Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
969/13.5TBVRL.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA DOCUMENTAL
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
OPOSIÇÃO COM A DEFESA NO SEU CONJUNTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A livre apreciação estabelecida pelo legislador no nº 5 do art. 607º do CPC não inclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

II. A admissão de factos por acordo ocorre quando factos relevantes para a acção ou para a defesa não forem impugnados, havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da sua realidade (art. 574º nº1 do CPC).

III. Tal não sucede, no entanto, nos casos expressamente mencionados na 2ª parte, do nº 1, do art. 574º do CPC, casos em que, apesar de não terem sido impugnados especificadamente determinados factos alegados pela parte contrária, o legislador considera que, se os mesmos “estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto” não podem ser considerados admitidos por acordo (o que sucede também quando os factos não sejam susceptíveis de confissão, e só possam ser provados por documentos escrito).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
Recorrente(s):- F. R.;
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F. R. instaurou a presente acção declarativa contra Comissão de Festas do ano de 2007 da freguesia X, concelho de Vila Real, representada por F. M., E. S. e M. S., formulando os seguintes pedidos:

a) A condenação solidária da Ré e dos seus representantes no pagamento ao A. da quantia de 11.250,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor no montante de 2.362,50 €, bem como condenados no pagamento da quantia de 2.000,00 €, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor no montante de 420,00 €, tudo no montante global de 16.032,50 € (dezasseis mil e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos), a que acrescerão juros que se vencerem a contar da data da citação.
Para tanto alega que contratou com a Ré a apresentação do cantor J. e do grupo A no dia 26.08.2007, na festa da freguesia, pelo preço de €11.250,00 e €2.000,00 mais IVA, e que, devido às condições meteorológicas verificadas naquele dia, nenhum dos artistas pôde actuar, tendo a Ré ficado de indicar nova data para o efeito, o que não fez até à presente data, razão pela qual incumpriu o contrato.
Citada a Ré, foi apresentada contestação pelos representantes indicados na petição inicial, tendo sido deduzida reconvenção.
Em contestação foi invocada a ilegitimidade das pessoas indicadas na petição inicial como representantes da comissão de festas; impugnada a matéria alegada na petição inicial; e, em reconvenção, foi pedida a condenação do autor em indemnização de €2.500,00 pelos danos morais sofridos com a falta de actuação dos artistas contratados, e de €2.200,00, correspondente ao montante que tiveram que despender com a contratação à última da hora de artistas para a animação da festa.
Em réplica veio o Autor dizer que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pela falta de actuação dos artistas contratados, visto ter ocorrido um temporal.
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Elaborou-se Despacho Saneador, onde se referiu que a acção não foi intentada contra os representantes da comissão de festas, mas contra a Comissão de festas representada por F. M., E. S. e M. S., razão pela qual não se colocava a questão da ilegitimidade destas pessoas singulares; fixou-se o objecto do litígio e os temas da prova.
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Realizou-se a audiência de julgamento em obediência aos formalismos legais.
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:

“DECISÃO

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, julgo a presente acção totalmente improcedente por não provada e em consequência absolvo a ré Comissão de Festas de 2007 do pedido.
Condeno o autor nas custas do processo quanto ao pedido principal.
Julgo o pedido reconvencional totalmente improcedente por não provado e em consequência absolvo o Autor do pedido contra si formulado.
Condeno a Ré nas custas do processo quanto ao pedido reconvencional.”
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É justamente desta decisão que o Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença…, proferida pelo Juízo Local Cível do Tribunal Judicial de Vila Real, que julgou improcedente a acção intentada pelo Recorrente com base num contrato celebrado com a Comissão de Festas de X de 2007.
Pretende o Recorrente pôr em crise a douta Sentença, alicerçando-se, em suma, em três fundamentos:
a) A questão do pedido de condenação dos representantes daquela Comissão de Festas, por inadmissível;
b) O erro na apreciação da prova e aditamento ao ponto 9º da Matéria de Facto Assente;
c) E a contradição entre os fundamentos e a decisão e incorrecta interpretação jurídica quando conjugada com a matéria factual dada como provada.
Antes mesmo de nos debruçarmos sobre as pretensões do Recorrente, cumpre notar que a matéria de facto que resultou provada deriva das declarações de parte do Autor, confirmadas pelas testemunhas e os factos dados como provados de 9 a 17 foram admitidos pela Ré, para além de assentarem nos documentos de fls. 20 a 82;
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Quanto à alegada “Questão prévia“ cumpre dizer que o Autor intentou a presente acção contra a Comissão de Festas, representada por alguns membros que identificou e formulou um pedido de condenação solidária da Ré e dos seus representantes;
Uma Comissão de Festas, pelo facto de não ter pedido o reconhecimento de personalidade jurídica, enquanto Associação – art. 158º, nº 1, do C.C. – implica que os seus membros respondam, pessoal e solidariamente, pelas obrigações contraídas em nome dela – artigo 12º, alínea b) do CPC e arts. 199º e 200º, nº 2, do C.C..
No presente caso, o Autor chamou os representantes daquela Comissão de Festas a título de litisconsórcio voluntário e a título pessoal.
Deste modo, entende-se que ao julgar o pedido de condenação dos representantes da Ré por inadmissível, violou o douto Tribunal “a quo“, entre outras disposições, os arts. 11º, 12º, alínea b), 26º e 30º, todos do CPC e arts. 199º e 200º, do C.C., o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
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No que concerne ao erro na apreciação da prova e aditamento ao ponto 9º dos factos assentes, cumpre dizer o seguinte:
Do ponto 9º dos Factos Assentes consta o seguinte: “Ora, apesar das inúmeras tentativas feitas pelo Autor até ao presente, a Ré Comissão de Festas ainda não agendou nova data, nem a comunicou ao Autor“.
10ª Tal factualidade, conforme consta da motivação, resultou do seguinte: “Os factos 9 a 17 foram admitidos pela Ré, para além de assentarem nos documentos de fls. 20 a 82“.
11ª Ora, a factualidade vertida no ponto 9º é parte da factualidade que o Autor alegou no seu artigo 14º da petição e que não foi impugnado e foi admitida pela Ré e está em manifesta contradição com a factualidade vertida no ponto 1 dos factos não provados;
12ª Assim, se aquela factualidade vertida no ponto 9º resulta da admissão da Ré e se aquela transcreve parcialmente o vertido no artigo 14º da petição, deveria, na nossa modesta opinião, o Tribunal “a quo“ dar como assente toda a factualidade constante do artigo 14º da petição, acrescentando ao referido ponto 9º o seguinte:
“conforme lhe competia e foi por todos acordado“, sob pena de violação do artigo 574º, nºs 1 e 2 e do artigo 607º, nºs 4 e 5 do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
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13ª No que se refere à contradição entre os fundamentos e a decisão e incorrecta interpretação jurídica quando conjugada com a matéria factual dada como provada, cumpre dizer o seguinte:
14ª Da factualidade dada como provada resulta que o Autor acordou com a Ré (Comissão de Festas) a actuação do artista J. e o grupo musical “A“, no dia principal da festa, 26 de Agosto de 2007 – cfr. Ponto 3º dos Factos Assentes;
15ª Naquele dia fez-se sentir um enorme temporal, caindo precipitação intensa, que danificou algum material de som e luz e molhou equipamentos, tornando impossível a realização do espectáculo – cfr. Ponto 5 dos Factos Assentes:
16ª Também é facto assente que “imediatamente o Autor e o artista e seu representante se disponibilizaram para realizar novo espectáculo“ – Ponto 6º dos Factos Assentes.
17ª E que naquela noite “o artista J., levado por um representante da Ré, E. S., foi ao microfone do recinto agradecer às pessoas de X e dizer-lhes que brevemente ali voltaria para actuar“ – Ponto 7º dos Factos Assentes.
18ª Ficando ainda provado – Ponto 9º - que “apesar das inúmeras tentativas feitas pelo Autor, até ao presente, a Ré Comissão de Festas ainda não agendou nova data, nem a comunicou ao Autor“.
19ª Ora, da motivação da douta Sentença emerge que “No dia 26.08.2007, o Autor não apresentou os artistas, vale dizer não cumpriu a obrigação a que estava adstrito. Estamos aqui perante o incumprimento do contrato por parte do autor“.
20ª Salvo o devido respeito, tal motivação está em manifesta contradição com a factualidade dada como assente e supra se transcreveu, porque se foi dado como assente que no dia 26.08.2007 se fez sentir um enorme temporal tornando impossível a realização do espectáculo com o artista J. e o grupo “A“, não poderia o douto Tribunal “a quo“ considerar que o ora Recorrente não apresentou os artistas e que não cumpriu a sua obrigação.
21ª O contrato celebrado entre o Autor e a Ré é um contrato de prestação de serviços – cfr. artigo 1154º do C.C. – ou seja, incumbia ao Autor apresentar aqueles artistas para actuarem no dia principal da festa, em 26.08.2007.
22ª Deste modo, o Autor cumpriu a sua obrigação, sucedendo um facto alheio, quer à vontade do Autor, quer da Ré, que inviabilizou a realização do espectáculo: caso de força maior.
23ª Nessas circunstâncias, o artista J., levado por um representante da Ré, E. S., foi ao microfone do recinto agradecer às pessoas e dizer-lhes que brevemente ali voltaria para actuar – Ponto 7º dos Factos Assentes.
24ª Ou seja, em função da alteração das circunstâncias que impossibilitaram a realização do espectáculo, convergiram as partes as suas vontades (cfr. art. 219º do C.C.), no sentido da possibilidade efectiva da realização do espectáculo em nova data, com a anuência da Comissão de Festas cujo membro acompanhou aquele artista ao palco a anunciar que brevemente ali voltaria a actuar.
25ª Sendo tal declaração expressa, feita pelo artista, uma forma de comunicar que é suficiente para um declaratário normal, colocado na posição concreta do declaratário efectivo, concluir com segurança que a Ré acordou a realização de um novo espectáculo – cfr. art. 217º do C.C.
26ª Tendo sido julgado provado que a Ré ainda não agendou nova data, nem a comunicou ao Autor, apesar de ter sido, por diversas vezes, interpelada para o efeito.
27ª Deste modo, é manifesto que o incumprimento do acordado é por parte da Ré e não do ora Recorrente como decidiu o douto Tribunal “a quo“.
28ª Devendo, em consequência, ser dado como provado que o incumprimento do acordado foi por parte da Ré, o que se requer.
29ª Ao não decidir assim e salvo melhor entendimento, violou o douto Tribunal “a quo“, entre outras, as disposições contidas nos artigos 1154º, 799º, 217º, 219º, 236º, 334º, 808º, 198º e 199º, todos do Código Civil, existindo contradição entre a matéria considerada por provada e a decisão e incorrecta interpretação jurídica, quando conjugada com a matéria factual dada como provada, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
Termos em que, atento o supra exposto e com o mui douto suprimento de V.Exªs., deve a douta Sentença ser revogada e a acção proceder.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a(o)(s) Recorrente(s) coloca(m) as seguintes questões que importa apreciar:

a) A questão do pedido de condenação dos representantes daquela Comissão de Festas, por inadmissível.
b) O erro na apreciação da prova e aditamento ao ponto 9º da Matéria de Facto Assente.
c) E a contradição entre os fundamentos e a decisão e incorrecta interpretação jurídica quando conjugada com a matéria factual dada como provada.
(tal como o Recorrente indica nas conclusões que apresenta)
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. O Autor é agente artístico, fazendo dessa a sua actividade profissional, sob a firma que se denomina de “A Espectáculos”.
2. No exercício da sua actividade profissional, o Autor manteve contactos com os membros da Comissão de Festas do ano de 2007 da freguesia X, concelho de Vila Real, com vista a conseguir a participação, além de outros grupos musicais, do cantor J., em concerto a realizar no dia 26/08/2007, na referida freguesia.
3. Para o dia 26 de Agosto de 2007, dia principal da festa, acordou o Autor com a Ré Comissão de Festas que actuaria o artista J. e o grupo musical “A”, propriedade do Autor, mediante o pagamento da quantia de 11.250,00 € e 2.000,00 €, acrescidas de IVA, respectivamente.
4. Na sequência do relatado em 2 e 3 o Autor celebrou um contrato com D. S., representante do referido artista J., com vista a obriga-lo a apresentar este cantor, no espectáculo a realizar no dia 26/08/2007, como tinha previamente acordado com referida Comissão de Festas.
5. No dia 26 de Agosto de 2007 fez-se sentir um temporal, caindo precipitação intensa, que danificou algum material de som e luz e molhou equipamentos, tornando impossível a realização do espectáculo com o artista J. e o grupo “A”.
6. Deste modo imediatamente o Autor e o Artista e seu representante se disponibilizaram para realizar novo espectáculo.
7. Naquela noite o artista J. levado por um representante da Ré, E. S., foi ao microfone do recinto agradecer às pessoas de X e dizer-lhes que brevemente ali voltaria para actuar.
8. Isso mesmo foi repetido pelo referido artista J., passados alguns dias no programa de televisão da estação televisiva “W”, em que era apresentadora, a senhora AB.
9. Ora, apesar das inúmeras tentativas feitas pelo Autor, até ao presente, a Ré Comissão de Festas ainda não agendou nova data, nem a comunicou ao Autor.
10. Acontece que, o dito D. S., representante do referido artista J. interpôs contra o A. uma acção declarativa de condenação em que peticionou a condenação do A. ao pagamento da quantia de 10.125,00 € acrescido de IVA.
11. Acção que correu termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde sob o nº 1238/08.8TBVCD.
12. Em que o A. requereu através de incidente a intervenção acessória provocada da ora Ré Comissão de Festas de X.
13. Incidente que, por douto despacho veio a ser admitido e deferido o pedido de chamamento de F. M., M. S. e E. S., representantes da dita Comissão de Festas de X do ano de 2007.
14. Face ao dito chamamento, a Ré no dia 30/01/2009, apresentou contestação naqueles autos.
15. Tendo o A. respondido à contestação apresentada.
16. No entanto, sem que se realizasse julgamento, foi imediatamente proferida douta sentença, datada de 24 de Outubro de 2011, em que condenou o ora A. a pagar ao dito D. S. a quantia de 10.125,00 €, acrescida de IVA.
17. Referindo a douta sentença no último parágrafo que: “uma vez efectuado esse pagamento, voltará a impender sobre o Autor a obrigação de apresentar o cantor J. para a realização de um novo espectáculo, desde que lhe seja indicada uma nova data para o efeito por parte de Réu, que terá de ser compatibilizada com a agenda do artista”.
18. A comissão de festas, os moradores da freguesia X e F. M., E. S. e M. S. sentiram desgosto, mágoa e preocupação por não terem substitutos condignos dos artistas musicais que estavam previstos actuar.
19. A Comissão de Festas do no de 2007 de X cessou funções à meia-noite do dia 27 de Agosto de 2007.

Não se mostram provados os seguintes factos:

1. Na sequência do relatado em 5 e 6 a Ré Comissão de Festas ficou encarregue de escolher nova data para a actuação dos artistas.
2. Posteriormente, face aos sucessivos adiamentos o A. ainda propôs à Ré a hipótese de repetir os mesmos grupos no ano seguinte, sendo-lhe dito “sim senhor vamos reunir e dizemos-lhe alguma coisa”.
3. Tendo neste contexto, a Ré através dos seus representantes e com mais dois elementos alegadamente pertencentes à nova comissão de festas, ido falar com o A. para repetirem os mesmos grupos.
4. Foi despendida a quantia de €2.200,00 com a contratação à última da hora do Cantor Z e S Música, para actuarem na festa de X.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
No caso concreto, ponderando a ordem de conhecimento das questões levantadas, julga-se que a primeira questão só deverá ser apreciada, se se vier a concluir dever ser outro, o entendimento, quanto às duas últimas questões.
Na verdade, o conhecimento da referida questão só terá interesse se se vier a concluir que houve incumprimento do contrato imputável à Ré Comissão de Festas (e/ ou aos RR.).
Com efeito, só depois de se poder afirmar a existência de incumprimento contratual imputável aos RR., é que importará discutir se os Representantes da Comissão de Festas poderão, ou não, ser responsabilizados pelas consequências desse alegado incumprimento (cfr. art. 278º, nº 3 do CPC).
Nesta conformidade, inverte-se a ordem de conhecimento das questões, iniciando-se a presente apreciação pela Impugnação da matéria de facto deduzida pelo Recorrente.
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Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
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Importa, então, analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo Recorrente.
No caso concreto, não há dúvidas que o Recorrente, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida (nº 2 al. a) do citado normativo) - não indica as passagens da gravação, pois que, como iremos ver, não é esse o fundamento da sua Impugnação.
Cumpridos aqueles ónus, e nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, o Apelante não concorda, pois, com a decisão sobre a fundamentação factual proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, no que concerne aos seguintes pontos da matéria de facto: ponto 9 da matéria de facto provada – e, consequentemente, o ponto 1 da matéria de facto não provada.
Importa, pois, apreciar a argumentação do Recorrente quantos a esses pontos da matéria de facto.
Aí ficaram mencionados os seguintes factos:

Factualidade provada:

“9. Ora, apesar das inúmeras tentativas feitas pelo Autor, até ao presente, a Ré Comissão de Festas ainda não agendou nova data, nem a comunicou ao Autor.”
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Factualidade não provada:

1. Na sequência do relatado em 5 e 6 a Ré Comissão de Festas ficou encarregue de escolher nova data para a actuação dos artistas.”
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O Recorrente não concorda com estes pontos da matéria de facto, alegando que:

Do ponto 9º dos Factos Assentes consta o seguinte: “Ora, apesar das inúmeras tentativas feitas pelo Autor até ao presente, a Ré Comissão de Festas ainda não agendou nova data, nem a comunicou ao Autor“.
10ª Tal factualidade, conforme consta da motivação, resultou do seguinte: “Os factos 9 a 17 foram admitidos pela Ré, para além de assentarem nos documentos de fls. 20 a 82“.
11ª Ora, a factualidade vertida no ponto 9º é parte da factualidade que o Autor alegou no seu artigo 14º da petição e que não foi impugnado e foi admitida pela Ré e está em manifesta contradição com a factualidade vertida no ponto 1 dos factos não provados;
12ª Assim, se aquela factualidade vertida no ponto 9º resulta da admissão da Ré e se aquela transcreve parcialmente o vertido no artigo 14º da petição, deveria, na nossa modesta opinião, o Tribunal “a quo“ dar como assente toda a factualidade constante do artigo 14º da petição, acrescentando ao referido ponto 9º o seguinte: “conforme lhe competia e foi por todos acordado“, sob pena de violação do artigo 574º, nºs 1 e 2 e do artigo 607º, nºs 4 e 5 do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
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Em consequência, pede que:

- deve ser alterada a matéria de facto constante do ponto 9 da factualidade considerada provada, devendo do mesmo passar a constar a seguinte redacção:
“9. Ora, apesar das inúmeras tentativas feitas pelo Autor, até ao presente, a Ré Comissão de Festas ainda não agendou nova data, nem a comunicou ao Autor, conforme lhe competia e foi por todos acordado”.
- e deve ser dada como provada, a matéria de facto constante do ponto 1 da matéria de facto não provada.
Ou seja, deve ficar provado que:
“1. Na sequência do relatado em 5 e 6 a Ré Comissão de Festas ficou encarregue de escolher nova data para a actuação dos artistas.”
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Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou, da seguinte forma, a sua decisão quanto aos aludidos pontos impugnados (incluindo-se aqui a motivação geral):

“C Motivação

A convicção do tribunal expressa na determinação dos factos provados e não provados resultou da conjugação de todos os meios de prova produzidos, designadamente os documentos juntos aos autos e a inquirição das testemunhas M. C., psicólogo e amigo do autor, B. R., filho do autor, A. F., manobrador de máquinas, A. J., funcionário judicial, A. R., electricista, J. A., construtor civil, J. P., técnico administrativo, A. V., professor, F. T., operário da construção civil, J. M., guarda prisional, J. S., reformado e V. M., funcionário judicial..
(…)
Os factos 9 a 17 foram admitidos pela Ré, para além de assentarem nos documentos de fls. 20 a 82.
(…)
No que respeita aos factos não provados a convicção do Tribunal assentou na ausência de prova da sua veracidade.
Com efeito, os factos 1 e 3 para além de apenas terem sido referidos pelo autor e pelo seu filho contrariam as regras da lógica. Se a festa terminava no dia 27 de Agosto de 2007 e a Comissão Festas de 2007 cessava funções à meia-noite desse dia, nunca poderia ter manifestado interesse na actuação de artistas para além dessa data e muito menos poderia assumir o compromisso de indicarem nova data para o efeito.
Repita-se que a Comissão de Festas de 2007 deixou de existir a partir de 28.08.2007 e o interesse da actuação cingia-se à festa de Agosto, não cabendo àquela comissão a organização de qualquer evento para além daquele dia 27.08.2007.”
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Analisada a impugnação da matéria de facto, constata-se o seguinte:

A impugnação da matéria de facto deduzida pelo Recorrente não se funda na indicação de meios probatórios que conduziriam a uma decisão dos aludidos pontos no sentido propugnado, mas sim na invocação de que os factos questionados dever-se-ão considerar assentes por falta de impugnação, oportuna, da parte contrária (acordo) - daí que se invoquem os arts. 574º, nºs 1 e 2 e 607º, nºs 4 e 5 do CPC.
Importa, pois, ponderar a argumentação do Recorrente, tendo em conta, obviamente, a fundamentação aduzida pelo Tribunal Recorrido, no que concerne ao julgamento de facto que efectuou.
Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não se constata existir qualquer erro no julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância- designadamente, aquele que o Recorrente aponta como existente.
Importa, aqui, enquadrar juridicamente a questão.
Com efeito, a impugnação da matéria de facto deduzida pelo Recorrente, no fundo, imputa à decisão recorrida a violação das regras da prova (já que entende que o Tribunal Recorrido deu como não provados factos que já estariam plenamente provados por acordo).
Trata-se, efectivamente, de uma das situações que o legislador entendeu que a decisão da matéria de facto podia ser modificada pelo Tribunal da Relação (art. 662º, nº 1 do CPC).
Esta situação sucede quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, nomeadamente porque o Tribunal da Relação tem que aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material que foram violadas, ou não foram tidas em consideração pelo Tribunal de Primeira Instância.
Trata-se, aliás, de uma modificação da decisão sobre a matéria de facto “… que nem sequer depende da iniciativa da parte… “(1), tendo o Tribunal da Relação poderes que tanto podem determinar a assunção de factos segundo regras imperativas de direito probatório, como a desconsideração de outros factos cuja prova tenha desrespeitado essas mesmas regras.
Neste contexto, importa ter presente que existem diferentes planos de apreciação dos factos assim declarados como provados, conforme se estabelece, de resto, no nº 5 do art. 607º do CPC, nos termos do qual o Juiz “…aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto…", sendo certo que essa livre apreciação não inclui "os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes".
Assim, há que distinguir, os casos de prova livre, dos casos de prova legal (tabelada ou tarifada).
Com efeito, existem meios de prova cuja força probatória se impõe ao juiz, não tendo este qualquer margem de valoração acerca da factualidade expressa por eles.
É o que sucede, em geral, com os factos cuja prova resulte de documentos (arts. 371º, nº1 (documentos autênticos), 377º (documentos autenticados) e 376º, nº 1 (documentos particulares) do CC), de confissão (art. 358º do CC) ou de acordo das partes.
No mais, impera o regime da livre apreciação da prova, querendo isto significar que o Juiz deverá apreciar os meios de prova “…segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto…", nos precisos termos do nº 5 do art 607º.
Isto sucede na prova pericial (art. 389º do CC e art. 489º), na prova por inspecção judicial (art. 391º do CC), na prova por verificação não judicial qualificada (art. 494º 3 do CPC), na prova testemunhal (art. 396º do CC) e na prova por depoimento/declarações de parte (arts. 463/466º 3 do CPC).
Pode-se, assim, dizer que, regra geral, os meios de prova são apreciados livremente pelo Tribunal, mas há alguns casos de apreciação legal (vinculada, tabelada ou tarifada) de prova, como acontece com a confissão judicial escrita (art. 358, nº1 do CC), com a confissão extrajudicial constante de documento dirigida à parte contrária (art. 358, nº2 do CC) e com certa prova documental (arts. 371, nº1, 376º, nº 1 e 377º do CC).
Assinale-se que, mesmo dentro da prova legal, há diferentes graus a considerar, em função das condições em que será possível pôr em causa tal prova, falando-se então em prova bastante (susceptível de ser abalada por contraprova (2)), plena (susceptível de ser abalada pela prova do contrário (3)) e pleníssima (que não pode ser abalada sequer por prova do contrário (4)).
Finalmente, ainda por referência ao disposto no nº 5 do art. 607º, é de notar que o princípio da livre apreciação da prova cessa quando estejam em jogo factos para cuja prova a lei exija formalidade especial.
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No caso concreto, como se referiu, o Recorrente entende que o Tribunal Recorrido deu como não provados factos que já estariam plenamente provados por acordo.
Entende, pois, o Recorrente que a matéria de facto aqui impugnada devia ser alterada, invocando, como fundamento, a existência de acordo das partes sobre esta factualidade, acordo esse resultante da posição que cada uma das partes, desde logo, assumiu em sede dos articulados que apresentaram, em momento processualmente oportuno.
Trata-se de conclusão que a ter apoio efectivo na posição das partes poderia conduzir efectivamente à alteração da matéria de facto.
Na verdade, é pacífico o entendimento que, mostrando-se determinada factualidade provada por acordo das partes- e estando, assim, os factos objecto desse acordo plenamente provados- não é admissível a produção de qualquer outro meio de prova, nomeadamente de prova testemunhal e prova documental, no sentido de pôr em causa aquela prova plena.
Na verdade, o nosso direito processual aceita que, em determinados casos, da omissão dum acto da parte resulte que se tenha por assente um facto, ou um acervo de factos alegados pela parte contrária.
Isso pode acontecer, desde logo, em casos de revelia (arts 566º e ss. do CPC), mas também sucede como decorrência da regra processual de que a não impugnação especificada dum facto no articulado seguinte àquele em que foi alegado resulta ter-se esse facto por assente (art. 574º, nº1 e 2 do CPC e art. 587º, nº1 do CPC, onde se refere expressamente que “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados…”; cfr. também, art. 607º, nº 4 do CPC onde se refere expressamente que “… o Juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito… “).
Tal não sucede, no entanto, nos casos expressamente mencionados na 2ª parte, do nº 1, do art. 574º do CPC, casos em que, apesar de não terem sido impugnados especificadamente determinados factos alegados pela parte contrária, o legislador considera que, se os mesmos “estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto” não podem ser considerados admitidos por acordo (o que sucede também quando os factos não sejam susceptíveis de confissão, ou só possam ser provados por documentos escrito).
A cominação estabelecida no citado preceito legal “… é consequência da inobservância dum ónus intimamente ligado ao princípio do dispositivo, no seu aspecto de adução do material de facto a utilizar na decisão do litígio. Tal como no caso anterior (da revelia), a politica seguida pela lei portuguesa, ao impor a cada parte o ónus de tomar posição sobre a matéria de facto trazida ao processo pela parte contrária, constitui, diz-se, “o incentivo mais poderoso para as (partes) coadjuvarem na descoberta da verdade sobre a matéria de facto” (citando A. Varela, Manual, p. 316), não porque possam dispor a seu bel-talante do material fáctico do processo, mas de acordo com a noção de auto-responsabilidade inerente ao seu poder de iniciativa…” (5).
Na verdade, “ … a lei retira da preclusão do ónus de contestar ou de impugnar, não exercido em condições de auto-responsabilidade do omitente, a consequência de ter por verdadeira a afirmação feita pela contraparte; e fá-lo com base numa regra da experiência- a de que, na generalidade dos casos, à manifestação de desinteresse em impugnar uma afirmação corresponde a verdade desta.
Encontramo-nos assim perante uma presunção inilidível que opera no campo estritamente processual… e é extraída da conjugação entre uma afirmação e a falta de afirmação contrária, constituindo a primeira o núcleo da fatispécie probatória e surgindo o comportamento omissivo como “conditio juris” da sua eficácia…”(6).
Com efeito, “… a admissão constitui mesmo uma prova pleníssima (e não apenas plena) porquanto os factos em causa ficam definitivamente provados no processo, não podendo o Réu vir posteriormente negá-los. A admissão identifica-se, assim, com uma presunção inilidível…”(7).
É por estas razões que, mostrando-se determinada factualidade provada por acordo das partes, não é admissível a produção de qualquer outro meio de prova, nomeadamente de prova testemunhal e documental, no sentido de pretender pôr em causa aquela prova plena, ou talvez melhor, no sentido de pretender pôr em causa aquela presunção inilidível.
É o que, aliás, decorre para a prova testemunhal do disposto no art. 393º, nº 2 do CC, onde se estabelece que “… também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por qualquer outro meio com força probatória plena… “.
Com esta regra legal o que se “… pretende salvaguardar (é) a hierarquia dos meios de prova ao estabelecer que a prova testemunhal não pode ter por objecto factos provados por meios de prova com valor probatório superior… “(8).
E é o que decorre para qualquer meio de prova, inclusivamente para a prova documental, atentas as regras processuais atrás explanadas (nomeadamente, se não se verificarem as ressalvas estabelecidas na 2ª parte, do nº 2 do art. 574º do CPC).
Destas considerações decorre, assim, que “… tendo a estrutura de uma omissão, não se poderá dizer que a admissão constitui, sequer tacitamente, uma afirmação sobre a realidade e, se é certo, que exerce, com a afirmação que a precede, a função de prova da realidade dum facto, tal não implica um acordo de afirmações, nem que constitua aceitação, ainda que apenas tácita, duma afirmação, visto que os seus efeitos jurídicos são de origem legal e independentes da vontade do admitente … Por isso não está sujeita ao regime da impugnação do negócio jurídico, nem ao da confissão…”(9).
Aqui chegados, importa, pois, analisar se se pode concluir que os factos, aqui em discussão, podem considerar-se provados por acordo das partes.
Conforme decorre do exposto, entende o Recorrente que a matéria de facto alegada no item 14 da petição inicial (na parte em que aí se alegou: “conforme lhe competia e foi por todos acordado”) e no ponto 1 da matéria de facto não provada, estaria provada, porque tais factos estariam admitidos por acordo (entendendo o Recorrente que os RR. não impugnaram os factos alegados no referido item).
Importa, pois, verificar se assim se pode reconhecer.
Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, afigura-se-nos que, de forma alguma, se pode entender que tal factualidade se mostra provada por acordo.
Na verdade, compulsada a petição inicial e a contestação apresentada pelos RR., pode-se facilmente constatar que estes últimos impugnam especificadamente a matéria de facto constante do item 14 da petição inicial (na parte aqui em discussão).
Com efeito, se bem que não indiquem expressamente o citado item, decorre das suas alegações fácticas, vertidas na contestação, que, contrariamente ao alegado pelo Autor, a Comissão de Festas só tinha interesse na actuação do músico ou grupo musical contratado “para o dia da festa”. Nessas circunstâncias, se o espectáculo contratado não se realizar, fica sempre contratualmente estabelecido que “os agentes têm o dever de cumprir o direito à indemnização à Comissão de Festas, pelos danos materiais e morais pela falta de cumprimento do contrato, cuja prestação de serviços é o de assegurar para o dia da Festa Padroeira, música e divertimento nos mordomos e participantes e visitantes da festa da localidade”- item 11 da contestação.
Da mesma forma, alegaram no item 22 que é “insensato… pensar-se que o dia da festa ficava sem animação e em outra data que não a da Padroeira, terminando nesse dia à meia-noite o mandato a Comissão de Festas e sendo outros os membros eleitos nesse dia para a Comissão de Festas do próximo ano viriam conjuntos musicais, tocando para “as moscas” pois, emigrantes e visitantes, no dia seguinte de manhã, põem-se a debandar para outras paragens…”.
Finalmente, no item 28 da contestação, os RR. expressamente impugnaram “o vertido no art. 26 (da p.i.) pelo facto alegado no item 22 desta, pois, o mandato da Comissão de Festas de X, terminava no dia 16 há meia noite”(sic).
Ora, no citado item 26 da petição inicial, o Autor havia alegado:

“Ficaram os referidos membros da Comissão de Festas de X de marcar nova data ainda naquele mês, mas o tempo foi passando e, até hoje eles nada marcaram…”.
Nesta conformidade, percorrida toda esta confluência de posições assumidas pelas partes, não há dúvidas de que a matéria de facto, que o Autor aqui entenderia estar provada por acordo, foi expressamente impugnada pela parte contrária nos itens 11, 22 e 28 da contestação.
Nessa medida, não há dúvidas que não existe qualquer acordo estabelecido entre as partes, nos termos exigidos pelos invocados arts. 574º, nºs 1 e 2 e 607º, nºs 4 e 5 do CPC, que possibilitasse ao Tribunal Recorrido considerar os factos aqui em discussão como plenamente provados.
Na verdade, decorre da posição das partes vertida nos respectivos articulados que a matéria de facto em causa encontrava-se controvertida, o que, aliás, não constitui qualquer surpresa para o Autor, pois que, como se pode verificar do despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova (cfr. art. 596º do CPC), aí também se mencionou, expressamente, o seguinte tema da prova:
“Saber se o Autor e Ré acordaram que a Ré agendaria nova data para a realização do espectáculo”
Tanto basta para se constatar a evidência da falta de sustentação da impugnação da matéria de facto deduzida, pelo Recorrente, com este fundamento.
Da mesma forma, também se tem que entender que esta matéria de facto não deve ser alterada em função do facto dado como provado no ponto 7 da matéria de facto provada.
Na verdade, da circunstância de aí ter ficado provado que “o artista J., levado por um representante da Ré, E. S., foi ao microfone do recinto agradecer às pessoas e dizer-lhes que brevemente ali voltaria para actuar” não se pode retirar manifestamente que a Ré se tivesse obrigado a agendar novo espectáculo para nova data- que seria o facto que o Recorrente pretendia aditar à matéria de facto provada.
Na verdade, não se pode retirar dessa factualidade, ainda que de uma forma tácita, que existisse qualquer acordo (ou declaração da Ré) no sentido de que iria ser agendada nova data para a realização do espectáculo.
É que, como se referiu, na fundamentação da decisão:
“Se a festa terminava no dia 27 de Agosto de 2007 e a Comissão Festas de 2007 cessava funções à meia-noite desse dia, nunca poderia ter manifestado interesse na actuação de artistas para além dessa data e muito menos poderia assumir o compromisso de indicarem nova data para o efeito.
Repita-se que a Comissão de Festas de 2007 deixou de existir a partir de 28.08.2007 e o interesse da actuação cingia-se à festa de Agosto, não cabendo àquela comissão a organização de qualquer evento para além daquele dia 27.08.2007”.
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Improcede, pois, também esta argumentação.
A consequência desta improcedência é, assim, a de que a decisão sobre a matéria de facto tem que se manter inalterada, improcedendo o Recurso nesta parte- o que se julga.
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Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto, no sentido propugnado pelo Recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Entende o Recorrente que existe contradição entre os fundamentos e a decisão, e incorrecta interpretação jurídica quando conjugada com a matéria factual dada como provada.
Para tanto, alega que não decorre da matéria de facto provada (mesmo sem a alteração aqui propugnada em sede de Impugnação da matéria de facto) que tenha existido incumprimento, da sua parte, da obrigação que sobre si recaía, no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado.
Assim, alega que o que ficou provado foi que existiu uma situação de impossibilidade de realização do espectáculo, em razão de um enorme temporal que no dia da festa ocorreu.
Nessa sequência, alega que o que ficou provado foi que o artista, por si agenciado, logo se disponibilizou a realizar o espectáculo noutra data, data essa que a Ré Comissão de Festas nunca agendou.
Por isso, conclui, nunca a sentença poderia teria ter afirmado que existiu, da sua parte, incumprimento do contrato - sendo que esta conclusão mostra-se contraditória com a factualidade dada como provada: “porque se foi dado como assente que no dia 26.08.2007 se fez sentir um enorme temporal tornando impossível a realização do espectáculo com o artista J. e o grupo “A“, não poderia o douto Tribunal “a quo“ considerar que o ora Recorrente não apresentou os artistas e que não cumpriu a sua obrigação.”.
Importa que o presente Tribunal se pronuncie, brevemente, sobre esta argumentação.
Na verdade, se bem que o Tribunal Recorrido tenha efectivamente referido que teria existido incumprimento do contrato por parte do Autor, a verdade é que, no enquadramento jurídico que faz dos factos provados, entendeu – e muito bem- que tal incumprimento não lhe era imputável.
Constata-se, assim, que não existe qualquer contradição entre os factos provados e o enquadramento jurídico defendido na sentença, nem existe sequer qualquer erro no enquadramento jurídico efectuado em Primeira Instância.
Bem pelo contrário, pode-se aqui subscrever integralmente o que aí ficou referido, com grande clareza:
“Estamos assim perante o incumprimento do contrato por parte do autor.
Mas será que se pode considerar esse incumprimento definitivo e daí extrair as necessárias consequências, ou será que o incumprimento foi apenas temporário, como pretende o Autor.
Nos termos do disposto no artigo 792º, nº2 do Código Civil a impossibilidade de cumprimento só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor.
No caso dos autos, a contratação dos artistas visava actuações na festa da freguesia que se realizou o dia 25 a 27 de Agosto de 2007. Por outro lado a comissão de festas é designada para a organização da festa de Agosto, cessando as suas funções exactamente no final de festa, altura em que é designada nova comissão de festas.
Do acabado de expor resulta que o interesse da comissão de festas na actuação dos artistas em data posterior à da festa para a qual foram contratados, não pode existir. Com efeito, depois da festa, a própria comissão de festas com aqueles membros já não existe, razão pela qual não iria organizar qualquer outro evento na freguesia, não tendo, nem podendo ter qualquer interesse na actuação de artistas para além da data da festa de Agosto, última missão para a qual foi constituída.
Assim, não tendo o autor provado que logo no dia 26.08.2007 acordou com a comissão de festas de 2007 o agendamento para data posterior da actuação do artista J. e do Grupo A- o que aqui se manteve- e não se verificando a situação de impossibilidade temporária, tem-se a obrigação por definitivamente incumprida pelo autor e não pela ré, como alegado na petição inicial.
Tendo-se concluído pelo incumprimento definitivo do contrato por parte do autor o que redunda na improcedência do pedido, resta apreciar o pedido reconvencional, que assenta justamente no incumprimento do contrato pelo autor.
Diz o artigo 798º do Código Civil que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (artigo 799º do Código Civil).
Dos factos provados resulta que a não actuação do artista J. e do Grupo A deveu-se ao temporal que se fez sentir na tarde do dia 26.08.2007 em X e que molhou os equipamentos electrónicos instalados e destinados ao espectáculo inviabilizando, por questões de segurança a sua realização.
Tratou-se assim de um facto inevitável, incontrolável pela acção humana e pelo autor, que determinou a situação de incumprimento.
O caso de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade: será todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até presumido, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências [Acórdão do STJ de 27/09/1994, proc. 084991, disponível in www.dgsi.pt/jstj, citando Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 1ª ed., pg. 773].
No caso dos autos o incumprimento do contrato pelo autor deveu-se a causa de força maior, ou seja por causa que não lhe é imputável, com a consequente aplicação do regime previsto no artigo 790º do Código Civil e a não aplicação do regime do artigo 798º e 801º do mesmo diploma.
Em face do exposto, também a reconvenção tem que improceder.”
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Como se disse, em face do explanado na decisão recorrida, nada mais se pode acrescentar ao que aí ficou dito, ficando patente não existirem os vícios que o Recorrente lhe apontava.
Ou seja, o Tribunal Recorrido, em face dos factos provados, considerou não existir uma situação de impossibilidade temporária do cumprimento (art. 792º, nº 2 do CC) porque o interesse do credor (a Comissão de Festas) não se mantinha.
E considerou existir incumprimento definitivo da obrigação não imputável ao Autor (art. 790º do CC), tendo em conta o caso de força maior constatado (enorme temporal).
Não existe, pois, qualquer contradição entre a factualidade dada como provada – e aqui confirmada- e o enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal Recorrido
Improcede, pois, totalmente o Recurso, ficando prejudicada a apreciação das questão prévia, uma vez que, tendo-se conhecido do mérito da acção no sentido da improcedência da acção, o conhecimento daquela questão, contendendo com a regularidade da instância (pressuposto processual) nenhuma influência poderia ter no sentido final da presente decisão (cfr. art. 278º, nº 3 do CPC).
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pelos Autor/Recorrente totalmente improcedente.
*
Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 16 de Novembro de 2017

