Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2110/11.0TMPRT.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: MENORES
MEDIDA TUTELAR
PRORROGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Não pode ser prorrogado o prazo estabelecido no nº2 do artº 60º da Lei 147/99.
II – Não consubstancia a aplicação de duas medidas, mas de uma só, a circunstância de, no âmbito da revisão da medida de apoio junto de familiar, o menor ter deixado de ter o apoio dos avós para passar a ter o da tia.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO Tribunal DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES




I – RELATÓRIO.

Nos autos supra identificados, com data de 27 de Março de 2015, pela Instância Central de Família e Menores de Barcelos, J1, comarca de Braga, foi proferida decisão do seguinte teor:
«Por decisão datada de 14 de Maio de 2013 foram os menores André … (…)sujeitos à medida de promoção e protecção de apoio junto de familiar mais propriamente dos avós paternos, N… e M… pelo período de seis meses (…).
Desde então tal medida foi prorrogada por seis meses em 19 de Dezembro de 2013 (…).
Por decisão datada de 28 de Novembro de 2015 foi mantida por seis meses a medida de acolhimento familiar quanto ao menor André.
Cumprido o disposto no artº 85º da Lei 147/99, nada foi dito.
Foram juntos relatórios com vista à revisão da medida.
O Ministério Público requereu nova manutenção por mais seis meses.
*
Cumpre apreciar e decidir.
Vistos os autos verifica-se que há muito está ultrapassado o prazo máximo de duração da medida. Desde a sua aplicação em Maio de 2013 decorreram 22 meses!
Na verdade, dispõe o art. 60º da mesma Lei que as medidas não podem ter a duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e, no caso das medidas previstas nas alíneas b) e c), desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos.
Assim, as medidas de promoção e protecção cessam quando decorra o respectivo prazo de duração ou eventual prorrogação (art. 63º, nº 1, alínea a) da L.P.C.J.P.).
A medida aplicada ao menor tem já uma duração muito superior à prevista na decisão que determinou a sua aplicação – seis meses –, já foi prorrogada e vigora desde 14 de Maio de 2013. Veja-se que a medida foi aplicada em Maio de 2013 por seis meses e estamos em 2015!!!
Mais resulta apurado que o menor está bem integrada junto do contexto familiar e no meio escolar e os progenitores continuam a não reunir quaisquer condições para acolher o filho, bem pelo contrário.
Dúvidas não subsistem que o menor está bem, não subsiste qualquer perigo junto da família, encontrando-se aí estabilizado quanto à sua formação, educação e desenvolvimento, havendo que regular a título definitivo tal situação através de procedimento tutelar cível a instaurar junto do tribunal da área da residência do menor.
Não existem assim razões para o protelamento dos presentes autos já há muito protelados além do prazo máximo previsto para a prorrogação das medidas.
Pelo exposto, e de acordo com os princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade e ainda do interesse superior da criança, plasmados na Lei 147/99, de 1.09, determina-se a cessação da medida aplicada ao menor André Filipe Navarro Maia, nos termos previstos no art. 60º, nº2, 62º, nº3 e 63º, nº1, al.a), da citada Lei.
(…)
Comunique ao E.M.A.T. a presente decisão, solicitando que este informe o Tribunal acerca de qualquer alteração que eventualmente possa ocorrer e que ponha em causa o interesse superior da menor.
Arquive os autos».
*
Inconformado, dele interpôs recurso o MºPº, apresentando alegações onde conclui da seguinte forma:
(…)
9. – A LPCJP, de acordo com o seu artigo 1º, “tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”.
10. – Quando uma criança ou jovem se encontrem em perigo urge aplicar a medida de promoção e protecção proporcional e adequada a afastar esse perigo, a proporcionar-lhe as condições que a permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.
