Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
554/15.7T8CHV-A.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE PRESCRITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Extinta a obrigação cartular incorporada em título de crédito, o mesmo mantêm a sua natureza de título executivo, desde que os factos constitutivos essenciais da relação causal subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, conforme al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC;

1. A atribuição de força executiva aos títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos da obrigação, justifica-se por razões segurança do tráfego jurídico e de se favorecer a sua utilização como meios de pagamento nas transações comerciais;

2. Apesar de os títulos de crédito prescritos ou que não preencham os requisitos legais não gozarem da característica da abstração, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à sua emissão e beneficiar da presunção de causa consagrada no nº1, do art. 458º, do Código Civil, quando, não indicando a causa, traduzam atos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação;

3. A emissão de um cheque não se limita a traduzir uma ordem de pagamento a um banco a favor de um terceiro, constituindo, também, o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação ao portador;

4. O exequente que propõe ação executiva fundada em quirógrafo da obrigação causal subjacente à emissão do cheque tem o ónus de alegar no requerimento executivo, em obediência ao estatuído na al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC, os factos, essenciais, constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, sem valor como título de crédito nos termos da Lei Uniforme Sobre Cheques, quando dele não constem, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º, do Código Civil, que consagra uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (exceção ao regime geral de distribuição do ónus da prova consagrado no nº1, do art. 342º, deste diploma), passando o devedor a ter de provar a falta da causa da obrigação inscrita no título ou alegada no requerimento inicial para ver os embargos proceder e a execução extinta.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário (elaborado pela relatora):

Extinta a obrigação cartular incorporada em título de crédito, o mesmo mantêm a sua natureza de título executivo, desde que os factos constitutivos essenciais da relação causal subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, conforme al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC;

1. A atribuição de força executiva aos títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos da obrigação, justifica-se por razões segurança do tráfego jurídico e de se favorecer a sua utilização como meios de pagamento nas transações comerciais;
2. Apesar de os títulos de crédito prescritos ou que não preencham os requisitos legais não gozarem da característica da abstração, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à sua emissão e beneficiar da presunção de causa consagrada no nº1, do art. 458º, do Código Civil, quando, não indicando a causa, traduzam atos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação;
3. A emissão de um cheque não se limita a traduzir uma ordem de pagamento a um banco a favor de um terceiro, constituindo, também, o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação ao portador;
4. O exequente que propõe ação executiva fundada em quirógrafo da obrigação causal subjacente à emissão do cheque tem o ónus de alegar no requerimento executivo, em obediência ao estatuído na al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC, os factos, essenciais, constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, sem valor como título de crédito nos termos da Lei Uniforme Sobre Cheques, quando dele não constem, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º, do Código Civil, que consagra uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (exceção ao regime geral de distribuição do ónus da prova consagrado no nº1, do art. 342º, deste diploma), passando o devedor a ter de provar a falta da causa da obrigação inscrita no título ou alegada no requerimento inicial para ver os embargos proceder e a execução extinta.

I. RELATÓRIO

ANA veio deduzir os presentes embargos de executado contra MANUEL, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que este lhe moveu, pedindo que a mesma seja declarada extinta, alegando, em síntese, a inexistência e inexequibilidade do título, por o cheque que fundamenta a execução, mero quirógrafo, não apresentar os elementos essenciais para que dele se possa extrair a existência de uma obrigação da executada para com o exequente e para que possa valer como título executivo, com vista a obter o cumprimento coercivo, sendo que, também, se verifica a inexistência da obrigação, pois da matéria alegada pelo Exequente, no requerimento executivo, podemos concluir que existia uma relação contratual entre o exequente e a intermediária no negócio, Maria, sendo certo que aquele invoca que a executada emitiu e assinou o cheque sem que alegue factos de que decorra obrigação de pagamento da quantia peticionada, não correspondendo à verdade que a embargante executada tenha emitido e assinado aquele “cheque” para pagamento daquela quantia, isto é, nunca entre exequente e executada existiu acordo no preenchimento do mesmo, para aquele efeito, sendo que o que se passou foi que a prima, MARIA, lhe pediu ajuda financeira (porque tinha a filha doente e necessitava de pagar uns exames médicos, no valor de 300,00€) e, como não tinha aquela quantia em numerário, lhe disse que lhe dava um cheque assinado em branco, tendo o mesmo acabado por ser preenchido de forma abusiva sem autorização da embargante/executada.
O Exequente apresentou contestação, onde pugna pela improcedência dos embargos, impugnando os factos alegados pela embargante e sustenta que o facto de não ter preenchido o cheque em nada belisca o seu direito, pois o emitente de um cheque em branco assume o risco subjacente a essa atuação voluntária.
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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Face ao exposto, nos termos das disposições legais supra referenciadas, decide-se julgar procedentes os presentes embargos de executado e, subsequentemente, determina-se a extinção da execução com todas as consequências legais.(…)
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O embargado apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença e os embargos de executado julgados improcedentes, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

A) A executada/embargante alegou, em suma, em sede de embargos que emitiu/assinou um determinado cheque em branco e o entregou a MARIA (sua prima) para que esta realizasse um pagamento que dizia ser de € 300,00.
B) Contrariando o acordo celebrado entre si (executada/sacadora) e a referida Maria, o cheque (ao portador) veio a ser preenchido por valor superior e entregue ao exequente para pagamento de dívida (que a Maria mantinha para com este).
C) O alegado acordo de preenchimento celebrado entre a executada e a sua prima Maria não é oponível ao exequente, legítimo portador do cheque;
D) Na verdade não foi alegada nem resulta provada matéria que consubstancie uma qualquer falta grave (ou outra) por banda do exequente ou que este tenha adquirido o cheque de má fé;
E) A violação do pacto de preenchimento e as excepções fundadas sobre as relações pessoais com o sacador não são oponíveis ao portador de boa fé;
F) Foram violados: artigos 13º e 22º Lei Uniforme relativa ao Cheque e art. 342º, do Código Civil.
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A embargante apresentou contra alegações pugnando por que o recurso seja julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, se confirme a decisão proferida pelo tribunal a quo que não violou qualquer disposição de carácter adjetivo ou substantivo, concluindo:

1 – Em suma, nas suas alegações o Exequente invoca que as declarações de parte da executada não deveriam ser validadas por parte do tribunal a quo, pelo facto da executada ser prima da referida MARIA; que o (alegado) acordo celebrado entre a executada e a sua prima MARIA não é oponível ao exequente, legítimo portador e que o problema, radicou no facto de o tribunal “a quo” não ter destrinçado o conceito de relações mediatas com relações imediatas;
2 - Importa referir que, as declarações de parte produzidas pela embargante foram credíveis pois foram claras precisas e simples e permitiram dar como provados os factos atrás elencados, pois para além de terem sido confirmadas com o teor da cópia extraída do processo inquérito onde a mesma prestou declarações sobre o dito cheque e foram confirmadas pela testemunha que a embargante ofereceu nos autos, Fernanda, sua gestora de conta e, para além disso, não foram infirmadas por qualquer outra prova produzida;
3 - A executada asseverou ser alheia ao sucedido e ao contrato existente entre a Maria, sua prima, e o exequente refutando ter assumido a responsabilidade pelo pagamento, apesar da emissão do indicado cheque.
4 - Afirmou que o cheque foi entregue à Maria, por ela assinado e em branco, apenas com contra a apresentação do motivo, conforme provado, escondendo a verdadeira finalidade/intenção.-
5 - O cheque foi apresentado ao exequente já assinado pela executada e esta não estava presente quando o título de crédito foi preenchido.
6 - Ficou demonstrado que a executada nunca teve a possibilidade de reunir recursos próprios para pagar um montante tão considerável e que poderia permitir a movimentação da sua conta bancária.
7 - Ficou provado que a executada não garantiu pessoalmente o cumprimento da obrigação assumida por MARIA, susceptível de ser enquadrado na previsão normativa do artigo 595º do Código Civil.
8 - Ficou evidenciada a inexistência de uma relação subjacente à relação cartular incorporada no cheque.
9 - Estamos perante um negócio que não produz efeitos em relação á executada por estar alheia à relação contratual que existiu entre o exequente e MARIA.
10 - O cheque dado à execução não contém o nome do beneficiário.
11 - Não se encontra provado o acordo contemporâneo ou ulterior à emissão do cheque, mediante o qual a executada garantiu pessoalmente o cumprimento da obrigação assumida por MARIA, susceptível de ser enquadrado na previsão normativa do artigo 595º do Código Civil.
12 - Tendo o cheque sido apresentado ao Exequente já assinado pela executada Ana sem menção do respectivo beneficiário (portador) e não estando presente quando o título de crédito foi preenchido (no caso vertente não se sabe por quem) afigura-se verosímil que a executada não tivesse prévio conhecimento (como ficou provado) do montante que veio a ser aposto no cheque e que não pretendesse vincular-se às ordens de pagamento aí contidas, tanto mais que a própria executada asseverou que não conhece de lado nenhum o exequente o que denota uma ausência de uma vontade de vinculação prévia.
13 - Porém, não obstante os princípios da literalidade e da abstração que vigoram na emissão dos cheques, tratando-se mesmo das relações mediatas que envolvem de uma banda o exequente enquanto credor originário, e da outra a Maria enquanto devedora originária e a executada enquanto subscritora do cheque que a Maria entregou ao exequente, no âmbito da relação contratual que existia entre eles (exequente e MARIA), é lícito à executada invocar excepções perentórias de que disponha relativamente ao portador (o exequente) do título de crédito (cfr. Artigo 22º da L.U.C. “a contrário sensu”) designadamente a ausência de vontade de se vincular nos termos consignados no referido cheque como perpassa do que ficou provado.
14 - No entanto, não nos podemos olvidar, pois é questão fundamental no “thema decidendum”, que o CHEQUE DADO Á EXECUÇÃO FOI APRESENTADO COMO MERO QUIRÓGRAFO.
15 - Torna-se fundamental analisar o título executivo (Cheque) oferecido nos autos que o próprio Exequente reconhece que apenas pode valer como mero quirógrafo, por se encontrar prescrita a relação cambiária.
16 - Os títulos de crédito (letras, livranças e cheques), que não reúnam os requisitos legais, ou estando prescrita a relação cambiária, mantêm a sua natureza de títulos executivos, agora como documentos particulares, se satisfizerem os requisitos constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 46º co C.P.C, desde que o negócio subjacente não seja de natureza formal e o exequente, no requerimento executivo, alegue factos concretizadores da obrigação.
17 -Não satisfaz um dos requisitos constantes daquela alínea c) um cheque que não contenha o nome da pessoa a quem deve ser paga a quantia nele inscrita (ou seja, a indicação da pessoa do tomador), porque só pode valer como título executivo se dele constar o reconhecimento ou a confissão da dívida a favor do exequente.
18 - De resto, não constando no cheque, no lugar do tomador, o nome do exequente, também este não tem legitimidade activa para a execução, como resulta do disposto do artigo 55º, n.º 1 do C.P. Civil (não sendo de aplicar o n.º 2, por o direito do portador advir do regime cambiário, inaplicável atenta a prescrição da obrigação cambiária). (sublinhado nosso)
19 - A obrigação cambiária prescreve no prazo de seis meses contados do termo do prazo de apresentação (sublinhado nosso) de acordo com o disposto no artigo 52º, ainda da LUC.
20 -Não tendo sido exercido o direito dentro daquele prazo, o cheque só passa a valer como quirógrafo da obrigação, ou seja, como documento particular, deixando de produzir quaisquer efeitos cambiários.
21 - Contudo, não podemos olvidar que o direito do portador a ser pago pela simples apresentação dos cheques, advém do regime cambiário que é especifico dos cheques e na situação sub judicio, como se referiu já, a obrigação cambiária prescreveu e assim, os dois mencionado cheques são agora simples quirógrafos, documentos particulares .
22 - E enquanto documentos particulares eles só podem valer como títulos executivos se deles constarem o reconhecimento ou a confissão da dívida a favor dos exequentes.
23 - Ora, como se vê de o espaço onde devia constar o nome do tomador está em branco, pelo que, como quirógrafos, não satisfazem os requisitos da alínea c) do artigo 46º do CPC. (correspondência com o Artigo 703, n.º1 do actual Código de Processo Civil)
24 - O texto da lei aponta no sentido de restringir a força executiva aos cheques nominativos ao exigir expressamente para a exequibilidade dos documentos particulares, assinados pelo devedor, que estes importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
25 - Tal exigência extensiva aos documentos referidos na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 46º, apresenta-se como um « requisito de fundo» necessário para ser conferida força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor, nos quais se inclui o cheque que perdeu as características de título cambiário. (sublinhado nosso)
26 - Do cheque ao portador (artigo 5º, nº 5 da LUC) não pode extrair-se o reconhecimento da existência de uma dívida anterior a favor de quem o venha a apresentar à execução, que poderá ser ou não quem interveio na relação fonte da obrigação de pagamento. (sublinhado nosso)
27 - Nem poderá o credor beneficiar da presunção de causa estabelecida no artigo 458º do Código Civil, presunção que conduz à inversão do ónus da prova relativamente à existência de uma relação jurídica subjacente à emissão do documento assinado pelo devedor, dispensando o credor de a demonstrar (mas não de a alegar) e fazendo recair sobre o devedor o ónus de demonstrar o contrário.
28 - Em simultâneo, manteve-se na lei a exigência de os documentos particulares, assinados pelo devedor, importarem «constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias» para valerem como títulos executivos.
29 - Consequentemente, não se fundando a execução no regime cambiário específico do cheque, a falta de menção no mesmo do respectivo beneficiário, concretamente o exequente, quando apresentado como mero documento particular assinado pelo devedor – quirógrafo -, impede que se lhe reconheça a natureza de título executivo por do mesmo não constar o requisito de constituição ou reconhecimento de uma dívida perante outrem exigido pelo artigo 46, n.º 1, alínea c) do C.P.C”
30 - No requerimento executivo dos autos o exequente apresenta o cheque como mero quirógrafo, isto é, apresenta-o como título executivo ao abrigo do Artigo 703º, n.º 1, alínea c) do C.P.C. e não ao abrigo da alínea d) da mesma disposição legal.
31 - Além de que no cheque apresentado, o espaço destinado ao preenchimento com o nome do beneficiário, encontra-se por preencher.
32 - Por quanto acima vem de expor-se, é forçoso concluir pela inexistência de título executivo que suporte o dever de pagar que está a ser exigido pelo Exequente, já que o título que apresentou à execução não pode valer como cheque por lhe faltar os requisitos legais e estar prescrita a acção cambiária, uma vez que o título dado á execução (cheque) foi emitido em 23-12-2011 e a execução foi instaurada em 17-03-2015; e não pode valer como documento particular por não conter todos os requisitos referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 46º do CPC anterior, e artigo 703º, n.º 1, alínea c) do NCPC.
33 - Por fim, a argumentação por parte do recorrente quanto ao facto de o tribunal “a quo” não ter destrinçado o conceito de relações mediatas com mediatas, salvo o devido respeito não pode colher, uma vez que, usa princípios cartulares para resolver o problema que só uma relação subjacente e que se provou não existir, poderia solucionar, dado que a relação cambiária se encontra prescrita.
34 - O cheque prescrito é um mero documento (aqui em causa – quirógrafo) e o endosso “implícito”, conforme invoca o exequente, é uma figura exclusiva das relações cartulares que apenas transfere direitos cambiários – não a relação subjacente, não os direitos fundados na relação causal.
35 - Deste modo, quer pela natureza do endosso, quer pela inexistência da relação subjacente, bem como pela falta de preenchimento dos requisitos do artigo 703º, n.º 1, al. c) do C.P.C., a executada/embargante/oponente, que não é o devedor originário, nunca podia ser executada com base num cheque prescrito.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões decidendas são as seguintes:

1- Do título executivo: cheque/mero quirógrafo da relação subjacente;
2 - Da obrigação causal subjacente: o ónus de alegação e ónus da prova dos factos constitutivos da relação subjacente;
3- Da inoponibilidade do pacto de preenchimento.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos provados, com relevância, para a decisão:

1. No requerimento executivo, o Exequente alegou os seguintes factos: “O Exequente e a sua mulher foram proprietários da fração designada pelo Lote A correspondente a uma habitação T2, sita na Rua de …, em Vila Real, inscrita na matriz da freguesia de ... sob o artigo 1312.º e descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n.º .... Aquele prédio foi vendido a S. P. através de escritura notarial realizada em Vila Real no dia 29 de setembro de 2011. Este negócio foi intermediado por MARIA. No desempenho dessa função, a referida Maria recebeu a quantia de € 26.000,00, a título de sinal, dada pelo promitente-comprador aquando da assinatura do contrato promessa. Aquela quantia destinava-se a caucionar dívidas que eventualmente fossem conhecidas desde a data da escritura pública até que fosse feito o registo definitivo da propriedade a favor do adquirente livre de quaisquer ónus. Após o registo da propriedade a favor do comprador, não foram reclamadas para pagamento nenhumas dívidas. Apesar das sucessivas interpelações feitas pelo Exequente, MARIA nunca devolveu ao Exequente aquela quantia, apoderando-se da mesma. Contudo, para pagamento da referida quantia, acrescida de juros, a Executada, ANA, emitiu e assinou o cheque n.º …, da conta n.º … do Banco A, Portugal, S A., com o valor de € 26.198,00 (vinte e seis mil e cento e noventa e oito euros), com data de emissão de 23-12-2011 (…). Apresentado a pagamento, foi o referido cheque devolvido pelo seguinte motivo: “Motivo Falta de Provisão”, conforme se afere do carimbo aposto no verso do cheque. Até à presente data, apesar das diversas interpelações efetuadas para o efeito, ao Exequente não foi satisfeita a obrigação, nem pela Executada, nem por qualquer outra pessoa (…)”;
2. A embargante/executada é familiar e era amiga da intermediária MARIA motivo pelo qual esta pediu àquela ajuda financeira, porque tinha a filha doente e necessitava de pagar uns exames médicos, no valor de 300,00€ (Trezentos euros), no Hospital e não tinha dinheiro para isso e, como a embargante/executada, naquele momento, não tinha aquela quantia em numerário e disse-lhe que lhe dava um cheque dos dela, por ela assinado e em branco;
3. A embargante/executada desconhecia o destino que tinha sido dado àquele cheque, situação que veio apenas a apurar quando foi abordada telefonicamente pela sua gerente de conta, a dar-lhe conta de que tinha sido apresentado a pagamento um cheque assinado por ela e preenchido com uma quantia de que aquela não dispunha na conta e por isso mesmo tinha sido devolvido;
4. Entretanto, a embargante/executada foi chamada a prestar declarações nos Serviços do Ministério Público de Vila Real – Secção de Processos, no âmbito do Processo N.º 69/12.5PBVRL, onde era denunciada MARIA e denunciante a esposa do exequente, cujo nome aquela desconhece, tendo sido no âmbito deste processo que a ora embargante tomou conhecimento do que se passara com o “cheque” que, entretanto, foi dado à presente execução, tendo prestado os devidos esclarecimentos;
5. Entre exequente e executada nunca existiu qualquer acordo no preenchimento do aludido cheque pois a executada não conhece o exequente, nem a sua esposa, pois nunca contactou ou contratou ou interveio em qualquer negócio com estas pessoas, não tendo assumido perante o exequente e sua esposa o pagamento da quantia peticionada ou qualquer obrigação, mormente emitir e assinar o cheque apresentado à execução.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Fixada que se mostra a matéria de facto - pois que o apelante, apesar do que refere no corpo das alegações, não a impugnou, nada tendo, sequer, mencionado, quanto tal, nas conclusões das alegações (cfr. nº1, do art. 639º e nº1, do art. 640º, do CPC, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência) - , cumpre analisar da modificabilidade da fundamentação jurídica, atentas as conclusões da apelação, que delimitam o objeto do recurso (cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2).
Sustenta o apelante que a sentença recorrida violou as disposições legais constantes dos artigos 13º e 22º, da Lei Uniforme Sobre Cheques, e artigo 342º, do Código Civil, concluindo que a violação do pacto de preenchimento e as exceções fundadas sobre as relações pessoais com o sacador não lhe são oponíveis dado, desde logo, não ter sido alegada e provada matéria que consubstancie falta grave (ou outra) por banda do exequente ou que este tenha adquirido o cheque de má fé.
Cumpre, pois, efetuar o enquadramento jurídico do caso para, depois, analisar se o mesmo se regula pelas disposições daquela Lei Uniforme.
Para tal, comecemos por nos debruçar sobre o título executivo que fundamenta a execução, para apurar as eventuais obrigações que dele resultam para a executada.

