Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4206/07.3TBVCT.G2
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
CREDOR SOCIAL
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – No artigo 78.º n.º 1 do CSC consagra-se uma acção pessoal e directa para o exercício de um direito próprio do credor, uma responsabilidade independente da existente para com a sociedade.
2 - Que depende dos seguintes requisitos cumulativos:
- que o facto do gerente constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais;
- que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos;
- que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano.
3 - O acto ilícito do gerente afecta, em primeiro lugar, o património social e, indirectamente, do credor, pelo que a responsabilidade daquele só surge se o dano atingir o património social tornando-o insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
Manuel.. deduziu acção declarativa contra Joaquim.. e Carlos.. pedindo que os réus sejam condenados solidariamente a pagar ao autor o montante de € 19.902,98, acrescido de juros à taxa legal calculados sobre o montante de € 13.675,43 e contados desde a distribuição até efectivo pagamento da dívida. Fundamenta a sua pretensão no disposto no artigo 78.º. n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, por a conduta dos réus, enquanto gerentes da sociedade comercial «P.., Lda.», ter prejudicado os legítimos direitos do autor, que era credor da mesma, tendo a sociedade ficado sem qualquer património e deixado de ter qualquer actividade, precisamente para que o autor não obtivesse a satisfação do seu crédito.
Contestaram os réus para dizer que a matéria alegada na petição inicial não integra o disposto no artigo 78.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais e, por impugnação, negando alguns factos, aceitando outros, mas refutando as conclusões que o autor pretende retirar dos mesmos.
Replicou o autor para manter o já alegado na petição inicial.
Definidos os factos assentes e a base instrutória, realizou-se o julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando solidariamente os réus a pagar ao autor a quantia de € 15.770,39, acrescida de juros de mora sobre € 13.675,43, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a citação da sociedade ré para os termos da acção referida em G), até integral pagamento.
Discordando da decisão dela interpuseram recurso os réus, tendo sido proferido acórdão neste Tribunal da Relação que julgou parcialmente procedente o recurso e anulou o julgamento com vista à ampliação da matéria de facto e reapreciação, em consonância com os itens aditados, do item 7.º da base instrutória.
Ampliada a base instrutória, realizou-se novo julgamento e foi proferida sentença que condenou solidariamente os réus a pagar ao autor a quantia de € 15.770,39, acrescida de juros de mora sobre € 13.675,43, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a citação da sociedade ré para os termos da acção referida em G), até integral pagamento.
Discordando da decisão, dela interpuseram recurso os réus, recurso que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Nas suas alegações formulam os apelantes as seguintes
Conclusões:
1. Na douta Sentença ora impugnada, a M.ma Juiz do Tribunal “a quo” procedeu a um incorrecto julgamento da matéria de facto dada como provada,
2. sendo que, em primeiro lugar, se impõe a inclusão no elenco dos factos dados como provados de um novo ponto (ou o aditamento desta matéria ao ponto Z) da referida fundamentação), no qual se reflicta a circunstância de as penhoras lavradas a título provisório, relativamente aos veículos automóveis identificados pelas matrículas 15-54-RL, 78-61-SD e 69-53-SX, terem sido convertidas em definitivas, impendendo ainda esse ónus sobre tais viaturas, tendo já caducado a penhora provisoriamente registada sobre o veículo 16-79- RH,
3. por ser essa factualidade essencial à correcta e justa apreciação da causa trazida a juízo.
4. Quanto ao veículo com a matrícula 69-53-SX, impõe-se que a sentença ora em crise respeite a determinação contida no douto aresto do Tribunal da Relação de Guimarães que considerou dever ser alterado o ponto 4. da Base Instrutória, passando o mesmo a consignar que “no presente momento, com excepção do veículo 69-53-SX, cujo paradeiro se ignora como referido em “2”, a “P..,Lda.” não possui quaisquer bens, móveis ou imóveis”.
5. Relevante se entende ser ainda a necessária consideração, no âmbito da fundamentação de facto, do facto de os documentos de identificação e de propriedade do veículo automóvel de matrícula 15-54-RL terem sido apreendidos pelo Ilustre Solicitador de Execução, no processo executivo que corre termos no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo sob o n.º 259/2002- A, não se encontrando na posse e disponibilidade da sua legal proprietária.
6. Para além dessa factualidade, deverá incluir-se no elenco dos factos provados matéria demonstrativa do facto de no âmbito desse procedimento executivo, não ter sido desenvolvida qualquer diligência tendente à venda do referido veículo.
7. A consideração destes factos na matéria dada como provada resulta inapelavelmente, quer dos elementos documentais juntos aos autos pelo então A., com a sua petição inicial e numerados sob os n.º 17 a 20 e do documento constante a fls. 210, quer do depoimento da testemunha M.. (na gravação em CD-R, registada em 20090107150324_12302…, com início pelas 14:58:50, entre 00:00:01 e 00:34:58), e, sobremaneira, das certidões emitidas pela Conservatória de Registo de Automóveis de Viana do Castelo, relativamente aos veículos em questão.
8. Deveriam ter sido igualmente objecto de inclusão no rol de factos provados os factos atinentes à consideração de que a venda dos veículos automóveis da “P.., Lda” foi determinada pela necessidade de reduzir despesas que se tornaram necessárias em função da diminuição do número de obras e de trabalhadores ao serviço da empresa,
9. mais se dando como provado que essa venda permitiu o aumento de liquidez da sociedade.
