Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
162/02.2GBVLN.G1
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I – A atenuação especial da pena tem caráter excecional, sendo apenas aplicável a situações residuais, não previstas pelo legislador, que constituam um desvio às hipóteses típicas.
II – Mesmo tendo decorrido onze anos desde a prática do crime, tendo o arguido entretanto perdido a visão e mantido bom comportamento no estabelecimento prisional, não deve ser atenuada especialmente a pena de prisão, nem esta deve ser suspensa na sua execução, quanto ao autor de um crime de roubo, perpetrado com ofensas corporais sobre um taxista, que não ressarciu a vítima, não revela arrependimento e continuou a cometer crimes enquanto se manteve em liberdade, nomeadamente cometeu um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção de arma proibida quando já era invisual.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: ---

I.
RELATÓRIO. ---
Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, o Tribunal Judicial da Comarca de Valença, por acórdão de 22.04.2013, depositado no mesmo dia, deliberou, além do mais, ---
«Condenar o arguido Afonso M..., pela prática de um crime de roubo simples, em co-autoria material, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão.
Condenar o arguido David R..., pela prática de um crime de roubo simples, em co-autoria material, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão» Cf. volume III, fls. 785 a 798. ---. --
Do recurso para a Relação. ---
Inconformados com tal acórdão, os Arguidos vieram dele interpor recurso para este Tribunal, em 22.05.2013, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) ---
- Arguido Afonso M..., ---
«1. É de manter como provada a factualidade assim tida na, aliás douta, decisão recorrida com excepção do que aqui, a seguir, vai em 2. e 3.
2. Devem ter-se como não provados os seguintes factos (a itálico):
a) Nesse instante, ofenderam-no corporalmente, desferindo-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo, deixando-o a sangrar pela boca, e obrigaram-no a regressar ao carro;
b) Encostaram Alexandrino L... à porta traseira do lado oposto ao do condutor, que na altura se encontrava aberta;
c) Nessas circunstâncias, os dois arguidos revistaram Alexandrino L... e apoderaram-se de todos os objectos que transportava consigo: uma carteira em pele, que continha no seu interior diversos documentos pessoais, vários cartões de crédito e débito e uma quantia em numerário de cerca de seiscentos euros; um par de óculos avaliados em cerca de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) e dois telemóveis da marca Nokia, modelo 6310 e 6350, no valor declarado de € 800,00 (oitocentos euros); e,
d) Ao actuarem da forma supra descrita, usando da força física para atingirem os seus objectivos, os arguidos pretendiam integrar na sua esfera patrimonial a quantia em dinheiro, os telemóveis e demais bens pertença da ofendido que este tivesse na sua posse, o que conseguiram forçando-a a entregar-lhes esses mesmos bens, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam sem consentimento e contra a vontade da respectiva dona.
3. Devem dar-se como provados os seguintes factos (a itálico): Alexandrino L... foi única e exclusivamente ofendido corporalmente por David R..., desferindo-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo, deixando-o a sangrar pela boca.
4. Os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados são os a itálico em 2. a), b), c) e d) e 3.
5. As concretas provas que impõem decisão diversa do aqui em 2. e 3. radicam no depoimento da testemunha Alexandrino L..., à míngua de outros a propósito, e quanto ao atrás em 2. a), 2. d) e 3., registado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Valença, relativo à sessão da manhã da Audiência de Discussão e Julgamento de 18 de Março de 2013 (20130318103809_31166_65241 a 2O13O3181O5847_311666_65241). Na verdade, estabelecido fica que quem o ofendeu corporalmente e lhe causou as referidas lesões é, unicamente, o arguido David R.... Outrossim, a completa ausência de prova ou a sua manifesta insuficiência para alicerçar o aqui em 2. b) e 2. c), respectivamente. A pena é excessiva.
6. O princípio "in dubio pro reo" / da presunção da inocência, consagrado no art. 32° n.° 2 CRPort., constituindo um dos direitos fundamentais dos cidadãos, em termos jurídico-penais, surge articulado com o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127° CPPenal, não libertando os julgadores dos meios probatórios produzidos, já que é com eles e com base neles - e não em meras conjecturas ou opiniões pessoais, por mais honestas que sejam - que terá de ser proferida e consubstanciada a decisão, pelo que foram violados. A pena é excessiva.
7. A decisão em crise padece, pois, de insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por provada e erro notório na apreciação da prova - alíneas a) e e), do n.° 2, do art. 410º CPPenal. A pena é excessiva.
8. Se bem que Afonso M... seja co-autor material do crime de roubo simples, certo é que deveria ser punido segundo a sua culpa, independentemente da punição do grau de culpa dos outros participantes e como obriga o art. 29° CPenal, destarte postergado. A pena é excessiva.
9. O em que foi sentenciado ultrapassa largamente a medida da culpa que lhe é de assacar, em flagrante violação do disposto no n.° 2 do art. 40° CPenal. A pena é excessiva.
10. Tomando por referência a aplicada a David R... e a concorrência de culpas, é manifesta a violação dos princípios da igualdade (cfr. art 13° CRPort. ), na sua vertente negativa - que manda tratar desigualmente o que é distinto -, e o da proporcionalidade. A pena é excessiva.
11. In casu, há circunstâncias comuns posteriores ao crime de especial valor atenuativo (que modificam a moldura penal abstracta), que podem e devem ser subsumidas ao disposto no n.° 1 do art. 72° CPenal e que têm a ver com a "necessidade da pena" a aplicar ao aqui recorrente. Sabendo-se que o n.° 2 deste preceito é meramente exemplificativo, razões de humanidade (por, entretanto, ter quedado invisual bilateral irreversível - incapacidade quase absoluta, necessitando, até, de apoio permanente para se locomover), acompanhadas de sinceros actos demonstrativos de arrependimento (pedido de desculpas ) e de bom comportamento (nada há apontar-lhe em termos disciplinares / personalidade mais integrada / frequência escolar / interesse ocupacional / apoio familiar sempre que possível), aliados ao ter-se esfumado qualquer resquício de alvoroço social (11 anos são passados) e à juventude à data da prática dos factos (22 anos de idade), militam em que a pena lhe seja especialmente atenuada, por merecer um juízo de prognose favorável e porque, certamente, não mais irá delinquir.
12. Essa pena especialmente atenuada deve ser suspensa - cfr. art. 73º n.° 2 CPenal. Aliás, por simples cautela, se diga que, independentemente disso, sempre ela deverá ser suspensa - cfr. art. 50° e segs. CPenal.
Face ao exposto, deverá ser revogada a, aliás douta, decisão recorrida e substituída por outra cuja pena a aplicar ao aqui recorrente não ultrapasse a medida da sua culpa (afigurando-se um ano e seis meses como a adequada), suspendendo-se na sua execução, com o que se fará a mais lídima Justiça!» Cf. volume III, fls. 813 a 842. ---; ---
- Arguido David R..., ---
«1 – Devem ter-se como não provados os seguintes factos (a itálico):
"O arguido Afonso M... ocupou o lugar da frente, ao lado do condutor; e o arguido David R... entrou para o banco de trás.
Durante o percurso, já próximo do Cais de Valença, o arguido David R... encostou um objecto metálico à cabeça do ofendido Alexandrino L..., por forma a que este disso se apercebesse e que, com receio que o arguido o usasse para atentar contra a sua integridade física, lhe satisfizesse o que pretendia, e ordenou-lhe que se dirigisse para a Zona Agrícola, mais concretamente para o parque das Merendas, sito na freguesia de V..., Valença.
"Nesse instante, ofenderam-no corporalmente, desferindo-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo, deixando-o a sangrar pela boca, e obrigaram-no a regressar ao carro."
Encostaram Alexandrino L... à porta traseira do lado oposto ao do condutor, que na altura se encontrava aberta."
"Ao avistarem o Serafim V..., os indivíduos que se encontravam no interior do veículo escuro accionaram a buzina do mesmo, alertando os arguidos para a presença daquele.
De imediato, os arguidos largaram o Alexandrino L... e introduziram-se no veículo deste, pondo-se em fuga. Porém por razões que se desconhece, não conseguiram circular mais do que cinco metros.
Então, saíram do táxi e correram em direcção ao referido veículo automóvel de cor escura que ali se encontrava, que saiu daquele a circular em grande velocidade."
2 - As concretas provas que impõem decisão diversa do mencionado em 1 radicam no depoimento do ofendido, da testemunha Serafim, registados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Valença, relativo à sessão da manhã da Audiência de Discussão e Julgamento de 18 de Março de 2013 (20130318103809_31166_65241 a 20130318105847_31166_65241) e principal e indubitavelmente do exame lofoscópico de fls. 188 a 195.