1- Do título executivo: cheque/quirógrafo da relação subjacente

Toda a execução tem de ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (fins esses que, como previsto na lei, podem consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo - v. n.º 5 e 6, do art. 10º).
“O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (nº5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art. 53º, nº1).
O objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação jurídica acertada no título (…) É também pelo título que se determina a quantum da prestação” (1).
A ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo (nulla executio sine titulo), o qual, para além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere, igualmente, o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado. (2)
O título executivo realiza duas funções essenciais:

- por um lado, delimita o fim da execução, isto é determina, em função da obrigação que ele encerra, se a acção executiva tem por finalidade o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto;
- por outro lado, estabelece os limites da execução, ou seja, o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá (3).
O artigo 703º, apresenta uma enumeração taxativa (numerus clausus) dos títulos executivos que podem servir de base a uma ação executiva, sendo que cotejando as diversas alíneas do nº1, se constata que a lei estabelece uma distinção entre títulos executivos judiciais, títulos executivos parajudiciais ou de “formação judicial” e títulos executivos extrajudiciais (4).
Definindo o mencionado artigo, taxativamente, os títulos executivos que podem servir de fundamento a uma ação executiva “não são admissíveis convenções entre as partes pelas quais estas decidam atribuir força executiva a um determinado documento que não se encontre abrangido pelo elenco dos documentos previstos no art. 703º. Por conseguinte, sendo dado à execução um documento a que a lei não atribua essa força executiva ou do qual não resulte a obrigação de cumprimento de uma prestação, o tribunal deve indeferir liminarmente o requerimento executivo, por falta de um dos pressupostos essenciais da ação executiva.

No que concerne às espécies de títulos executivos, dispõe o art. 703, nº1, que apenas podem servir de base à execução:

a) as sentenças condenatórias;
b) os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal e que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação;
c) os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (5).
Pela execução a que o apelante deduziu a presente oposição, o exequente visa obter o pagamento coativo de crédito. Estamos, assim, perante de uma ação executiva para pagamento de quantia certa. E o título executivo que serve de base à presente execução é um cheque, sendo este um título de crédito que enuncia uma ordem dada por uma pessoa (sacador) a um banco (sacado) para que pague determinada quantia por conta de fundos lá depositados - cfr. art.ºs 1.º e 2.º, da Lei Uniforme Sobre Cheques, doravante designada , abreviadamente, LUC.
Deduziu a executada embargos de executado, desde logo, por inexistir qualquer obrigação que tivesse assumido para com o exequente.
Analisando da existência de título executivo, refere o Tribunal a quo que o cheque é um título de crédito à ordem ou ao portador, literal, autónomo e abstrato, contendo uma ordem incondicionada dirigida a um banqueiro no sentido de pagar à vista a soma nele inscrita. É um título de crédito, contendo estes as características “literalidade e abstracção (ou mais especificamente, de: - Incorporação da obrigação no título - a obrigação e o título constituem uma unidade; - Literalidade da obrigação - a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspecção do título; - Abstracção da obrigação - a livrança é independente da "causa debendi"; - Independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título - a nulidade de uma das obrigações que a lei incorpora não se comunica às demais; - Autonomia do direito do portador - o portador é considerado credor originário (cfr., Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 7.ª edição, Petrony, 1996, págs. 107-108 e 110; Oliveira Ascensão, Direito Comercial - Títulos de Crédito, III, Lisboa, 1992, págs. 243 a 261; Pupo Correia, Direito Comercial, 4.ª edição, Universidade Lusíada, Lisboa, 1996, págs. 530 a 533).
Assim, os títulos de crédito, mais do que documentos probatórios da existência de certa obrigação, consubstanciam a própria obrigação, a obrigação cambiária, já que esta se incorpora nos títulos e se torna independente da obrigação subjacente que lhe deu origem, não existindo, o direito cambiário se não existir título, o que não significa que a obrigação subjacente não se mantenha, pois são autónomas.
Conforme já referido, face ao disposto no art. 703.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, os cheques devem ser reconhecidos como títulos executivos enquanto e na medida em que puderem ser considerados como “documentos particulares (…) que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias”.
O cheque é um meio de pagamento, resultando da sua emissão que o sacador assume dispor de fundos para o pagamento no prazo estabelecido, de tal forma que, por virtude do efeito cartular, se o tomador ou o portador “não puder satisfazer-se através do banco, o seu direito dirige-se contra o sacador” (Direito Comercial, Oliveira Ascensão, Vol. III, pág. 248).
O cheque é, deste modo, substancialmente, uma ordem escrita revestida de certas formalidades, mediante a qual aquele que tem qualquer importância disponível numa instituição bancária dispõe dela a favor de outrem. O cheque supõe quantias disponíveis em poder do sacado, pois só assim poderá desempenhar as suas funções de meio de pagamento.
Em termos genéricos, pode-se afirmar que a emissão de um cheque consiste no seu preenchimento por parte do titular da provisão e posterior entrega ao tomador. Será neste momento, quando o sacador preenche o cheque e abre mão dele, transferindo-o para a posse do beneficiário, que segundo a melhor doutrina, surge o complexo de direitos e obrigações nele incorporados (neste sentido, Eduardo Lucas Coelho, “Problemas Penais dos Cheques Sem Cobertura, Lisboa, 1979, pág. 29).
Constituem requisitos essenciais do cheque, aqueles a que aludem os artigos 1.º, n.os 1, 2, 3, 4, 5 e 6 da LUC, designadamente:

a) Que contenha a palavra “cheque” inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título;
b) Que contenha o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada;
c) Que contenha o nome de quem deve pagar (o sacado);
d) Que contenha a indicação do lugar em que o pagamento se deve efectuar, sem prejuízo do disposto no art. 2.º da LUC;
e) Que contenha a indicação da data em que o pagamento se deve efectuar e do lugar onde o cheque é passado;
f) Que contenha a assinatura de quem emite o cheque.