10. Militam nesse sentido as declarações da testemunha A.., constante da gravação em CD-R, registada em 2011/01/31, com início pelas 15:39:16, entre 00:00:01 e 00:19:28, e, sobremaneira, as conclusões exaradas no relatório pericial,
11. não podendo aceitar-se que o afastamento, pela M.ma Juiz do tribunal recorrido do entendimento e resultados neste plasmados seja determinado, em concreto, pelo confronto com as declarações prestadas pela testemunha T.., o qual teria, alegadamente, um melhor conhecimento da situação real da empresa.
12. Incorrectamente julgado se entende ter sido também o quesito 7.º da base instrutória, ao dar-se como provado que “Os aqui Réus actuaram com a intenção de colocarem a “P..,Lda.” sem qualquer património e, deste modo, nada ser pago ao Autor”.
13. Essa conclusão ressalta da análise da vasta documentação junta ao processo com a contestação, respeitante, designadamente, a extractos bancários, elementos de suporte contabilístico, documento comprovativo da existência de alvará e declarações dirigidas à Segurança Social, em matéria de contribuições, mas também do relatório pericial e dos depoimentos prestados pelas testemunhas A.. (constantes da gravação em CD-R, registada em 20090107153931_12302…, com início pelas 15:34:58, entre 00:00:01 e 00:36:48, confirmado na gravação efectuada em 2011/01/31, com início pelas 15:39:16, entre 00:00:01 e 00:19:28), J.. (constantes da gravação em CD-R, registada em 20090107161731_12302…, com início pelas 16:12:58, entre 00:00:01 e 00:13:42) e J.. (constantes da gravação em CD-R, registada em 20090107163204_12302…, com início pelas 16:27:31, entre 00:00:01 e 00:12:00),
14. que, sem margem para quaisquer dúvidas, afasta a tese de que os sócios da “Perímetro Quadrado” gizaram um plano para promover os seus negócios a partir de uma outra plataforma societária, deixando aquela sociedade sem actividade ou sem bens.
15. Muito pelo contrário. O que resultou provado foi que:
a) a “P.., Limitada” se manteve em actividade, de forma ininterrupta, até ao final do primeiro semestre de 2007, tendo aos seus serviço trabalhadores dependentes, devidamente inscritos na Segurança Social, a quem pagava salários e relativamente aos quais procedia aos necessários descontos e pagamentos à Segurança Social, para liquidação de contribuições;
b) a empresa deteve, até 31/01/2009, alvará de construção válido, emitido pelo “Instituto da Construção e do Imobiliário”;
c) a “P..,Lda” movimentou regularmente, entre 2003 e 2007, a conta bancária com o n.º .., de que é titular no “Millennium bcp”(anteriormente, no “SottoMayor”), na qual creditou, em diversas ocasiões, valores em numerário ou em cheque, procedendo igualmente ao pagamento de várias das suas despesas correntes;
d) não obstante as dificuldades económicas e financeiras que a empresa sentiu, ao longo dos anos, e que determinaram a impossibilidade da assumpção de todos os seus compromissos, os sócios gerentes respeitaram as normas legais vigentes, em matéria de reservas e capital social, conforme balanços relativos aos anos de 2004, 2005 e 2006;
e) a “P..,Lda” apresentou, ao longo dos anos, declarações à Administração Tributária, em sede de IRC, os quais são demonstrativos da sua actividade, na prossecução dos objectivos previstos no contrato de sociedade;
f) a “P..,Lda”, apesar de não ter efectivado o registo, em seu nome, da aquisição dos veículos automóveis que foram objecto de contrato de leasing, não deixou de relevar, contabilística e economicamente, essas aquisições e as posteriores transmissões das viaturas, sendo que as vendas foram realizadas por valores de mercado;
g) o A./Apelado poderá ver o seu crédito satisfeito com a prossecução da acção executiva que moveu contra a “P.., Lda”, uma vez que, para além do bem que esta ainda integra no seu património, podem ser vendidos os outros dois veículos que transmitiu a terceiros, mas que se encontram onerados com penhoras, anteriormente registadas.
16. Tendo os sócios da “P..,Lda" exercido o seu cargo de gerentes de forma consentânea com as exigências legais que sobre eles impendiam, assumindo, nesse quadro, a venda das viaturas que integravam o seu imobilizado corpóreo as características de actos normais e regulares de gestão comercial, haverá que excluir da matéria de facto dada como provada a resposta ao quesito 7.º da b.i..
17. A decisão ora em crise merece igualmente censura, e salvo o devido respeito, no que concerne à interpretação e aplicação do direito aos factos, uma vez que a M.ma Juiz do tribunal “a quo” não respeitou a previsão do artigo 78.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais.
18. Efectivamente, incorreu a Ilustre Magistrada Judicial que proferiu a decisão ora impugnada em vício de interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do citado artigo 78.º do C.S.C., por não ter considerado que a previsão desse normativo obriga à ponderação de comportamentos que, em si mesmos, sejam violadores dos normativos legais especialmente destinados à protecção dos credores sociais, o que claramente não sucede no caso em apreço.
19. Importa considerar, a propósito, que a jurisprudência e a doutrina consideram assumir tal relevo os artigos 27.º, n.º 1, a propósito da liberação da obrigação da entrada dos sócios, (vd. ainda, relacionado, o artigo 25.º, n.º 2), 28.º (necessidade de prévia verificação das entradas em espécie), 29.º (prévia verificação do valor dos bens adquiridos a accionistas nas condições aí previstas), 32.º e 33.º (limitações na distribuição de bens aos sócios; vd. também os artigos 236.º e 346.º, n.º 1), 218.º, 295.º, 324.º, n.º 1 alínea b), 345.º, n.º 6, 347.º, n.º 7, alínea b), 349.º, n.º 6 e 363.º, n.º 2 alínea b) (obrigatoriedade de constituição de reservas legais e de algumas reservas especiais), 213.º (restrições à restituição de prestações suplementares), 96.º e 349.º, n.º 5 (regras condicionantes de redução de capital), 89.º ( mínimos de realização das entradas nos aumentos de capital) e, mais genericamente, algumas injunções dos regimes de aquisições de acções e quotas próprias (artigos 220.º e 316.º e seguintes) do Código das Sociedades Comerciais.
