Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
200/12.0TBCBT.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: INVENTÁRIO
AVALIAÇÃO
LEGADO INOFICIOSO
EXCESSO DE BENS LICITADOS
COMPOSIÇÃO DOS QUINHÕES
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- O normativo emergente do n.º 2 do art. 1367º, do C. P. Civil, tem em vista a retificação de valores, na defesa dos interesses do donatário ou legatário, conquanto resulte da avaliação dos bens doados ou legados e das licitações que a doação ou legado tem de ser reduzido por inoficiosidade.

II- Sendo evidente que a necessidade dessa mesma redução por inoficiosidade já resultava dos valores atribuídos na relação de bens, é de indeferir a pretendida avaliação de outros bens da herança ao abrigo de tal normativo legal (art. 1367º, n.º 2, do C. P. Civil).

III- Não resultando das licitações efetuadas, uma diferença excessiva sobre o valor da quota hereditária devida ao licitante, será conveniente manter a regra geral de atribuição segundo a licitação, prevista no art. 1374º, al. a), do C. P. Civil.

IV- Deverá considerar-se excessivo ou abusivo, designadamente por violação dos princípios de proporcionalidade e justa divisão de bens a partilhar, deferir o pedido de adjudicação de bens, licitados por outros, a credores de “tornas” de valores diminutos, quando, por essa via, se priva o licitante de qualquer direito (designadamente de escolha) sobre todos os bens em que licitou.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Filipe veio requerer a abertura de inventário judicial para partilha de herança aberta por óbito de seu avô Miguel, alegando, para o efeito, em suma, que o inventariado faleceu, em 17.01.2012, deixando como únicos e universais herdeiros o cônjuge sobrevivo, quatro filhos sobrevivos e os sucessores do filho pré-falecido, pelo que cumpre proceder à partilha dos bens que fazem parte do acervo hereditário, nomeando-se cabeça-de-casal o cônjuge sobrevivo Maria.

O processo prosseguiu os seus trâmites processuais, designadamente com as declarações da cabeça-de-casal e apresentação da respetiva relação de bens (cfr. relação de bens definitiva de fls. 253 a 258), sendo que, a 15.11.2016, procedeu-se à realização da “Conferência de Interessados”, na qual designadamente foi proferido despacho a adjudicar aos cinco filhos do inventariado o dinheiro da verba n.º 9, sendo certo que os interessados acordaram em que a cabeça-de-casal deveria proceder à entrega em dinheiro dos montantes devidos por cada uma das estirpes, mediante recibo e por intermédio dos respetivos mandatários, até ao final do corrente ano.

Seguidamente os interessados acordaram em atribuir, sem licitações, à cabeça-de-casal legatária a verba n.º 10 (legado), pelo valor de € 30.960,00, correspondente a metade (à respetiva meação) do valor pelo qual foi relacionada, de acordo com o seu valor patrimonial matricial.

Mais acordaram os interessados, nessa mesma conferência, em formar um único lote (lote 1), constituído pelas verbas nºs 1, 6, 7 e 8, o qual foi licitado pela cabeça-de-casal pelo valor de € 6.000,00.

As restantes verbas foram licitadas pela cabeça-de-casal (verba n.º 2), pelo interessado F. C. (verbas nºs 3 e 4) e pelo interessado Filipe (verba n.º 5), respetivamente pelos valores de € 350,00 (verba n.º 2), € 150,00 e € 150,00 (verbas nºs 3 e 4) e € 1.500,00 (verba n.º 5) – cfr. fls. 286 e 287.

Por requerimento datado de 25.11.2016 (cfr. fls. 295 e 296), a cabeça-de-casal veio requerer a avaliação, por um único perito, das verbas nºs 6, 7 e 8, o que veio a ser indeferido por despacho proferido a 11.02.2017 (cfr. fls. 308 a 313).

Neste mesmo despacho de 11.02.2017, procedeu-se a despacho determinativo da forma à partilha.

Na sequência foi elaborado “Mapa Informativo”, dando conta designadamente de que a cabeça-de-casal terá dar tornas e pagar em dinheiro a importância da redução referente ao legado da verba n.º 10, assim como o interessado Filipe também terá de dar tornas – cfr. fls. 314 a 316.