3 - Na verdade, estabelecido fica que quem esteve no local foi o arguido Afonso M..., foi quem se fez transportar no banco de trás contrariamente ao assumido pelo ofendido, pelo que nada, nem ninguém, coloca o arguido David R... no local da prática dos factos.
4 - Pelo que se verifica uma completa ausência de prova ou a sua manifesta insuficiência para alicerçar o vertido em 1, pelo que a pena é excessiva.
5 - O princípio "in dubio pro reo" / da presunção da inocência, consagrado no art. 32º n.° 2 CRPort., constituindo um dos direitos fundamentais dos cidadãos, em termos jurídico-penais, surge articulado com o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127° CPPenal, não libertando os julgadores dos meios probatórios produzidos, já que é com eles e com base neles - e não em meras conjecturas ou opiniões pessoais, por mais honestas que sejam - que terá de ser proferida e consubstanciada a decisão, pelo que foram violados. A pena é excessiva.
6 - A decisão em crise padece, pois, de insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por provada e erro notório na apreciação da prova - alíneas a) e c), do n.° 2, do art. 410° CPPenal. A pena é excessiva.
7 - Verifica-se uma clara violação do DL 401/82, de 23/09, porquanto o digníssimo Tribunal "a quo" entendeu não atenuar especialmente a pena, atentas as condutas desviantes que o arguido vem assumindo.
8 - Contudo, não pode haver uma avaliação de tais condutas, uma vez que o arguido se encontra, desde Junho de 2002 (1 mês após alegada prática do ilícito pelo qual vem condenado) a cumprir uma pena de prisão em território espanhol sem qualquer interrupção, nem precárias.
9 - Resulta do relatório social de fls 774 e segs, que o arguido manifestou uma atitude educada e colaborante, demonstrou ter capacidade para perceber a ilicitude dos comportamentos reportados nos autos.
10 - Mais resulta, ter exibido comportamento adequado às regras e normas do estabelecimento prisional.
11 - Ao arguido com a aplicação de medida tão gravosa estão a ser coarctadas, salvo melhor e douta opinião, todos as possibilidades de ressocialização e integração.
12 - Preceitua o art. 71° CP:
"1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena".
13 - Resumidamente, neste particular, pode afirmar-se que "não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena" - v. art. 13° CPenal.
14 -Neste sentido, é de salientar, como se prova pelo relatório social de fls 774 e segs:
1 - À data da alegada ocorrência dos factos o arguido tinha dezoito anos de idade, em condições sócio-económicas que foram descritas como muito difíceis;
2 - Não tinha profissão, nem emprego, sobrevivendo de expedientes e, do apoio dos serviços sociais espanhóis.
3 - Completou somente o ensino primário.
4 - O seu processo de desenvolvimento e socialização decorreu segundo os valores e costumes da sua etnia e apesar de ter frequentado escolaridade, durante a infância, não foi estimulado nem motivado para os estudos.
15 - Se em processo penal não se pode fazer um exame exaustivo da personalidade do agente, isso não significa que não se lhe devam traçar esquematicamente os respectivos contornos. E não basta invocar essa personalidade de modo abstracto, sem qualquer indicação das suas características, nem que estas resultem dos factos provados.
16 - Nos chamados tipos normativos de agente, a punição não resulta só, autonomamente, da prática de um facto, não só sequer da existência de uma certa personalidade, mas da cumulativa existência de um facto e de uma certa personalidade.
17 - Violou o douto Acórdão o disposto no artigo 50° CPenal.
18 - Deveria a pena aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução.
19 - A suspensão da execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências do respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa.
20 - O arguido tem duas condenações, sendo uma por condução sem habilitação legal e outra por crime de desobediência, em nada se assemelham ao alegado ilícito pelo qual vem o arguido condenado.
21 - Violou-se, destarte, o são e/ou correcto entendimento do nos arts., 410º, n.° 2 , todos do CPP, art. 71º do CPenal, art. 50º do CPenal e o DL 401/82, de 23/09, consagrado princípio do in dubio pro reo.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento V/Excias, requer-se seja revogada a, aliás douta, decisão em apreço, e em consequência ser o arguido absolvido pelos crimes pelos quais foi condenado.
Caso este não seja o entendimento deve ao arguido ser aplicada pena que não ultrapasse a medida da culpa, suspendendo-se a sua execução, com o que fará sã, serena e objectiva Justiça!» Cf. volume III, fls. 843 a 867 e 873 a 897. ---
Notificado dos referidos recursos, o Ministério Público respondeu aos mesmos, tendo concluído pela respectiva improcedência Cf. volume IV, fls. 960 a 1012. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos Cf. volume IV, fls. 1019 a 1022. ---. ---
Notificado daquele parecer, o Arguido David nada disse, ao passo que o Arguido Afonso reafirmou a sua posição anteriormente apontada Cf. volume IV. fls. 1025. --- . ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é a tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre no presente acórdão apreciar e decidir: ---
· Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; -
· Do referido erro notório; ---
· Da apontada violação do princípio in dubio pro reo. ---
· Do invocado erro de julgamento; ---
· Da requerida atenuação especial da pena; ---
· Da reclamada aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes; ---
· Da justeza da medida concreta das penas aplicadas. ---
III.
DA DECISÃO RECORRIDA – FACTOS E SUA MOTIVAÇÃO. ---
A decisão recorrida configura a factualidade provada e não provada, bem como a respectiva motivação da seguinte forma: (transcrição) ---
«2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto provada
Na audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria de facto:
À data dos factos, Alexandrino L... exercia a actividade profissional de taxista.
No dia 27 de Maio de 2002, cerca das 14h00, encontrava-se no âmbito do exercício das suas funções com o táxi - veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Mercedes, modelo 220 CDI, matrícula 44-77-..., de sua propriedade, imobilizado na praça de táxis junto à estação dos Caminhos de Ferro desta comarca.
Foi abordado pelos dois arguidos, indivíduos de etnia cigana, que lhe solicitaram que os conduzisse até ao Cais de Valença.
Como o ofendido acedeu em efectuar o serviço, os arguidos introduziram-se no táxi. O arguido Afonso M... ocupou o lugar da frente, ao lado do condutor; e o arguido David R... entrou para o banco de trás.
Durante o percurso, já próximo do Cais de Valença, o arguido David R... encostou um objecto metálico à cabeça do ofendido Alexandrino L..., por forma a que este disso se apercebesse e que, com receio que o arguido o usasse para atentar contra a sua integridade física, lhe satisfizesse o que pretendia, e ordenou-lhe que se dirigisse para a Zona Agrícola, mais concretamente para o Parque das Merendas, sito na freguesia de V..., Valença.
Imobilizado o veículo no Parque das Merendas, o arguido Afonso M... retirou a chave da ignição.
Nesta altura, aproveitando um momento de distracção por parte dos arguidos, Alexandrino L... abriu a porta do veículo em que se fazia transportar e pôs-se em fuga, tendo percorrido alguns metros.
Porém, os dois arguidos seguiram no seu encalço e lograram alcançá-lo.
Nesse instante, ofenderam-no corporalmente, desferindo-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo, deixando-o a sangrar pela boca, e obrigaram-no a regressar ao carro.
Encostaram Alexandrino L... à porta traseira do lado oposto ao do condutor, que na altura se encontrava aberta.
Nesse instante, o ofendido pôde observar que naquele local, por trás de uns ramos, encontrava-se uma viatura de cor escura, com três ou quatro indivíduos no seu interior.
Nessas circunstâncias, os dois arguidos revistaram Alexandrino L... e apoderaram-se de todos os objectos que transportava consigo: uma carteira em pele, que continha no seu interior diversos documentos pessoais, vários cartões de crédito e débito e uma quantia em numerário de cerca de seiscentos euros; um par de óculos avaliados em cerca de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) e dois telemóveis da marca Nokia, modelo 6310 e 6350, no valor declarado de € 800,00 (oitocentos euros).
Entretanto, surgiu no local Serafim V..., que se encontrava a dar um passeio.
Ao avistarem Serafim V..., os indivíduos que se encontravam no interior do veículo escuro accionaram a buzina do mesmo, alertando os arguidos para a presença daquele.
De imediato, os arguidos largaram o Alexandrino L... e introduziram-se no veículo deste, pondo-se em fuga. Porém, por razões que se desconhece, não conseguiram circular mais do que cinco metros.