20. Tanto mais quanto é certo que o Autor, ora Apelado, nem sequer alegou e provou a existência de comportamentos dos sócios gerentes da “P..,Lda” susceptíveis de consubstanciar violação a essas regras e, como tal, capazes de causar danos ao património societário, sendo que lhe competia, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil, o ónus da prova.
21. A Sentença ora impugnada violou o disposto nos artigos 78.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais e os artigos 483.º e 342.º do Código Civil.
Terminam pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que absolva os apelantes do pedido formulado.

O apelado contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber:
- se deve ser alterada a matéria de facto;
- se o comportamento dos réus integra a previsão do artigo 78.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
A) - Por escritura pública de 16 de Fevereiro de 2001, exarada a fls. 46 a 47v.º do livro de notas para escrituras diversas 25-H do 2.º Cartório Notarial de Viana do Castelo, foi constituída a sociedade comercial por quotas com a firma “P.., Lda.”, com o capital social de € 50.000,00, tendo por objecto a construção de edifícios, construção e engenharia civil, compra e venda de bens imobiliários.
B) - Tal sociedade foi constituída entre os aqui Réus, possuindo cada um deles uma quota do valor nominal de € 25.000,00.
C) - Ambos os Réus foram nomeados gerentes da sociedade, encontrando-se
esta registada na Conservatória de Registo Comercial de Viana do Castelo sob o n.º505314061.
D),E),F) - O Autor foi admitido ao serviço da “P..,Lda” em 2 de Julho de 2001, por contrato verbal, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções inerentes à categoria profissional de pintor de 1.ª, mediante o pagamento do salário mensal de 140 000$00, correspondente a € 698,32.
G) - Pelo facto de ter sido despedido, o Autor instaurou contra a sua entidade patronal, em 11 de Março de 2002, acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, que seguiu sua tramitação sob o n.º259/2002 do Tribunal de Trabalho do Círculo Judicial de Viana do Castelo.
H) - Tal processo terminou com a condenação da “P..,Lda” a pagar ao Autor € 1.803,99 a título de subsídio de Natal de 2001 e 2002, férias e subsídio de férias, € 11.871,44 a título de retribuições que se venceram desde o 30.º dia anterior à propositura da acção até à data da sentença, € 2.094,96 a título de indemnização de antiguidade e os juros de mora à taxa legal a incidir sobre todas as quantias, à excepção da última.
I) - A “P..,Lda” não pagou ao Autor as quantias em que foi condenada.
J) - O Autor instaurou contra a mesma, em 13 de Novembro de 2003, acção executiva para pagamento de quantia certa, reclamando o montante de € 16.534,72.
L) - No requerimento executivo, o Autor indicou à penhora o seguinte:
• móveis não sujeitos a registo – uma grua, marca “Potain”, que se encontrava instalada na rua Domingos da Costa Rodrigues, Urbanização Quinta das Areias, Cabedelo, Viana do Castelo; uma grua, marca “Potain”, que se encontrava desmontada junto aos Serviços Municipalizados de Abastecimento de Água, na freguesia da Areosa, Viana do Castelo;
• créditos – o crédito que a executada tinha sobre a firma “Irmãos.., Lda.”, com sede no.., Darque, Viana do Castelo, emergente da obra de construção civil que estava a executar na Urbanização Quinta das Areias, Cabedelo, Viana do Castelo;
• depósitos bancários no Banif, Banco Mais, S.A., Banco Nacional de Crédito Imobiliário, Banco Santander Portugal, S.A., Banco Totta & Açores, Crédito Predial Português, Banco Português de Negócios, Caixa Geral de Depósitos, BCP, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, BPI, Banco Espírito Santo e Banco Internacional de Crédito.
M) - Nada foi penhorado, uma vez que as gruas não pertenciam à devedora, a
firma “Irmãos.., Lda.”, declarou nada dever à executada e não existiam quaisquer depósitos bancários em nome da devedora nos bancos indicados.
N) - Posteriormente, no âmbito do procedimento executivo, o exequente, ora Autor, indicou ao solicitador de execução as seguintes matrículas, como sendo de veículos pertencentes à “P..,Lda” e onde se deslocavam os funcionários da empresa: 16-79-RH, 15-54-RL, 78-61-SD e 69-53-SX.
O) - Consultado o registo automóvel por matrícula, verificou-se que todos aqueles veículos se encontravam em nome das locadoras “BCP Leasing, S.A.” (16-79-RH, 78-61-SD e 69-53-SX) e “BPI Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A.” (15-54-RL).
P) - O solicitador de execução requereu o registo de penhora de três dos veículos automóveis, aqueles cujos contratos de locação se encontravam findos ou a findar (16-79-RH, 15-54-RL e 78-61-SD).
Q) - O registo de penhora do 16-79-RH, requerido em 12 de Julho de 2005, foi
lavrado provisório em virtude do titular inscrito não ser a executada mas sim “Irmãos.., Lda.”, tendo o registo de aquisição sido efectuado em 30 de Junho de 2005.
R) - “P..,Lda” e “Irmãos..;lda” têm um sócio comum, o aqui Réu Joaquim.., gerente de ambas as sociedades.
S) - O registo de penhora do 15-54-RL foi lavrado provisório, em virtude do titular inscrito ser a locadora “BPI Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A.”.
T) - A locadora foi notificada, nos termos do art. 119.º do Cód. Registo Predial, e a mesma informou que o contrato de locação financeira tinha terminado em 15 de Abril de 2005, sendo proprietária a “P..,Lda”.
