Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
236/05.8GBGMR.G1
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: APRECIAÇÃO DA PROVA
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
CO-ARGUIDO
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO JOSÉ P... ; JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO PEDRO M...
Sumário: As declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo e são válidas mesmo desacompanhadas de outro meio de prova, desde que credíveis.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: ---

I.
RELATÓRIO. ---

Nestes autos de processo comum, com julgamento em Tribunal Singular, o 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, por sentença de 29.11.2010, depositada no mesmo dia, condenou, entre outros, além do mais, ---
«O arguido Pedro M... pela prática:
- em co-autoria material, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art.º 170º, n.º 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
- em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 275°, n.ºs 1 e 3 do CP, por referência ao art.º 3º, n.º 1, f) do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17.04, na pena de 100 (cem) dias de multa;
- em autoria material, de um crime de usurpação, p. e p. pelo art.º 195º, n.º 1, por referência aos art.ºs 24º e 68º, als. e) e j), do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, respectivamente, na pena de 3 (três) meses de prisão e de» 180 Na parte dispositiva da decisão recorrida consta «100». Contudo, urge entender tratar-se de um mero lapso de escrita, quer porque em sede de apreciação da medida concreta da pena se refere a pena de «180 dias de multa» quanto ao crime de usurpação, quer porque a pena única de «220 (duzentos e vinte) dias de multa» só assim fazer sentido, pois de outro modo seria superior ao cúmulo material das penas de multa aplicadas pelo arguido, quer porque a moldura abstracta correspondente àquele ilícito criminal no que respeita à multa é de «150 a 250 dias». --- «dias de multa»;
- em cúmulo, condená-lo na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão e de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), no total de 1.540 € (mil quinhentos e quarenta euros);
-suspender a execução da pena de prisão de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses por igual período»;
«O arguido José P... pela prática de em co-autoria material, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art.º 170º, n.º 1 do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão» suspensa «por igual período» e subordinada «ao dever de o arguido entregar a instituição particular de solidariedade social, em 12 meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão, a quantia de 5.000 €» Cf. volume III, fls. 858 a 886 e 892. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Inconformados com a referida decisão, os arguidos Pedro M... e José P... dela interpuseram recurso para este Tribunal, em 11.01.2011, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos: (transcrição) –
- o arguido Pedro M..., ---
«1 - Não pode concordar o aqui recorrente com a decisão do tribunal “a quo” em condená-lo, pela prática em co-autoria material, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art.° 170.º, n.° 1, do Código Penal (C.P.), na pena de 1 (um) ano e três meses de prisão, na prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.° 275.°, números 1 e 3, do C.P., por referência ao art.° 3.°, n.° 1, alínea f), do Decreto-Lei n.° 207-A/75, de 17.04, na pena de 100 (cem) dias de multa, e em cúmulo, condená-lo na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão e de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), no total de 1540 € (mil quinhentos e quarenta euros), suspendendo-se a execução da pena por igual período.
2 - Com o devido respeito, e salvo superior entendimento, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deveria ter levado à absolvição do arguido no que respeita à prática dos crimes de lenocínio e detenção de arma proibida, e não à sua condenação.
3 - O Recorrente considera que se verificou um manifesto erro na valoração da prova, face, nem sequer a uma clara insuficiência da matéria fáctica, mas a uma inexistência da mesma, que levou o Tribunal recorrido a considerar como preenchidos os requisitos constantes dos arts. 170.°, n.° 1, do C.P., bem como dos constantes nos artigos 275.°, n.° 1 e 3, também do C.P., por referência ao art. 3.º, n.° 1, alínea f), do Decreto-Lei n.° 207-A/75, de 17.04.
4 - Considera ainda o Recorrente nos termos do art. 412.°, n.° 3, alínea a), do C.P.P. existirem pontos de facto incorrectamente julgados:
5 - A testemunha Daniel M..., agente da G.N.R., inquirida em sede de audiência e julgamento (cd - parte 4, minuto 29:13 a 30:38) incorreu em contradição gravíssima que colocou em causa a idoneidade de todo o seu depoimento.