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)

1. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 246;
2. É exemplo o regime do art. 374º do CC em que o valor probatório da letra e assinatura de documento pode ser posto em causa por simples impugnação da parte contrária.
3. É exemplo as presunções legais ilidíveis (art. 350, nº2 do CC) e os documentos autênticos (arts. 371º e 372º do CC).
4. É exemplo as presunções legais juris et de jure (parte final do nº 2 do art. 350 do CC).
5. Lebre de Freitas, in “ A Confissão no Direito Probatório”, pág. 532;
6. Lebre de Freitas, in “ A Confissão no Direito Probatório”, pág. 547/8;
7. Luís Filipe Pires de Sousa, in “A prova testemunhal”, pág. 204;
8. Rita Gouveia, in “Comentário ao CC- Parte Geral”, pág. 889; e ac. do Stj de 7.10.2010 (relator: Custódio Montes), in dgsi.pt onde se refere que: “… a confissão e admissão de factos por acordo são dois meios distintos de prova. Com efeito, a confissão consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.352º do CC). Confissão que pode ser judicial, que é a que é feita em juízo. Mas a confissão tem que ser feita por quem tem poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira e a “afirmação de patrono, nas alegações, com simples mandato forense, não pode valer como declaração confessória, com a força probatória do art. 358.º do CC; vale como elemento probatório que o tribunal aprecia livremente (…). Outra coisa é o que deriva do art. 490.º do CPC: Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados…” (…) Aqui, a prova dos factos deriva do não cumprimento do ónus de contestar, como resulta da norma.”.
9. Lebre de Freitas, in “ A Confissão no Direito Probatório”, págs. 548/9; no mesmo sentido, Manuel de Andrade, in “Noções elementares de processo civil”, págs. 151/2 que constatando que a nossa lei lhe confere efeitos mais energéticos do que os da confissão, se inclinava para pensar que a admissão não estava sujeita à disciplina impugnatória desta (nem à do negócio jurídico);