U) - O registo de penhora do 78-61-SD foi lavrado provisório, em virtude do titular inscrito ser a locadora “BCP Leasing, S.A.”.
V) - Notificada a locadora, nos termos do art. 119.º Cód. Registo Predial, veio a mesma informar que o veículo tinha sido vendido à “P..,Lda” em 15 de Agosto de 2005.
X) - O registo de penhora do 69-53-SX, requerido em 10 de Janeiro de 2006, foi lavrado provisório em virtude do titular inscrito ser a locadora “BCP Leasing, S.A.”, com registo de propriedade de 7 de Março de 2002.
Z) - A situação registral dos quatro veículos automóveis referidos é a seguinte:
• o 16-79-RH continua registado a favor de “Irmãos.., Lda.”, desde 30 de Junho de 2005, tendo sido adquirido ao “BCP Leasing, S.A.”, que tinha celebrado o contrato de locação financeira com a locatária “P..,Lda” com referência à mesma viatura;
• o 15-54-RL encontra-se registado a favor de “Gonçalves.., Lda.”, com sede na rua.., Monte da Ola, Vila Nova de Anha, Viana do Castelo, desde 26 de Janeiro de 2006, tendo sido adquirido ao “BPI Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A.”, que tinha celebrado o contrato de locação financeira com a locatária “P..,Lda” com referência à mesma viatura;
• o 78-61-SD encontra-se registado a favor de “Irmãos.., Lda.”, desde 15 de Setembro de 2006, tendo sido adquirido à firma “Transportes.., Lda.”, a qual o adquiriu, a 7 de Outubro de 2005, ao “BCP Leasing, S.A.”, que tinha celebrado o contrato de locação financeira com a locatária “P..,Lda” com referência à mesma viatura;
• o 69-53-SX continua registado a favor do “BCP Leasing, S.A.”, que tinha celebrado o contrato de locação financeira com a locatária “P..,Lda” com referência à mesma viatura.
AA) - “Gonçalves..,Lda” e a “P..,Lda” têm um sócio comum, o aqui Réu Carlos.., gerente das duas sociedades.
BB) - No âmbito do procedimento executivo acima referido, foi solicitada a intervenção da GNR para proceder à apreensão dos veículos penhorados e, sobre o veículo com a matrícula 69-53-SX, o aqui Réu Joaquim.., em auto de declaração com data de 17 de Fevereiro de 2007, disse: “o veículo de matrícula 69-53-SX pertence ao Banco BCP Leasing, S.A., desconhecendo o seu paradeiro à mais de 6 meses, nem tem os documentos em sua posse”.
EE) - O Banco BPI, S.A., informou, em 17 de Novembro de 2005, no âmbito do processo executivo acima referido, que a viatura com a matrícula 15-54-RL, objecto de um contrato de “leasing” cujo término ocorreu em 15 de Abril de 2005, é propriedade de “P..,Lda”.
FF) - A 13 de Outubro de 2005, o “Millenium BCP” veio informar “na qualidade de ex-locadora/proprietária do veículo com a matrícula 78-61-SD, que o mesmo foi vendido à respectiva locatária em 15 de Agosto de 2005”.
- Com registo a 3 de Setembro de 1999, foi constituída a sociedade “Transportes.., Lda.”, com sede no lugar de.., Vila Nova de Anha, Viana do Castelo, sendo um dos três sócios gerentes o aqui 1º. Réu; o registo da dissolução e encerramento da liquidação da mesma sociedade data de 29 de Novembro de 2006 (certidão de fls. 191 a 194).
- Com registo a 8 de Novembro de 2005, foi constituída a sociedade “Gonçalves..,Lda.”, tendo por objecto, entre outros, a construção civil e obras públicas, e da qual é sócio maioritário o aqui 2º. Réu (certidão de fls. 203 a 205).
2.º - Desconhece-se o paradeiro da viatura 69-53-SX.
3.º - A “P..,Lda” deixou de exercer qualquer actividade.
4.º - No presente momento, com excepção do veículo 69-53-SX, cujo paradeiro se ignora, como referido em “2”, a “P..,Lda” não possui quaisquer bens, móveis ou imóveis.
7.º - Os aqui Réus actuaram com a intenção de colocarem a “P..,Lda” sem qualquer património e, deste modo, nada ser pago ao Autor.
8.º - As prestações da locação financeira das viaturas referidas em Z) foram pagas pela “P..,Lda”.
10.º - Entre os anos de 2003 e 2007, a sociedade “P..,Lda” movimentou a conta bancária com o n.º.., de que era titular no “Millennium BCP” (anteriormente “Sottomayor”), na qual creditou, em diversas ocasiões, valores em numerário ou em cheque, procedendo também, através daquela, ao pagamento de várias das suas despesas correntes.
11.º - A “P..,Lda” declarou à Segurança Social remunerações de trabalhadores entre 2003 e 2006, relativos a seis pessoas em 2003 e a quatro em 2006.

Antes do mais, deve esclarecer-se que se alterou a redacção do artigo 4.º dos factos provados, de acordo com o que foi determinado pelo Acórdão deste Tribunal da Relação proferido nestes autos, em 10/12/2009, e que, certamente por lapso, não foi incluído nos factos provados considerados na sentença de que ora vem interposto recurso, procedendo, assim, o vertido na conclusão n.º 4 das alegações dos apelantes.