- A testemunha Belmiro R..., inquirida em sede de audiência e julgamento (cd - parte 5) referiu desconhecer os factos que constam do libelo acusatório; Assim:
- Referiu, a instância do Exmo. Senhor procurador que (03:26 a 05:20):
• “Era uma casa com música…e bebidas…” (à questão “como era aquilo?’).
• “Estavam lá algumas mulheres, mas eu não sei...” (à questão “Viu lá meninas…senhoras...”).
• “Estavam lá algumas meninas, mas eu não sei de mais nada...” (à questão “Como?”).
• “Na altura não, Sr. Dr. Juiz...” (à questão “Nenhuma menina veio ter consigo? Estou-lhe a perguntar!”).
• “Estavam lá… à beira do balcão…do bar…falavam com a gente…mas não sei…não lhe posso dizer mais nada Sr. Dr. Juiz...” (à questão “Lá dentro, depois de o senhor ter entrado, alguma das meninas veio ter consigo? Mesmo que o senhor fosse só para beber a água... Alguma das meninas veio ter consigo?”).
• “Elas falavam que se a gente quisesse ir com elas ao quarto…ou não sei quê…mas isso não sei de mais nada…não posso dizer mais nada…” (à questão “Não se dispuseram a fazer nada caso o senhor tivesse vontade de pagar...”).
• “Em princípio…não sei.” (à questão “Elas falavam…Se quisessem ir ter com elas ao quarto para quê? Para fazer sexo? Seria?”).
• “Falava-se em vinte e cinco euros…não sei...” (à questão “Que cobravam? Recorda-se qual era o preço? Quanto é que na altura se falava...”).
- Em resumo, tratou-se, na opinião do recorrente, de um depoimento que revelou, aquilo que em linguagem popular se traduz numa “mão cheia de nada”!
7 - A testemunha Ricardo N..., inquirida em sede de audiência e julgamento (cd - parte 6) negou total e completamente os factos que constam do libelo acusatório;
8 - A testemunha Hugo S..., inquirida em sede de audiência e julgamento (cd - parte 7) negou total e completamente os factos que constam do libelo acusatório.
9 - A testemunha Carlos R..., indicada pelo arguido Pedro M..., abonatória da sua personalidades e embora desconhecendo os factos em discussão nos autos, revelou que este último é uma pessoa trabalhadora, educada, amigo do seu amigo, bem como social e profissionalmente integrada (cd - parte 8).
10 - A testemunha Robélia R..., inquirida em auto de declarações para memória futura - fls. 187 e seguintes dos autos - lidas em sede de audiência de julgamento (cd - parte 9 - 00:01 a 01:12) negou total e completamente os factos que constam do libelo acusatório.
11 - A testemunha Vera N... (testemunha, aliás, que desencadeou contra o arguido Pedro M... uma série de queixas junto das autoridades policiais, tendo quase todas elas sido arquivadas, com excepção daquela que originou um processo crime que veio a ser apensado aos presentes autos), inquirida em auto de declarações para memória futura - fls. 189 e seguintes dos autos - lidas em sede de audiência de julgamento (cd - parte 9 - 01:27 a 02:44) que confirmou, em parte os factos constante da Acusação, mas destruiu qualquer credibilidade do seu depoimento ao quantificar em “mais de dez o número de quartos da área reservada”, que descreve como sendo compostos por “um sofá e um lavatório”, quando a prova testemunhal e a prova documental produzida indicam 3 (três) espaços reservados, compostos por um sofá em cada um. (sublinhado nosso).
12 - A testemunha Emanuelle T..., inquirida em auto de declarações para memória futura - fls. 192 e seguintes dos autos - lidas em sede de audiência de julgamento (cd - parte 9 - 02:45 a 03:22) negou total e completamente os factos que constam do libelo acusatório.
