se verificou com a autora, como melhor veremos.
Portanto, a dissolução da sociedade é coisa completamente diferente da sua extinção. Trata-se, como reforça Pinto Furtado (5), da cessação, mas progressiva, da sua existência, acompanhada de liquidação do seu património, satisfação do passivo e destinação do resíduo.
Temos, por isso, um fenómeno que não é individual, mas instantâneo. “A sociedade dissolvida não está extinta desde logo, mas começa tão-somente a extinguir-se, como numa lenta agonia, segundo a conhecida metáfora de José Tavares” (6).
Assim, dissolvida a sociedade, esta fica tendo existência jurídica, embora apenas para a liquidação do seu património e partilha do resíduo pelos sócios (cfr. arts. 146º ss).
E que dizer quanto à situação jurídica da sociedade em liquidação?
A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica até ao encerramento da liquidação (arts. 146º-2, e 160º-2) (7).
Por isso, apesar de ser decretada a sua dissolução, a sociedade continua, durante a fase da liquidação, temporariamente, exercer a actividade social, mesmo que tal implique a conclusão de novos negócios ou a contratação de empréstimos necessários à efectivação da liquidação (ut artsº 152º-2-a) e b)).
Os órgãos da sociedade em liquidação são os mesmos existentes à data da dissolução, exceptuando os administradores, que passam a ser os liquidatários (artsº 146º-2, e 151-1), com os deveres, poderes e responsabilidades referidos no artº 152º.
Feita a liquidação, os liquidatários devem requerer o registo de encerramento da liquidação, que marca o termo de personalidade jurídica da sociedade (artº 160º CSC e artº 3º, al. s), do C.R.C.).
Anote-se, aqui, que após o encerramento da liquidação e extinção da sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (artº 163º-a). Esta responsabilidade, porém, prescreve no prazo de 5 anos a contar do registo da extinção (artº 174º-3).
O certo é, porém, que só no termo do processo de liquidação, através do registo do seu encerramento, é que a sociedade se considerará extinta (cit. artº 160º-2). (8)

De tudo resulta que, consistindo a dissolução da sociedade numa modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação do respectivo património, por virtude dela opera-se a cessação gradativa da sua existência, pois o que se verifica é uma modificação e não a sua extinção, já que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, passando, porém, os administradores a ser os liquidatários.

E só uma vez concluída a liquidação e feito o registo de encerramento desta, é que cessa a personalidade jurídica da sociedade, sendo que, só então se poderá considerar extinta, não podendo, então, a sociedade regressar à actividade, sendo que, não tendo personalidade jurídica, a sociedade não tem personalidade judiciária (“ut” art. 5º do CPC), não sendo tal falta passível de sanação, maxime ao abrigo do disposto no art. 8º do CPC.

Concluído o exposto, temos que, conforme se refere na decisão recorrida in casu, a sociedade HC – Comércio e Industria de Pneus, Lda. encontra-se extinta desde Abril de 2013, razão pela qual perdeu a sua personalidade judiciária, sendo que a acção foi intentada pelos sócios B e pelos herdeiros da herança aberta por óbito de H pelo que não se coloca o problema de falta de personalidade judiciária da referida sociedade.

E como igualmente aí se refere, “os autores intentaram a presente acção pedindo que se declare nulo e sem nenhum efeito o contrato de trespasse e bem assim o acordo de revogação do contrato de arrendamento e confissão de dívida e a condenação da segunda ré a restituir a posse do estabelecimento em causa aos autores. Alegaram para o efeito o seguinte:

- em 23 de Janeiro de 2012 o autor B, em representação da sociedade HC declarou celebrar com o primeiro réu um contrato de trespasse de estabelecimento comercial. Ora, à data a sociedade obrigava-se com a assinatura do gerente H, o qual faleceu em Junho de 2009 sendo por isso necessária deliberação da assembleia geral da sociedade a atribuir poderes de representação ao autor B. Assim, o autor B à data da outorga do referido contrato de trespasse, não tinha poderes para o efeito sendo por isso o contrato nulo.
- Acresce que aquando da celebração do referido contrato de trespasse o passivo da sociedade HC era superior ao activo. Assim, no sentido de acautelar a existência da sociedade, do exercício da sua actividade e dos postos de trabalho celebraram o referido contrato de forma a que eventuais credores não pudessem afectar a actividade desenvolvida pela empresa.
- Ora, nem a sociedade, nem o sócio B pretenderam dar de trespasse o estabelecimento comercial de venda e assistência a pneus nem o primeiro réu pretendeu adquirir de trespasse o estabelecimento comercial em causa. Nunca o valor do trespasse foi pago nem aí foi exercida qualquer outra actividade por qualquer outra entidade que não a herança aberta por óbito de A. Nunca o réu E teve assim qualquer intervenção no estabelecimento comercial em causa, recebeu qualquer dividendo ou liquidou qualquer encargo relacionado com a actividade. O contrato nunca produziu qualquer efeito pois a actividade do estabelecimento comercial continuou sempre a funcionar nos exactos termos que até então.
- Assim, o negócio é nulo, também porque simulado.
- Ora, o primeiro réu não tem legitimidade para assinar um acordo de revogação de contrato de arrendamento e confissão de dívida e, por maioria de razão, não tem legitimidade para se confessar devedor relativamente a rendas e sobretudo no que concerne à entrega dos bens móveis constantes do Mapa de Existências, por se tratarem de bens de pessoas alheias pois o verdadeiro proprietário e possuidor do estabelecimento comercial são os AA.

Nas palavras de Antunes Varela, ser parte legítima na acção significa ter poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida, face ao modo como o autor configurou a relação jurídica, acrescentamos nós. (9)

A legitimidade tem, assim, de ser apreciada e determinada pelos proveitos ou prejuízos que possam advir para as partes da decisão da causa, tendo em conta o modo como o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, assumem na relação jurídica material controvertida apresentada pelo autor.

O Autor será parte legítima quando tiver interesse directo em demandar, exprimido pela utilidade derivada da procedência da acção. O Réu será parte legítima quando tiver interesse directo em contradizer, exprimido pelo prejuízo que da procedência da acção possa advir.

Por sua vez, o nº3 do Artigo 26º do Código de Processo Civil, dispõe que: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo Autor.” A legitimidade processual, é hoje indiscutível que deve ser averiguada em face da relação material controvertida tal como é desenhada ou configurada pelo Autor na petição inicial. E, assim, as partes são legítimas quando sejam os sujeitos da relação material controvertida tal como é desenhada pelo Autor na petição inicial, e ilegítimas quando, atendendo a essa relação jurídica configurada pelo Autor, não sejam sujeitos da mesma. A exigência deste requisito pretende acautelar que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, tornando-se assim necessário que estejam em juízo, como Autor e Réu, as pessoas titulares da relação jurídica em causa.

No caso em apreço, face ao entendimento preconizado na decisão recorrida de que não terão aplicação o disposto nos artigos 162 e 164, do CSC, uma vez que, por um lado, o primeiro dos preceitos se reporta às acções que se encontram pendentes aquando da extinção da sociedade, o que não é o caso da presente situação, e, por outro, que também não será aplicável a segunda de tais normas, pois que, estipulando-se nela que os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos da sociedade após a extinção desta, na presente situação não está em causa qualquer direito de crédito, entendem os Recorrentes que terá aplicação o disposto no art.º 163.º n.º 1, do CSC, interpretado a contrário, isto porque se os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos após a extinção desta, por maioria de razão também podem interpor acções para reivindicação dos seus direitos, neste caso reivindicar para si o seu património.