Efectuado este esclarecimento, importa avançar para o conhecimento do recurso propriamente dito, tendo presente que o objecto do mesmo é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lho permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.ºs 2 e 3 e 690.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Com as alegações de recurso, juntaram os apelantes vários documentos emitidos pela Conservatória do Registo de Automóveis de Viana do Castelo, com o intuito de que passe a considerar-se assente que foram convertidas as penhoras lavradas provisoriamente sobre os veículos com as matrículas 15-54-RL, 78-61-SD e 69-53-SX e que o titular inscrito do 69-53-SX é a sociedade comercial de que os apelantes são sócios e gerentes.
Analisemos, então, a questão da junção de documentos com as alegações de recurso.
Dispõe o artigo 693.º-B do Código de Processo Civil que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º»
Os documentos visam demonstrar certos factos antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica, motivo pelo qual a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância e com os articulados.
Em sede de recurso, como resulta do artigo citado, em conjugação com o artigo 524.º do CPC, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância.
Em face da redacção dos citados artigos parece não haver duvidas que deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado – cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 27/06/2000, in CJ/STJ, ano VIII, tomo II, pág. 131 e de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 103.
Ora, os documentos que os apelantes juntaram com as suas alegações, estavam já disponíveis em fase muito anterior ao presente recurso (veja-se que já no recurso interposto nestes autos em Maio de 2009, os apelantes pretendiam esta alteração da matéria de facto, alegando que as penhoras haviam sido convertidas em definitivas), sendo certo que os factos e encargos registados datam de 2005 e 2006.
Verifica-se, portanto, que os apelantes tiveram oportunidade de juntar os documentos emitidos pela CRAutomóvel em data anterior ao encerramento da discussão em 1.ª instância, tendo, inclusivamente sido alertados para tal pelo Acórdão desta Relação anteriormente proferido nestes autos e que anulou o primeiro julgamento, pelo que deviam tê-lo feito, nos termos do disposto no artigo 523.º, n.º 1 ou n.º 2 do CPC.
Não podem é juntá-los agora, alegando que a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, uma vez que não é esse facto que determina a necessidade da junção dos documentos, mas sim a existência de um facto que já antes do julgamento a autora sabia estar sujeito a prova.
Tendo perdido a acção, não podem agora, extemporaneamente, tentar instruir melhor a prova, com elementos que há muito estariam já disponíveis, para inverter o resultado final.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, pág. 106: «Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redacção, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B actual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)».
Revestindo a junção de documentos na fase de recurso carácter excepcional, só deve ser admitida nos casos especiais previstos na lei, o que não acontece no caso presente, não se admitindo, assim, a junção daqueles documentos.

Ora, não havendo nada de novo neste recurso, relativamente a estes factos, haverá que represtinar aquilo que sobre esta matéria já foi dito no Acórdão anterior, que se pronunciou sobre a pretendida alteração da matéria de facto, com o objectivo de aí ser incluída a conversão em definitiva das penhoras lavradas a título provisório relativamente aos veículos com as matrículas 16-79-RH, 15-54-RL, 78-61-SD e 69-53-SX:
«Dos documentos juntos aos autos não resulta o pretendido. Não se mostram juntos elementos que demonstrem terem sido convertidas em definitivo as penhoras efectuadas. De todo o modo, verdade é que, à excepção do veículo 16-79-RH, com registo de propriedade a favor de "Irmãos.., Lda", datado de 30/06/2005, anterior à penhora, todos os restantes registos de propriedade a favor de outrem foram posteriores aos actos de registo da penhora, que ficaram provisórios não por tal causa, mas sim porque estavam registados a favor das locadoras. Estas vieram informar, nos termos do artigo 119.º do CRP, o término da locação e encontrarem-se os veículos integralmente pagos sendo propriedade da locadora. Os registos de penhora, e quanto a tais veículos, estavam em condições de ser convertidos em definitivo, sendo eventuais conflitos com os “actuais registados proprietários” de foro alheio a este recurso. Certo é que da matéria assente consta toda esta factualidade, da qual se conclui pela possibilidade da dita conversão. Quanto ao mais não pode dar-se como provado o que se pretende, ainda que haja aceitação do facto, pois só pela prova documental pode o mesmo ser demonstrado».
Do que fica dito resulta a improcedência das conclusões 2.ª e 3.ª das alegações dos apelantes.
E o mesmo se diga das conclusões 5.ª, 6.ª e 7.ª das referidas alegações.
Com efeito, verifica-se que estas conclusões são uma repetição das conclusões com os mesmos números que haviam já sido elencadas no recurso anterior e sobre as quais se pronunciou, com trânsito em julgado, nessa parte, o Acórdão proferido nestes autos em Dezembro de 2009, a fls. 338, 339 e 340. Aí se explicou, com recurso à prova produzida, designadamente, com expressa referência ao depoimento da testemunha M.. – o solicitador de execução que trabalhou no processo – que resultou da prova a impossibilidade prática de proceder às vendas dos veículos, não sendo vantajoso avançar desde logo com a venda de um veículo apenas, o menos valioso, sendo certo que o réu Joaquim.. informou o solicitador que a sociedade já não tinha sede, nem tinha bens, que não havia nada, não tendo sido localizados os veículos pela GNR.
Desta prova resulta o bem fundado da fixação da matéria de facto pela 1.ª instância, como bem se diz no referido Acórdão, salientando, até que a sociedade "P..,Lda", alegando que possui o veículo SX, cujo paradeiro é desconhecido da GNR e do solicitador de execução, deveria indicar ao credor onde o mesmo se encontra, desse modo honrando a sua dívida, ainda que de forma parcial, o que não fez.
Nada a acrescentar, portanto, ao já decidido, quanto a esta matéria, no primeiro Acórdão deste tribunal.