Então, saíram do táxi e correram em direcção ao referido veículo automóvel de cor escura que ali se encontrava, que saiu daquele local a circular em grande velocidade.
O ofendido recuperou a carteira, os documentos pessoais e os cartões de débito e crédito, os quais se encontravam espalhados próximo do local onde os factos ocorreram.
Em consequência das agressões de que foi alvo, Alexandrino L... sofreu as seguintes lesões: "Lábios, face esquerda e orelha esquerda com hematoma, as quais lhe determinaram 6 (seis) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional - cfr. exame directo de fls. 110 a 112.
No lado exterior do vidro da porta traseira esquerda do veículo do táxi do ofendido foram encontrados vestígios digitais do arguido Afonso M....
Em momento posterior ao roubo, os arguidos despenderam em proveito próprio as importâncias em numerário pertencentes ao ofendido de que, pela forma descrita, se apropriaram, e aos restantes objectos, na mesma ocasião subtraídos, deram destino desconhecido, também em proveito próprio.
Os arguidos actuaram de acordo com o plano previamente gizado entre ambos, com o propósito de se apropriarem dos objectos de valor que o Alexandrino L... tivesse em seu poder.
Ao actuarem da forma supra descrita, usando da força física para atingirem os seus objectivos, os arguidos pretendiam integrar na sua esfera patrimonial a quantia em dinheiro, os telemóveis e demais bens pertença do ofendido que este tivesse na sua posse, o que conseguiram forçando-o a entregar-lhes esses mesmos bens, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam sem consentimento e contra a vontade da respectivo dono.
Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, tendo pleno conhecimento de que não estavam autorizados a agir dessa forma, e que a referida conduta lhes estava vedada por lei.
Mais se provou:
Afonso M... nasceu no seio de uma família de condição modesta, de etnia cigana, tendo alternado a sua vivência entre Portugal e Espanha, onde possui familiares directos, e sido sujeito a um estilo educativo próprio da sua cultura.
A frequência escolar, pouco valorizada pelo seu grupo de pertença, foi abandonada após completar o 4° ano de escolaridade, altura a partir da qual passou a exercer a actividade de feirante, através da venda de vestuário, junto dos seus familiares.
No ano de 2001, o arguido registou o seu primeiro contacto com o sistema de justiça, tendo sido condenado numa pena de prisão, suspensa na sua execução, mas ausentou-se para Espanha, onde veio a ser recluído no âmbito de um processo judicial naquele país.
Posteriormente e já em Portugal, Afonso M... voltou a ser condenado por crimes de condução sem habilitação legal e tráfico de estupefacientes.
À data a que se reportam os factos, Afonso M... vivia com uma companheira na cidade de Coimbra e dedicava-se à venda de vestuário em feiras na zona centro do país, privilegiando o convívio com indivíduos da sua etnia. O arguido mantinha também residência na zona industrial de Taboeira, junto a um aterro sanitário, em casas abarracadas e junto de outros familiares, sendo de realçar a forte mobilidade residencial que mantinha.
Há cerca de cinco anos encetou nova relação com a actual companheira de quem tem dois filhos menores, a que acresce um outro filho menor fruto da sua relação anterior.
Em 2009, Afonso M... sofreu um acidente de viação, na sequência do qual foi sujeito a três intervenções cirúrgicas, tendo perdido a visão. Desde então, encontra-se com uma incapacidade quase absoluta, necessitando de apoio permanente para se locomover.
Em 19/05/2011, foi preso no Estabelecimento Prisional de Aveiro e transferido para o Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira em 06/06/2012.
Em contexto de reclusão, Afonso M... tem mantido um comportamento ausente de reparos em termos disciplinares e, apesar das dificuldades resultantes do facto de ser invisual, frequenta a escola, conservando interesse por se manter ocupado.
Familiarmente, o arguido vem contando com o apoio da companheira e da mãe desta, que o visitam sempre que dispõem de meios económicos para o fazer, e manifestam receptividade para o receber em meio livre.
A companheira vive num acampamento cigano, juntamente com os dois filhos do casal de 3 e 1 ano, sendo beneficiária do rendimento social de inserção. Alguns dos seus familiares de origem, nomeadamente os pais encontram-se recluídos.
Afonso M... cumpre a pena de 6 anos e 5 meses de prisão no âmbito do processo no 47/11.1 JACBR da 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, pelos crimes de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida, cuja prática é assumida pelo próprio, mas imputada a responsabilidade da mesma a terceiros.
Paralelamente, é acompanhado no âmbito de uma suspensão de execução da pena, com regime de prova, em que foi condenado no processo n° 123/06.2 PAPBL, do 3° Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, medida com termo previsto para Maio de 2014.
Perante factos análogos aos que lhe são imputados no âmbito do presente processo e ainda que avaliados de forma abstracta, Afonso M... verbaliza censurabilidade, mostrando facilidade em identificar vítimas e danos.
David R... tem nacionalidade espanhola, nasceu em Salamanca e viveu praticamente sempre na região da Galiza, tendo, desde 1999, residência fixa na cidade de Tui.
De etnia cigana, cresceu com o agregado de origem, que era composto pelos pais e mais quatro irmãos. Num contexto de pobreza em que a actividade de venda ambulante foi referida como sendo a principal fonte de rendimento da família.
O seu processo de desenvolvimento e socialização decorreu segundo os valores e costumes da sua etnia e, apesar de ter frequentado a escola durante a infância, não foi estimulado nem motivado para os estudos.
Após completar o equivalente ao ensino primário, o arguido acabou por abandonar a frequência da escolaridade e, ainda adolescente, terá passado a acompanhar os pais e irmãos mais velhos nas actividades e rotinas que aqueles desenvolviam como forma de garantir a sobrevivência da família.
O arguido praticamente não tem profissão e não terá trabalhado de forma regular e consistente, pelo que, não tem uma carreira profissional construída nem experiência laboral relevante.
Ainda antes de atingir a maioridade, estabeleceu união de facto, embora continuasse integrado no seu agregado de origem.
À data dos factos, David R... tinha dezoito anos de idade, vivia em Tui, Espanha, integrado no seu agregado de origem juntamente com a companheira.
O arguido não tinha profissão, nem emprego, sobrevivendo de expedientes e do apoio dos serviços sociais espanhóis.
O arguido informou que foi preso no decurso do ano de 2002 em Espanha, onde cumpre, desde essa altura, uma pena ininterrupta de vinte anos de prisão, por crimes de roubo, furto e violação. Nunca beneficiou de saídas ao exterior e só poderá usufruir de liberdade condicional em 2017.
O arguido tem agora vinte e oito anos de idade, e as perspectivas de vida em meio livre que apresenta são muito vagas, e o apoio no exterior é muito inconsistente.
Os seus pais encontram-se ambos presos em Portugal.
O arguido tem dois filhos, com doze e sete anos de idade, com quem nunca viveu e que estão à guarda da sua ex-companheira e família daquela.
O arguido tem capacidade para perceber a ilicitude dos comportamentos reportados nos autos do presente processo, apresentando uma postura de ausência de empatia relativamente à vítima.
David R... encontra-se em Portugal sob mandado de detenção europeu e após o julgamento no presente processo regressará ao estabelecimento prisional em Espanha, onde cumpre a pena efectiva de prisão de vinte anos desde 2002.
À data dos factos, o arguido Afonso M... tinha sido julgado e condenado, com trânsito em julgado pelos crimes de:
PCC n° 315/97.3 PCCBR, 2° Juízo Criminal de Coimbra, decisão de 10/07/1997, crime de roubo, p.p. art. 210, n° 1, do CP, pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos;
PCS nº 208/99, 3º Juízo Criminal de Coimbra, decisão de 14/04/1999, crime de condução sem habilitação legal, p.p. art. 3°, n° 2, do DL 2/98, de 03/01, pena de 80 dias de multa;
PSumário nº 111/00, 2º Juízo do Tribunal de Anadia, decisão de 08/04/2000, crime de condução sem habilitação legal, p.p. art. 3°, n° 2, do DL 2/98, de 03/01, pena de 120 dias de multa;
PSumário n° 420/00, 3º Juízo Criminal de Coimbra, decisão de 16/05/2000, crime de condução sem habilitação legal, p.p. art. 3º, n° 2, do DL 2/98, de 03/01, pena de 4 meses de prisão substituída por multa;
PSumário n° 228/01, 3° Juízo Criminal de Coimbra, decisão de 26/03/2001, crime de pesca ilegal, p.p. art. 44º al. i, 29° § 6°, 54°, 65º e 67° do DL 44623, de 10/10/1962, pena de 30 dias de prisão substituída por multa;
PSumário n° 71/01.2 PECBR, 3º Juízo Criminal de Coimbra, decisão de 30/03/2001, crime de condução sem habilitação legal, p.p. art. 3°, nº 2, do DL 2/98, de 03/01, pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, entretanto revogada;
Praticados após:
PCC nº 113/99.0PECBR, 1ª Vara Mista de Coimbra, decisão de 23/10/2002, crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art. 21°, n° i e 24° al. j) do DL 15/93, de 22/01, praticado em 1999, pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos;
PCS n° 3062/01.0PCCBR, 2° Juízo Criminal de Coimbra, decisão de 03/12/2003, crime de condução sem habilitação legal, p.p. art. 3º, n° 2, do DL 2/98, de 03/01, praticado 10/12/2001, pena de 21 meses de prisão;
PCS n° 498/08.9GBAND, Juízo Criminal de Anadia, decisão de 24/06/2011, crime de condução sem habilitação legal, p.p. art. 3º, n° 2, do DL 2/98, de 03/01, pena de 15 meses de prisão;
PCC n° 123/06.2PAPBL, 1° Juízo de Pombal, decisão de 07/10/2011, crime de violência depois da subtracção, p.p. 210º, n° 1 e 211º, do CP, e condução sem habilitação legal, p.p. art. 3°, n° 2, do DL 2/98, de 03/01, pena cumulada de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa com regime de prova;
PCC n° 47/11.1 JACBR, Vara Mista de Coimbra, 1ª Secção, decisão de 29/03/2012, crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art. 21°, n° 1, do DL 15/93, de 22/01, e detenção de arma proibida, p.p. art. 86º, n° 1 al. c) da Lei 5/2006, de 23/02, pena cumulada de 6 anos e 5 meses de prisão;
À data dos factos, o arguido David R... tinha praticado em território nacional os crimes de:
PCS n° 137/00.6 GBVLN, Tribunal de Valença, decisão de 22/05/2003, crime de condução sem habilitação legal, p.p. art. 3°, n° 2, do DL 2/98, de 03/01, praticado em 28/06/2000, pena de 80 dias de multa;
PCS nº 119/03.6 GBVLN, Tribunal de Valença, decisão de 24/05/2006, crime de desobediência, p.p. art. 348º, do CP, praticado em 02/06/2000, pena de 100 dias de multa; Tem ainda pendentes processos a aguardar julgamento.
2.2. Matéria de facto não provada
Para a discussão da causa não ficou por provar qualquer materialidade relevante para a decisão a proferir.
2.3. Motivação da decisão de facto
O tribunal baseou a sua convicção na análise crítica e conjugada da prova testemunhal e documental produzida em audiência de julgamento:
Rui B..., inspector de Polícia Judiciária a quem foi distribuído o inquérito de investigação do assalto em causa nos autos, tomou conhecimento da detenção dos arguidos em Espanha, por factos idênticos, e que a vítima havia efectuado um reconhecimento fotográfico espontâneo dos indivíduos que o assaltaram e agrediram. Nunca teve possibilidade de ouvir os suspeitos, e também desconhecia o resultado dos exames lofoscópicos realizados.
Alexandrino L..., ofendido, vítima do assalto e dono dos objectos roubados, relatou circunstanciada e detalhadamente a forma como os factos ocorreram, a forma como foi abordado na praça de táxis, o transporte dos arguidos para o destino inicial e as incidências verificadas pelo caminho.
Descreveu a posição dos arguidos no interior do veículo, não manifestando quaisquer dúvidas em colocar o Afonso M... no lugar do pendura, ao seu lado direito, e o David R... no banco traseiro, apontando sem hesitar para cada um deles.
Confirmou a alteração forçada do trajecto, tendo referido que o David R..., perante a recusa do depoente em levá-los para o local para onde, agora, pretendiam dirigir-se, o Parque de Merendas, situado junto ao rio, lhe encostou um objecto de consistência dura à cabeça e lhe gritou para obedecer às suas ordens.
Com receio de que fosse uma arma o objecto que lhe encostou à cabeça, limitou-se a obedecer às ordens que lhe foram transmitidas.
Já no Parque de Merendas ainda tentou fugir, mas foi alcançado pelos arguidos, que nesse acto o agrediram.
Deu uma explicação para o facto dos arguidos não terem logrado fugir com o carro no momento em que foram alertados, pelos passageiros do veículo escuro que se encontrava nas imediações, da presença da testemunha Serafim V..., que, apeado, se aproximava daquele local. Esse veículo, de marca Mercedes, estava travado com o travão de pé, circunstância que deviam desconhecer e não conseguiram destravar essa viatura. Motivo pelo qual a abandonaram e seguiram no dito veículo escuro, que entretanto os recolheu.
Está convencido que os arguidos se preparavam para se apoderar do veículo Mercedes, e que só não terão concretizados os seus intentos pelo facto de ter surgido a testemunha referida e não terem logrado colocar essa viatura em andamento pelos motivos apontados.
Aponta o arguido David R... como aquele que teve participação mais activa nos actos de violência de que foi vítima, tendo sido quem o agrediu fisicamente com maior intensidade, e lhe retirou os objectos pessoais.
Não teve a mínima dúvida ou hesitação no reconhecimento dos arguidos como tendo sido os autores dos actos de que foi alvo, descrevendo a actuação concreta de cada um deles durante todo o tempo em que se mantiveram em contacto, o papel respectivo desempenhado, as atitudes assumidas e os níveis de agressividade evidenciados, que imputa essencialmente ao David R....
Como salientou, pouco tempo após a ocorrência dos factos, e após a detenção dos arguidos em Espanha, fez um reconhecimento fotográfico dos arguidos. Esse reconhecimento foi levado a cabo no Quartel da G.N.R. de Valença, e na presença de elementos das forças de autoridade espanholas, através da exibição dos álbuns de fotografias na posse das autoridades portuguesas e espanholas, tendo o depoente reconhecido de forma inequívoca os indivíduos que o tinham assaltado, indicando fotos dos arguidos. Cfr. auto de fls. 11
De igual forma confirmou os objectos e valores que lhe foram subtraídos, a recuperação dos apontados na matéria apurada. Revelou alguma dificuldade em relembrar o valor dos óculos e telemóveis mas referiu que deu esses valores na ocasião às autoridades, e que correspondem ao que efectivamente tinham.
Serafim V..., militar da Guarda Fiscal aposentado, passeava a pé nas imediações do Parque de Merendas, da freguesia de V..., Valença, e viu o ofendido Alexandrino L... a colocar umas coisas na mala do seu carro. Ouviu também um ruído estranho de um carro a derrapar.
Aquele Alexandrino estava alarmado, sem saber bem onde estava, mal arranjado na roupa, com aspecto de ter sido violentado, congratulando-se com o aparecimento do depoente naquele local, exclamando: 'Se o Sr. não aparece matavam-me".
Relatou-lhe o sucedido.
Para além das diligências de reconhecimento fotográfico dos arguidos o tribunal tomou em consideração o exame médico-legal do ofendido, de fls. 111 a 113, e, particularmente, o exame lofoscópico de fls. 188 a 195, cujas recolhas de material constam de fls. 16 a 18, que concluiu que alguns dos vestígios de cristas papilares recolhidos no veículo do ofendido no dia do assalto, designadamente o correspondente ao dedo auricular direito, revelaram-se positivos relativamente ao arguido Afonso M.... O que vem corroborar a versão apresentada pelo ofendido.
Da conjugação de todos estes meios de prova, juntamente com os demais documentos que constam dos autos, como relatos de diligências externas e relatórios elaborados pelas autoridades, o tribunal formou a firme convicção de que foram os arguidos os autores dos factos ilícitos de que estão acusados no âmbito do processo em análise.
Baseou-se ainda o tribunal no teor dos certificados de registo criminal de fls. 744 a 760, bem como nos relatórios sociais apresentados pelos serviços técnicos relativamente à sua situação sócio-económica, fls. 768 a 777» Cf. volume III, fls. 785 a 792. ---. ---
IV.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
1. Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Nos respectivos recursos, os Arguidos invocam o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tecendo considerações sobre a prova produzida e concluindo pela insuficiência de prova que permita a decisão de facto tomada pelo Tribunal recorrido. ---
Ora, segundo o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão. ---
«É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada», sendo indispensável para se verificar tal vício que «a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão». ---
«A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida» Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2000, páginas 339 e 340. ---
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 07.04.2010, Processo n.º 83/03.1TALLE.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, e 14.07.2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos/secção criminal. ---. ---
In casu. ---
Os Recorrentes confundem erro de julgamento com o erro-vício indicado na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal. ---
Quanto àquele primeiro erro, remete-se ora para o que infra se referirá. ---
Do que aqui ora se trata é saber se a factualidade dada como provada é suficiente para uma decisão de direito. ---
Não se a prova produzida indicada na decisão de facto permite tal decisão. –
No que se refere ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ora em causa, diga-se apenas que o mesmo inexiste de todo em todo no caso em apreço: do texto da decisão recorrida não decorre, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que o Tribunal recorrido tenha deixado de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa nos termos anteriormente indicados. ---
Carece, pois, de fundamento o alegado pelos Arguidos na matéria. ---
2. Do referido erro notório. ---
Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «erro notório na apreciação da prova», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
Constituem o apontado vício o desacerto sobre facto notório, nomeadamente sobre facto histórico de conhecimento geral, a ofensa às leis da física, da mecânica e da lógica, assim como a ofensa relativamente a conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. ---
Em causa está o equívoco ostensivo, de tal modo evidente a partir da simples leitura da decisão, que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 2000, página 341, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, página 1119. ---
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 14.05.2009, Processo n.º 1182/06.3PAALM.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 25.06.2009, Processo n.º 4262/06 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, e 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Na situação em apreço. ---
Os Arguidos alegam a existência de erro notório na apreciação da prova por procederem a um exame crítico da prova diverso do feito pelo Tribunal recorrido. -
Ora, definido que foi o erro notório, mostra-se impróprio o alegado na matéria pelos Recorrentes. ---
De todo o modo, refira-se ainda que da decisão recorrida não decorre qualquer erro notório na apreciação da prova nos termos em que o mesmo ficou explicitado: na decisão recorrida inexiste qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. ---
Tanto basta para que se tenha por improcedente o alegado erro notório na apreciação da prova, relegando-se para momento seguinte deste acórdão o erro de julgamento. ---
3. Da apontada violação do princípio in dubio do reo. ---
O nosso regime jurídico processual-penal consagra o princípio da livre apreciação da prova Cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal. ---. ---
A livre apreciação da prova pressupõe que esta seja considerada segundo critérios objectivos que permitam estabelecer o substrato racional da fundamentação da convicção. ---
O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo, a favor do Arguido, pois. ---
O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido deste se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o Arguido. ----
“A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir «pro reo», tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” Cf. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, página 166. No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 05.02.2009, Processo n.º 2381/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 14.10.2009, Processo n.º 101/08.7PAABT.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, e 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico. ---
No caso sub judice. ---
Os Recorrentes alegam a violação do princípio in dubio pro reo como corolário do erro de julgamento que invocam. ---
Ora, do alegado erro de julgamento cuidaremos a seguir, sendo que debalde se descortina da decisão recorrida a violação do princípio in dubio pro reo, termos em que cumpre entender que carece de fundamento a alegada violação daquele princípio na situação em apreciação, entendida aquela nos termos supra expostos. -
4. Do invocado erro de julgamento. ---
Segundo o artigo 428.º do Código de Processo Penal, «as relações conhecem de facto e de direito». ---
Tal constitui uma concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto - reapreciação por um Tribunal superior das questões relativas à ilicitude e à culpabilidade. ---
O recurso em matéria de facto não constitui, contudo, uma reapreciação total pelo Tribunal de recurso do complexo de elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida. ---
Diversamente, apenas poderá ter como objecto uma reapreciação autónoma do Tribunal de recurso sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o Recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na indicação do Recorrente, imponham decisão diversa da recorrida ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Por isso, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o Recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas», indicando «concretamente as passagens em que se funda a impugnação». ---
Explicitando tal norma, o acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2012 fixou jurisprudência no sentido de que «visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do Recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações» Publicado no Diário da República n.º 77, de 18.04.2012, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges. ---. ---
O recurso não é, pois, um novo julgamento, em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros que devem ser identificados e individualizados, com menção das provas que os evidenciam e indicação concreta, por referência à acta, das passagens em que se funda a impugnação Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2009, Processo n.º 3270/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/ sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, fora as excepções relativas a prova legal, assenta na livre convicção do julgador e nas regras da experiência, não podendo também esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 23.04.2009, Processo n.º 114/09 - 5.ª Secção, e de 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, ambos relatados pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 15.07.2009, Processo n.º 103/09 - 3.ª Secção, 10.03.2010, Processo n.º 112/08.2GACDV.L1.S1 - 3.ª Secção, e 25.03.2010, Processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Na situação vertente, de forma pertinente face ao descrito regime legal, ---
O Recorrente Afonso coloca em causa: ---
· Que tenha agredido fisicamente o Ofendido Alexandrino; ---
· Que os Arguidos tenham obrigado o Ofendido a regressar ao carro e encostado ele ao mesmo, tendo a apropriação de bens acorrido nessas circunstâncias; ---
· O valor dos óculos e telemóveis apropriados; ---
Por sua vez, o Recorrente David impugna: ---
· A sua participação nos factos apurados; ---
· A qualidade metálica do objecto encostado à cabeça do Ofendido Alexandrino; ---
· A apurada circunstância do Ofendido ter sangrado. ---
Vejamos. ---
Relativamente às agressões físicas perpetradas pelo Recorrente Afonso. -
O Arguido Afonso referiu não se lembrar dos factos em causa, alegando que a sua cabeça sofre de problemas em virtude de um acidente que teve. ---
O Arguido David negou peremptoriamente qualquer intervenção nos factos. –
As testemunhas Serafim V... e Rui B... não presenciaram tais factos. ---
Em consequência, quanto à factualidade aqui em causa releva tão-só o depoimento do Ofendido em julgamento. ---
Ora, então, o Ofendido Alexandrino, embora tenha começado por referir que os Arguidos lhe bateram Cf. minutos 6:32 a 6:34 do seu depoimento de 18.03.2013, iniciado pelas 10:38:09. ---, mais tarde acabou por claramente dizer que apenas o Arguido David lhe bateu, partindo-lhe dois dentes, o que fez na presença do Arguido Afonso que actuava comungado com aqueloutro Arguido em vista da apropriação de pertences do Ofendido Alexandrino Cf. minutos 8:07 a 8:14 e 18:31 a 18:53 do seu depoimento de 18.03.2013, iniciado pelas 10:38:09. --. ---
Neste contexto, atento tal depoimento e a sua pertinência no caso, afigura-se que deve ser dado como provado que apenas o Arguido David ofendeu corporalmente o Ofendido. ---
Por apelo às regras da lógica e da experiência comum, face à presença do Arguido Afonso e actuação conjunta de ambos os Arguidos, urge entender que tal agressão foi perpetrada com o assentimento daquele último Arguido, em conjugação de vontades e esforços de ambos os Arguidos, tendo em vista da apropriação de bens do Ofendido, desiderato comum. ---
Deve, pois, a decisão da matéria de facto ser alterada em conformidade. ---
Quanto ao regresso do Ofendido ao carro por imposição dos Arguidos e local de apropriação de bens.
Também na matéria releva apenas o depoimento do Ofendido Alexandrino em julgamento, pois da prova produzida só tal depoimento se refere à matéria factual aqui em causa. ---
Nessa sede, o Ofendido referiu que saiu do táxi, os Arguidos foram no seu encalço e lograram alcançá-lo, altura em que foi agredido e roubado, sem que o tenham obrigado a regressado ao veículo e muito menos o encostado ao mesmo Cf. minutos 6:14 a 6:33, 7:54 a 8:26 e 16:20 a 17:11 do seu depoimento de 18.03.2013, iniciado pelas 10:38:09. ---. -
Importa, por isso, alterar em conformidade a decisão de facto: basicamente, importa que a apurada apropriação de bens seja dada como ocorrida no local da agressão. ---
No que respeita ao valor atribuído aos óculos e telemóveis apropriados. --
Relevam aqui o depoimento do Ofendido Alexandrino em julgamento, bem como o Auto de Reconhecimento Fotográfico constante de fls. 11 dos autos, datado de 21.06.2002, assinado pelo Ofendido. ---
Em julgamento, o Ofendido referiu não se recordar do valor dos óculos, nem dos telemóveis; admitiu, contudo, que aqueles tivessem o valor de «750 euros» e disse que os dois telemóveis eram «bons» Cf. minutos 8:41 a 9:16 e 14:06 a 14:12 do seu depoimento de 18.03.2013, iniciado pelas 10:38:09. --. ---
Do referido Auto de Reconhecimento Fotográfico consta que os «dois telemóveis» em causa eram «da marca Nokia, modelo 6310 e 6350» e tinham o valor de «800 Euros». ---
Neste contexto, atento o indicado depoimento do Ofendido e o referido Auto de Reconhecimento, bem como as regras da experiência, afigura-se razoável a matéria de facto aqui em apreço indicada como provada pelo Tribunal recorrido, pelo que nesta sede a prova produzida não impõe decisão de facto diversa da recorrida que, assim, deve ser mantida. ---
Quanto à participação do Arguido David nos factos apurados. ---
Também na matéria configuram-se pertinentes o depoimento do Ofendido Alexandrino e o referido Auto de Reconhecimento Fotográfico. ---
Em julgamento o Ofendido identificou peremptoriamente os Arguidos como autores do facto ilícito em causa, referindo convictamente a concreta participação de cada um deles Cf. minutos 4:10 a 4:27 e 18:26 a 19:25 do seu depoimento de 18.03.2013, iniciado pelas 10:38:09. -. ---
No apontado Auto de Reconhecimento Fotográfico, o Ofendido «declarou que não tem qualquer dúvida em apontar (…) David R...» como autor do ilícito criminal sub judice. ---
Nestes termos, configura-se absolutamente segura a participação do Arguido David nos factos em causa, havendo, assim, que manter na matéria a decisão recorrida. ---
A circunstância do Exame pericial não ter identificado impressões digitais do Arguido David, mas tão-só do Arguido Afonso, apenas significa tal, não afastando a respectiva participação nos factos em causa, por tal prova não revestir natureza excludente. ---
No tocante à qualidade metálica do objecto encostado à cabeça do Ofendido Alexandrino. ---
Na matéria releva tão-só o depoimento daquele. ---
Ora, em julgamento, o Ofendido Alexandrino referiu que o Arguido David lhe encostou «uma coisa dura», sem concretizar a respectiva natureza, nomeadamente sem referir estar em causa um objecto metálico Cf. minutos 5:19 a 6:08 e 15:03 a 15:25 do seu depoimento de 18.03.2013, iniciado pelas 10:38:09. -. ---
Em consequência, importa alterar a decisão de facto em conformidade, designadamente substituindo a palavra «metálico» dela constante pelo termo «duro». ---
Relativamente ao sangramento do Ofendido. ---
Ninguém o referiu em julgamento. ---
Do Auto de Inspecção Lofoscópica de Recolha de Vestígios de fls. 8 e 8 verso dos autos, datado de 27.05.2002, dia em que ocorreram os factos, consta que foi encontrada uma «mancha de sangue (…) no vidro da porta traseira direita lado interior» do táxi do Ofendido Alexandrino. ---
Contudo, desconhece-se a causa de tal mancha e, nomeadamente, que tal sangue seja do Ofendido e muito menos da sua boca. ---
Nestes termos, cumpre eliminar da factualidade dada como provada a referência aí feita ao sangramento do Ofendido. ---
*
Procedem, pois, parcialmente os recursos dos Arguidos quanto à decisão de facto que, relativamente, à sua primeira parte, no que respeita à factualidade integradora do ilícito criminal em apreço, passa a ter a seguinte redacção: ---
1. À data dos factos, Alexandrino L... exercia a actividade profissional de taxista.
2. No dia 27 de Maio de 2002, cerca das 14h00, encontrava-se no âmbito do exercício das suas funções com o táxi - veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Mercedes, modelo 220 CDI, matrícula 44-77-..., de sua propriedade, imobilizado na praça de táxis junto à estação dos Caminhos de Ferro desta comarca.
Então, foi abordado pelos dois arguidos, indivíduos de etnia cigana, que lhe solicitaram que os conduzisse até ao Cais de Valença.
Como o ofendido acedeu em efectuar o serviço, os arguidos introduziram-se no táxi. O arguido Afonso M... ocupou o lugar da frente, ao lado do condutor; e o arguido David R... entrou para o banco de trás.
3. Durante o percurso, já próximo do Cais de Valença, o arguido David R... encostou um objecto duro à cabeça do ofendido Alexandrino L..., por forma a que este disso se apercebesse e que, com receio que o arguido o usasse para atentar contra a sua integridade física, lhe satisfizesse o que pretendia, e ordenou-lhe que se dirigisse para a Zona Agrícola, mais concretamente para o Parque das Merendas, sito na freguesia de V..., Valença.
4. Imobilizado o veículo no Parque das Merendas, o arguido Afonso M... retirou a chave da ignição.
Nesta altura, aproveitando um momento de distracção por parte dos arguidos, Alexandrino L... abriu a porta do veículo em que se fazia transportar e pôs-se em fuga, tendo percorrido alguns metros.
Porém, os dois arguidos seguiram no seu encalço e lograram alcançá-lo.
Nesse instante, na presença do Arguido Afonso, o Arguido David ofendeu corporalmente o Alexandrino L..., desferindo-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo.
Nessas circunstâncias, os dois arguidos revistaram Alexandrino L... e apoderaram-se de todos os objectos que transportava consigo: uma carteira em pele, que continha no seu interior diversos documentos pessoais, vários cartões de crédito e débito e uma quantia em numerário de cerca de seiscentos euros; um par de óculos avaliados em cerca de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) e dois telemóveis da marca Nokia, modelo 6310 e 6350, no valor declarado de € 800,00 (oitocentos euros).
A certa altura, o ofendido pôde observar que no local, por trás de uns ramos, encontrava-se uma viatura de cor escura, com três ou quatro indivíduos no seu interior.
5. Entretanto, surgiu no local Serafim V..., que se encontrava a dar um passeio.
Ao avistarem Serafim V..., os indivíduos que se encontravam no interior do veículo escuro accionaram a buzina do mesmo, alertando os arguidos para a presença daquele.
De imediato, os arguidos largaram o Alexandrino L... e introduziram-se no veículo deste, pondo-se em fuga. Porém, por razões que se desconhece, não conseguiram circular mais do que cinco metros.
Então, saíram do táxi e correram em direcção ao referido veículo automóvel de cor escura que ali se encontrava, que saiu daquele local a circular em grande velocidade.
6. O ofendido recuperou a carteira, os documentos pessoais e os cartões de débito e crédito, os quais se encontravam espalhados próximo do local onde os factos ocorreram.
7. Em consequência das agressões de que foi alvo, Alexandrino L... sofreu as seguintes lesões: "Lábios, face esquerda e orelha esquerda com hematoma, as quais lhe determinaram 6 (seis) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional - cfr. exame directo de fls. 110 a 112.
No lado exterior do vidro da porta traseira esquerda do veículo do táxi do ofendido foram encontrados vestígios digitais do arguido Afonso M....
8. Em momento posterior ao roubo, os arguidos despenderam em proveito próprio as importâncias em numerário pertencentes ao ofendido de que, pela forma descrita, se apropriaram, e aos restantes objectos, na mesma ocasião subtraídos, deram destino desconhecido, também em proveito próprio.
9. Os arguidos actuaram de acordo com o plano previamente gizado entre ambos, com o propósito de se apropriarem dos objectos de valor que o Alexandrino L... tivesse em seu poder.
Ao actuarem da forma supra descrita, o Arguido David usou da sua força física, com o assentimento do Arguido Afonso, em conjugação de vontades e esforços, por forma a integrarem na sua esfera patrimonial a quantia em dinheiro, os telemóveis e demais bens pertença do ofendido e que este tivesse na sua posse, o que conseguiram forçando-o a entregar-lhes esses mesmos bens, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam sem consentimento e contra a vontade do respectivo dono.
Os arguidos agiram de forma deliberada, livre e consciente, tendo pleno conhecimento de que não estavam autorizados a agir dessa forma, e que a referida conduta lhes estava vedada por lei Colocaram-se a negrito os termos que foram alterados. ---. ---
No mais mantém-se a restante factualidade dada como provada – nomeadamente, a relativa ao percurso de vida, situação sócio-económica e personalidade dos Arguidos, bem como aos respectivos antecedentes criminais. ---
Em consequência, dá-se como não provado que: ---
a) O objecto indicado em 3. fosse metálico; ---
b) O Arguido Afonso tenha agredido corporalmente o Ofendido ou usado força física contra este; ---
c) O Ofendido tenha sangrado da boca; ---
d) Os Arguidos tenham obrigado o Ofendido a regressar ao carro; ---
e) Os Arguidos tivessem encostado o Ofendido à porta traseira do lado oposto ao do condutor e aí o tenham revistado e assaltado. ---
5. Da requerida atenuação especial da pena. ---
O Recorrente Afonso reclama uma atenuação especial da pena. ---
Para tal invoca «razões de humanidade», «sinceros actos demonstrativos de arrependimento», «bom comportamento», esbatimento «de alvoroço social» e a sua «juventude à data da prática dos factos». ---
Apreciemos. ---
A atenuação especial da pena encontra-se prevista nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal. ---
Aquela primeira disposição refere-se aos pressupostos em que assenta a atenuação especial da pena, ao passo que o outro preceito legal indica em que termos deve ser efectuada a atenuação especial da pena. ---
Segundo o n.º 1 do artigo 72.° do Código Penal, «o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena». ---
O n.º 2, por seu turno, indica várias circunstâncias em diversas alíneas, que podem fundamentar a atenuação especial da pena subordinadamente aos pressupostos referidos no n.º 1, não sendo essa indicação exaustiva (“são consideradas, entre outras”), mas meramente exemplificativa, lançando mão da técnica dos exemplos-padrão. ---
Entre outras, são circunstâncias especialmente atenuantes da pena o «ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente», bem como «o ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta - cf. artigo 72.º, n.º 2, alíneas c) e d) do Código Penal. ---
Como vem salientando a nossa doutrina e jurisprudência, a atenuação especial da pena funda-se em valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade e tem subjacente uma ideia de excepcionalidade, constituindo como que uma válvula de segurança do sistema punitivo. ---
Por meio dessa metáfora pretende significar-se que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum da situações previstas pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime. ---
A atenuação especial da pena pressupõe que o facto revista uma tal fisionomia que se possa dizer, face à imagem especialmente atenuada que dele se colha, que encaixá-lo na moldura penal prevista para a realização do tipo seria uma violência, sendo certo que o legislador, ao estabelecer as molduras penais para os diversos tipos legais de crime, já tem presente, na amplitude com que fixa o mínimo e o máximo das penas abstractamente aplicáveis, a multiplicidade de situações concretas, desde as de menor às de maior gravidade, que podem vir a ser subsumidas a esses tipos legais de crime. ---
Daí que só mesmo situações residuais, não previstas pelo legislador, e constituindo um desvio às hipóteses típicas previstas, devam ser objecto de uma atenuação especial da moldura penal fixada no respectivo tipo. ---
Por outras palavras, sendo as molduras penais correspondentes aos diversos tipos de crime pensadas para, dentro de uma latitude suficientemente ampla, nelas caber a vasta gama de situações que a vida real nos oferece, desde as mais simples às mais complexas, por vezes sucede que uma dada situação, por excepcional, não se amolda a nenhuma das gradações comportáveis pela moldura penal, nomeadamente quando o caso reveste uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena. Para esses casos é que foi concebida uma moldura penal especialmente atenuada, que actua sobre a moldura penal abstracta estabelecida para os diversos tipos de crime. ---
Em tais hipóteses, a atenuação especial é obrigatória – o tribunal atenua, diz a lei – segundo um critério de discricionariedade vinculada e não dependente do livre arbítrio do tribunal Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, páginas 302 a 307, assim como acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2011, Processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, e 07.09.2011, Processo n.º 356/09.0JAAVR.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, ambos in www.dgsi.pt/jstj. ---. ---
No caso em apreço. ---
Da factualidade provada decorre que os factos em causa decorreram há mais de 11 (onze) anos, o Recorrente entretanto perdeu a visão, mostra-se disciplinado no meio prisional onde vive e em julgamento censurou a prática de factos similares aos que estão em causa nos autos. ---
Contudo, embora as suas impressões digitais tenham sido encontradas no táxi da vítima e esta tenha afirmado peremptoriamente que o Recorrente o assaltou, debalde se encontra qualquer acto demonstrativo de efectivo e consequente arrependimento por parte do Recorrente Afonso: naquele contexto e malgrado os 11 (onze) anos decorridos, o Recorrente não assumiu a autoria dos factos, alegando não se lembrar deles em razão de acidente que sofreu, nem ressarciu por qualquer forma os danos causados à vítima, quedando-se por um pedido de desculpas condicional e inconsequente e, por isso, inócuo. ---
Por outro lado, nos 11 (onze) anos que decorreram desde a prática do roubo aqui em causa, o Recorrente Afonso cometeu 2 (dois) crimes e a perda de visão não o inibiu de cometer mais dois crimes, motivo pelo qual está em reclusão: conforme consta do seu CRC, nomeadamente de fls. 752 a 754 dos autos (volume III), o Recorrente Afonso cometeu em 18.05.2006 e em 05.08.2008 o crime de condução sem habilitação legal e em 04.02.2011 um crime de detenção de arma proibida e de tráfico de estupefacientes. ---
Tal significa que embora tenha «decorrido muito tempo sobre a prática do crime», o Recorrente Afonso não manteve «boa conduta» durante tal lapso de tempo». ---
A circunstância de ser cego não é, por si só, razão suficiente para atenuar especialmente a pena do Arguido, tanto mais que tal não o inibiu de cometer novos crimes, pelo que razões de prevenção especial e geral justificam que não proceda tal atenuação. ---
Malgrado ter decorrido 11 (onze) anos sobre os factos em causa, continuam amiúdes os assaltos a taxistas, reclamando a comunidade a punição de tais condutas, pelo que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não se encontra «esfumado qualquer resquício de alvoroço social» quanto a situações similares às aqui em causa. ---
O facto do Recorrente Afonso ter bom comportamento prisional também não constitui por si só motivo de atenuação especial da respectiva pena, na medida em que constitui circunstância normal em tal situação. ---
Do mesmo modo, embora fosse um homem jovem à data dos factos não era, contudo, um jovem delinquente nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Dezembro, pelo que é-lhe de todo em todo inaplicável o regime especial aí previsto. ---
Nestes termos, inexistindo circunstância que traduza uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, a situação presente não constitui uma situação excepcional relativamente ao comum das situações previstas pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao crime de roubo simples. ---
Improcede, pois, a pretensão do Recorrente Afonso na matéria ora em causa.