11. – No presente caso, verificada a impossibilidade de integração da criança no seio da família biológica restrita (no agregado dos pais), foi-lhe aplicada a medida de Apoio Junto de Outro Familiar e elaborado um projecto de vida que prevê a sua confiança à guarda e cuidados da sua tia paterna;
12. – Tal projecto de vida nem está, até, completamente sedimentado e terá que ser reavaliado em sede de promoção e protecção…sobretudo (como se viu supra) quando a tia paterna a quem o mesmo se encontra actualmente confiado, haja já manifestado a intenção de emigrar para França a breve prazo e deixar o menor André aos cuidados duma outra tia deste, a qual terminaria o cumprimento de uma pena de prisão no final de Março/2015… conforme resulta do relatório da E.M.A.T.(Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais) da Segurança Social de 26.02.2015(refªnº1210525 da versão electrónica destes autos);
13. – Ora, as medidas de promoção e protecção são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, podendo a decisão de revisão fazer cessar a medida se a sua continuação se mostrar desnecessária (cfr. artigo 62º, nº1 e 3 da LPCJP).
14. – A medida de promoção e protecção de Apoio Junto de Outro Familiar aplicada a menor que não dispõe de outro suporte familiar só deve cessar quando seja proferida decisão em procedimento cível que assegure o afastamento da criança ou do jovem da situação de perigo que inicialmente legitimou a intervenção judicial protectiva.
15. – Não pode haver medidas de promoção e protecção sem revisão periódica que analise os fundamentos em que assente a medida, nos termos do artigo 62º da LPCJP – a única excepção é a medida prevista no artigo 35º nº1, alínea g), da LPCJP, mas mesmo esta dura até ser decretada a adopção, isto é, até que a situação de perigo se resolva por providência tutelar cível – cfr.artigo 62º-A, nº1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo;
16. – No caso em Recurso não é correcto afirmar-se que o prazo máximo legal da prorrogação da medida protectiva vigente à data da sentença ora em crise já estava ultrapassado, não podendo assim ter-se como boa a conclusão do Tribunal a quo de que “(…)Vistos os autos verifica-se que há muito está ultrapassado o prazo máximo de duração da medida. Desde a sua aplicação em Maio de 2013 decorreram 22 meses!”…: é que, na verdade, a medida protectiva vigente só teve o seu início em 28-11-2014 (cfr. refªnº 136610132 da versão electrónica dos autos) e o prazo máximo para a sua prorrogação ainda não atingido;
17. – Na verdade, apesar de no segmento decisório da sentença de revisão de 28-11-2014 (refªnº 136610132 da versão electrónica dos autos) se falar de «manutenção da medida aplicada…» o que é certo é que o Tribunal havia considerado nos respectivos fundamentos que cogitava e analisava agora uma «substituição da medida aplicada pelo acolhimento familiar junto da tia do menor, L……»;
18. – Tratou-se, pois, e independentemente da terminologia [(se continua a ser uma medida de Apoio junto de outro familiar na pessoa da tia paterna do menor (artº35º nº1 alª b) da Lei 147/99 de 1.IX) ou de uma medida, de natureza e qualificação diferente, de Acolhimento Familiar no agregado da actual tia paterna do menor (artº35º nº1 alª e) da Lei 147/99 de 1.IX)], de uma medida de conteúdo diferente pois a familiar a quem o menor passou a ficar confiado era agora outra pessoa diversa dos avós paternos deste…tratou-se, pois, de outra medida, de uma nova medida, sujeite, pois, a novo prazo de duração máxima e não continuando o prazo da medida protectiva inicial de Apoio juntos dos Avós paternos a qual foi decretada em 14 de Maio de 2013(!);
19. – Ora, as medidas elencadas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 35º da LPCJP têm natureza autónoma umas em relação às outras: deste modo, o prazo de vigência das medidas protectivas que são executadas em meio natural de vida, a que alude o nº 2 do artº 60º da LPCJP, reporta-se necessariamente a cada uma delas - e não à totalidade das que sejam sucessivamente aplicadas no mesmo processo - implicando a substituição de uma por outra, nos termos do artº 62º, nº 3, b), o início de novo prazo de vigência para a nova medida decretada;
20. – Segundo o duplo entendimento do Tribunal recorrido na decisão ora em crise, para além da vislumbrada ultrapassagem do prazo legal de prorrogação da duração da medida, tornou-se também inútil a intervenção protectiva, tornando inadmissível o prosseguimento (“o protelamento”) dos autos, por alegadamente se verificar afastada a situação de perigo, importando tão-só que fosse instaurado procedimento tutelar cível que definisse a situação jurídica do menor...
21. – Ora, o pretendido pela decisão de que agora se recorre – manter, em termos fácticos, a medida, mas declará-la cessada – não é legalmente viável, como uma análise, ainda que mui desatenta, do artigo 62º nº4 da LPCJP logo permite verificar: só é decidida a cessação da medida quando a sua continuação se mostre desnecessária.
22. – É pressuposto assente que processo de promoção e protecção não se assume como uma solução final para os casos de perigo: é um processo meramente instrumental e, por natureza, provisório.
23. – A intervenção neste âmbito deve ser efectuada sucessivamente pelas pessoas singulares e entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens e, em última instância, pelos Tribunais.
24. – Prejudicada que esteja a intervenção pelas referidas pessoas singulares e outras entidades, compete então ao Tribunal promover e proteger o superior interesse da criança ou do jovem até à cessação da situação de perigo, não se podendo alhear deste desiderato e remetê-lo para as entidades sociais ou elementos da família alargada, que apenas têm legitimidade para intervir, de novo, junto deste menor se cessada a medida aplicada pelo Tribunal se justifique, dando início a novo processo junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens respectiva, por se verificar uma nova situação de perigo.
25. – O presente processo de promoção e protecção só deverá ser arquivado com a prolação de decisão tutelar cível a favor do menor, no âmbito de Acção que deverá correr por Apenso a estes autos por exigência dos princípios do superior interesse da criança e da proporcionalidade e actualidade da intervenção, os quais impõem a apreciação conjunta, harmonizada e actualizada da situação do menor.
26. – Ademais nos processos de promoção e protecção vigora – por tudo isto ser jurisdição voluntária – o princípio conformador e estrutural da Equidade, o qual opera, quanto à decisão, como uma espécie de critério interpretativo-individualizador, integrador, corrector, flexibilizador, dulcificador e regulador ou decisório que nunca se deve perder de vista.
27. – Assim, tal medida protectiva em meio natural de vida (de Apoio junto de Outro Familiar na pessoa da tia paterna do menor), impõe-se, naturalmente, como resultado de um mandatório Juízo de Equidade que, nestes processos de jurisdição voluntária, é aquele em que o Juiz resolve o caso que lhe é posto de acordo com um critério não arbitrário, não formal mas de concreta justiça material, e, embora sem recurso linear a uma norma jurídica pré-estabelecida, dando, no entanto, uma solução que, no momento e segundo as circunstancias concretas averiguadas se afigura a mais justa…e, assim,
28. – Por elementar prudência ponderativa, mais aqui se impõe pela Equidade a necessidade de fundamentar convincentemente a decisão recorrida com a exposição de um raciocínio lógico-dedutivo que partindo da análise ponderada dos elementos factuais apurados com actualidade nos autos impusessem e sustentassem a opção de Arquivamento tomada pelo Tribunal a quo:
29. – E tal fundamentação está lá apenas insuficientemente escorada por simples reporte à actual situação de protecção e acolhimento do menor no agregado de sua tia paterna: mesmo tal fundamentação (por muito proficiente que fosse) nunca poderia, por si só, escamotear que o que importa é aferir se a situação de perigo se mantém SEM a medida e não COM ela… já que, como decorre do artigo 34º, alínea a), da LPCJP, as medidas de promoção e protecção visam afastar o perigo actual em que as crianças e os jovens se encontram sem a aplicação de tais medidas…
30. – Pelo exposto, e porque também mais conforme à Equidade e à efectiva cautela do Superior Interesse da criança, é entendimento do Ministério Público nesta Instância Central de Família e Menores de Barcelos que o Tribunal recorrido nunca poderia, como o fez, cessar a vigente medida de apoio junto de outro familiar e arquivar os autos:
31. – Antes devendo prorrogá-la pelo menos «por mais seis meses» e até que, no âmbito da mesma intervenção judicial de promoção e protecção, se estude mais detalhadamente a situação do menor e da tia que o acolhe e se reavalie a necessidade de redefinir o projecto de vida respectivo junto de outro familiar idóneo e, subsequentemente, o Ministério Público instaure, por Apenso, a correspectiva Acção Tutelar Cível de Limitação do Exercício das Responsabilidades parentais, nos termos conjugados do artº1918º do Códº Civil e do artº 210º da Organização Tutelar de Menores e, no âmbito desta acção venha (mesmo a título provisório) a ser aplicada medida cível de recorte e conteúdo tais que se mostrasse idónea a afastar de modo adequado o perigo a que o menor estava sujeite sem a vigência de tais providências:
32. – Pelo que, também por aqui, a decisão recorrida está ferida de ilegalidade, a qual, viola o disposto nos artigos 619º n.º 2, 987º e 988° do Código de Processo Civil, bem como o conjugadamente disposto nos artºs. 4º alíneas e) f) e g) , 35º nº1 alªa), 62º nº1 e 5, 84º, 100º, 112º, da Lei nº 147/99 de 1/IX.,
33. – A decisão ora em crise, ao fazer cessar a aplicação da medida de promoção e protecção de Apoio Junto de Outro Familiar, determinando o arquivamento dos autos, violou também os artigos 4.º, 34.º, 62.º, n.º 3, alínea a), n.º 4 e 63.º, todos da LPCJP, deixando desprotegida a criança abrangida por estes autos, a qual ainda não tem a sua situação jurídica regulada.
34. – Devendo ser julgado procedente o Recurso em apreço revogando-se totalmente e substituindo-se a Sentença ora recorrida por outra que – nos termos ora pugnados – ordene a prorrogação da execução da medida da medida de promoção e protecção de Apoio Junto de Outro Familiar aplicada a favor do menor André até que seja proferida decisão em procedimento tutelar cível que assegure o afastamento definitivo desta criança da situação de perigo, nos termos do artigo 63º, nº1, alínea e) da LPCJP.

Cumpre, agora, decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
A factualidade a ter em conta é a que consta do relatório que antecede.
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O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes.
No presente, a questão redunda em saber se se mostra, ou não, esgotado o prazo consignado no artº 60º da Lei 147/99 e se, caso assim se entenda, pode, ou não, tal prazo ser prorrogado.
Como já vimos, em 14 de Maio de 2013, foi decidido sujeitar o menor à medida de promoção e protecção de apoio junto de familiar mais propriamente dos avós paternos, N… e M… pelo período de seis meses (…).
Mediante prévio relatório social nesse sentido, por decisão de 28 de Novembro de 2014, determinou-se a «manutenção da medida aplicada de acolhimento familiar por seis meses», sendo, todavia, que, nela se decidiu, ainda, que o menor passasse a estar acolhido junto de uma tia, L….
E, por força desta circunstância, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o MºPº julga que não se trata de uma, mas de duas, as medidas aplicadas, correndo para cada uma delas o respectivo prazo legal.
As medidas de promoção dos direitos e de protecção vêm elencadas no artº 35º do citado diploma legal, a saber:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento em instituição.
g) Confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção.
Na aplicação de quaisquer delas e no que, agora, releva, há-de sempre ter-se presente que, como dispõe o artº 4º, «a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade – a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
e) Proporcionalidade e actualidade – a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental – a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Prevalência da família – na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção».
Se é certo que todos estes princípios se mostram até agora respeitados no caso em apreço, na interpretação a dar à norma do artº 60º, outras normas e princípios jurídicos não poderão deixar de ser também considerados.
Assim, deve também ter-se presente que, de acordo com o artº 9º, nº3, do Código Civil, na interpretação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, preceitua o artº 60º, nº2, da Lei 147/99 que as medidas previstas nas alíneas a), b), c) e d) do artº 35º não poderão ter duração superior a uma ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar.
Diferentemente se passa para as medidas das alíneas e) e f) do mesmo preceito, relativamente às quais, por força do artº 61º, têm elas a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial.
Do cotejo destes dois regimes temporais, não pode deixar de se concluir que foi opção clara do legislador estabelecer, ele próprio, um limite máximo temporal para, no que agora interessa, a vigência da medida de apoio junto de outro familiar.
Qualquer interpretação que afaste esta leitura, como defende o MºPº, só pode resultar no completo esvaziamento do nº2 do artº 60º: desde logo porque não faria qualquer sentido a dualidade de prescrições quanto ao tempo das medidas; depois porque a invocação que a norma não pode sobrepor-se ao interessa da criança implica afirmar que o legislador não atendeu a esse interesse.
Ora, é no mínimo curioso que o legislador tenha laborado sobre esse princípio, tenha-o feito consagrar na letra da lei e, depois, crie norma que o pretira, ficando aos tribunais, na sua aplicação prática, o papel de a derrogar ao abrigo daquele.
Em aresto da Relação de Évora datado de 08.07.2008 (itij), consignou-se que «o poder conferido pelo art° 1410° do CPC não vale para postergar os pressupostos da decisão, isto é, as condições em que aquele poder é facultado, sejam pressupostos processuais ou de direito substantivo, não significa nem pode significar que lhe seja lícito abstrair em absoluto do direito positivo vigente, como se ele não existisse e como se, acima das normas legais, estivesse o critério subjectivo do julgador». Não poderíamos estar mais de acordo.
Conforme é referido por BEATRIZ MARQUES BORGES, o artº 60º “(…) tem em atenção considerar-se que o prazo de dezoito meses é mais do que suficiente para verificar se os apoios concedidos à criança/jovem e aos seus pais, ou o período de confiança a pessoa idónea, foram os meios adequados para que a família biológica pudesse reassumir em plenitude os seus poderes/deveres parentais, de forma a assegurar um projecto de desenvolvimento integral da criança/jovem”- (Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – Comentários e Anotações à Lei nº 147/99, de 01 de Setembro, Almedina, 2007, pág. 209).
E disto se retira a primeira conclusão: não pode ser prorrogado o prazo estabelecido no nº2 do artº 60º da Lei 147/99.

Todavia, na visão do MºPº, mesmo a entender-se como agora se concluiu, o prazo não se mostra esgotado, uma vez que o menor começou por ficar com os avós e depois passou para a tia, o mesmo é dizer, foram aplicadas duas medidas.
Também não tem razão.
A lei diz claramente quais são as medidas e, no caso concreto, foi uma só, ou seja, o apoio junto de outro familiar.
Aconteceu, porém, que na execução daquela e no âmbito da sua revisão, o menor deixou de ter o apoio dos avós para passar a ter o da tia, mas, ao contrário do que se invoca no recurso, não foi aplicada outra medida.
Ora, as decisões tomadas na revisão constituem parte integrante da decisão judicial, como expressamente consagra o nº5 do artº 62º.
A entender-se de outro modo, estava aberta a via para sujeitar o menor, por anos a fio, a medidas que o legislador, claramente, não quis que assim se prolongassem, bastando para tanto que fosse sendo substituído, paulatinamente, o familiar que lhe prestasse apoio. E, em caso de família numerosa, poderia conseguir-se ir desde muito cedo até à maioridade!
A segunda e última conclusão é, portanto, a de que só uma medida foi aplicada, a do apoio junto de familiar que, no âmbito da respectiva revisão, procedeu à mudança do familiar.
Uma última nota quanto à real situação do menor (embora não caia no âmbito do recurso), para dizer que se atentou que a mesma foi acautelada no final do despacho recorrido, quando solicita ao EMAT que informe o Tribunal de qualquer alteração que possa por em causa o interesse do menor, interesse esse que o MºPº, por certo, também não descurará, tanto mais que, como decorre das suas Orientações, saídas do encontro de magistrados do MP de 19/11/2007 e 14-25/01/2008 (acessível no site da PG Distrital de Lisboa), subsistindo a situação de perigo, mas ocorrendo o arquivamento do processo por cessação da medida pelo decurso do respectivo prazo, nos termos do artº 63º, nº 1 a) da LPCJP, deverá, então, o MPº efectuar a correspondente comunicação à CPCJ.
***

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas.

Guimarães, 11.06.2015
Raquel Rego
António Sobrinho
Isabel Rocha


SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):
I - Não pode ser prorrogado o prazo estabelecido no nº2 do artº 60º da Lei 147/99.
II – Não consubstancia a aplicação de duas medidas, mas de uma só, a circunstância de, no âmbito da revisão da medida de apoio junto de familiar, o menor ter deixado de ter o apoio dos avós para passar a ter o da tia.