Ainda relativamente à matéria de facto, pretendem os apelantes que devia ter sido dado como provado que a venda dos veículos automóveis da "P..,Lda" foi determinada pela necessidade de reduzir despesas que se tornaram necessárias em função da diminuição do número de obras e de trabalhadores ao serviço da empresa, o que permitiu o aumento de liquidez da sociedade e, em face de todos os factos apurados, entendem que o quesito 7.º deveria ter obtido resposta negativa, não se provando que os réus actuaram com a intenção de colocarem a "P..,Lda" sem qualquer património e, deste modo, nada ser pago ao autor.
Sustentam-se nas declarações das testemunhas A.., J.. e J.., nos documentos juntos aos autos e nas conclusões do relatório pericial.
Analisados os documentos, ouvidas as testemunhas e lido o relatório pericial, entendemos que bem andou a Mma. Juíza na 1.ª instância ao decidir como decidiu.
Não deixa de ser verdade que a testemunha A.., responsável pela contabilidade da sociedade "P..,Lda", afirmou, quando interrogado pela advogada dos apelantes, que os bens da sociedade foram alienados para solver compromissos, para liquidar o passivo, que foram vendidos pelo valor comercial, que proporcionaram um aumento de liquidez à sociedade e entraram na sua conta, tudo em conformidade com o que parece resultar de uma leitura linear do relatório pericial.
Contudo, o depoimento desta testemunha – a mais importante dos apelantes, atendendo até ao conhecimento específico que tinha da sociedade e ao tipo de tarefas aí desenvolvidas – claudicou e mostrou, afinal, desconhecimento de algumas realidades que se passavam dentro da empresa, quando confrontado pelo advogado do apelado. Desde logo mostrou surpresa e desconhecimento pelo facto de não haver qualquer saldo penhorável na conta bancária da sociedade, logo em 2003/2004, aquando da instauração da acção executiva (os saldos eram sempre negativos). Depois não soube concretizar o ano em que os equipamentos teriam sido vendidos para, de acordo com a sua tese, proporcionarem aumento de liquidez e liquidação do passivo, sendo certo que não soube conciliar o facto de a sociedade, já em 2005 não ter praticamente equipamento nenhum, mas continuar a ter trabalhadores inscritos na Segurança Social. Quando confrontado com todas estas dúvidas, acabou por concluir que o problema da sociedade foi o desentendimento dos sócios que, em virtude desse desentendimento, resolveram “partilhar” tudo o que a sociedade tinha entre ambos “os sócios desentenderam-se e distribuíram tudo o que havia na empresa entre os dois; partilharam tudo entre eles; mais tarde o pessoal acabou por sair, também, para as empresas deles”. O sócio Peixoto já tinha uma empresa para onde pôde conduzir tais equipamentos e pessoal e o sócio Durães constituiu, na altura, uma sociedade com o mesmo objecto social da "P..,Lda", para, também ele, poder afectar à mesma a parte que lhe coube na partilha.
Ou seja, trataram de resolver os problemas que não podiam deixar de resolver, como o pagamento da livrança com conta caucionada, face às obrigações pessoais que da mesma resultariam para os sócios e desinteressaram-se do mais, uma vez que acabaram por “liquidar” na prática a sociedade, com benefício para outras sociedades de que eram sócios e, como se verá, com prejuízo para o(s) credor(es).
Não releva, aqui, que as outras duas testemunhas tenham afirmado que a sociedade continuou a trabalhar até 2007, quando já vimos que o próprio responsável pela contabilidade põe, primeiro, essa data em 2006 e, após o confronto com os dados que lhe foram exibidos, acaba por dizer que desde 2003 os sócios levaram a cabo o comportamento descrito, em face do desentendimento verificado.
O solicitador T.., aliás, confirmou tudo isto, ao não ter conseguido efectuar qualquer penhora, num processo executivo que se desenrolou desde finais de 2003 até ao presente, tendo lembrado, no seu depoimento, a conversa que manteve com o sócio Peixoto, em Fevereiro de 2007, em que este disse que a sociedade não tinha nada em seu nome, que nem sede tinha, que a sede era a sede da "Irmãos..,Lda", que os veículos tinham sido vendidos ou já não sabia do seu paradeiro há meses e que os trabalhadores já estavam a trabalhar para outras firmas.
Estes são os factos, sendo que, o que se pode concluir, é que a verdade relatada no relatório pericial, é uma mera “verdade contabilística”, que não resiste à realidade, tal como ela se configura pelos demais elementos dos autos.
Essa foi a convicção da 1.ª instância e é também a convicção deste tribunal, pelo que nada há a alterar quanto à matéria de facto, improcedendo, assim, as conclusões 8.ª a 16.ª das alegações dos apelantes.

Recorrem, também, os apelantes da matéria de direito.
Entendem que há vício de interpretação e aplicação do artigo 78.º do Código das Sociedades Comerciais.
Dispõe o nº 1 desse artigo que “ os gerentes, administradores ou directores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.
Consagra-se aqui uma acção pessoal e directa para o exercício de um direito próprio do credor, uma responsabilidade independente da existente para com a sociedade.
Responsabilidade (dos gerentes, administradores e directores), perante os credores, que é solidária, sendo nula cláusula que exclua ou limite essa responsabilidade ou subordine o exercício da acção de responsabilidade a parecer ou deliberação dos sócios ou a prévia decisão judicial sobre a existência de causa da responsabilidade (arts. 73º, n.º 1, 74º, n.º 1, e 78º, n.º 5, todos do CSC).
Trata-se de responsabilidade de natureza delitual ou extracontratual, que não obrigacional ou contratual, pois não existe, anteriormente ao acto ilícito, qualquer direito de crédito do credor social perante o administrador. Existe apenas um interesse juridicamente protegido a que corresponde um dever de carácter geral.