Por requerimento de 30.03.2017, as interessadas Fátima, D. C., E. C. e I. C. vieram peticionar a composição dos seus quinhões em bens (Lote 1 e verba n.º 2) e a notificação da cabeça-de-casal para depositar os valores das tornas ainda em dívida devidas às requerentes (cfr. fls. 318 e 319).

Por requerimento de 30.03.2017, o interessado F. C. veio requerer a correção do mapa de partilha, designadamente onde consta a adjudicação de ½ da verba n.º 9 à cabeça-de-casal, deverá passar a constar apenas a adjudicação de € 11.397,12, sendo a quantia restante da verba n.º 9 a ser utilizada para preenchimento dos quinhões dos co-herdeiros que não hajam licitado bens suficientes para preenchimento dos seus quinhões.

Caso assim, não se entenda requerer a composição do seu quinhão com a adjudicação do lote 1, compondo-se a parte restante do seu quinhão com a quantia da verba n.º 9 ou com o pagamento de tornas de quem as houver de pagar (cfr. fls. 323 e 325).

Por requerimento de 30.03.2017, a cabeça-de-casal veio igualmente requerer a correção do mapa de partilha, nomeadamente onde consta a adjudicação de ½ da verba n.º 9 à cabeça-de-casal, devendo passar a constar apenas a adjudicação do valor que venha a apurar-se como necessário desta verba para preenchimento do quinhão da cabeça-de-casal, sendo a quantia restante adjudicada aos demais co-herdeiros que não hajam licitado em bens suficientes para preenchimento dos seus quinhões e, no que vier a faltar, a ser pago por tornas de Filipe (cfr. fls. 326 e 328).

Por despacho de 21.04.2017 (1ª parte) tais requerimentos de fls. 323 a 328, no que se refere à requerida correção do mapa de partilha vieram a ser indeferidos; assim como igualmente se indeferiu os requerimentos de composição de quinhões apresentados pelos interessados de fls. 318 e 319 e 323 a 325 (2ª parte) – cfr. fls. 335 a 337.

Procedeu-se à elaboração do “Mapa de Partilha” (cfr. fls. 346 e 347).

Do mesmo, vieram as interessadas Fátima, D. C., E. C. e I. C. reclamar, por requerimento de 25.05.2017 (cfr. fls. 351 a 353), concluindo que os pagamentos à cabeça-de-casal e às reclamantes, previstos no mapa de partilha reclamado, padecem de vício da decisão de fls. 335 a 337, a qual foi alvo de recurso de apelação, designadamente quanto à adjudicação dos bens licitados à devedora de tornas, depois de as reclamantes terem requerido a adjudicação para composição parcial em bens do valor global das tornas a que têm direito.
Tal reclamação veio a ser indeferida por despacho de 20.06.2017 (cfr. fls. 354).

Por sentença de 19.10.2017, veio a ser homologada a partilha constante do mapa de fls. 346 e 347.