6. Da reclamada aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes.
O Recorrente David reclama a aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes decorrente do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro. ---
Refere, em síntese, que se encontra preso desde um «mês após alegada prática do ilícito pelo qual vem acusado», «manifestou uma atitude educada e colaborante, demonstrou ter capacidade para perceber a ilicitude dos comportamentos reportados nos autos» e tem «exibido comportamento adequado às regras e normas do estabelecimento prisional». ---
Vejamos. ---
O artigo 4.º do referido Decreto-Lei n.º 401/82 estatui a aplicação do instituto da atenuação especial da pena aos jovens delinquentes quando o juiz tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção do jovem condenado. ---
É profusa a jurisprudência do nosso Venerando Supremo Tribunal de Justiça sobre a problemática da atenuação especial da pena por efeito do disposto no artigo 4.º do referido Decreto-Lei n.º 401/82. ---
Do nosso ponto de vista, a existência de um regime penal especial para jovens não significa que estes tenham necessariamente de dele beneficiar, antes indicando que a aplicabilidade do mesmo deve ser sempre ponderada, sendo obrigatoriamente aplicado nos casos em que se mostrem satisfeitos os respectivos requisitos. ---
No juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2008, Processo n.º 08P2851, relatado pelo Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt/jstj. ---. ---
Assim, a avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e o percurso de vida do Arguido, e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade. ---
No caso em apreciação. ---
Considerando os factos indicados como provados, cumpre concluir que a conduta do Recorrente David revela um grau elevado de ilicitude e de culpa, sendo prementes as necessidades de pena no caso: ---
· Em causa está um crime de roubo simples e, pois, a violação de bens jurídicos múltiplos – o património e a integridade física, bem como a liberdade de decisão e acção da vítima; ---
· O Arguido actuou assaltou um taxista, em co-autoria, com dolo directo e muito intenso; ---
· À data dos factos tinha 18 anos de idade; ---
· Em julgamento negou a sua participação nos factos em causa; ---
· Não ressarciu por qualquer forma o lesado, nem demonstrou a mínima vontade nesse sentido, muito embora tenham entretanto decorrido mais de 11 (onze) sobre os factos; ---
Tudo ponderado, não se vislumbram sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção do Arguido David. ---
Pelo contrário, julga-se que a sujeição do mesmo a uma pena decorrente da não atenuação melhor contribuíra os fins das penas no caso concreto, na medida em confere ao Recorrente a real dimensão da ilicitude da sua conduta e da sua culpa, assim como salvaguarda as expectativas comunitárias que o caso impõe, dando um claro sinal de que o crime não compensa. ---
Entende, pois, o Tribunal que in casu a pena do Recorrente David não deve ser especialmente atenuada nos termos do regime penal especial para jovens delinquentes, improcedendo, assim, nesse aspecto o recurso em apreço. ---
7. Da justeza da medida concreta das penas aplicadas. ---
Da determinação da pena concreta. ---
Em sede de determinação da pena concreta importa ter presente o disposto nos artigos 40.º Com a epígrafe de "finalidades das penas (...)", aquele preceito legal dispõe que "1. A aplicação de penas (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". --- e 71.º O qual preceitua que “1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta de ser censurada através da aplicação da pena”. ---
do Código Penal. ---
Tais disposições legais conferem ao intérprete e ao aplicador do direito critérios gerais, mais ou menos seguros e normativamente estabilizados, para efeito de medida da reacção criminal, sendo que o preceituado sob o número 2 do indicado artigo 40.º constitui inegavelmente um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito penal é estruturado com base na culpa do agente, constituindo a medida da culpa uma condicionante da medida da pena de forma a que esta não deve ultrapassar aquela. ----
A pena serve finalidades de prevenção geral e especial, sendo delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa. ---
«Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida». ---
Mas «em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa», o que «não vai buscar o seu fundamento axiológico, (...), a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. (…) A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» Cf. Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, Edição Notícias Editorial, 1993, páginas 72 e 73. ---. ---
“(...) 1) toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais” Cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, edição de 2011, página 84. ---. ---
“A medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente (...). Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente” Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Penas, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano XII, n.º 2 (Abril/Junho de 2002). ---. ---
Dito de outro modo, as penas são fixadas em função da culpa e da prevenção geral e especial. ---
Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa - e constituindo esta limite máximo da pena. ---
Através da prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos. ---
Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente em ordem a uma sua integração digna no meio social Cf. neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2009, Processo n.º 726/00.9SPLSB.S1 – 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 10.02.2010, Processo n.º 217/09.2JELSB.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 28.04.2010, Processo n.º 1103/05.0PBOER.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Fróis, ambos in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal, 30.11.2011, Processo n.º 238/10.2JACBR.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, 20.06.2012, Processo n.º 443/10.1GBLLE.E2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, e 06.02.2013, Processo n.º 593/09.7TBBGC.P1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Sousa Fonte, in www.dgsi.pt/jstj. --- . ---
No caso vertente. ---
O crime de roubo simples é punido com a pena de 1 (um) a 8 (oito) anos de prisão – cf. artigos 210.º, n.º 1, do Código Penal. ---
Atenta a factualidade apurada, reafirmando-se o já aqui escrito, conclui-se que: ---
· As necessidades de prevenção geral e a culpa dos Recorrentes são significativas. ---
Embora o valor da apropriação não seja muito expressivo, cifrando-se em € 2.150,00, (ou seja, € 600,00 + € 750,00 + € 800,00), em causa está um assalto a um taxista, em plena luz do dia, em co-autoria, com agressão física. ---
Os Arguidos agiram com dolo directo e muito intenso. ---
Decorrido 11 (onze) anos sobre os factos, os prejuízos deles resultantes não foram minimamente ressarcidos. ---
Atentos os factos apurados, a consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida, reclamam na situação sub judice pena significativa. ---
· As necessidades de prevenção especial são também expressivas. ---
Em julgamento, os Recorrentes não assumiram a autoria dos factos. --
Os Arguidos revelam dificuldades de integração social. ---
Nenhum deles é primário, sendo mais expressivos os antecedentes criminais do Arguido Afonso, o qual na altura dos factos já havia sido criminalmente condenado, uma das vezes pela autoria de um crime de roubo. ---
À data dos factos os Recorrentes David e Afonso tinham 18 e 22 anos de idade, respectivamente. ---
O Arguido Afonso é invisual. ---
Tudo ponderado, vistos os factos segundo as considerações precedentes, entende-se que deve ser mantida a pena aplicada aos Recorrentes pelo Tribunal recorrido: 4 (quatro) anos de prisão, situada abaixo do ponto médio da medida abstracta da pena. ---
Embora o Recorrente Afonso seja invisual e em julgamento não tenha negado peremptoriamente a sua intervenção nos factos, como o fez o Recorrente David, que assumiu ainda uma postura mais violenta nos factos, agredindo então a vítima, a indicada diversa idade dos Recorrentes e os antecedentes criminais que à data dos factos o Arguido Afonso tinha, nomeadamente por roubo, e o Arguido David não possuía, justifica que as penas concretas a aplicar aos Recorrentes sejam iguais: no computo global mostram-se similares as necessidades de prevenção geral e especial, assim como a culpa de ambos os Recorrentes. ---
Nestes termos, as alterações feitas na decisão de facto revelam-se impertinentes em sede de medida concreta da pena, não justificando de todo em todo qualquer alteração da pena concreta aplicada em 1.ª instância. ---
Nomeadamente, se é certo que o Arguido Afonso não agrediu corporalmente o Ofendido, não deixa também de ser certo que ele presenciou a agressão perpetrada pelo Arguido David, colaborando na execução de tarefas cujo desiderato era o assalto da vítima, sendo que à consumação de tal assalto não era necessário que o Arguido Afonso agredisse também corporalmente a vítima, conforme demonstram os factos apurados. ---
A co-autoria representa a execução do delito por uma pluralidade de pessoas imbuídas de uma consciência da colaboração de carácter bilateral No dizer de Eduardo Correia, conforme Acta da 12.ª Sessão da Comissão Revisora do Código Penal., não devendo participação de cada um dos co-autores só por si relevar em sede de culpa. ---
Da pretendida suspensão da pena de prisão. ---
Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. ---
Nestes termos, “pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é que a medida desta não seja superior a” cinco anos. ---
“Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena (…) bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”. ---
“Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior ou posterior ao facto”. ---
“A finalidade político-criminal que a lei visa com este instituto é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo”. ---
“Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime»”, pois “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise” Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição Notícias Editorial, 1993, páginas 342 a 344.---. ---
Dito de outro modo. ---
Para aplicação da pena de suspensão de execução da pena de prisão é necessário, em primeiro lugar, que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. ---
Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do Arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos. ---
A suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose favorável ao Arguido, a esperança que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime, sendo que perante um simples estado de dúvida quanto ao carácter favorável da prognose, o tribunal não deve proceder à substituição. ---
O que aqui está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda. ---
Havendo, pois, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada, pois, como diz Jescheck, o princípio in dubio pro reo vale só para os factos que estão na base do juízo de probabilidade, mas desta deve estar o tribunal convencido No mesmo sentido, quanto à apreciação do instituto da suspensão vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2007, Processo n.º 2858/07 - 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, e Processo n.º 3219/07 - 5.ª, relatado pelos Senhor Conselheiro Santos Carvalho, de 19.12.2007, Processo n.º 4463/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, Processo n.º 3206/07 - 3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, Processo n.º 4088/07 - 3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, de 20.12.2007, Processo n.º 3863/07 - 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, de 06.02.2008, Processo n.º 101/08 – 3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Oliveira Mendes, e de 16.09.2008, Processo n.º 750/05 – 3.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, todos in www.stj.pt/jurisprudencia/sumários de acórdãos. ---. ---
In casu. ---
Procede aqui o que já se deixou escrito em sede de atenuação especial da pena, aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes e determinação da pena concreta. ---
Em causa está um assalto a um taxista, cometido em co-autoria, com agressão física e dolo directo e intenso. ---
As necessidades de prevenção geral e especial são significativas. ---
Neste quadro inexistem elementos que permitam concluir que «a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». ---
Pelo contrário, afigura-se que a prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e as necessidades de prevenção especial justificam que não se suspenda a execução de prisão. ---
Em suma, naquilo que é essencial, quanto à condenação em pena de prisão efectiva determinada em 1.ª instância, improcedem os recursos em apreço. ---
V.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos, confirmando-se a condenação de cada um dos Recorrentes na pena efectiva de 4 (quatro) anos de prisão. ---
Custas pelos Recorrentes, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça a suportar por cada um deles. ---
Notifique. ---
Guimarães, 21 de Outubro de 2013