«Não de trata de saber se o administrador tem ou não o dever de cumprir a obrigação da sociedade para com o credor social, mas antes de saber se o administrador tem ou não, perante certo credor social, o dever de não afectar o património social em violação das leis destinadas a proteger os credores sociais» - Acórdão da Relação de Lisboa de 26/03/2009, in www.dgsi.pt/jtrl.
"O administrador constitui-se no dever de indemnizar os credores sociais sempre que pratique um acto danoso, ilícito e culposo, com os elementos específicos indicados no n.º1. A responsabilidade só surge se o dano atingir o património social e o devedor o tornar insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade. Há-de ser um dano patrimonial para a sociedade.
E depende dos seguintes requisitos cumulativos:
- que o facto do gerente constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais;
- que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos;
- que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano” (Acórdão do STJ de 17-11-2005 in www.dgsi.pt/jstj).
A responsabilidade baseada nesta norma limita-se à actuação do gerente no exercício das suas funções. A regra legal não sustenta outra responsabilidade que não resulte desse exercício, durante e por causa do exercício das funções de administração da sociedade – neste sentido veja-se Acórdão da Relação do Porto de 29/11/2007 in www.dgsi.pt/jtrp.
Como vimos, o artigo 78º do Código das Sociedades Comerciais consagra um tipo de responsabilidade por violação de normas de protecção prevista no artigo 483º nº 1 do Código Civil.
Não existem relações jurídicas entre os gerentes e os credores da sociedade que decorram da relação de gerência, pelo que nenhum vínculo obrigacional os une.
Não existindo vínculo contratual entre os administradores e os credores sociais, não são estes titulares de direito algum a exigir daqueles a prática de determinada conduta; não existe, pois, um vínculo contratual em virtude do que fiquem os gerentes adstritos a concreta conduta, activa ou omissiva, perante os credores da sociedade.
Assim, para que ocorra a responsabilidade dos gerentes, prefigurada como delitual, terão de verificar-se todos os pressupostos a que alude o citado artº 483º do CC, com relevo para a culpa e o nexo causal, que aqui se não presumem, tendo os interessados de fazer, com êxito, a competente prova - arts 342º e 487º do Código Civil.
Aquele que viola disposição legal destinada proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da lesão. A responsabilidade dos gerentes decorre da inobservância culposa, das disposições legais ou contratuais (estatutárias) destinadas à protecção dos credores. Não emerge de vínculo obrigacional, mas da omissão de um dever legal, os deveres genéricos impostos aos administradores perante os credores.
Como escreve Menezes Cordeiro (“Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades”, pág. 494, citado no Acórdão da Relação do Porto supra referido), trata-se de uma “imputação delitual, moldada no figurino das normas de protecção, previstas no artigo 483º/1, 2ª parte, do CC. (…) A lei exige, para este tipo de responsabilidade, a violação das normas de protecção aos credores, violação essa que seja causa de insuficiência patrimonial. Além disso, haverá que verificar os demais requisitos da imputação aquiliana, com relevo para a ilicitude, a culpa e o nexo causal. Nenhum destes factos se presume: haverá – por parte dos interessados – que deduzir, com êxito, a competente prova”.
Requisitos a serem demonstrados pelo credor lesado – arts. 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1 do Código Civil.
Os gerentes da sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, recaindo-se sobre eles um dever geral de diligência (ver 64º do CSC).
Na perspectiva da responsabilidade dos gerentes, a sindicância do tribunal não se prende com o mérito da gestão mas apenas com a licitude da sua actuação.
O acto ilícito do gerente afecta, em primeiro lugar, o património social e, indirectamente, do credor, pelo que a responsabilidade daquele “só surge se o dano atingir o património social e o devedor o tornar insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade. Há-de ser um dano patrimonial para a sociedade” – cfr. Acórdão da Relação do Porto supra indicado - , de forma que o património social se torne insuficiente para satisfazer os seus débitos. A conduta ilícita do administrador atinge, imediata e directamente, o património social, o que, indirecta ou mediatamente, vem a afectar o património dos credores, perdendo consistência efectiva os seus créditos, de modo que o acto do administrador pode vir a considerar-se causa adequada do dano do credor, apesar de só indirectamente atingir o seu património.
No caso dos autos, para demandar os réus/apelantes, no exercício de um direito próprio que lhe é conferido, como vimos, pelo artigo 78.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, o autor/apelado alega diversos comportamentos dos réus que estarão na origem dos danos a indemnizar.
Alega e faz a correspondente prova, como resulta da matéria de facto assente.
Com efeito, o autor provou que é credor da sociedade de que os réus são gerentes e que o seu crédito não se encontra pago, o que lhe confere legitimidade para a presente acção.
Por outro lado, tendo o autor intentado a competente acção executiva para ver satisfeito o seu crédito, aí se chegou à conclusão que a sociedade não tem forma de pagar a dívida, ou seja, o património social é insuficiente para a satisfação do crédito.
E é insuficiente, concluímos nós, devido à actuação dolosa dos réus.
Os gerentes de uma sociedade comercial têm a obrigação legal de a gerirem com prudência, de modo a garantirem que essa gestão não põe em causa os interesses dos credores, legal e contratualmente protegidos, sob pena de responderem pessoalmente pelos actos danosos que praticarem.
Importa proteger terceiros contra o mau uso da sociedade comercial, quando, a coberto da sua personalidade jurídica, é usada para cometer fraudes ou abuso de direito. Neste caso, há uma ilicitude sob a capa da autonomia patrimonial da sociedade.
No caso dos autos, os réus descapitalizaram a sociedade de que são gerentes, retirando proveitos de que passaram a beneficiar outras sociedades, de que também são sócios e fizeram-no em prejuízo da primitiva que era quem detinha a dívida que importava pagar. É indisfarçável a lesão ilícita dos réus ao património da sociedade e, indirectamente, ao património deste credor, por dissiparem ou diminuírem o património social.
