Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1385/03.2TBFAF-B.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é devida, pelo mesmo, a partir do mês seguinte ao da notificação da correspondente decisão do tribunal, que fixa o pagamento da prestação a cargo do Fundo e, não contempla prestações vencidas anteriormente.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Por requerimento apresentado em 23/10/2008, S… , progenitora da menor T… veio deduzir incidente de incumprimento da prestação de alimentos a favor da menor, alegando que o progenitor, J… , não pagou nenhuma das prestações fixadas, por decisão de Janeiro de 2005, na quantia mensal de € 150,00, que o mesmo ficou obrigado a prestar a título de alimentos à menor, tendo sido a requerente que tem providenciado pelo seu sustento e educação, acrescendo o facto de o montante da pensão nunca ter sido actualizado apesar de a menor entretanto ter necessidades superiores às que tinha naquela data, tendo a requerente conhecimento que o requerido tem possibilidades de pagar a referida quantia, mas se se vier a apurar que tal não acontece desde já requer que seja accionado o fundo de garantia de alimentos devidos a menores para que os pague.

Com estes fundamentos, requer que seja o requerido notificado para proceder ao depósito da quantia, de 7 194,00€ ou se assim não se entender por ser considerado que as actualizações ainda não são devidas a quantia de 6 600,00€ bem como ao pagamento mensal da quantia referente aos alimentos da menor Tatiana, bem como seja actualizado a pensão mensal para o valor de 163,50€ mensais, por via da actualização necessária para fazer face à desvalorização da moeda, aumento do custo de vida e taxa da inflacção anual que tem sido de 3%.

Notificado o pai da menor nos termos do artº 181, nº2 da OTM nada alegou, expondo apenas o que consta a fls. 10 dos autos.

Foi efectuada conferência de pais (à qual não compareceu o pai da menor), tendo sido tomadas declarações à mãe e solicitada à SS a realização de inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais.

Juntos os relatórios e, na falta de contestação por parte do pai, na sequência de promoção do Ministério Público foi proferido despacho que julgou verificado o incumprimento, em 1.10.2009.

A requerimento da requerente, o Ministério Público em 13.10.2010, em representação da menor, requereu a fixação do montante a prestar pelo Estado à menor em substituição do devedor J… , a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.

Realizadas as diligências tidas por necessárias, foi proferida a seguinte decisão:

1. Fixo em €150,00 (cento e cinquenta euros) a prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores à menor T… .

2. Tal pagamento terá início no mês seguinte ao da notificação da presente decisão e contemplará as prestações vencidas desde a data da decisão do incumprimento, ou seja, 1/10/2009.

3. Tal quantia será actualizada anualmente em função do índice de preços ao consumidor publicado pelo INE, mas nunca inferior a 5%.

4. Tal quantia deverá ser remetida directamente à mãe da menor, residente na Avenida de São Clemente, nº 60, em Silvares, São Clemente, 4820-645 em Fafe.

Não concordando com essa decisão, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

O Ministério Público respondeu apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

(…)

Foram colhidos os vistos legais.

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a única questão que se coloca e há que apreciar e decidir é determinar o momento a partir do qual é devida a prestação a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores fixada na sentença.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:

1) A menor T… nasceu no dia 13 de Abril de 1997, tendo actualmente 13 anos de idade.

2) A menor é filha de S… e de J… .

3) Por decisão de 21/01/2005, a menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, ficando o progenitor obrigado a contribuir com a quantia de €150,00 por mês.

4) O progenitor não pagou a pensão de alimentos a que estava obrigado.

5) Por decisão datada de 01/10/2009 foi julgado procedente o alegado incumprimento.

6) A progenitora nasceu no dia 23/04/1978, tendo actualmente 32 anos de idade e é divorciada.

7) A progenitora reside com os dois filhos: a T… e o P… (este último, filho do seu companheiro de que se separou recentemente).

8) Reside em casa arrendada, com 2 quartos, sala, cozinha e 2 WCs.

9) A progenitora é professora e recebe €1.373,13 de vencimento por mês, estando penhorado cerca de €384,72, pelo que recebe, na prática, uma média de €800,00 mensais.

10) A progenitora recebe €53,08 de prestações familiares.

11) O agregado familiar da progenitora suporta mensalmente o montante global de €657,00 em despesas fixas, ao que acrescem as despesas com alimentação, vestuário, calçado, médica, transporte e educação.

12) O progenitor do menor P… não contribui para o seu sustento.

13) O progenitor nasceu no dia 06/05/1965, tendo actualmente 45 anos de idade e é divorciado.

14) O progenitor reside sozinho, em casa antiga, arrendada, composta por 2 quartos, casa de banho, sala, duas cozinhas e um anexo.

15) Encontra-se desempregado desde Maio de 2010 e recebe de subsídio de desemprego o montante de €267,00.

16) Tem como despesas mensais €220,00.

*

Nos termos do art. 1º da Lei nº 75/98 de 19/11, “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

E, nos termos do art. 6º nº 2, da mesma lei, o pagamento das prestações fixadas nos termos desta lei é assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

A Lei nº 75/98 foi regulamentada pelo Dec. Lei nº 164/99 de 13/05, onde se consignou, no nº1, do art. 3º, o que já se mostrava consignado no art. 1º daquela Lei nº 75/98, referindo-se no nº 2 do mesmo art. 3º que: “Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário”.

Mais recentemente, foi publicado o Dec. Lei nº 70/2010 de 16/06, anterior à prolação da decisão impugnada, o qual veio estabelecer novas regras de capitação dos rendimentos, alterando, assim, os requisitos de que, até aí, dependia a obrigação do Fundo, supra referida.

Este diploma, estabelecendo, nos termos do seu art. 1º, nº 1, as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos respectivos rendimentos para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito a diversas prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade, determinou, de forma expressa, no seu art. 1º, nº 2, alínea c), que tais regras são aplicáveis ao pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e alterou o art. 3º do Dec. Lei nº 164/99, cujo nº 3 passou a ter a seguinte redacção: “O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Dec. Lei nº 70/2010, de 16 de Junho”.

É este o diploma a ter, então, em atenção para se proceder ao cálculo da capitação do agregado familiar. Pois, sendo, várias as normas e vários os diplomas que regem a matéria de alimentos a menores, deve procurar interpretar-se o conteúdo das diversas disposições, inferindo-o dos factores racionais que as inspiraram, da génese histórica que as prendem a leis anteriores e do modo como se conexionam no sistema.

A este propósito ver, Castanheira Neves, na obra “Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais”, BFD – Universidade de Coimbra, 1993, página 84, onde o Professor ensina que “o problema jurídico-normativo da interpretação não é o determinar a significação, ainda que significação jurídica, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos (…). Uma boa interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina correctamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspectica prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto”.

Para se determinar a finalidade prática da norma, é preciso atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada, cfr. refere Francesco Ferrara, in “Interpretação e Aplicação das Leis”, 3ª edição, página 141.

O escopo prático que os vários preceitos citados visam atingir é o da garantia, por parte do Estado, de que todas as crianças tenham acesso a condições mínimas de subsistência, cumprindo-se desse modo, não só os imperativos constitucionais (artigo 69º da CRP), mas também as normas vinculativas do direito internacional, maxime, a Convenção sobre os Direitos da Criança.

Tendo-se em atenção, no caso em análise que, pese embora, estarmos perante uma situação de atribuição de alimentos a menores, o escopo subjacente às normas que regulam no caso, fixando a prestação a cargo do fundo, são diferentes daquelas que determinaram a consagração do dever de alimentos por parte dos progenitores. A razão de ser, de umas e outras, são diferentes, enquanto a primeira deriva de uma obrigação social de protecção aos menores, a última deriva do dever natural, das obrigações resultantes de se ser pai.

A decisão em recurso considerou verificados os pressupostos de que dependia a obrigação do Fundo de Garantia, na medida em que, não sendo possível tornar efectiva a prestação de alimentos a que o progenitor/requerido estava obrigado, através dos meios estabelecidos no art. 189º da OTM, pois o mesmo encontra-se desempregado, recebendo subsídio de desemprego no montante de € 267,00 e por o rendimento mensal da alimentada não ser superior ao salário mínimo nacional, fixou a prestação mensal a pagar pelo Fundo em € 150, 00. No mesmo valor que tinha sido fixado a cargo do progenitor/incumpridor.

A decisão, neste aspecto não mereceu qualquer reparo ou crítica, por parte dos intervenientes processuais, sendo objecto do recurso interposto, apenas, a questão do momento a partir do qual é devida essa prestação fixada a cargo do Fundo de Garantia. Discordando o impugnante do decidido a este respeito, no que é acompanhado pelo Ministério Público.

Vejamos, então, se a apelação procede.

A decisão recorrida considerou que o pagamento, da prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a menores, terá início no mês seguinte ao da notificação da decisão e contemplará as prestações vencidas desde a data da decisão do incumprimento, ou seja, 1/10/2009.

E, é precisamente nesta parte em que se decidiu que o Fundo pagará as prestações vencidas desde a data da decisão que declarou o incumprimento, que os intervenientes discordam da mesma, defendendo o Fundo que não lhe incumbe o pagamento de prestações vencidas antes da decisão que fixou a prestação a seu cargo, o que o Ministério Público acompanhou e, que desde já adiantamos, também, ser o nosso entendimento.

Face a isso e, pelas razões a seguir expostas, a final, a procedência do recurso será declarada.

É certo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, tem tido defensores, no entanto, consideramos não ser a defensável, perante a mais recente, nomeadamente, a última jurisprudência uniformizadora do STJ e o mais recente Ac. do TC, sobre esta questão, proferido em Plenário e relatado pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Vítor Gomes.

Efectivamente, esta questão tem sido objecto de ampla controvérsia na nossa jurisprudência, em cujas decisões se manifestavam, fundamentalmente, três posições divergentes.

Uma delas sustentava que ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, cfr. entre outros os acórdãos do STJ de 10/07/2008 e de 30/09/2008, os acórdãos da Relação do Porto de 27/06/2006 e de 07/12/2005 e o acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/2008, todos in www.dgsi.pt.

Uma outra sustentava que o pagamento, apesar de se iniciar no mês seguinte ao da notificação da decisão, reporta-se e abrange as prestações vencidas desde a data em que foi formulado o pedido contra o Fundo, cfr. entre outros, o acórdão do STJ de 10/07/2008, os acórdãos da Relação do Porto de 08/03/2007 e de 14/12/2006, os acórdãos da Relação de Lisboa de 17/06/2008, 13/12/2007 e 10/04/2008, os acórdãos da Relação de Coimbra de 27/05/2008 e 03/05/2006 e o acórdão da Relação de Évora de 10/05/2007, todos in www.dgsi.pt..

E, uma última das referidas correntes jurisprudenciais considerava que a responsabilidade do Fundo abrangia também as prestações acumuladas, já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, cfr. entre outros, o acórdão do STJ de 31/01/2002, os acórdãos da Relação de Lisboa de 24/11/2005, 09/06/2005 e 08/05/2008, os acórdãos da Relação do Porto de 25/10/2004, 21/09/2004 e 22/11/2004 e o acórdão da Relação de Coimbra de 15/11/2005, todos in www.dgsi.pt..

A corrente jurisprudencial, supra mencionada, segundo a qual ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal baseia-se no art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 164/99 de 13/05 onde se determina que o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, invocando os defensores dessa corrente que, através da citada norma, o legislador fixou a data a partir da qual é devida a prestação substitutiva pelo FGADM.

Mas, apesar dos que assim pensam, as decisões a esse respeito não têm sido unânimes e, essa controvérsia jurisprudencial veio dar origem ao Acórdão do STJ de 07/07/2009, in www.dgsi.pt, que veio uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: “A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”.

O STJ acolheu a primeira corrente, acima referida, segundo a qual ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal e uniformizou jurisprudência nesse sentido.

Mas, pese embora isso, não se conseguiu, até ao momento, obter consenso a nível de decisões, reflexo disso, além das decisões a nível da 1ª instância, como é a aqui em recurso, têm sido as decisões proferidas no Tribunal Constitucional que têm assumido posições diferentes. Já depois do AUJ do STJ, os Acs. do TC nº 54/11 e nº 400/11, o primeiro decide de forma divergente ao AUJ e o último vai de encontro ao decidido no AUJ.

Ora, como é sabido, os acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não têm carácter vinculativo para os Tribunais, ao contrário do que acontecia com os anteriores Assentos.

Mas isso não significa, nem pode significar, que o julgador possa e deva tomar as suas decisões de acordo com a interpretação da lei que entende ser a mais correcta com total desconsideração pela jurisprudência uniformizada.

Sendo dessa forma, a Uniformização de Jurisprudência seria um instituto criado pelo legislador sem qualquer utilidade, na medida em que a controvérsia jurisprudencial que antes existia, sobre a questão que decidiu, continuaria a existir nos mesmos termos, com prejuízo para a segurança jurídica e igualdade de tratamento. Valores que são, sem dúvida, postos em crise quando existe grande divisão na jurisprudência acerca da mesma questão de direito e que a uniformização de jurisprudência pretende salvaguardar.

Pois, como se defende in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, págs. 443 e 444, de Abrantes Geraldes, a jurisprudência uniformizada do STJ, embora não seja vinculativa, tem força persuasiva e, como tal, deverá merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial. Assim, afirma, “…o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”. “A discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior”.

Referindo, ainda que, para contrariar a doutrina uniformizada pelo STJ, é necessário que existam fortes razões ou circunstâncias especiais que o justifiquem.

Neste mesmo sentido veja-se o Ac.STJ de 14/05/2009, in www.dgsi.pt, que se pronunciou do seguinte modo: “…O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não é, ao contrário dos antigos Assentos, estrita e rigorosamente vinculativo, antes representando jurisprudência qualificada; No entanto, a sua componente vinculativa surge acentuada para as instâncias – como resulta v.g., do nº2, alínea c) do artigo 678 do Código de Processo Civil – sendo meramente persuasiva, e mutável, para o Supremo Tribunal de Justiça…”.

Daqui resulta que a decisão que uniformiza jurisprudência, não sendo estrita e rigorosamente vinculativa, cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e a merecer maior ponderação.

Devendo, assim, concluir-se que a decisão que uniformiza jurisprudência deve, em princípio, ser respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão. Não aplicar a doutrina uniformizada pelo STJ não pode fundamentar-se na mera discordância da interpretação da lei que lhe esteve subjacente e com base nos mesmos argumentos que já eram utilizados anteriormente pela corrente jurisprudencial que defendia posição diversa daquela que veio a ser acolhida no acórdão uniformizador. Decidir não aplicar a doutrina uniformizadora pressupõe que se fundamente, essa decisão, devidamente com base em novos argumentos e novas circunstâncias que justifiquem a desconsideração da mesma.

Assim e, em termos conclusivos, tal como defende o recorrente, também nós, como já referimos, somos de entender que, por ora, se deve seguir o entendimento preconizado pelo AUJ. Pois, não nos surgem argumentos novos e suficientes para que nos afastemos da doutrina ali uniformizada.

Conforta-nos esta posição a análise que tem vindo a ser feita a este propósito pelo Tribunal Constitucional.

Com efeito, se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 54/2011 de 01/02/2011, decidiu “Julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 69.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1 e 3, da Constituição, a norma constante do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão” e nesse sentido também se pronunciaram os Acórdãos do mesmo Tribunal de 03/03/2011 e 22/03/2011, com os nºs 131/2011 e 149/2011, respectivamente.

Já, as mais recentes decisões pronunciaram-se de encontro ao decidido no AUJ. Veja-se o Acórdão nº 400/2011 de 22/9/2011, proferido em Plenário, onde se lê: “decide-se não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação de que a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as prestações a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão”, e neste mesmo sentido, ainda mais recente, o Acórdão com o nº 506/2011 de 12/10/2011.

Ora, se já antes destes últimos acórdãos, entendíamos que não era de nos afastarmos da doutrina uniformizada pelo STJ, porque, pese embora aquele outro acórdão do TC nº 54/2011, não configurava qualquer declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que seja vinculativa, tal torna-se, agora ainda mais acentuado, com a decisão do TC proferida em Plenário, que se pronuncia pela constitucionalidade da norma no sentido em que a mesma é interpretada pelo AUJ.

Diga-se que, os argumentos, referidos no acórdão nº 54/2011, para decidir pela inconstitucionalidade, eram já utilizados por determinadas posições jurisprudenciais que defendiam uma solução diferente daquela que veio a ser adoptada pelo STJ e, agora, seguida no acórdão nº 400/2011 e, por outro lado, são argumentos que sempre poderão ser contornados com a possibilidade de solicitar e decretar uma prestação provisória, como aliás dá nota o AUJ, quando refere que a Lei 75/98 acautela a situação dos menores, face a uma possível demora na tramitação do incidente, ao prever no nº2 do seu art. 3º que o juiz pode estabelecer uma prestação de alimentos provisória, quando a pretensão do requerente for justificada e urgente – não havendo, em nenhum caso, lugar à restituição dos alimentos provisórios recebidos.

Concordamos que esta opção legislativa, “substitutiva” de uma imposição automática ao FGADM da responsabilidade pelas prestações alimentares devidas desde o início do processo, mesmo antes da decisão judicial que decretou a sua responsabilidade, se conforma, com a natureza constitucional e fundamental da protecção devida aos menores, compatível com a exigência de eficácia e celeridade na tutela do menor carenciado de alimentos, permitindo garantir a subsistência deste durante o período temporal que durar o incidente, até nele ser proferida decisão condenatória final, “constitutiva” da responsabilidade definitiva do Fundo.

No prosseguimento desta interpretação estará, sem dúvida, assegurada a tutela célere, eficaz e sem hiatos temporais do direito fundamental às prestações alimentares do menor carenciado, satisfeitas, após o momento do incumprimento, pelo Estado/ segurança social, primeiro na sequência de uma decisão cautelar e urgente, a proferir liminarmente em tal procedimento, se necessário em consequência de suscitação da questão pelo Ministério Público ou pelo mandatário judicial que patrocine a requerente, (assim, obrigatoriamente urgente e rápida) e, posteriormente, por via da definitiva condenação do Fundo, decidida no termo do incidente de incumprimento.

Por todo o exposto e, por partilharmos a doutrina adoptada pelo STJ, a qual consideramos que acautela e defende os interesses dos menores carenciados e, por considerarmos que a mesma não viola qualquer norma constitucional, decidimos que, as prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos apenas são devidas a partir do mês seguinte ao da notificação do tribunal, razão pela qual se revoga, nesta parte, a decisão recorrida e, se julga procedente a apelação.

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SUMÁRIO (nos termos do disposto no art. 713º, nº 7 do CPC):

I - A prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é devida, pelo mesmo, a partir do mês seguinte ao da notificação da correspondente decisão do tribunal, que fixa o pagamento da prestação a cargo do Fundo e, não contempla prestações vencidas anteriormente.

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III - DECISÃO

Em conformidade com o que ficou exposto, julgamos totalmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que decidiu que o pagamento a efectuar pelo FGADM contemplará as prestações vencidas desde a data da decisão do incumprimento, ou seja, 1/10/2009.

Sem custas, por o recorrente delas estar isento.

Notifique.

Guimarães, 17 de Novembro de 2011

Rita Romeira

Amílcar Andrade

José Rainho