Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
411/13.1PBVCT.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS
DECISÃO
NULIDADE DA DECISÃO
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) A fundamentação da sentença exige a adequada, ainda que concisa, explanação dos motivos por que se elegeu a versão dada como provada ou não provada, em detrimento de outra de sentido diferente, ao menos no tocante à totalidade dos pontos fácticos nucleares ao correcto enquadramento jurídico da questão.
II) Na decisão recorrida, consigna-se que uma testemunha presenciou os factos, tendo confirmado "parcialmente os factos da douta acusação", acrescentando até que esta testemunha "na ocasião ficou convencido que o arguido estava a assaltar a ofendida". Por último, na sentença escreveu-se, rematando, "admitimos como verosímil a versão do arguido".
III) Em face deste cenário fundador da convicção do julgador, claramente se retira que o mesmo pautou a sua fundamentação pela omissão e escassez. Omissão porque, em momento algum, clarifica porque é que a versão que aceita como verosímil, a versão do arguido, para si tem foros de credibilidade.
IV) Daí que se conclua que a sentença recorrida não cumpriu o dever legal de fundamentação da decisão fáctica, o que configura a nulidade prevista no art. 379º, nº1, al. a) do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Manuel R. foi absolvido da prática de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º, nº1 do Código Penal.

Inconformada recorre a assistente Maria P. suscitando, em síntese, as seguintes questões:

- nulidade da sentença por falta de fundamentação;

- impugnação da matéria de facto.

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O MP respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva procedência no tocante à falta de fundamentação da sentença.

O arguido apresentou, igualmente, a sua resposta, suscitando questão prévia em que invoca que a assistente não deveria ter sido admitida a intervir nos autos com tal qualidade pois que foi desrespeitado o prazo peremptório referido no art. 68º, nº3, aI. a) do CPP e pugnando em sede de fundo pela improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual termina da seguinte forma:

“… Em conclusão: somos de parecer que inexiste questão prévia relevante que arrede a legitimidade da recorrente para o recurso pois que o despacho judicial que a admitiu a intervir como assistente transitou em julgado, por isso com a plena aquiescência do arguido; todavia, a sentença criticada deve ser revogada, já que nula, devendo ser substituída por outra que proceda a uma adequada fundamentação e a um pleno exame crítico das provas produzidas, explicitando a relevância de cada uma das provas convocadas para a criação da livre convicção do julgador, demonstrando e revelando-se, na caso de existirem, as contradições relevantes para a afirmação de um non liquet quanto aos precisos factos imputados ao arguido. Recurso a julgar, pois, com provimento…”.

Cumpre apreciar e decidir.

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II- Fundamentação

A) Factos provados

“1- O arguido Manuel R. e a Maria P. Soares casaram entre si no dia 23 de Agosto de 1979.

2- Arguido e ofendida encontram-se actualmente em processo de divórcio”.

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B) Factos Não Provados

“1- No dia 4 de Junho de 2013, cerca das 14.00h, na Rua F. Viana do Castelo, o arguido, por motivos não concretamente apurados, abeirou-se da ofendida Maria P. e, com força, agarrou-lhe no braço direito, mais o puxando.

2- A ofendida, em consequência do agarrão e puxão referidos em 3), a ofendida sofreu dores nas zonas atingidas, bem como:

a) Membro superior direito: Sem atrofia dos músculos da mão quando comparada com a contra lateral. Sem dificuldades para efectuar a pronação e a supinação. Limitação nos últimos graus da dorsiflexão (extensão), da flexão palmar e da lateralização radial e cubital do punho direito. Ligeira redução da força de preensão ¾ na mão direita. Sem queixas de parestesias a nível da mão.

3- As lesões referidas em 4) são susceptíveis de determinar um período de vinte e sete (27) dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (4 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (27 dias).

4- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, pois conseguiu, ao agir da forma descrita em 1) - como era seu intento - atingir o corpo e a saúde da ofendida.

5- Mais sabia o arguido, ao agir da forma descrita, que a sua conduta era proibida e penalmente punida”.

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C) Motivação de Facto

“O arguido nega os factos tal como vem acusado e contextualiza-os de molde a justificar o seu comportamento.

A ofendida confirmou os factos relatados na acusação.

A testemunha Hugo A., inspector do SEF que presenciou os factos, confirmou parcialmente os factos da douta acusação e atestou que na ocasião ficou convencido que o arguido estava a assaltar a ofendida.

Considerando que os intervenientes processuais prestaram declarações de forma segura e convincente, importa considerar o depoimento da testemunha anterior e, ainda que com algumas dúvidas, admitimos como verosímil a versão do arguido.

Na verdade, o depoimento da testemunha Hugo A. está mais próximo da versão do arguido que da ofendida.

Pelo exposto, entendemos que não resultou provada a douta acusação”.

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Apreciando

Em primeiro lugar cumpre tecer breves palavras sobre a questão prévia suscitada pelo arguido na resposta ao recurso, segundo o qual a assistente não deveria ter sido admitida a intervir nos autos com tal qualidade pois que foi desrespeitado o prazo peremptório referido no art. 68º, nº3, aI. a) do CPP, à qual respondeu o Exº PGA no parecer afirmando não acompanhar “a crítica formulada, apenas por uma razão: o arguido foi notificado do despacho que admitiu a queixosa como assistente a 29/05/2014, como se vê a fls. 263, contudo conformou-se com esta decisão judicial pois que não interpôs recurso da mesma no prazo legal. Ou seja, formou-se caso julgado formal sobre o tema. E a verificação desta realidade obsta à reapreciação da questão dentro dos autos.

Não fora esta circunstância inultrapassável, também acompanharíamos a crítica que agora o arguido dirige à admissibilidade da queixosa como assistente pois que ela apenas poderia ter acontecido já não na fase posterior à decisão de que se recorre, mas sim até cinco dias antes da audiência de julgamento. É o que menciona o art. 68º, nº3, aI. a) do CPPenal”.

Ora, compulsados os autos resulta manifesta a razão que assiste ao Exº PGA. De facto o arguido deixou transitar o despacho que admitiu a constituição da assistente, sendo agora irrelevante qualquer crítica que esgrima em tal sede.

Tão pouco fazendo qualquer sentido a insistência sobre o assunto na resposta ao parecer, em que invoca ademais um pretenso acórdão desta Relação datado de 26-9-2009, data em que não se mostra publicada qualquer peça no site da dgsi.

E se acaso tal se deveu a lapso e pretendia referir-se ao Ac. Rel. Guimarães de 29-6-2009, rel. Fernando Monterroso, facilmente se constata tratar-se exactamente de um caso em que se conhece de recurso interposto do despacho que admitiu a constituição de assistente, ao contrário do presente caso em que o arguido deixou transitar o despacho em causa.

Não colhe por conseguinte esta questão.

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Nulidade da sentença por falta de fundamentação

Analisemos agora a questão relativa à nulidade da sentença por falta de fundamentação.

É nula a sentença que, entre o mais, não contiver as menções referidas no nº.2 do art. 374º. CPP, o qual dispõe o seguinte: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

Como é sabido a norma do artigo 374º. do CPP corporiza exigência consagrada no artigo 205º., nº.1 da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.

Dever de fundamentação esse que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, devendo ambas ser alvo de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra e, além do mais, porque só este tipo de fundamentação permite que a decisão seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso.

As acrescidas exigências de fundamentação decorreram, entre o mais, da jurisprudência Tribunal Constitucional Vd. por ex., o Ac. TC nº. 55/85 publicado no BMJ 360 (Suplemento) pág. 195. no sentido de que a fundamentação das decisões jurisdicionais cumpre, em geral, duas funções:

a) Uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido;

b) Outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz "ad quem", que procura, acima de tudo, tomar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - e que visa garantir, em última análise, a "transparência" do processo e da decisão.

Escreve Marques Ferreira Marques Ferreira in Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, 1988, págs. 228 a 230 quanto à fundamentação da decisão de facto, que este novo regime legal consagra “um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir um efectivo controle da sua motivação…”.

Mais acrescenta “a obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do CPP de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores de convicção do tribunal, à semelhança do que tradicionalmente vem sucedendo com a interpretação e aplicação do estipulado sobre este assunto no art. 665°., nº.2, do CPC, embora em desacordo completo da doutrina e, a nosso ver, violando-se materialmente a ratio do art. 29º., nº.1 da CRP. De facto, o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um determinado sistema processual, e no que concerne ao nosso processo penal vigente este informa, neste particular, de nítidas características medievais e ditatoriais. No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32°., nº.1, e no art. 210°., nº.1 da CRP, exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar convicção do tribunal, mas, fundamentalmente, a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (...) A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410°., nº.2. E, extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade. Temperando-se o sistema de livre apreciação das provas com a possibilidade de controlo imposta pela obrigatoriedade de uma motivação racional da convicção formada evitar-se-ão situações extremas - e cremos que raras - em que se impute ao julgador a avaliação "caprichosa" ou "arbitrária" da prova e, sobretudo, justificar-se-á a confiança no julgador ao ser-lhe conferida plena liberdade de apreciação da prova, garantindo-se, simultaneamente, a credibilidade da Justiça”.

Tal linha orientadora de pensamento encontra eco e está traduzida, ao longo de toda a vigência do actual Código de Processo Penal, na jurisprudência dos tribunais superiores.

Assim por exemplo - entre muitos, e espaçados no tempo - no Ac. STJ de 16-3-2005 (pr. 05P662, in www.dgsi.pt) pode ler-se que "o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção".

Germano Marques da Silva escreveu a propósito que: “A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando como meio de autocontrolo”.

Num outro local (“Registo da prova em processo penal”, Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. 1, págs. 806-807, Coimbra Editora, 2002) diz ainda este mesmo Autor que “a eficácia do recurso depende substancialmente da fundamentação e da possibilidade de comprovação pelo tribunal ad quem dos pressupostos da decisão. Por isso que a decisão deve ser fundamentada, quer no que respeita à reconstituição do facto quer às motivações de direito… A sentença sem fundamentação é corpo sem alma”.

No tocante à fundamentação de facto exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão.

Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410º., nº.2.

Extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade.

Revertendo ao caso concreto invoca a recorrente sobre a peça em análise que “o Tribunal a quo não indica os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, afirmando apenas que “Considerando que os intervenientes processuais prestaram declarações de forma segura e convincente, importa considerar o depoimento da testemunha anterior [Hugo A.] e, ainda que com alguma dúvidas, admitimos como verosímil a versão do arguido […] Pelo exposto, entendemos que não resultou provada a douta acusação.”

Aliás, a douta sentença é até contraditória pois começa por referir que “A testemunha Hugo A., inspector do SEF que presenciou os factos, confirmou parcialmente os factos da douta acusação e atestou que na ocasião ficou convencido que o arguido estava a assaltar a ofendida.” Contudo, segue dizendo que “Na verdade, o depoimento da testemunha Hugo A. está mais próximo da versão do arguido que da ofendida.

Assim, a douta sentença é nula por não expor de forma clara e precisa os motivos que fundamentam a decisão”.

E o MP na resposta secunda-a nesta sede ao afirmar que “… na verdade, quem não esteve no julgamento e leia a motivação da decisão de facto, não o percebe. Daqui, sempre salvo o devido respeito, o vencimento desta questão suscitada à apreciação superior…”.

Por seu turno, o Exº PGA no respectivo parecer escreve o seguinte:

“… Ou seja, impõe-se que o julgador proceda a um exame crítico da prova.

O tribunal, partindo da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, deve enunciar as razões de ciência extraídas daquelas provas, o porquê da opção por uma e não outra das versões apresentadas, se as houver, revelando os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, por forma a que, como evidencia o Conselheiro Lourenço Martins no acórdão do STJ de 30-01-2002, Proc. nº 3063/01 - 3.ª Secção, "um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção".

Ora, foi, justamente, o percurso que o julgador pretendeu fazer, mas que, cremos, não logrou plenamente concretizar.

Uma leitura atenta da decisão recorrido confirma-o.

Diz-se nela que o arguido nega os factos que lhe são imputados. E diz-se que a ofendida "confirmou os factos relatados na acusação".

Ou seja, duas versões se desenham quanto aos factos.

Na decisão posta em apreciação, consigna-se que uma testemunha presenciou os factos, a testemunha Hugo A.. Aí se diz que ela confirmou "parcialmente os factos da douta acusação", acrescentando até que esta testemunha "na ocasião ficou convencido que o arguido estava a assaltar a ofendida".

Por último, na sentença escreveu-se, rematando, "admitimos como verosímil a versão do arguido".

Em face deste cenário fundador da convicção do julgador, claramente se retira que o mesmo pautou a sua fundamentação pela omissão e escassez.

Omissão porque, em momento algum, clarifica porque é que a versão que aceita como verosímil, a versão do arguido, para si tem foros de credibilidade.

Em momento algum confronta o depoimento interessado do arguido com o depoimento da testemunha, pessoa absolutamente estranha às duas versões antagónicas que se confrontam, testemunha que presenciou os factos e até os entendeu como sendo um assalto, portanto como uma actuação violenta sobre outrem.

Apreciando, na forma referida, o dito testemunho, a sua escassez apreciativa é tão grande que não se sabe, afinal, porque é que o que foi por ela presenciado - um assalto, não serviu para firmar uma convicção firme sobre os factos imputados ao arguido. A testemunha não presenciou o arguido agarrar a queixosa? A testemunha não a agarrou e puxou? Escassez que se manifesta na circunstância de não se saber porque é que a testemunha apenas confirmou "parcialmente" a acusação. Onde a confirmou? E como?

Por último, afinal onde é que assentam as dúvidas do decisor?

As omissões descritas são relevantes, por essenciais e acarretam uma insuficiência de fundamentação, e reconduzem-se a um imperfeito exame crítico das provas. O julgador não explicitou o que deveria ter bem detalhado para adequada compreensão e fundamento da sua convicção cumprindo o normativo acima indicado…”.

E analisando a sentença resulta patente que a recorrente e o MP têm razão, uma vez que o tribunal não elucida adequadamente o quadro lógico racional em que se apoiou na formação da respectiva convicção por apelo às regras da experiência comum, de acordo com a lógica e a normalidade.

Não se mostrando efectuado o exame crítico das provas, com indicação linear, elucidativa e persuasiva dos elementos que em razão das regras da experiência e de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido, formulando um juízo para além da dúvida razoável.

Ora, tal qual já vimos, a fundamentação da sentença exige a adequada, ainda que concisa, explanação dos motivos por que se elegeu a versão dada como provada ou não provada, em detrimento de outra de sentido diferente, ao menos no tocante à totalidade dos pontos fácticos nucleares ao correcto enquadramento jurídico da questão Escreveu-se no Ac. TRG de 6-6-2011, Pr. 131/08.9 GAPVL.G2 “A nulidade da sentença ocorre não só nas hipóteses de total omissão da motivação mas também quando a fundamentação da convicção for insuficiente para efectuar uma reconstituição do raciocínio que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado”..

Do exposto, entendemos, que a sentença recorrida não cumpriu o dever legal de fundamentação da decisão fáctica, com a adequada explanação dos motivos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido, o que configura a nulidade prevista no art. 379º, nº1, al. a) do CPP.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em declarar nula a sentença recorrida e, consequentemente, ordenar a sua substituição por outra onde seja suprida a nulidade em causa.

Sem tributação.

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Guimarães, 27/4/2015