Daí que tenha de concordar-se com a sentença de 1.ª instância, quando aí se escreve:
«A sociedade “P..,Lda” não teria dificuldades económicas, ou não resgataria tão prontamente os valores residuais das locações financeiras dos veículos cujas rendas por si foram inteiramente pagas. Depois desse resgate, e quase como por encanto, os Réus – únicos sócios gerentes daquela sociedade – encarregaram-se de subtrair aqueles veículos ao património da mesma: em menos de um ano, e sendo a sociedade proprietária plena das quatro viaturas, lograram os Réus “encaminhá-las” para outros patrimónios, estranhamente (ou não) próximos. Três delas – o RH, o RL e o SD – para sociedades de que pelo menos um dos Réus é sócio gerente, tendo mesmo a última passado por uma outra sociedade, também afecta ao 1.º Réu; o SX, cujo registo nem sequer foi alterado apesar da cessação do “leasing”, desinteressando-se do respectivo paradeiro (como se um veículo automóvel, ainda por cima de mercadorias – Nissan Cabstar – fosse um bem volátil e de escasso valor...) e “perdendo” os documentos (o que só costuma acontecer quando outra pessoa passa a circular no veículo e deles necessita)!
É evidente a ilicitude da conduta dos Réus: apesar de saberem, pelo menos desde 2003, que a “P..,Lda” era devedora do Autor, agiram culposamente ao esvaziar, daquela forma habilidosa e sem qualquer justificação, o património da sociedade dos bens que lhe restavam, assim desprotegendo os interesses de um credor social. O que interessou foi a fuga dos bens, sobretudo para sociedades conexas, e não usá-los, como devia ter sido feito, para satisfazer os compromissos da sociedade para com o Autor. Acrescente-se que a resposta dada ao quesito 10.º em nada altera esta conclusão: o facto de uma sociedade movimentar uma conta bancária (porque apenas disso tratava o quesito) não significa que a mesma tenha efectivamente fundos para pagar a eventuais credores; e, no caso, como decorre do teor da alínea M), os mesmos não existiam quando um credor – o Autor – deles necessitou…
Com toda a descrita actuação, os Réus conseguiram que o Autor não lograsse cobrar o respectivo crédito: está, portanto, reunido mais um requisito da aplicação do citado art. 78.º – a circunstância de o património social se ter tornado insuficiente para a satisfação do crédito em causa.
Provou-se ainda que os Réus actuaram com a intenção de colocar a sociedade devedora do Autor sem qualquer património e, deste modo, nada ser pago àquele (vide resposta ao quesito 7.º, que não foi alterada em reapreciação da matéria de facto face às respostas dadas aos quesitos 11.º e 12.º): aqui se constata a causa adequada entre os actos dos Réus, como gerentes da “P..,Lda”, ao passarem os veículos para outros patrimónios que também administravam ou, no caso do SX, fazendo-o desaparecer, com o dano sofrido pelo Autor, que ficou sem nada para penhorar e, a seguir, vender para satisfação do seu crédito».
Com o seu comportamento, os réus violaram as regras da boa gestão, da manutenção da integridade do património social, da frustração do objectivo da sociedade – a obtenção de lucros – e a diminuição fraudulenta do seu activo, em benefício próprio ou de terceiro e em prejuízo dos credores.
Se a sociedade estava numa situação difícil, como alegaram, poderiam sempre lançar mão das medidas de recuperação de empresa, previstas no CIRE e não proceder àquilo que a principal testemunha chamou de “partilha” de todo o activo da sociedade por outras sociedades de que os gerentes eram também sócios, deixando a primeira sem actividade e beneficiando aquelas para quem efectuaram as transmissões e, em último caso, beneficiando-se a eles próprios, em detrimento do credor social.
Pode dizer-se, como no Acórdão da Relação do Porto de 02/07/2009, in www.dgsi.pt que «Têm aqui inteiro cabimento as palavras certeiras do Acórdão da Relação de Coimbra de 19.12.2000: “ Dar a situação da requerida por encerrada tão somente com uma simples declaração dos sócios, que sem mais se aceitaria como verídica, seria abrir as portas a todo o tipo de subversão comercial, com incalculáveis consequências na segurança das relações comerciais: o devedor relapso não correria quaisquer riscos, sonegaria os bens que haveriam de garantir o pagamento das dívidas e, quando se lhe afigurasse eminente a declaração de falência, outorgaria, à pressa, uma escritura ao estilo da constante dos autos, e ei-lo pronto para repetir a proeza, em idênticos moldes”.
Estão, assim, preenchidos os requisitos cumulativos para que possa exercer-se o direito de indemnização peticionado com recurso à disposição prevista no artigo 78º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção dos credores da sociedade e insuficiência (no caso, total ausência) de património para a satisfação dos respectivos créditos.
Pelo que, improcedendo as conclusões 17.ª a 21.ª da alegação dos apelantes, terá que manter-se a decisão recorrida.

Sumário:
1 – No artigo 78.º n.º 1 do CSC consagra-se uma acção pessoal e directa para o exercício de um direito próprio do credor, uma responsabilidade independente da existente para com a sociedade.
2 - Que depende dos seguintes requisitos cumulativos:
- que o facto do gerente constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais;
- que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos;
- que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano.
3 - O acto ilícito do gerente afecta, em primeiro lugar, o património social e, indirectamente, do credor, pelo que a responsabilidade daquele só surge se o dano atingir o património social tornando-o insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade.
III. DECISÃO
Em face do exposto decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
***
Guimarães, 11 de Outubro de 2011
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho