Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3150/13.0TBGMR-A.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO
CONFISSÃO DE DÍVIDA
MÚTUO NULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Estando a execução fundamentada numa declaração de dívida em que os executados reconhecem haver celebrado um contrato de mútuo que, eventualmente, haja sido celebrado por mero documento particular quando o mesmo, por lei substantiva, devia ter sido celebrado por escritura pública, pode o Tribunal reconhecida a nulidade do mutuo determinar a restituição do que houver sido prestado facultada no disposto no art. 289º, nº 1 do Cód. Civil, sem necessidade de, previamente, a exequente ter de propor uma acção declarativa, para o efeito.
2 - Com a declaração de nulidade do contrato, desaparecem retroactivamente as atribuições patrimoniais neles acordadas, todos os efeitos que produziria um contrato válido, incluindo as convenções quanto a prazos ou data da restituição do capital mutuado, como se o negócio nunca tivesse sido celebrado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Relatório:
Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa, que contra si foi movida vieram A… e M… apresentar oposição à execução mediante embargos de executado contra N…, A.C.E..
Invocaram, em síntese, a inexistência de título executivo em virtude da execução se fundar numa declaração em que os executados reconhecem ter recebido da exequente determinada quantia através de um contrato de mútuo, nulo por vício de forma; a inexigibilidade da obrigação exequenda, porquanto a obrigação de devolução da quantia mutuada à exequente está dependente da verificação de uma condição que ainda não se verificou, não tendo sequer a exequente demonstrado no requerimento executivo que se verificou a condição conforme previsto no art.º 715º, do NCPC; a ineptidão do requerimento executivo quanto ao pedido de juros de mora; e que, não são devidos juros de mora porque inexiste mora no pagamento da quantia reclamada, tendo ficado convencionado que a devolução da quantia de € 35.000,00 seria efectuada sem juros.
Terminaram pedindo que as excepções e os demais pedidos sejam julgados procedentes, por provados, e como consequência, seja declarada extinta a execução.
Tendo sido proferido despacho liminar, a exequente veio apresentar contestação, defendendo a improcedência das excepções invocadas pelos executados, mais dizendo que agem com abuso de direito
Terminou pedindo que a oposição deduzida seja julgada totalmente improcedente, com todas as consequências legais.
Juntou certidão relativa ao processo expropriativo que correu termos sob o nº 618/07.0TBGMR, na qual se encontra certificado, para além do mais, que o processo se encontra findo, não tendo sido atribuída qualquer quantia aos aqui embargantes por não ter sido admitida a sua intervenção.
Os executados/embargantes vieram exercer, em articulado autónomo, o contraditório relativamente ao documento junto na contestação e à litigância de má-fé.
Seguiu-se despacho que fixou o valor à causa e conheceu desde já do pedido, nos termos do art.º 595º, nº 1, al. b), do NCPC, proferindo-se a seguinte decisão final:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado, na parte relativa aos juros de mora peticionados, os quais só poderão ser contabilizados a partir da citação para a execução apensa, prosseguindo, no demais, a execução apensa.
Não há sinais evidentes de litigância de má-fé.
Custas pelos executados/embargantes e pela exequente/embargada, na proporção dos respectivos decaimentos – art.º 527º, nºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.

Os oponentes/executados não se conformam com esta decisão impugnando-a através do presente recurso, pretendendo vê-la revogada.
Apresentam as seguintes conclusões:
.1.O título executivo é um documento particular, sob o título "Declaração" no qual os recorrentes declaram ter recebido a título de empréstimo da exequente a quantia de 35.000,00€.
2. Os recorrentes, em sede de Embargos do Executado, alegaram a inexistência de Título Executivo, já que o contrato de mútuo, que está na base do título executivo, foi celebrado por documento particular e, portanto, é nulo por vício de forma. (arts. 1143° e 220° do C. C.).
3. Alegaram ainda que a obrigação constante do título não era exigível por não se ter verificado a condição suspensiva de que a mesma obrigação ficou depende.
4. A douta sentença recorrida pronunciou-se quanto à questão da exequibilidade do título executivo, da exigibilidade da obrigação, dos juros e da litigância de má-fé.
5. Relativamente à contenda da inexistência ou exequibilidade do título executivo a Mma Juiz considerou que muito embora o contrato de mútuo estivesse ferido de nulidade (arts. 220°, 294° e 1143° do C.C., era jurisprudência maioritária que tal facto não retira a exequibilidade do título.
6. No entanto, no caso em mérito não alegou a exequente, no seu requerimento inicial, que o mesmo contrato de mútuo foi formalizado por documento particular.
7. Nem reconheceu na exposição dos factos do requerimento executivo que se tratava de um contrato de mútuo, não pedindo a restituição do prestado em consequência da nulidade (art. 2890 do CC) nada dizendo quanto ao mútuo ou à inobservância das formalidades.
8. No requerimento executivo não pede que seja concedida a restituição do prestado. como consequência do referida nulidade, mas sim o cumprimento do contrato.
9. Pedindo a exeguente o cumprimento do contrato• execução do contrato _ a execução não é o meio próprio para o efeito, tendo necessariamente de socorrer-se de uma acção declarativo. (neste sentido veja-se acórdão do STJ de 2005-11-08 e A. Abrantes Geraldes, in Títulos Executivos,TIhemis, ano IV, n° 7-2003)
10. Além disso, a obrigação em causa não é exigível em virtude de a condição de que ficou dependente não se ter verificado.
11. Não fez o tribunal recorrido uma correcta interpretação da questão da inexigibilidade de obrigação, nem do documento junto aos autos como título executivo.
12. Entendeu o Tribunal que a questão ficava prejudicada pela declaração de nulidade suscitada pelos recorrentes, abstendo-se, assim, de conhecer a questão.
13. Não pode o Tribunal deixar de conhecer a questão da inexigibilidade do título executivo suscitada pelos recorrentes, sob pena de nulidade. (art. 6 i 5°, n". i 01. c. do CP. C.)
14. Ao não apreciar uma questão levantada nos embargos de executado, nem interpretar o documento junto como título executivo, a sentença encontra-se ferida de nulidade.
15. A obrigação dos executados de devolverem a quantia mutuada ficou dependente da verificação de uma condição ou de uma prestação certa e concreta (pagamento de uma indemnização) por parte de um terceiro (cláusula terceiro da declaração título executivo), que não ocorreu.
16. Não previram as partes naquele contrato de mútuo a hipótese de a acção ser julgada improcedente ou de os executados não virem a receber qualquer indemnização, não podendo o Tribunal substituir-se à vontade das partes e depreender uma declaração negocial que não foi expressa naquele documento, sob pena de nulidade.
17. A obrigação exequenda constante do título subjacente aos presentes autos não é exigível, por não se ter verificado a condição da sua exigibilidade.
18. A Exequente não cumpriu o ónus legal do artº 7150 do C.P.C. uma vez que não logrou demonstrou o preenchimento do requisito de "exigibilidade da obrigação".
19. Não permitindo o título considerar que a obrigação exequenda nele expressa é exigível, a execução não poderá nunca prosseguir contra os executados.
20. Não sendo a obrigação exequenda exigível aos executados, inexiste mora no pagamento da quantia reclamada, pelo que não são devidos quaisquer juros de mora.
TERMOS EM QUE,
Devem receber-se as conclusões aperfeiçoados e dar-se provimento ao recurso, devendo ser revogado o sentença recorrido, decidindo-se pelo procedência dos embargos dos executados e ordenando-se o extinção do
execução, com que se fará, JUSTiÇA

A exequente contra alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber: se a obrigação exequenda é exequível e /ou exigível e se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

Fundamentação:
De fato:
Não foi impugnada a decisão da matéria de facto pelo que é esta a facticidade a considerar:
1. Em 24 de Março de 2005, mediante documento escrito, denominado de “DECLARAÇÃO” os aqui executados/embargantes declararam ter recebido, a título de empréstimo, da exequente a quantia de € 35.000,00 – cf. cláusula primeira do título executivo junto com a execução.
2. Mais declararam que se consideravam e afirmavam devedores da referida quantia perante a aqui exequente - cf. cláusula segunda do título executivo junto com a execução.
3. E declararam ainda os aqui executados/embargantes que se comprometiam a devolver a referida quantia, sem juros, quando recebessem do Estado Português ou de outra entidade em sua representação, bem como de qualquer Tribunal, a totalidade ou parte da indemnização autónoma, independentemente do valor recebido, que afirmavam que lhes caberia em virtude da expropriação do prédio, do qual são arrendatários, sito no Lugar …, concelho de Guimarães, e que corresponde às parcelas 16.1 e 16.2, identificadas no mapa de processo de expropriações – cf. cláusula terceira do título executivo junto com a Execução.
4. O referido processo expropriativo já se encontra findo, não tendo aí sido reconhecida a invocada qualidade de arrendatários aos aqui embargantes, por decisão transitada em julgado, conforme certidão constante de fls. 38 e seguintes dos presentes autos.5. A exequente/embargada enviou uma carta, datada de 15.02.2013 e recepcionada em 19.02.2013 pelos executados/embargantes, exigindo a restituição da quantia de € 35.000,00, conforme documento de fls. 7 a 10 dos autos principais e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

De Direito:
Nas conclusões das suas alegações, os apelantes põem em causa a solução jurídica proclamada na sentença recorrida, pretendendo, outrossim, a sua revogação, por considerarem que fez incorrecta interpretação dos preceitos legais que indica.
A primeira questão colocada pelos recorrentes é referente à valoração de um documento particular, intitulado “declaração da divida” para efeitos de saber se o mesmo constitui título executivo bastante.
Esta questão já foi objeto de apreciação por este Tribunal em acórdão proferido no processo nº 220/09.2BBRG-A.G1 com datada de18/10/de 2011, entendimento que se mantêm.
Ensina o Dr. Lebre de Freitas [1] que “o título executivo extrajudicial ou judicial impróprio é um documento que constitui prova legal para fins executivos e que a declaração nele representada tem por objecto o facto constitutivo do direito de crédito ou é, ela própria, este mesmo facto”.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2009,[2] “o título executivo é condição necessária e suficiente da acção.
Necessária porque não há execução sem título.
Suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação previa sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.
O fundamento substantivo da acção executiva… é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela acção e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas» [3] .
Efectivamente: «O título exibido pelo exequente tem que constituir ou certificar a existência da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta...
No caso em apreço o título executivo é uma declaração na qual os executados reconhecem ter recebido da exequente a quantia de 35.000,00 euros através de um contrato de mutuo, nos termos reconhecidos pelos oponentes/recorrentes no artº 4 da sua oposição. E deste teor resulta sem dúvida estarmos perante um contrato de mútuo, nos termos definidos pelo art. 1142º do C. Civil uma vez que, se trata de contrato pelo qual uma das partes empresta á outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
Ora o art. 1143º na redacção dado pelo DEC. Lei 343/98 de 06.11 dispunha :
O contrato de mútuo de valor superior a 20000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário.
O DL n.º 263-A/2007, de 23-07-2007 com início de vigência em 24-07-2007 dispunha: “O contrato de mútuo de valor superior a € 20 000 só é válido se for celebrado por escritura pública, salvo disposição legal em contrário, e o de valor superior a € 2000 se o for por documento assinado pelo mutuário”.
Seguiu—se o DL n.º 116/2008 de 04/07, que entrou em vigor em 21 de Julho de 2008, com a seguinte redacção : “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário”
Ora a declaração de divida que constitui titulo executivo tem o valor de 35.000 € e está datada de 24 de Março de 2005, pelo que lhe é aplicável a redacção do DL n.º Dec Lei 343/98 de 06.11 que exigia a escritura pública.
Documento que não existiu.
E não tendo este contrato sido celebrado por escritura pública é nulo por vício de forma, nos termos exigidos pelo art. 1143 já citado, nulidade que é de conhecimento oficioso.
A exigência de escritura pública para o contrato de mútuo superior a 20.000€ (artigo 1143.º do Código Civil) constitui formalidade ad substantiam e, por conseguinte, não pode ser aquela substituída por outro meio de prova in casu a confissão (artigos 354.º,alínea a) e 364.º/1 do Código Civil; [4] .
Reconhecida a nulidade do contrato de mútuo subjacente ao título executivo apresentado, e sendo essa nulidade do conhecimento oficioso, pode valer o título executivo como fundamento da consequência legal da nulidade, de restituição do que houver sido prestado, nos termos do art. 289º, nº 1 do Cód. Civil?
Como se sabe, por força do acordão n.º 4/95 de 28-3-1995, [5] hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.
O título executivo, como se disse, traduz-se no reconhecimento de dívida cuja restituição se pretende; muito embora, do ponto de vista substancial, tal restituição seja reclamada com base em contrato de mútuo pressupostamente válido, nada obsta, por força do aludido assento, à restituição da quantia mutuada, reconhecida a nulidade do contrato, pois, como se escreve no assento, “ com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio […] não é um nada jurídico, mas algo de existente, já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão, a que respeita o artigo 293.º do Código Civil […].
Neste sentido veja-se o Ac. do S.T.J. de 1-2-2011 [6], no qual se reconhece que “o facto de se tratar de mútuo ferido de nulidade, isso não retira exequibilidade ao título em que se confessa o empréstimo. No caso contemplado nesse aresto o exequente pede a restituição da quantia reclamada invocando a nulidade do contrato, considerando-se, precisamente porque está em causa o pedido de restituição da quantia mutuada, a inutilidade e inconveniência de se impor a via declarativa para se alcançar a restituição da importância mutuada;
Mas de forma igual se deve decidir mesmo que o exequente não invoque a nulidade do negócio e antes peça o cumprimento do contrato.
É que o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou direito que está dentro.
Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele, o direito ou a pretensão que é o seu conteúdo.
A causa de pedir na acção executiva é o conteúdo, não o invólucro.
O credor embrulhou o seu direito ou a sua pretensão no invólucro adequado, e pode por isso exercitá-lo em acção executiva.
Mas claro que, nela, e no lugar e meio adequados, pode o devedor vir dizer que afinal, ab initio, nada estava embrulhado ou estava embrulhada coisa diferente ou o que estava embrulhado não é o que parecia, ou que, a posteriori, o conteúdo se deteriorou ou morreu ou alterou”
In casu:
o invólucro existe: é a declaração de dívida na qual executados/embargantes declararam ter recebido, a título de empréstimo, da exequente a quantia de € 35.000,00
Alguma coisa está dentro desse invólucro?
Estará dentro dele o « empréstimo ... da quantia de 35.000 euros » que a declaração supra enunciada textualiza?
Não, esse não, ao menos validamente não.
Não há, pois, protegido pelo invólucro da “declaração de dívida”, um válido contrato de mútuo que constitua o seu subscritor na obrigação de restituir a quantia mutuada.
Mas está lá dentro, protegida por esse invólucro, um negócio nulo e quando se declara a nulidade de um negócio essa declaração tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado – art.289º, nº1 do CCivil.
Nesta exacta medida, mas evidentemente só nela, a exequibilidade intrínseca do título está em consonância com a sua exequibilidade extrínseca, para utilizar as expressões de Miguel Teixeira de Sousa , assim se escreve no o Ac. do S.T.J. de 19-2-2009 (Pires da Rosa) 07B4427, in www.dgsi.pt), aliás citado na decisão recorrida, como o qual se concorda.
E mais recentemente no acórdão do STJ nº 2390/11.0 [7] .
Na doutrina defende esta posição, o Prof. Anselmo de Castro [8], segundo o qual “não há coincidência entre a força probatória legal e força executiva ou exequibilidade. A lei concede força executiva a títulos que não possuem força probatória legal ”. E acrescenta mais adiante “ mesmo quando representativas de mútuo” – referindo-se a obrigações pecuniárias -, “formalmente nulo, será o título de considerar-se sempre exequível para a restituição da respectiva importância, só o não sendo para o cumprimento específico do contrato ( v.g. para exigir os juros )”.
Tudo se reconduz, pois, ao pedido de restituição da quantia mutuada que, não sendo devida com base no contrato de mútuo, é-o, porém, com base no artigo 289.º/1 do Código Civil, reconhecida que está a obrigação de restituição fundada em mútuo nulo.
Exigir, neste caso, que a exequente recorra previamente ao processo declarativo é, como se disse na sentença recorrida, uma exigência que se não compadece com o interesse do legislador …,, no sentido de alargar o campo dos títulos executivos extrajudiciais, num caso em que a obrigação em causa está já determinada e reconhecida, nos seus pressupostos fácticos por declaração com os requisitos previstos na apontada al. c) do art. 46º, e obrigação essa que com aqueles pressupostos resulta directamente da lei [9] .
Assim, no caso, o título executivo vale para a restituição da quantia entregue só não valendo para o cumprimento específico do contrato.
Ora a apontada e reconhecida nulidade tem, como nos parece obvio, como consequência a exclusão de todos os efeitos acordados pelas partes, deixando o negócio de produzir quaisquer efeitos, nomeadamente as obrigações de eventual incumprimento pelo mutuário, mas apenas o efeito restitutório, em espécie ou equivalente.
E assim com a declaração de nulidade do contrato, desaparecem retroactivamente as atribuições patrimoniais neles acordadas, todos os efeitos que produziria um contrato válido, incluindo as convenções quanto a prazos ou data da restituição do capital mutuado, como se o negócio nunca tivesse sido celebrado.
Nestes termos, carece de qualquer relevância o acordado entre as partes quanto às circunstâncias em que deveria ocorrer a restituição do montante emprestado, nos termos acertadamente referidos na decisão recorrida, pelo que com esta assinalada pronuncia na sentença, também não têm qualquer razão os recorrentes na invocada nulidade de sentença pois que, a pronúncia sobre a questão da exigibilidade existe.
Existindo tal pronúncia, o fato de não ser no sentido defendido pelos recorrentes tal não é enquadrável no vício da nulidade de sentença
Na verdade dispõe-se no art. 615.º do CPC que a sentença é nula quando, além do mais, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia). A nulidade por omissão de pronúncia – prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC – é a sanção pela violação do disposto no art. 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, preceito que impôs ao julgador o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. E o tribunal deve conhecer as questões que são submetidas à sua decisão, balizadas pelos pedidos formulados em conformidade com as causas de pedir invocadas, e cujo conhecimento não haja ficado preterido por prejudicialidade.
Além do mais, tal nulidade verifica-se apenas nos casos em que há omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada, o que no caso em apreço não ocorre conforme já se demonstrou.
Tanto basta para concluir pela improcedência do recurso, com custas pelos apelantes que ficaram vencidos nas suas pretensões- artº 527º do CPC.

Sumário:
Estando a execução fundamentada numa declaração de dívida em que os executados reconhecem haver celebrado um contrato de mútuo que, eventualmente, haja sido celebrado por mero documento particular quando o mesmo, por lei substantiva, devia ter sido celebrado por escritura pública, pode o Tribunal reconhecida a nulidade do mutuo determinar a restituição do que houver sido prestado facultada no disposto no art. 289º, nº 1 do Cód. Civil, sem necessidade de, previamente, a exequente ter de propor uma acção declarativa, para o efeito.
Com a declaração de nulidade do contrato, desaparecem retroactivamente as atribuições patrimoniais neles acordadas, todos os efeitos que produziria um contrato válido, incluindo as convenções quanto a prazos ou data da restituição do capital mutuado, como se o negócio nunca tivesse sido celebrado.

Decisão
Em face do exposto decide-se julgar improcedente a apelação confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 17 de setembro de 2015
Maria Purificação Carvalho
Maria Cristina Cerdeira
Espinheira Baltar
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[1] Lebre, Freitas de A Acção Executiva, 2.ª Edição, página 56,
[2] disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça no endereço www.dgsi.pt
[3] Ac. do STJ de 18.10.2007, dgsi.pt, p.07B3616
[4] ver Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1987, 4ª edição, Vol I, pág. 322.
[5] D.R.,I-A, nº 115/95 de 17-5-1995, pág. 2939;
[6] Proferido no processo nº 7273/07.6TBMAI -A.P1.S1
[7] Proferido no processo nº TBPRD-A.P1.S1 datado de 04.02.2014
[8] in “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, págs. 41 e 42 da 3ª ed.,
[9] (vide Ac. do STJ Proc. nº6357/04.7TBMTS-B.P1.S1 de 13/7/2010 in www.dgsi.pt).