Desta mesma sentença homologatória, assim como do referido despacho interlocutório de 21.04.2017 (cfr. fls. 335 a 337) vieram as interessadas Fátima, D. C., E. C. e I. C. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença homologatória da partilha constante do mapa de fls. 346 a 347 verso, com a referência 155038373 e do despacho de indeferimento de fls. com a referência 152770461, proferido na sequência do requerimento apresentado pelas ora recorrentes, com a referência 25339653, no qual as mesmas requereram a composição parcial dos seus quinhões em bens e o depósito do valor das tornas ainda em dívida, após a adjudicação dos bens licitados.
B. Não foi admitido o recurso interposto do referido despacho interlocutório, por Acórdão desta Relação, de 28 de Setembro de 2017, razão por que, com o presente recurso da sentença homologatória da partilha, pretende-se que aquele seja também apreciado, em simultâneo, sendo que a sentença recorrida é mero corolário do despacho recorrido, determinando a procedência deste a inutilização dos atos processuais subsequentes, como sejam o mapa de partilha de fls. 346 a 347 verso e a sentença homologatória recorrida.
C. As interessadas ora recorrentes, elaborado o mapa informativo, por haver excesso de bem legado e licitados pela cabeça-de-casal, nos termos do artigo 1376º do C. P. Civil, foram notificadas do mesmo, bem como, nos termos e para os efeitos do artigo 1377.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para, querendo, no prazo de 10 dias, requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento de tornas e requerer o preenchimento da sua quota com verbas licitadas em excesso por outro interessado pelo valor resultante da adjudicação e até ao limite do seu quinhão;
D. A fls. 318 a 321 (requerimento com a ref.ª 25339653), as interessadas ora recorrentes, requereram a composição dos seus quinhões, em parte, mediante a adjudicação dos bens que integram o lote 1, constituído pelas verbas 1, 6, 7 e 8, e a verba n.º 2, licitadas pela cabeça-de-casal, pelos valores, respetivamente de €6000,00 e €350,00, nos termos e na proporção que descreveram no ponto 2 do seu requerimento;
E. O tribunal “a quo”, no despacho interlocutório recorrido, entendeu que às recorrentes não assistia o direito de requereram a composição dos seus quinhões nos termos pretendidos, não se encontrando preenchido o pressuposto essencial para se lançar mão do disposto no n.º 2 do artigo 1377.º do Código de Processo Civil;
F. O despacho sub-judice parte de um pressuposto errado, considerando ser a quota da cabeça-de-casal na presente herança de € 79.667,12 (aqui incluindo a sua meação nos bens comuns, no valor de € 54.281,70), concluindo, com base nesse valor, que se verifica, à saciedade, que a cabeça-de-casal não licitou em mais verbas do que as necessárias para preenchimento da sua quota, não excedendo o montante das verbas licitadas (€ 6.000,00 e € 350,00) essa sua quota na herança.
G. Porém, o valor da herança do inventariado ascende a €62.431,70, cabendo à cabeça-de-casal a quota disponível, no valor de €20.810,57, e um quarto da quota indisponível, excepto no dinheiro sonegado da verba 9, no valor de €4.554,22 = €10.405,30 - €5.830,43, perfazendo a sua quota hereditária na herança do inventariado o valor de € 25.384,44;
H. Acresce que, como resulta dos autos, as interessadas, ora recorrentes, já são comproprietárias, com o interessado Filipe, de 12/32 dos bens das verbas que constituem o lote n.º 1 e da verba 2, não havendo inconveniente, antes vantagem, na adjudicação de 20/32 dos mesmos às recorrentes, em comum e na proporção por si acordada;
I. Tendo sido adjudicado à cabeça-de-casal a meação do bem comum da verba 10, no valor de € 30.960,00, e licitado a mesma o lote 1 (que integra 20/32 dos bens das verbas 1, 6, 7 e 8, por € 6.000.00, e os bens da verba 2, por € 350,00, esta tem, legado e licitados, bens no valor de € 37.310,00.
J. Sendo o quinhão hereditário da cabeça-de-casal na herança do inventariado, no valor de € 25.385,44, é manifesto que há excesso de bens legado e licitados, igual a € 11.924,56 = € 37.310,00 - € 25.385,44, correspondente à soma do valor das tornas a pagar por esta aos demais interessados, credores de tornas.
K. O mapa informativo foi elaborado por força do disposto no artigo 1376º do C. P. Civil, sob a epígrafe “excesso de bens doados legados ou licitados”, para indicação do montante do excesso, a tornar aos demais interessados, sendo € 2.744,91 a cada uma das três primeiras recorrentes e de € 1.244,94 à última recorrente, que não são legatárias, donatárias, nem licitantes de quaisquer bens integrantes do acervo a partilhar, tornas de que a própria cabeça-de-casal reconhece ser devedora, depositando-as, a despropósito, depois de proferido o despacho recorrido (requerimento com a refª citius nº 25644980).
L. Tem sido entendimento, quer da doutrina quer da jurisprudência, que a aplicação do artigo 1377.º do Código de Processo Civil visa permitir um maior equilíbrio no preenchimento dos quinhões, evitando assim o apossamento do acervo hereditário por aqueles que tenham maior capacidade económica e financeira, dando prevalência à composição dos quinhões em substância.
M. Assiste às interessadas, ora recorrentes, o direito de pedir a composição parcial dos seus quinhões, mediante adjudicação dos bens licitados pela cabeça-de-casal e de requerer a notificação da devedora de tornas a depositar o valor restante.
N. Conclui-se assim que o despacho recorrido viola e faz uma interpretação e aplicação errada do disposto nos artigos 1377.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redação anterior à Lei 29/2009 de 29 de Junho.
O. O referido despacho recorrido, que negou o direito das recorrentes, não donatárias, legatárias ou licitantes, à composição dos seus quinhões em bens, depois de as mesmas terem sido notificadas do mapa informativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1377º do C. P. Civil, acaba por determinar o mapa definitivo da partilha homologado pela sentença de que também se recorre, adjudicando à cabeça-de-casal todos os bens por si licitados e dando dinheiro, em pagamento das tornas, às recorrentes, negando-lhes o direito à requerida composição em bens dos seus quinhões.
P. Acresce que, verificando-se haver excesso de bens doados, legados ou licitados, tal impediu a organização do mapa definitivo, sendo elaborado antes o mapa informativo, evidenciador do facto, no caso evidente, de as recorrentes, porque não são donatárias, legatárias ou licitantes de quaisquer bens relacionados, serem necessariamente credoras de tornas, assistindo-lhes, por isso, o direito de reclamar o seu pagamento ou a composição dos seus quinhões, como foram notificadas, exercendo este último, até onde foi possível, tudo nos termos do artigo 1377º do C. P. Civil.
Q. O mapa definitivo da partilha, que a sentença recorrida homologa, enquanto corolário lógico e necessário do despacho recorrido, acaba por adjudicar à cabeça-de-casal os bens por si licitados, não obstante os valores por que o foram excederem, na integra, o valor do seu quinhão, que não chegam sequer para pagar as tornas devidas às recorrentes, que, não sendo donatárias ou legatárias do inventariado, também em nada licitaram, razão por que o direito à composição de bens exercido pelas recorrentes será parcial.
R. Daí que, por força da composição dos quinhões requerida pelas recorrentes, os bens licitados pela cabeça-de-casal e a esta adjudicados no mapa definitivo da partilha homologado pela sentença recorrida, devam ser adjudicados às recorrentes, para composição em bens dos respetivos quinhões, alterando-se, em consonância, o mapa de partilha, que a sentença recorrida homologa, adjudicando os bens licitados pela cabeça-de-casal às recorrentes, para composição em bens, ainda que parcial, dos respetivos quinhões, em obediência ao estatuído no artigo 1375º do C. P. Civil.