13 - A testemunha Rozimara R..., inquirida em auto de declarações para memória futura — fls. 194 e seguintes dos autos — lidas em sede de audiência de julgamento (cd - parte 9 - 03:23 a 04:20) negou total e completamente os factos que constam do libelo acusatório.
14 - A testemunha Sónia D..., inquirida em sede de julgamento, depois de muito questionada, revelou simplesmente suspeitar de prática de sexo, tendo apenas assegurado que “Eu só trabalhava em copos…não fazia…”.
15 - Na realidade, as exigências relativas à produção da prova em processo penal, nomeadamente a consagração do ónus da prova para quem acusa e o princípio da presunção de inocência proíbem a formulação de decisões condenatórias com base em indícios, presunções, pressuposições, em deduções, ou até em associações como a que foi feita pelo Tribunal recorrido.
16 - Deveria o Tribunal “a quo” ter considerado como não provados os factos constantes dos pontos 9, 10, 14, 22, 28, 29 e 30 da douta Sentença, face à prova (não) produzida (ou, quando muito, face à fragilidade e contraditoriedade da mesma).
17 - Da mesma forma, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado como provados os factos constantes das alíneas h), i), j) e k) da douta Sentença, face à prova inequívoca produzida.
18 - Salvo superior entendimento, ao optar pela condenação, julgamos ter o Tribunal recorrido violado o princípio da presunção de inocência, consagrado no art.° 32.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.
19 – Sem prescindir, ainda que se entenda que o Tribunal recorrido decidiu bem sobre a matéria de facto - o que não se concebe, nem se concede - ainda assim dever-se-á considerar que, face aos antecedentes criminais (nulos), à sua juventude (na altura dos factos, por volta dos 22 anos), à total colaboração com o tribunal na descoberta da verdade para a boa decisão da causa (depoimento sincero, espontâneo, coerente, claro e directo), e a sua perfeita integração no meio social e laboral (contrato de trabalho numa empresa de segurança privada), a pena aplicada ao arguido é exagerada, devendo ser a mesma alterada no sentido da sua desagravação, i. e., da sua diminuição;
20 - Os depoimentos prestados pelas testemunhas são suficientemente credíveis para levar à absolvição do arguido Pedro M... da prática dos crimes de lenocínio e detenção de arma proibida.
21 - Da matéria de facto apurada resulta, na opinião do recorrente, que o arguido não praticou os factos que integram a prática do crime de lenocínio, nem o crime de detenção de arma proibida.
22 - Assim, e face à apreciação da prova produzida feita por este tribunal (nomeadamente a transcrição acima efectuada), cremos existirem provas suficientes que impõem uma decisão diversa da recorrida, (art.° 412.°, n.° 3, alínea b) do C.P.P.) - cfr. transcrição da prova produzida em audiência e discussão de julgamento.
23 - Pelo exposto, ao invés de o condenar, deveria o Tribunal “a quo” ter absolvido o arguido Pedro M..., da prática dos crimes de lenocínio e detenção de arma proibida.
Termos em que deve ser admitido o presente recurso e, consequentemente, na medida das articuladas conclusões e pelo douto suprimento, revogada a Sentença recorrida, absolvendo-se o arguido Pedro M... da prática dos crimes de lenocínio, bem como de detenção de arma proibida, assim se fazendo Justiça!» Cf. volume IV, fls. 924 a 982 (fax) e 987 a 1043 (original). ---. ---
- o arguido José P..., ---
«1 - Deu o Ilustre Tribunal a quo por provados os factos da acusação sob os n.°s 1, 2, 3, 4, 7, 9, 12, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 29 e 30 que aqui se consideram por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
2 - Deu ainda por provados outros factos com relevância para a determinação da medida da responsabilidade do Arguido sob os n.°s 38, 39, 40, 41, 42 e 43 que aqui se consideram por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
3 - Sendo que, na douta sentença em apreço o Ilustre Tribunal, fundou a sua convicção para dar como provados os factos imputados ao arguido José P... no “conjunto da prova produzida em audiência, analisada de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de normalidade e razoabilidade.”
