Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
50/14.0SLLSB-AT.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE
RECLAMAÇÃO PENAL
RECURSO
INADMISSIBILIDADE
PRAZO ALARGADO
PEDIDO DO MP
EXTENSÃO AO ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO ATENDIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O deferimento do pedido do Mº Pº de alargamento do prazo para recorrer é extensível aos demais sujeitos processuais como o arguido, à luz do disposto no artº 107º, nº 6, do CPP, nomeadamente quando é invocada para tal deferimento circunstância comum, como seja a extensão da decisão judicial.

II - Este normativo, muito embora prescreva que a prorrogação do prazo aí prevista dependa de requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, não faz qualquer distinção quanto aos beneficiários da sua atribuição, ou seja, que aproveita só ao requerente, não consentindo uma interpretação restritiva como seja a de que é aplicável essa prorrogação apenas a quem a pede.

III - O argumento para o deferimento desse prazo alargado de “não coarctar ao Mº Pº a possibilidade do exercício pleno do direito ao recurso” também é extensível ao arguido recorrente, enquanto sujeito processual, e com o fim de lhe ser assegurada a tutela efectiva do seu direito ao recurso, constitucionalmente consagrado, e último reduto de impugnação judicial ordinária.

IV - Não estão aqui em causa os requisitos legais inerentes ao deferimento ou não desse pedido de prorrogação do prazo (como seja, além da complexidade excepcional do processo, a motivação invocada para esse pedido), mas sim o facto de se estender aos demais sujeitos processuais o prazo alargado a pedido de um deles para o exercício efectivo do direito ao recurso.

V - Exigências de um processo equitativo e justo (due process of law), por um lado, e de uma concreta igualdade de armas, por outro, como garantia de defesa do arguido, sobrelevam a necessidade de não se cercear ao reclamante/arguido a faculdade de recorrer, aproveitando a prorrogação do prazo a requerimento do Mº Pº.
Decisão Texto Integral:
Reclamante: Jorge (arguido);
Recorrido: Ministério Público;

*****
I - Relatório

Jorge, arguido, veio reclamar do despacho do Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Guimarães - Juiz 4, datado de 24.01.2018, que não admitiu o recurso por si interposto, por extemporaneidade, cujo teor é o seguinte:

«A fls. 23776 veio o arguido Jorge interpor recurso da decisão final.
Fê-lo por correio eletrónico, em 23.01.2018.
Considerando a data do depósito da decisão (09.11.2017 — cfr. fls. 23111) e o disposto no art.° 411°, n.° 1, ai. b) do CPP, é manifesto que o recurso foi interposto fora de prazo.
A tal não obsta a circunstância de ter sido concedida ao Ministério Público a prorrogação do prazo para interposição.
Damos aqui por reproduzidos os fundamentos acima invocados quanto ao pedido de prorrogação de prazo requerido pelo arguido Manuel, designadamente o entendimento expresso no Ac. da Relação do Porto de 28.11.20 12.
Pelo exposto, por extemporâneo, decido não admitir o recurso interposto pelo arguido Jorge.
Notifique.».

Segundo o reclamante o recurso deveria ter sido admitido, argumentando, em súmula, que:

i) Na data da elaboração do Acórdão que serve de fundamento à rejeição do recurso ainda se encontrava em vigor a lei antiga do Código de Processo Penal- DL n.° 78/87, de 17 de Fevereiro com a redação da Lei n.° 26/20 10, de 30 de Agosto, o qual estipulava prazos diferentes para a sua interposição (30 e 20 dias), conforme houvesse ou não impugnação da matéria de facto, pelo que tal aresto é inaplicável ao caso em apreço.

ii) A actual redacção do artº 411º, do CPP, estabelece um único prazo.

iii) Nos termos do artº 107º, nº 6, do CPP, para que a prorrogação do prazo seja deferida é necessário que o procedimento se revele de excecional complexidade e que tal pedido de prorrogação do prazo seja requerido pelo Ministério Público, pelos Arguidos, pelo Assistente ou pelas partes civis.

iv) O deferimento do pedido de prorrogação do prazo de interposição do recurso, ainda que requerido por um dos sujeitos processuais - Ministério Público, assistente, arguido ou das partes civis – aproveita ao demais.

v) O deferimento da prorrogação do prazo de recurso requerida pelo MºPº aproveita ao arguido reclamante.

vi) Tal deferimento ao MºPº atendeu ao facto de ser um procedimento de especial complexidade e não atendeu a um justo impedimento pessoal, sendo certo que o MºPº é um sujeito processual como os demais, estando em causa o princípio da igualdade de armas e de um processo equitativo.

vii) Decisão diversa como a proferida coloca em questão o direito ao recurso do arguido consagrado no artº 32º, nº 1, da CRP.

Pede que seja atendida a reclamação, sendo proferida decisão de admissão do recurso.

II - Fundamentação

A considerar as incidências fáctico-processuais constantes do Relatório supra.

Por sua vez, no despacho reclamado foi rejeitado esse mesmo recurso, com o fundamento de ser extemporâneo.

Apreciando:

A primordial questão suscitada pelo reclamante baseia-se no invocado aproveitamento do prazo alargado por via do deferimento da prorrogação do prazo para interposição de recurso a requerimento do Mº Pº.

Esgrime então o reclamante que o alargamento desse prazo para recorrer a pedido do Mº Pº não pode deixar de aproveitar aos demais sujeitos processuais como o arguido, à luz do disposto no artº 107º, nº 6, do CPP.

Estipula este preceito, sob a epígrafe “Renúncia ao decurso e prática de acto fora do prazo” que “Quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.º, 287.º e 315.º e nos n.os 1 e 3 do artigo 411.º, até ao limite máximo de 30 dias”.

De facto, este normativo, muito embora prescreva que a prorrogação do prazo aí prevista dependa de requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, não faz qualquer distinção quanto aos beneficiários da sua atribuição, ou seja, que aproveita só ao requerente.

Logo, não consente uma interpretação restritiva como seja a de que é aplicável essa prorrogação apenas a quem a pede.

Por seu turno, no seu pedido de prorrogação de prazo o Mº Pº limitou-se a invocar que se trata de um processo de especial complexidade – circunstância geral com que os demais sujeitos processuais, como o arguido reclamante, se confrontam.

Até porque não foi atendido, aliás, o invocado fundamento processualmente específico do requerente Mº Pº (o de os dignos subscritores desse requerimento não terem estado presentes no decurso da audiência de julgamento) para tal alargamento do prazo.

Restando, assim, como fundamento plasmado nesse deferimento de prorrogação do prazo o da ‘extensão da decisão’, o qual não deixa de ser aplicável também aos demais sujeitos processuais, como o arguido reclamante.

Acresce que o argumento para o deferimento desse prazo alargado de “não coarctar ao Mº Pº a possibilidade do exercício pleno do direito ao recurso” também é extensível ao arguido recorrente, enquanto sujeito processual, e com o fim de lhe ser assegurada a tutela efectiva do seu direito ao recurso, constitucionalmente consagrado, e último reduto de impugnação judicial ordinária.

Em suma, a nosso ver, não estão aqui em causa os requisitos legais inerentes ao deferimento ou não desse pedido de prorrogação do prazo (como seja, além da complexidade excepcional do processo, a motivação invocada para esse pedido).

Mas sim, o facto de se estender aos demais sujeitos processuais o prazo alargado a pedido de um deles para o exercício efectivo do direito ao recurso.

Ora, exigências de um processo equitativo e justo (due process of law), por um lado, e de uma concreta igualdade de armas, por outro, como garantia de defesa do arguido, sobrelevam a necessidade de não se cercear ao reclamante/arguido a faculdade de recorrer, aproveitando a prorrogação do prazo a requerimento do Mº Pº.

Ademais, estamos perante questão controvertida (veja-se o voto de vencido do citado Acórdão do TRP de 28.11.2012, proc. 1721/09.8JAPRT.P1 in dgsi.pt), cuja recorribilidade importa não arredar por efeito da insindicabilidade ínsita ao indeferimento da reclamação qua tale.

Porquanto se deixa aduzido, atende-se a reclamação.

III. Decisão
Pelo exposto, decide-se atender a reclamação apresentada pelo arguido Jorge, devendo Tribunal de 1ª instância proferir despacho de admissão de recurso, se não houver outros fundamentos que obstem a tal.
Sem custas.
Notifique.

Guimarães,

O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,

António Júlio Costa Sobrinho