Terminam, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, sendo o despacho recorrido revogado e, consequentemente, ser deferido o requerido pelas interessadas no requerimento de fls. 318 a 321, com a consequente anulação dos atos subsequentes ao referido despacho, incluindo o mapa definitivo de partilha, homologado pela sentença recorrida, seguindo o processo a ulterior tramitação processual.
*
A cabeça-de-casal Maria apresentou contra-alegações, terminando pela improcedência do recurso de apelação apresentado pelas referidas interessadas, mantendo-se o despacho recorrido a determinar o indeferimento da pretensão das recorrentes de verem composto os seus quinhões com os bens que integram o lote 1 e o bem que integra a verba n.º 2.

Supletivamente, para o caso de assim não se entender, pugna pela composição dos quinhões daquelas interessadas em primeiro lugar pela verba n.º 10 e, se esta for insuficiente, com o bem descrito na verba n.º 2.

A mesma cabeça-de-casal veio apresentar recurso subordinado, ao interposto da sentença proferida, no que se refere ao despacho de fls. 308 a 313 (1ª parte), que indeferiu a requerida avaliação dos bens descritos nas verbas nºs 6, 7 e 8 da relação de bens, finalizando com as seguintes

CONCLUSÕES

I. Nos termos do art.º 1367.º [em vez do art.º 1376º, corrigindo-se o manifesto lapso de escrita] n.º 2 do CPC “Pode também o donatário ou legatário requerer a avaliação de outros bens da herança quando só em face da avaliação dos bens doados ou legados e das licitações se reconheça que a doação ou legado tem de ser reduzida por inoficiosidade”.
II. Tendo a Recorrente, perante o resultado das licitações das verbas n.º 6; 7 e 8 da Relação de Bens e antes do exame do processo para a forma da partilha, requerido ao Tribunal a quo a avaliação daquelas verbas para afastar a possibilidade que se tornou espectável após as licitações de redução por inoficiosidade do legado, não tendo o Tribunal a quo deferido tal requerimento e resultando da Douta Sentença proferida uma redução por inoficiosidade do legado, não pode o Douto Despacho manter-se, porque não acolhe o melhor entendimento do disposto no art.º 1367.º n.º 2 do CPC.
III. Deve o Douto Despacho proferido ser superiormente revogado e ordenar-se a devolução dos autos à 1.ª Instância para que seja determinada a realização das avaliações dos bens descritos nas verbas 6; 7 e 8 da Relação de Bens, ao abrigo do art.º 1367.º n.º 2 do CPC, procedendo-se à elaboração de novo mapa de partilha que atenda ao valor dos bens das verbas 6; 7 e 8 que venham a resultar da avaliação, porque serão tais valores em muito superiores aos valores resultantes das licitações e afastarão a possibilidade de redução por inoficiosidade do legado instituído por disposição de última vontade do Autor da Sucessão.
Finaliza, pedindo a revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 11.02.2017 na parte em que indeferiu a pretensão da recorrente para que fosse determinada a realização das avaliações dos bens descritos nas verbas nºs 6, 7 e 8 da relação de bens, ordenando-se a devolução dos autos à 1ª instância para que seja determinada a avaliação requerida, procedendo-se de seguida à elaboração de novo mapa de partilha que atenda ao valor dos bens das verbas nºs 6, 7 e 8, que venham a resultar da avaliação.
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Cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil.