Como é consabido, os arts. 162° e 163° do Código das Sociedades Comerciais, distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade extinta, consoante a acção esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade.
Estando-se perante acção pendente à data da extinção da sociedade, a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação (art. 162° do CSC).
Tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá que ser proposta contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários, e considerando que cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha (art. 163°, n° 1, do CSC), o demandante terá que justificar, na petição inicial, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados.
E se de acordo com o que estabelece o artº 163º, nas acções que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, foram interpostas para cobrança do passivo social não satisfeito ou acautelado, os antigos sócios respondem apenas até ao montante que receberam na partilha, afigura-se que só quem, à data da partilha, tenha a qualidade de sócio, pode responder nos termos do preceito em análise.

Assim, se o primeiro critério de aplicabilidade de cada um desses preceitos reside no facto de a acção já estar pendente à data da extinção da sociedade ou de vir a ser instaurada após a verificação dessa extinção, esta última norma (art. 163, do CSC), que versa exclusivamente sobre os termos da responsabilidade pelo passivo superveniente, ou seja, pelo passivo social não satisfeito ou acautelado após o encerramento da liquidação e depois de extinta a sociedade
, veio prescrever que por ele respondem os antigos sócios, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada, preceituando que as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação (…), sendo que, “o antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas”.
Ora, assim sendo, tendo-se visado de modo exclusivo através do regime plasmado nesta disposição legal a definição dos termos em que se processa a responsabilização dos sócios, após o encerramento da liquidação e depois de extinta a sociedade, pelo passivo superveniente, ou seja, pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, de modo algum se nos afigura razoável que, com fundamento nesse regime, por argumento à contrário senso, se possa inferir de modo legitimo que, se os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos após a extinção desta, por maioria de razão também podem interpor acções para reivindicação dos seus direitos, e, designadamente, reivindicar para si o seu património.

E isto assim se nos afigura dado que se, por um lado, o aludido preceito visou, como se disse, exclusivamente a definição dos termos em que se processa a responsabilização dos sócios, após o encerramento da liquidação e depois de extinta a sociedade, pelo passivo superveniente, por outro, o legislador estipulou expressamente o regime a que fica sujeita a existência de activo superveniente, prescrevendo no artigo 164, nºs 1) e 2), do CSC que, “verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie”, sendo que, “as acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse.

Destarte, de tudo resulta que, extinguindo-se a sociedade, com a sua extinção – equiparada à morte civil – não podem os seus (ex) sócios propor acções para defesa de direitos que à extinta sociedade pertenciam, sob pena de se cair no absurdo de poder-se litigar em nome de entidade extinta, sem prejuízo, porém, do estatuído no art. 164º do Cod. das Soc. Com.

Ora, como já se afirma na decisão recorrida, decorre desta última disposição legal que os sócios podem, enquanto liquidatários, propor acções para cobrança de créditos da sociedade após a extinção desta.

Sucede, no entanto, que na situação em apreço não está em causa qualquer direito de crédito.

Na verdade, conforme se refere na decisão recorrida, resulta da factualidade alegada na petição inicial, foi celebrado entre a sociedade extinta e o réu um contrato de trespasse de um estabelecimento comercial de recauchutagem e comércio de pneus, que os autores alegam agora ter sido simulado, invocando para o efeito a sua qualidade de sócios da HC, por entenderem poder agora exigir a declaração de nulidade do negócio.

E assim sendo, tal como ainda se menciona na decisão recorrida, também a nós se nos afigura que os Autores não têm legitimidade para arguir a nulidade, pois que, a sociedade, que foi interveniente no negócio, encontra-se extinta desde 2013 e através da presente acção não se pretende a cobrança de qualquer crédito da sociedade.

Com efeito, e como igualmente se considera na decisão recorrida, “o contrato celebrado foi feito com o intuito de evitar que os credores pudessem exercer os seus direitos sobre o estabelecimento comercial. Estamos, pois, perante a alegação de uma simulação fraudulenta.

É certo que, conforme decorre do disposto no artigo 242º do Código Civil a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta. Sucede que conforme resulta da alegação dos autores os simuladores do negócio foram a sociedade HC (já declarada extinta) e o primeiro réu. Os autores, a partir do momento em que ocorreu a extinção da sociedade, não têm legitimidade para a representar, apenas o podendo fazer se estivesse em causa a cobrança de créditos. E nem se diga que o poderiam fazer por aplicação analógica do disposto no nº 2 do artigo 242ºpois dos autos nada resulta que o negócio tenha sido feito com intenção de prejudicar qualquer dos sócios.

Aliás, aquando da extinção da sociedade, os sócios tinham já perfeito conhecimento do negócio em causa pelo que, antes dessa extinção poderiam, em nome da empresa, pedir a anulação do negócio. Não o tendo feito, carecem agora de legitimidade para o fazer. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.06.2011, processo nº 1631/10.6TBFAF.G1 segundo o qual Após o registo de encerramento da dissolução da sociedade, a mesma é considerada extinta, nos termos do disposto no artº 160, nº2, do CSC e as funções dos liquidatários terminam, nos termos do artº 151, nº 8, do mesmo código.

O sócio nomeado liquidatário da sociedade, não pode exigir o pagamento de créditos a terceiros, já existentes aquando da deliberação de dissolução, através de acção proposta em data posterior à data do registo de encerramento da dissolução.

Nessa altura, o sócio não pode agir em nome da sociedade porque esta já não existe e, não pode agir como liquidatário da mesma porque essas funções terminaram com a extinção daquela”.

Aliás, a nulidade, por simulação, e os efeitos restitutivos retroactivos dela já existiam e eram conhecidos dos sócios liquidatários quando foi encerrada a liquidação e, portanto, o efeito visado através da acção - declaração de nulidade e restituição do estabelecimento aos autores ex-sócios - não é superveniente, pois que era anterior e subsistia e, também por isso, nunca seria de aplicar o 164/2 do CSC.

Destarte, mais não resta do que concluir que os autores são parte ilegítima para intentar a presente acção, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C.

I- A dissolução da sociedade é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação do respectivo património, dando-se a cessação gradativa da sua existência.
II- Trata-se, assim, de uma modificação e não da sua extinção, já que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, passando, porém, os administradores a ser os liquidatários.
III- Só concluída a liquidação e feito o registo de encerramento da liquidação, cessa a personalidade jurídica da sociedade, só então se podendo considerar extinta, não podendo, então, a sociedade, regressar à actividade.
IV- Não tendo personalidade jurídica, a sociedade não tem personalidade judiciária (ut artº 5º CRC), não sendo tal falta passível de sanação, maxime ao abrigo do disposto no artº 8º CPC.
V- Extinguindo-se a sociedade, com a sua extinção - extinção esta equiparada à morte civil -, não podem os seus (ex) sócios propor acções para defesa de direitos que à extinta sociedade pertenciam, sob pena de se cair no absurdo de poder-se litigar em nome de entidade extinta -- sem prejuízo, porém, do estatuído no artº 164º CSC.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 18/ 01/ 2018.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.

1. Sociedades e Empresas Comerciais, 631.

2. Comerciais. Dissolução e liquidação, I-13

3. Cód. Comercial Anotado, 1º, pág. 317

4. Veja-se Rosário Palma Ramalho, Sobre a dissolução das sociedades anónimas.

5. In Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 2ª ed., a pág. 333

6. Pinto Furtado, Curso…., pág. 333, citando José Tavares in sociedades e empresas comerciais, 1924, 631.

7. Cfr. Ac. S.T.J., de 2.7.1996 (Ramiro Vidigal), in Col. Jur., 1996, II, pág. 157.

8. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 27/03/2008, proferido no processo nº JTRP00041233, in www.dgsi.pt.

9. Cfr. Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2º ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, p.128 e 129.