Analisa o Tribunal a quo que a obrigatoriedade da existência de acordo de preenchimento de um cheque incompleto é imposta por lei, referindo Dispõe o artigo 13.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque: «Se um cheque incompleto no momento de ser passado tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má-fé, ou, adquirindo-o, tenha cometido uma falta grave».
Como se refere no Assento 1/93 [Publicado no DR I-A, n.º 7/93, de 9.01.1993,] «… este preceito pressupõe sempre acordo de preenchimento. A partir dele é que pode existir ou não violação do preenchimento; não existindo tal acordo, o cheque continua a ser incompleto, sem conter os requisitos legais para a sua eficácia».
Como salienta José Maria Pires [O Cheque, Editora Rei dos Livros, 1999, página 68.]: «… o cheque em branco enquanto não for completado não tem valor como cheque, pelo que quando a lei fala de cheque incompleto no momento de ser passado está referir-se não à emissão em sentido técnico-jurídico, mas à entrega material ao tomador. Só no momento em que este completa o cheque se efectiva a autêntica emissão: o título começa a produzir efeito como cheque, sanando-se a falta do requisito ou dos requisitos» [ Como refere Marnoco e Souza (Das Letras, Livranças e Cheques, Comentário ao título VI do Livro II do Código Comercial, Volume I, 2.ª edição, “LVMEN”, Empresa Internacional Editora, 1921, pág. 144 - 145), “A emissão ou a assinatura do título em branco determinam, pois, para o signatário um vínculo jurídico, obrigação cambiária, que o emitente ou signatário quer assumir (…). Tal obrigação só mais tarde surge, quando o título é preenchido, e como efeito necessário deste preenchimento, que, sendo a observância dos requisitos formais da obrigação cambiária, vem revestir de plena eficácia as vontades precedentemente manifestadas”. ].
Ou seja, só depois de efetuado o preenchimento de harmonia com o clausulado no respectivo acordo (necessariamente celebrado com o sacador), é que o cheque passa a ter eficácia.
Mais refere o autor citado, que “no cheque em branco o acordo entre o sacador e o tomador (contrato de preenchimento) exprime a intenção de o sacador contrair uma obrigação cambiária” [ Como se refere no acórdão do STJ de 13.04.2011, disponível no site da DGSI, “O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário no que respeita aos elementos que habilitam a formar o título executivo, estabelecendo os requisitos que tornam exigível a obrigação cambiária].
No que concerne à problemática do título cambiário incompleto, ensina Marnoco e Souza [Obra citada na nota 19, pág. 144.], (reportando-se especificamente à letra) que a afirmação de que o título assinado em branco é já um verdadeiro título cambiário, se bem que por preencher, decorre da necessidade sentida pela doutrina, de justificar a existência de uma obrigação para o signatário, ainda antes do integral preenchimento do título. Conclui, no entanto, o autor citado, que tal construção teórica se torna desnecessária, na medida em que a assinatura em branco aposta no título e a sua posterior entrega a terceiro determinam para o signatário um vínculo jurídico, traduzido na manifestação de vontade de constituição da obrigação cambiária, completada, definida e quantificada com o preenchimento.
Pode ler-se no acórdão da Relação, de 5.11.2012 [Proferido no processo n.º 29/10.0TBCNF-A.P1, acessível no site da DGSI] que: “O título produz efeitos pelo valor efectivamente acordado entre as partes segundo o pacto de preenchimento” [Refere-se no citado aresto, que a violação do pacto de preenchimento se traduz “numa violação da convenção executiva, constituindo uma verdadeira violação contratual, constituindo também uma falsidade ideológica, na medida em que se insere num escrito assinado em branco um conteúdo divergente daquele que havia sido acordado com o firmante em branco»]”.
Ora, como é pacífico e refere o Tribunal a quo, o cheque oferecido nos autos principais como título executivo apenas vale como mero quirógrafo da relação subjacente, por a relação cambiária se encontrar extinta, por prescrição (o cheque tem data de emissão de 23-12-2011- cfr. f.p. nº1 - e a execução foi proposta em 2015).
A executada veio deduzir oposição, alegando violação do pacto de preenchimento e inexistência de obrigação subjacente.
Ora, de acordo com a referida al. c), do nº1, do artigo 703º, constituem títulos executivos os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, incluindo-se neles o cheque, cujo regime jurídico é regulado pela Lei Uniforme Sobre Cheques.
“A atribuição de força executiva aos títulos de crédito, ainda que os mesmos constituam meros quirógrafos da obrigação, encontra justificação na necessidade de se garantir a segurança do tráfego jurídico e de se favorecer a utilização dos títulos de crédito como meios de pagamento no domínio das transações comerciais.” (6).
Ora, na verdade, para que um cheque constitua um título de crédito é necessário que o mesmo reúna todos os requisitos previstos na Lei Uniforme Sobre Cheques – cfr. art. 1º.
Para além disso, não pode estar prescrito, como acontece in casu - cfr art. 2º, da LUC. Dispõe “o art. 52º, deste diploma que toda a ação do portador contra os endossantes, contra o sacador ou contra os demais coobrigados prescreve decorridos que sejam seis meses, contados do termo do prazo de apresentação. Acresce a isto que o cheque apenas conserva a sua força cambiária se for apresentado a pagamento no prazo de oito dias após a data da sua emissão (art. 29º, da LUC)” (7).
Contrariamente ao que vinha sucedendo, a Jurisprudência recente passou a admitir, no seguimento da Doutrina, a possibilidade de um título cambiário, ainda que prescrito ou que não reunisse os requisitos legais, poder valer como título executivo enquanto quirógrafo da obrigação, desde que invocada fosse, no requerimento executivo, a relação jurídica causal, subjacente a esse título (8) e, no seguimento, “o novo Código de Processo Civil veio pôr termo a essa divisão jurisprudencial, já que, seguindo a interpretação maioritária, estabelece expressamente no seu art. 703º, nº1, al. c), que constituem títulos executivos os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.

Com efeito, a diferença de regimes consiste, fundamentalmente, no seguinte:

a) Quando o título de crédito reúne os requisitos previstos na lei e não se encontra prescrito, este caracteriza-se pela sua abstração, ou seja, o portador do título está dispensado de demostrar a razão subjacente à emissão desse título (obrigação abstrata), isto é, o negócio jurídico associado ao título e/ou o motivo pelo qual o título lhe foi transmitido, baseando, por isso, a sua pretensão no direito cartular;
b) Diferentemente, mostrando-se o título cambiário prescrito, o credor, não podendo escudar-se na abstração do título, fica obrigado a alegar e a comprovar a relação jurídica subjacente à entrega desse título (obrigação causal), ou seja, tem de alegar factos concretos que permitam determinar, com objetividade, o tipo de relação jurídica que foi estabelecida entre as partes e que esteve na base da emissão desse título. Por conseguinte, não reunindo o título de crédito os requisitos previstos na lei ou estando o mesmo prescrito, este só pode valer como título executivo, enquanto quirógrafo da obrigação, desde que tenha sido emitido pelo executado em “consequência de qualquer negócio (relação fundamental) por ele celebrado com o exequente”, isto é, desde que tenha subjacente um “relacionamento tendo como sujeitos o credor originário e o devedor originário, para execução da relação fundamental. Neste caso, se o executado, em oposição à execução titulada por um cheque ou por uma letra de câmbio, impugnar a relação subjacente, recai sobre o exequente o ónus da prova da existência da relação fundamental alegada, … (9) (negrito nosso).

Mais escreve o referido autor que parte da “jurisprudência tem vindo a sustentar que o cheque que tenha sido endossado e que não reúna os requisitos previstos na lei ou se encontre prescrito não constitui título executivo, já que o cheque apenas poderá valer como quirógrafo da obrigação no âmbito das relações imediatas (entre o credor e o devedor originário) e não no âmbito das relações mediatas (entre um terceiro, a quem o cheque foi endossado, e o devedor originário) (10).
De igual modo, não constitui título executivo o cheque que, não reunindo os requisitos legais ou estando prescrito, omita o nome do respetivo beneficiário, ou seja, o nome da pessoa a quem deve ser paga a quantia nele inscrita, já que o cheque só pode valer como título executivo, enquanto quirógrafo da obrigação, “se dele constar o reconhecimento ou a confissão de dívida a favor do exequente (11)(12).
Quanto a preenchimento abusivo do título cambiário e à questão de saber se verificando-se aquele este constitui título executivo ou não escreve o referido autor “como elucida Ferrer Correia, quem emite um título cambiário em branco pode atribuir à pessoa a quem entrega esse título “o direito de o preencher em certos e determinados termos. Ninguém subscreve um documento em branco para que a pessoa a quem o transmite faça dele o uso que lhe aprouver”. Assim, o preenchimento do título diz-se abusivo quando o mesmo é preenchido com “desrespeito pelo contrato de preenchimento” (13). É o que sucede, por exemplo, se a pessoa inscreve no título uma quantia ou uma data de vencimento diversas daquelas que tinham sido previamente combinadas entre as partes ou se é inscrita no título de crédito uma quantia superior ao montante das prestações em dívida e dos juros de mora à data da interpelação do devedor para pagamento da “dívida global”.
Nesta conformidade, o título cambiário (letra, livrança ou cheque) não constitui título executivo se o executado demonstrar que o preenchimento do mesmo foi abusivo (designadamente pelo próprio beneficiário/exequente), isto é, que a declaração constante do título não corresponde à sua vontade. Com efeito, sendo deduzida oposição à execução com fundamento no preenchimento abusivo do título cambiário, recai sobre o executado/embargante e não sobre o exequente/embargado o ónus da prova de que existia um acordo de preenchimento do título cambiário e de que tal acordo não foi observado, devendo ser alegados na oposição à execução os factos referentes ao preenchimento abusivo do título. (14)
Analogamente, o título cambiário não constitui título executivo se o mesmo, apesar de assinado pelo pretenso devedor, tiver sido preenchido por uma terceira pessoa sem que existisse, no caso concreto, qualquer pacto de preenchimento do título (15).
Contudo, o preenchimento abusivo do título de crédito não pode ser invocado pelo executado contra o exequente que seja portador desse título, nos casos em que a sua transmissão tenha sido feita por intermédio de endosso (16)(17).
Porém, como vimos, estamos perante um título que é mero quirógrafo da relação subjacente, não se caracterizando por abstração nem se fundando a execução na obrigação cartular, esta extinta, mas na relação subjacente.
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2 - Da obrigação subjacente: o ónus de alegação e ónus da prova dos factos constitutivos da relação subjacente

Nas execuções fundadas em títulos de crédito prescritos, em que se extinguiu a obrigação cambiária e em que, por isso, o seu portador não pode acionar o sacador/aceitante com base na mera relação cambiária, devendo invocar a relação jurídica subjacente à sua emissão, a Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a sustentar com base no art. 458º, do Código Civil, que a subscrição dos mesmos faz presumir a existência de uma relação causal subjacente na medida em que neles se contém a constituição ou confissão/reconhecimento unilateral de uma dívida.

Na verdade, estatui o nº1, do art. 458º, do Código Civil, que Se alguém, por simples declaração unilateral prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

Os negócios unilaterais resultam de uma vontade isolada (18). A lei admite que através de um ato unilateral se efetue a promessa de uma prestação ou o reconhecimento da dívida sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se e existência e a validade da relação fundamental. Mas trata-se de uma simples presunção cuja prova em contrário produzirá as consequências próprias da falta de licitude ou da imoralidade da causa dos negócios jurídicos. Trata-se de negócios causais apenas se dando uma inversão do ónus da prova. (19). Dispensa este preceito a prova, mas não a alegação dos factos essenciais, na causa de pedir.
Como se considerou no Acórdão do STJ de 7/5/2014, Processo 303/2002.P1.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Lopes do Rego, “Os títulos de crédito, desprovidos dos requisitos que permitiriam a aplicação do regime de abstracção substantiva previsto na respectiva LU, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão – beneficiando do regime de presunção de causa afirmado pelo art. 458º do CC quando, atenta a sua natureza material, se consubstanciarem em actos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação, sem indicação da respectiva causa”. Aí se esclarece, ainda, que “Porém, a parte que quer prevalecer-se do título – letra – invocado como quirógrafo da obrigação causal subjacente à sua emissão tem o ónus de alegar, na petição inicial ou no requerimento executivo, os factos essenciais constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, desprovido de valor nos termos da respectiva LU, identificando adequadamente essa relação subjacente, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao demandado/executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º do CC”.
Como se desenvolve no mencionado Acórdão “no actual CPC, apesar de drástica limitação do elenco dos títulos executivos não judiciais - deixando, em regra, de revestir as características da exequibilidade os meros documentos particulares, assinados pelo devedor, que não sejam títulos de crédito, - a alínea c) do nº1 do art. 703º manteve e explicitou a precedente orientação jurisprudencial maioritária, consagrando expressamente que valem como títulos executivos os títulos de crédito, que, embora desprovidos dos requisitos legais para incorporarem uma obrigação cartular, literal e abstracta, podem valer como meros quirógrafos da obrigação exequenda, desde que os factos constitutivos da relação subjacente, se não constarem do próprio documento, sejam alegados no requerimento executivo”.
Nele se esclarece que o regime presentemente vigente se limitou a explicitar e a consagrar a orientação doutrinal e jurisprudencial claramente maioritária que já vinha a existir no regime anterior que “acaba por favorecer a posição, anteriormente referida, sustentada por Lebre de Freitas, ao consagrar legislativamente que – sem qualquer distinção, quer os documentos sejam ou não subsumíveis ao art. 458º do CC - o título de crédito imprestável, por carência dos requisitos legais, para suportar o típico regime de abstracção substantiva tem sempre de ser complementado com a alegação dos factos constitutivos da relação subjacente que não constem do documento(negrito nosso).
Não tendo o cheque, como aí se refere “os requisitos impostos pela LU para valerem como verdadeiros e próprios títulos cambiários, é evidente que está ultrapassada a perspectiva traduzida na aplicabilidade a tais títulos do regime de abstracção substancial”, previsto na LUC.
Questiona-se no referido Acórdão quanto aos títulos de crédito nele em causa “Poderão as referidas letras valer, porém, como actos unilaterais de promessa pelo respectivo aceitante de uma prestação, nessa medida sujeitas ao regime de abstracção processual previsto no art. 458º do CC?
E, no caso afirmativo, implicará a sujeição a tal regime legal uma dispensa do ónus de alegação da relação subjacente – ou apenas uma dispensa do ónus probatório normalmente a cargo do credor (como sustenta L. Freitas)?”.
Responde-se referindo “a orientação sustentada por L. Freitas, atrás mencionada, segundo a qual o regime constante do art. 458º apenas implica uma dispensa do ónus probatório a cargo do credor, não o liberando, porém, do ónus de alegação da relação causal ao acto de reconhecimento unilateral do débito”, orientação consagrada na alínea c) do nº1 do art. 703º, “ao impor – sem qualquer distinção – a quem quer prevalecer-se do título, invocado como mero quirógrafo da obrigação, o ónus de alegação dos factos constitutivos da relação subjacente que dele não constem: o portador do título - imprestável para suportar um verdadeiro regime de abstracção substantiva - estará assim sempre onerado com a alegação dos factos constitutivos essenciais que permitam identificar a relação causal subjacente; a distinção entre os títulos que são subsumíveis ao regime de dispensa de prova constante do art. 458º do CC e os que nele não podem enquadrar-se (por não se consubstanciarem num acto unilateral de reconhecimento de dívida ou na promessa de uma prestação) operará apenas no domínio da prova de tais factos: se o título couber no âmbito do referido art. 458º, o credor está dispensado da prova dos factos constitutivos que alegou, sendo antes o devedor que terá de provar que não está validamente vinculado à obrigação causal que deles resultaria; se, pelo contrário, o título invocado não for subsumível ao disposto no art. 458º, é o credor que terá de provar, nos termos gerais, a factualidade constitutiva da relação subjacente que ele próprio invocou.

Esta orientação parece proporcional e equilibrada, já que – sem excluir liminarmente que certos títulos cambiários possam subsumir-se, se a sua natureza material o permitir, ao regime de dispensa de prova constante do art. 458º do CC - a mera apresentação de um título cambiário (formalmente insuficiente por preterição dos requisitos imperativamente estabelecidos na LU e por isso imprestável para fundar a aplicação de um regime de abstracção substantiva ) não deve bastar para, sem mais, se poder exigir do demandado o cumprimento das obrigações nele referenciadas: na verdade, o regime de abstracção substantiva representa a forma mais eficaz e intensa de tutela do interesse do credor, tendo, porém, como contrapartida a exigência que todos os requisitos formais do título estejam devidamente preenchidos, nos termos exigidos pela LU.

Se o credor não logrou preenchê-los – e com isso alcançar essa forma de tutela mais efectiva e plena do seu interesse – isso significa que a relação material controvertida já não é a relação literal e abstracta, mas uma relação causal, subjacente à emissão do título carecido dos requisitos da LU para valer como tal; ora, admitir, neste concreto circunstancialismo, que o credor/demandante nada carece de alegar como modo de identificar essa relação causal subjacente é fazer impender sobre os ombros do demandado um ónus desproporcionado, traduzido em ter de ser ele a afastar a relevância de qualquer possível facto constitutivo dessa relação: ou seja, seria ele a ter de identificar qual era, afinal, essa relação subjacente ao acto unilateral de reconhecimento, indicando a causa concreta dessa obrigação e questionando a sua existência ou validade jurídica – bastando ao A. impugnar a individualização da causa pelo devedor para que pudesse subsistir a eficácia da declaração recognitiva…”.

O entendimento jurisprudêncial de que a subscrição de títulos de crédito faz presumir a existência de uma relação causal subjacente é uniforme em relação às letras e livranças, na medida em que nelas se contém a constituição ou confissão de uma dívida. Porém, já o mesmo não acontece em relação aos cheques, pois que estes são uma ordem de pagamento dada a um banco determinado e é entendido por uma parte da jurisprudência que não traduz a constituição de qualquer obrigação, não consubstanciando reconhecimento direto ou expresso de uma dívida (20) (21), considerando, outra parte, que a emissão de um cheque não se limita a traduzir uma ordem de pagamento dada a uma instituição bancária a favor de um terceiro, pois que constitui, também, o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação a esse terceiro (22).

Inclinamo-nos para este entendimento pois que, na verdade, ao ser dada uma ordem de pagamento a uma instituição bancária se está a reconhecer uma obrigação pecuniária. Apesar de o cheque envolver essencialmente uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro, por força da sua subscrição, o titular da conta está a reconhecer uma obrigação pecuniária em relação, ao portador, das quantias nele mencionadas.
Bem se decidiu no Acórdão desta Relação de 30/4/2015, Processo 1072/13.3TBBCHV-A.G1, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Helena Melo, ao considerar-se, sem distinção, que “Extinta a obrigação cartular incorporada na letra, livrança ou cheque, estes mantêm a sua natureza de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, desde que neles se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo, podendo ser impugnada pelo executado na oposição que vier a deduzir e desde que a obrigação a que se reporta não resulte de um negócio jurídico formal, tendo em consideração o regime de reconhecimento de dívida previsto no artº 458º do CC (…) Do disposto do artº 458º do CC resulta uma presunção de causa (presunção da existência de uma relação negocial ou extra negocial) e a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental.(…) Incumbe ao devedor provar a falta de causa da obrigação inscrita no título”.

Aí se esclarece que “nos casos em que o cheque vale como quirógrafo da obrigação subjacente, não se trata de um negócio abstracto, antes com presunção de causa em que ocorre inversão do ónus da prova (artº 458º do CC). O legislador parte do princípio e bem, que se alguém reconhece uma dívida, como acontece quando alguém subscreve um cheque dando ordem de pagamento a outrem, presume-se que este negócio tem uma causa, dispensando o credor de provar a relação subjacente. Quem tem que provar que não há causa para o reconhecimento de dívida é o devedor” (23).
Estava o exequente onerado com a alegação dos factos constitutivos essenciais da relação causal ao saque e entrega do cheque, desprovido dos requisitos para valer como título cambiário, de modo a identificar adequadamente essa relação causal subjacente, facultando, sobre ela, o contraditório à executada. A esta cabia, por força da dispensa de prova prevista no nº1, do artigo 458º, do Código Civil, o ónus probatório relativamente à inexistência ou irrelevância dos factos constitutivos alegados pelo exequente.
Ora, apresentado o título para cobrança coerciva e, apesar do alegado no requerimento executivo quanto a relação causal subjacente, exerceu a executada/embargante o contraditório e provou a inexistência da invocada relação causal (cfr. f.p. nº5). Nenhuma obrigação, daquela, existindo, têm os embargos de improceder.

Com efeito, a embargante provou que não há causa para o título de crédito, tendo cumprido o ónus da prova, ilidindo a presunção de causa do reconhecimento de dívida, consagrada no nº 1, do artº 458º, do Código Civil.

E, como vimos, um cheque prescrito vale como mero quirógrafo da relação subjacente e mantém a sua função de título executivo, desde que, no requerimento executivo, o exequente alegue a causa da sua emissão (a respectiva relação subjacente - art. 703.º, n.º 1, al. c)), sendo que a emissão de um cheque não se limita a traduzir uma mera ordem de pagamento a uma instituição bancária a favor de um terceiro, pois que constitui, também, o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação a esse terceiro” (24). Apesar de o cheque envolver, essencialmente, uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro, por força da sua subscrição o titular da conta está a reconhecer uma obrigação pecuniária em relação ao portador das quantias nele mencionadas.

Assim, embora o exequente estivesse dispensado de provar a relação fundamental que alegou, verifica-se que a executada/embargante logrou ilidir a presunção de causa, demonstrando nenhuma relação fundamental existir.
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3- Da inoponibilidade do pacto de preenchimento

Quanto a tal questão, pelo já exposto, pode concluir-se não ter sido violada a Lei Uniforme Sobre Cheques, pois que, estando-se perante um cheque imprestável enquanto tal, mero quirografo da relação subjacente, deixou de se reger pelas regras daquela Lei Uniforme, designadamente quanto a questões de inoponibilidade de exceções, e passou a regular-se pelas referidas normas substantivas e adjetivas do Código Civil e do Código de Processo Civil.
Assim, apesar de ter resultado provada a violação do pacto de preenchimento do cheque, resultou, desde logo, nenhuma relação subjacente ao cheque, prescrito, existir.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo, como bem refere a apelada, violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Guimarães, 15 de março de 2018

Eugénia Cunha
José Flores
Sandra Melo


1. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág 33.
2. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pág 43-44.
3. Ibidem, pág 48.
4. Ibidem, pág 52.
5. Ibidem, pág 51-52.
6. Marco Carvalho Gonçalves, idem, pág 75.
7. Ibidem, pág 87
8. Refere-se no Acórdão do STJ de 29/4/2014 , Processo 5656/12.9YYPRT.P1.S1, in dgsi.net “Para o Prof. Lebre de Freitas[4], “Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à relação jurídica subjacente (…) Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer outro documento particular, nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não dum negócio jurídico formal (…) No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não poderá constituir título executivo (arts. 221º-1 CC e 223º-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458º-1 CC) levam a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada no requerimento inicial da execução” (como causa de pedir da acção executiva) “e poder ser impugnada pelo executado” (nos termos do art. 816º)“; mas, se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento inicial, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 272º), por tal implicar alteração da causa de pedir”. Por seu turno, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa[5] acentua a necessidade de distinguir entre as obrigações abstractas e as causais, no que respeita aos fundamentos da obrigação exequenda e à suficiência do título executivo, sustentando, quanto às primeiras, a desnecessidade de alegação da causa de aquisição da prestação – e, por isso, respeitando o título a uma obrigação abstracta, ele é, por si, suficiente para fundamentar a execução – o que já não sucede quando a obrigação exequenda for causal, pois, neste caso, ela exige a alegação da respectiva “causa debendi”, o que significa que, se esta não constar ou não resultar do título executivo, este deverá ser completado com essa alegação. Ou seja, um título executivo respeitante a uma obrigação causal exige, sempre, a indicação do respectivo facto constitutivo, porquanto sem este a obrigação não fica individualizada, sendo, por isso, inepto o requerimento inicial da execução, por falta de indicação da causa de pedir. Não destoando desta posição, quer o Cons. F. Amâncio Ferreira, no seu “Curso de Processo de Execução”, 9ª Ed., 2006, pags. 41/43, quer a jurisprudência deste Supremo, a qual vem sustentando, ao que cremos, “una voce”, que, embora extinta, por prescrição, a obrigação cambiária incorporada no cheque, este pode continuar a valer como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor originário/devedor originário e para execução da respectiva obrigação subjacente, causal ou fundamental, desde que, nesse caso, o exequente haja alegado, no requerimento executivo, essa obrigação (a relação causal) e que esta não constitua um negócio jurídico formal. Podendo mencionar-se, a título meramente exemplificativo, os Acs. de 29.01.02 – COL/STJ – 1º/64, de que foi relator o Ex. mo Cons. Azevedo Ramos, de 22.05.03 – Proc. nº 03B1281, de que foi relator o Ex. mo Cons. Ferreira Girão, de 30.10.03 – Proc. nº 03P2600, de que foi relator o Ex. mo Cons. Pires da Rosa, 19.01.04 – Proc. nº 03ª3881, de que foi relator o Ex. mo Cons. Nuno Cameira, de 16.12.04 – COL/STJ – 3º/153, de que foi relator o saudoso Cons. Neves Ribeiro, de 31.05.05 – Proc. nº 05B1412, de que foi relator o Ex. mo Cons. Moitinho de Almeida, de 27.11.07, de que foi relator o Ex. mo Cons. Santos Bernardino, de 04.12.07 – Proc. nº07ª3805, de que foi relator o Ex. mo Cons. Mário Cruz, de 21.10.10 Proc. nº 172/08.6TBGRD-A.S1, de que foi relator o Ex. mo Cons. Lopes do Rego, e de 15.10.13 – Proc. nº 1138/11.4TBBCL-A.S1, de que foi relator o Ex. mo Cons. João Camilo, todos eles acessíveis em www.dgsi.pt. (…) [4] In “A Acção Executiva À Luz do Código Revisto”, 2ª Ed., pags. 53/54 [5] In “Acção Executiva Singular”, 1998, pags. 68/69.
9. Ibidem, págs 89-90
10. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/03/2014, processo 2146/13.6TBBCL-A.G1, in dgsi.net
11. Acórdãos da Relação de Guimarães de 23/04/2013, processo 1946/11.6TBBCL-B.G1, e de 31/01/2013, processo 210/11.5TBAMR-A.G1, in dgsi.net
12. Marco Carvalho Gonçalves, idem, pág 90.
13. Correia, A. Ferrer, Lições de Direito Comercial, ob cit, pág 484
14. Neste particular o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/02/2015, processo 4284/09.0YYPRT-A.C1, in www.dgsi.pt, considerou que “provando o subscritor duma letra/livrança em branco o pacto de preenchimento que gerou a subscrição e entrega e estar a mesma a ser utilizada fora do contexto de tal específico pacto de preenchimento, passa a ser o portador de tal letra/livrança, que a utilizou, que tem de demonstrar o pacto de preenchimento que legitima tal “nova” utilização”.
15. Ac. do TRP de 30/04/2012, processo 391/07.2TBGDM-A.P1, in dgsi.net
16. Ac. do TRP de 07/03/2013, processo 5703/10.9YYPRT-A.P1, in dgsi.net
17. Marco Carvalho Gonçalves, idem, pág 91 a 93.
18. Almeida Costa, Introdução, pág 108
19. Ibidem, pág 111
20. Acórdão da Relação de Lisboa de 11/10/2001: CJ, 2001, 4º, 120 e Acórdão do STJ de 15/5/2013, Processo 1813/08: Sumários, 2013, pág 349 (v. Abílio Neto Código Civil Anotado, 19ª Edição, 2016, Ediforum, pág 440)
21. Cfr o referido no Acórdão do STJ de 7/5/2014, Processo 303/2002.P1.S1, supra citado onde se refere como sucederá com as letras e livranças, mas não já, segundo alguns, com o cheque, cuja fisionomia peculiar não se concilia facilmente com a natureza dos típicos actos de reconhecimento de uma dívida : na verdade, o cheque envolve essencialmente uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro, não se podendo concluir, sem mais, que apenas por força da sua subscrição o titular da conta reconheça ser devedor ao portador das quantias nele mencionadas - cfr. a situação debatida no. ac. . de 21/10/10, proferido pelo STJ no P. 172/08.6TBGRD-A.S1.
22. Acórdão de 15/11/2017, Processo 262/14.6TBCMN-A.G1.S1, in dgsi.net
23. Acórdão da Relação de Guimarães de 30/4/2015, Processo 1072/13.3TBBCHV-A.G1, in dgsi.net
24. Acórdão de 15/11/2017, Processo 262/14.6TBCMN-A.G1.S1, in dgsi.net