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

A) Saber se cumpre proceder à avaliação dos bens descritos nas verbas nºs 6, 7 e 8, conforme o preconizado pela cabeça-de-casal recorrente.
B) Saber se cumpre proceder à composição dos seus quinhões em bens conforme o requerido pelas interessadas apelantes.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados
Os acima assinalados no item Relatório.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da avaliação dos bens que integram as verbas nºs 6, 7 e 8

No âmbito do recurso de apelação subordinado apresentado pela cabeça-de-casal a única questão que importa dirimir prende-se com o requerimento de avaliação dos bens descritos sob as verbas nºs 6, 7 e 8, conforme o requerido pela cabeça-de-casal a fls. 295 e 296, requerimento esse que veio a ser indeferido por despacho de fls. 308 a 313.

De acordo com o disposto no art. 1367º, n.º 1, do C. P. Civil (1), “[Q]uando do valor constante da relação de bens resulte que a doação ou o legado são inoficiosos, pode o donatário ou o legatário, independentemente das declarações a que se referem os artigos anteriores, requerer a avaliação dos bens doados ou legados, ou de quaisquer outros que ainda o não tenham sido.

Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito legal prescreve que: “Pode também o donatário ou legatário requerer a avaliação de outros bens da herança quando só em face da avaliação dos bens doados ou legados e das licitações se reconheça que a doação ou legado, tem de ser reduzida por inoficiosidade.

Conforme resulta das conclusões do recurso de apelação interposto pela cabeça-de-casal, o que está em causa é a aplicação deste n.º 2 do art. 1367º, do C. P. Civil, afirmando a recorrente que pediu atempadamente a realização da avaliação dos bens relacionados sob as verbas nºs 6, 7 e 8 (não doados ou legados), ao abrigo de tal disposição legal, perante o resultado das licitações que incidiram sobre as mencionadas verbas e para afastar a possibilidade que se tornou expetável, após aquelas licitações, de redução por inoficiosidade do legado.

Não assiste, porém, razão à recorrente.

O normativo emergente do n.º 2 do art. 1367º, do C. P. Civil, tem em vista a retificação de valores, na defesa dos interesses do donatário ou legatário, conquanto resulte da avaliação dos bens doados ou legados e das licitações que a doação ou legado tem de ser reduzido por inoficiosidade.
Tal circunstância, porém, não se verifica no caso em apreço.

Desde logo, conforme é salientado no despacho recorrido, no caso em apreço não foi requerida qualquer avaliação ao bem legado (verba n.º 10), tendo o mesmo sido adjudicado, em sede de conferência de interessados, à legatária, pelo valor de € 30.960,00, correspondente a metade (à respetiva meação) do valor pelo qual foi relacionado, de acordo com o seu valor patrimonial matricial.

Por outro lado, das licitações efetuadas, em especial das que incidiram sobre as verbas que constituem o lote 1, não resultou qualquer evidência que o legado teria agora de ser reduzido por inoficiosidade, contrariamente àquilo que resultava anteriormente.

De facto, as licitações apenas trouxeram um aumento dos valores dos bens relacionados em € 1.200,00 (cfr. mapa informativo), sendo certo que a redução por inoficiosidade do legado ascende a montante superior a € 10.000,00 (cfr. mapa informativo), sendo evidente que a necessidade dessa mesma redução já resultava dos valores atribuídos na relação de bens, realçando-se ainda que não houve qualquer aumento resultante das licitações no que se refere ao bem legado.

Nestes termos, porque inaplicável in casu o disposto no art. 1367º, n.º 2, do C. P. Civil, é de manter o despacho recorrido que indeferiu a requerida avaliação dos bens descritos sob as verbas nºs 6, 7 e 8 (cfr. fls. 308 a 310).

Improcede assim a apelação apresentada pela recorrente cabeça-de-casal.
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B) Da composição dos quinhões em bens por parte das interessadas recorrentes

De acordo, com as conclusões de alegações de recurso apresentadas pelas interessadas apelantes, pretendem as mesmas, no essencial, que, em face do disposto no art. 1377º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil, lhes seja concedida a possibilidade de verem preenchidos os seus respetivos quinhões, em parte, mediante a adjudicação dos bens que constituem o lote 1 e a verba n.º 2, licitadas pela cabeça-de-casal, conforme requerimento de fls. 318 e 319 assim se devendo revogar o despacho proferido pelo tribunal a quo, que indeferiu tal pretensão apresentada pelas interessadas recorrentes, com a consequente anulação dos atos processuais subsequentes.
Vejamos então.

Cabe desde já salientar que o despacho de forma à partilha de fls. 310 a 313, assim como, na sequência, os cálculos efetuados no “Mapa Informativo” de fls. 314 a 316, não estão postos em causa, nesta fase, pelos interessados, pelo que os mesmos deverão ser tomados em consideração no âmbito do presente recurso.

Da factualidade apurada, consta-se que uma vez elaborado o “Mapa Informativo”, dando conta designadamente de que a cabeça-de-casal terá de dar tornas (€ 1.775,15) e pagar em dinheiro a importância da redução por inoficiosidade referente ao legado da verba n.º 10 (€ 10.149,43), os interessados foram notificados nos termos e para os fins do disposto no art. 1377º, n.º 1, do C. P. Civil.

Na sequência, as interessadas recorrentes apresentaram requerimento para composição parcial dos seus quinhões mediante adjudicação, em comum e na proporção indicada, dos bens licitados pela cabeça-de-casal sob o lote 1 e sob a verba n.º 2, devendo o remanescente das tornas ainda em dívida pela mesma cabeça-de-casal serem depositadas, tudo nos termos melhor discriminados pelo requerimento de fls. 318 e 319.
Tal pretensão veio a ser indeferida pelo tribunal a quo, mormente com a argumentação que não houve qualquer licitação excessiva por parte da cabeça-de-casal em relação ao seu quinhão hereditário (cfr. fls. 335 a 337).

Resulta do disposto no art. 1377º, n.º 1, do C. P. Civil, que: “Os interessados a quem haja de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.

No caso de algum interessado licitar em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, os outros interessados notificados poderão “ … requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.” (art. 1377º, n.º 2, do C. P. Civil).

Na sequência o licitante “ … pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota” (art. 1377º, n.º 3, do C. P. Civil). (2)

Cabe agora realçar que, em sede de “Conferência de Interessados”, realizada a 15.11.2016, e na sequência de acordo alcançado entre todos os interessados para pagamento do dinheiro da verba n.º 9, foi proferido despacho a adjudicar aos cinco filhos do inventariado o dinheiro da verba n.º 9.

Seguidamente, os interessados acordaram em atribuir, sem licitações, à cabeça-de-casal legatária a verba n.º 10 (legado), pelo valor de € 30.960,00, correspondente a metade (à respetiva meação) do valor pelo qual foi relacionada.

Mais acordaram os interessados, nessa mesma conferência, em formar um único lote (lote 1), constituído pelas verbas nºs 1, 6, 7 e 8, o qual foi licitado pela cabeça-de-casal pelo valor de € 6.000,00.

A cabeça-de-casal licitou ainda a verba n.º 2 pelo valor de € 350,00.

No fundo as “licitações” efetuadas pela cabeça-de casal ascenderam somente ao valor de € 6.350,00, tanto mais que a verba n.º 10 (legado) lhe foi atribuída pelo valor acordado, prescindindo todos os interessados de licitações sobre tal verba.

Cabe desde já salientar que o disposto no art. 1377º, nºs 2 e 3, do C. P. Civil, apenas se refere à licitação excessiva em relação à sua quota por parte de algum interessado, pelo que, atendendo ao alegado pelas próprias interessadas apelantes, que afirmam que a quota hereditária da cabeça-de-casal ascende ao montante de € 25.384,44 (cfr. al. G. das conclusões das alegações de recurso), então podemos, desde já, concluir que as licitações operadas pela cabeça-de-casal não ultrapassaram aquela quota hereditária.

Mesmo que assim não entendêssemos, designadamente porque cumpre excluir a quota disponível que foi atribuída, sem licitações, à cabeça-de-casal, esta apenas caberá dar “tornas”, por conta da quota legitimária, no valor de € 1.775,15, sendo que a redução por inoficiosidade do legado será paga em dinheiro (art. 2174º, n.º 2, do C. Civil), não havendo, pois, que incluir no direito a “tornas” o indicado valor de € 10.149,43 – tudo aliás como resulta dos cálculos efetuados no aludido “Mapa Informativo” (cfr. item “Pagamentos”).

Nesta medida, desde logo, não poderão as interessadas recorrentes virem pedir a composição dos seus quinhões em bens, com base em montantes bastante superiores ao valor das “tornas” a que têm direito.

Realce-se ainda que o quinhão da cabeça-de-casal na quota legitimária, ascenderia, em princípio, ao valor de € 10.405,28 (uma quarta parte da legítima dos cônjuge e dos filhos no valor de € 41.621,13); só assim não sucedendo em resultado do desconto operado, a título de “sonegação de bens”, no valor de € 5.830,43, o que perfaz ainda assim uma quota hereditária, na legítima, a favor da cabeça-de-casal, no valor de € 4.574,85, e daí a razão da cabeça-de-casal ter que dar “tornas” no valor de unicamente € 1.775,25 (€ 4.574,85 + 1.775,15 = € 6.350,00).

Por conseguinte, como é bom de ver, este excesso em bens licitados sobre o indicado valor da quota legitimária da cabeça-de-casal, apenas ocorre em resultado daquela diminuição a título de “sonegação de bens”; não fora esta diminuição a cabeça-de-casal ainda teria direito a receber “tornas”.

Outrossim, mesmo a entender-se que existe excesso das licitações sobre o valor da quota legitimária pertencente à licitante, não se nos afigura que a respetiva diferença seja excessiva, pelo que sempre seria conveniente manter a regra geral de atribuição segundo a licitação, prevista no art. 1374º, al. a), do C. P. Civil. (3)

Realmente excessivo ou abusivo, designadamente por violação dos princípios de proporcionalidade e justa divisão de bens a partilhar, seria deferir o pedido de adjudicação de bens, licitados por outros, a credores de “tornas” de valores diminutos – como é o caso dos autos –, deixando-se, por essa via, o licitante completamente privado de qualquer direito (designadamente de escolha) sobre todos os bens em que licitou.

Por último, cumpre ainda chamar à colação aquilo que todos os interessados acordaram em sede de “Conferência de Interessados” no que se refere ao pagamento do dinheiro da verba n.º 9.

De facto, na ocasião, todos os interessados aceitaram que o pagamento do dinheiro referente à verba n.º 9 fosse realizado pela cabeça-de-casal em dinheiro, mediante recibo.

Não obstante este acordo, as interessadas apelantes vieram agora pedir que a composição do seu quinhão se realize em bens, em vez de aceitarem que o mesmo se realize mediante o pagamento do valor das “tornas” em dinheiro, às quais unicamente tem direito por via do aumento da sua quota legitimária operado a título de “sonegação de bens”, quando é certo que, por conta e em resultado dessa mesma “sonegação de bens”, aceitaram receber aquilo a que tinham direito em dinheiro, criando consequentemente para a cabeça-de-casal a legítima expetativa que os eventuais valores que tivesse que pagar aos demais co-herdeiros seria sempre realizado em dinheiro.

Deste modo, tal pedido por parte das interessadas recorrentes traduz-se, em nosso ver, em claro “abuso de direito”, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334º, do C. P. Civil), designadamente na modalidade de venire contra factum proprium.

Por tudo o que ficou dito, deverá soçobrar igualmente a apelação apresentada pelas apontadas interessadas.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes ambas as apelações em presença, confirmando-se, pois, os despachos recorridos e a sentença recorrida.

Custas das apelações por cada uma das apelantes, respetivamente.
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Guimarães, 19.04.2018

António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores

1. Sem menção contrária, sempre na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 23/2013, de 05.03.
2. Nosso sublinhado.
3. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 28.01.1992, proc. n.º 081814, relator Brochado Brandão, acessível em www.dgsi.pt.