4 - Concretamente, assentou nas declarações dos arguidos:
-Pedro M...
Afirmou que trabalhava para o arguido José P..., como funcionário do estabelecimento referido na acusação. Auferia 50 € por noite, trabalhando durante 6 noites por semana. Servia às mesas e fazia um pouco de tudo, sendo quem estava à frente do estabelecimento.
Confirmou que figurava no contrato de arrendamento como arrendatário do espaço, tendo aceite a proposta que nesse sentido lhe foi efectuada pelo arguido José P..., o verdadeiro responsável pela actividade desenvolvida no estabelecimento. Referiu, por exemplo, que era o arguido José P... que lhe entregava o dinheiro para pagar a renda, tendo ido a casa da arguida Maria E... em uma ou duas ocasiões efectuar esse pagamento.
(…) Ao que sabe, as senhoras incentivavam os clientes a consumir bebidas alcoólicas: o cliente pagava as bebidas consumidas, que custavam cerca de 30€ a 40€, sendo que 10€ ficavam para o estabelecimento e o resto para as senhoras.
Das senhoras que lá trabalhavam umas eram trazidas pelo arguido José P... e outras apareciam espontaneamente, falando consigo para acertar os termos em que podiam trabalhar no estabelecimento, do que dava conhecimento ao arguido José P... para obter o seu consentimento.
(...)
Em relação ao António P..., referiu que passava pelo estabelecimento para ver se havia problemas. Sabia que vinha por conta do arguido José P..., e entregava-lhe o dinheiro que resulta da actividade do estabelecimento, para que o entregasse ao arguido José. Nega que fosse ele a transportar as senhoras para o estabelecimento, actividade que estava a cargo de um outro funcionário, de nome Miguel, para que utilizava o veículo apreendido.
(...)
Referiu que o contrato que não chegou a ler, foi assinado em casa da arguida Maria E..., na presença do arguido José P.... Todos ficaram cientes de que o verdadeiro titular do contrato seria o arguido José P..., até porque já existia um contrato anterior, nos mesmos moldes. Não falou no motivo pelo qual o José P... não queria figurar no contrato, tanto mais que sabia que havia outros processos por crimes da mesma natureza, assumindo ser essa a razão do expediente utilizado. Sabia, por exemplo, que o arguido José P... explorava estabelecimentos idênticos, na Póvoa de Lanhoso e em Braga.”
E
- Maria E...
Enquanto proprietária, arrendou o espaço onde estava instalado o estabelecimento ao arguido José P... que, num dado momento, lhe disse que iria passar a ser arrendatário do mesmo espaço o arguido Pedro M..., sem que me tivesse dado, todavia qualquer justificação para essa alteração.
(…)
Desde que arrendou o espaço - e tinha-o feito já em momento anterior ao da celebração do contrato acima referido, também ao arguido José P..., por intermédio de um individuo de nome António C... - não mais entrou no estabelecimento.”
6 - Para sua convicção o Tribunal a quo “Baseou-se ainda na análise dos autos de apreensão de fls. 55 a 56 do processo principal e 4 a 6 do apenso n.° 147/05. 7GFGMR, no que se refere às quantidades e características dos objectos apreendidos, aquando da realização da busca, em 12.10.2005 e ainda nos documentos juntos ao processo, concretamente os de fls.:
- 13 a 23 (cópias das fotografias do estabelecimento)
- 25 a 30 (informação da CM de Guimarães que dá conta do horário de funcionamento do estabelecimento e cópia do alvará de licença de utilização)
- 107 a 117 (certidão da decisão da CM de Guimarães que determinou a caducidade da licença de utilização, a cassação e apreensão do alvará do estabelecimento e os documentos relativos à execução dessa decisão)
- 61 a 69 (cópias de fotografias do estabelecimento, captadas em 12.10.2005, aquando da realização da busca)
- 74, 76, 78, 80, 82, 84, 86, 88, 90 (cópias dos passaportes de cidadãs de nacionalidade brasileira que se encontravam no interior do estabelecimento aquando da realização da busca)
- 160 (cartão de consumo mínimo obrigatório utilizado no interior do estabelecimento)”.
7 - Ao que, relativamente à conduta do ora Recorrente, concluiu nos seguintes moldes que ora se transcrevem:
“Analisemos agora a conduta do arguido José P....
Negou a prática dos factos que lhe é imputada. Disse apenas ter apresentado os arguidos Pedro M... e Maria E..., sendo alheio ao contrato celebrado entre eles. Ainda que não tenha esclarecido em que circunstâncias conheceu os arguidos Pedro M... e Maria E... e o motivo pelo qual os apresentou, trata-se de uma afirmação plausível, tanto como qualquer outra.
Sucede que não se reflectiu na demais prova produzida em audiência.
Na verdade, o que decorre justamente das declarações dos arguidos Pedro M... e Maria E... é que era o arguido José P... que estava por trás da exploração do bar. E, de acordo com o primeiro, só não figurava no contrato de cedência do espaço como arrendatário precisamente porque estava a braços com problemas que envolviam a exploração de outros bares de alterne.
As declarações prestadas por aqueles arguidos são inequívocas e não se vislumbra qualquer razão para que pretendessem envolver nesta situação o arguido José P..., dela não retirando, no âmbito deste processo, qualquer vantagem. Com efeito, qualquer que fosse o teor das declarações que prestassem a respeito do envolvimento do arguido José P..., a sua posição não iria sofrer alteração, razão pela qual se apresenta credível a sua versão.”
8 - Ora, considera o Recorrente José P... que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de factos dados por provados e supra transcritos: 1, 2, 3, 4, 7, 9, 12, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 29 e 30.
Senão vejamos,
9 - De acordo com a fundamentação do Ilustre Tribunal a quo para aferir da prática por parte do Arguido, ora Recorrente, de um crime de lenocínio de que vinha acusado, o Tribunal baseou-se apenas nas declarações dos Co-Arguidos Pedro M... e Maria E....
10 - Sucede, porém, que de acordo com o disposto no Acórdão do STJ proferido no âmbito do processo n.° 08P1213, publicado em www.dgsi.pt
“1 - Tanto o STJ, como o TC, têm julgado válida a prova decorrente das declarações de co-arguido, observadas as três condicionantes: respeito pelo direito do arguido ao silêncio; sujeição das declarações ao contraditório e corroboração das declarações por outros meios de prova.
(...)
IV - A corroboração das declarações do arguido visa “tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações “(parecer do Prof Figueiredo Dias), não se destinando a prova adicional a obter uma segunda confirmação da actividade delituosa do(s) co-arguido(s) ou à sua identificação, que, no presente caso, se tornava necessariamente dificultada pelo facto de os arguidos terem coberto os rostos com t-shirts.
(...)
Citando um parecer do Prof Figueiredo Dias, escrevia-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-07-2006 — proc. 1698/06-3, (CJ - Acs STJ, ano ano XIV, tomo II, pág. 242): “Como nos dá conta Figueiredo Dias naquele Parecer, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura duma fundamentação insuficiente. Significa que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”.
11 - Ora, no caso em concreto apenas foram observadas duas das três condicionantes exigidas pela jurisprudência, foi respeitado o direito do arguido ao silêncio, assim como a sujeição das declarações ao contraditório, no entanto, as declarações dos co-arguidos não foram corroboradas por quaisquer outros meios de prova.
12 - Nem tão pouco se diga, conforme refere o Ilustre Tribunal a quo que “As declarações prestadas por aqueles arguidos são inequívocas e não se vislumbra qualquer razão para que pretendessem envolver nesta situação o arguido José P..., dela não retirando, no âmbito deste processo, qualquer vantagem”. Com efeito, o Arguido Pedro M... sempre teria toda a vantagem em alegar-se como um mero funcionário que não tinha qualquer poder de decisão, procurando assim diminuir a responsabilidade a si assacada.
13 - Mais, a instâncias do seu depoimento (cfr. depoimento gravado no cd: Início da Gravação: 25 de Outubro de 2010, às 10 Horas e 20 minutos e 57 Segundos paragem da gravação: 25 de Outubro de 2010, às 11 Horas e 17 minutos e 28 Segundos reinício da gravação: 25 de Outubro de 2010, às 11 Horas e 21 minutos e 35 Segundos fim da gravação: 25 de Outubro de 2010, às 11 Horas e 33 minutos e 37 Segundos) e até certo momento, este sempre manteve a posição de que:
- “quando iam lá espontaneamente (referindo-se às mulheres) falavam comigo”
- “era comigo que acertavam os termos do negócio”.
14 - Situação que foi efectivamente corroborada pelas declarações das testemunhas Rubélia R... e Vera Souto Novais que para memória futura declararam respectivamente que “lhe tinham indicado que fosse falar com o Pedro M... e foi com ele que falou” e que “foi contratada pelo Pedro M...” e “o pagamento era feito pelo Pedro”.
15 - Assim como pela a testemunha Sónia D... que a instâncias do seu depoimento (cfr. depoimento gravado no cd: Início da Gravação: 10 de Novembro de 2010, às 10 Horas e 14 minutos e 56 Segundos; fim da gravação: 10 de Novembro de 2010, às 10 Horas e 33 minutos e 30 Segundos) referiu quando perguntada sobre se conhecia os arguidos que “apenas conheço o Pedro M...’ mais que “trabalhei no bar, há mais ou menos cinco anos” e que “fui para lá através de amigas”, “elas me falaram que era um bar de alterne e eu fui por isso” e que quando lá chegou “falei com o Sr. Pedro”.
16 - Nestes termos, sempre cumpre concluir que o Arguido Pedro M... efectivamente tratava das contratações e pagamentos às mulheres que ali trabalhavam, tinha total poder de decisão e era o efectivo e real proprietário do estabelecimento, aliás a demais prova documental é esta realidade que corrobora e não a factualidade dada por provada por parte do Ilustre Tribunal.
17 - Ora, atento toda a prova acima concretamente identificada, cumpre alterar a decisão sobre a matéria de facto, dando apenas como provado que:
2 - As mulheres prestavam serviços de sexo no estabelecimento aos clientes que os frequentavam, recebendo o arguido Pedro M..., em troca, uma percentagem pelo preço pago por aqueles serviços àquelas mulheres, em regra, não inferior a 10€ por cada cliente;
3 - O arguido José P... já respondeu e foi condenado pela prática do crime de lenocínio, em 2004;
9 - Não obstante a Câmara Municipal de Guimarães apenas ter concedido licença para exploração de bar com música e tal constar do contrato de cessão de exploração referido, a verdade é que, efectivamente, os arguidos Pedro M... e Maria O... sabiam que o estabelecimento se destinava a servir para a prática da prostituição, através da contratação de mulheres estrangeiras, algumas oriundas do Brasil, que, a convite do segundo, trabalhavam no referido estabelecimento;
(...)
12 - O arguido António P... deslocava-se com regularidade ao referido estabelecimento, procedendo ao levantamento dos rendimentos auferidos;
(…)
20 - A arguida Maria O..., ao ceder o citado estabelecimento ao arguido Pedro, recebendo em troca 2.500,00€, sabia que o mesmo se destinava para a prática da prostituição;
21 - Conformou-se com o destino dado ao estabelecimento pelo arguido Pedro M..., pretendendo dessa forma obter as vantagens económicas que resultavam do pagamento da contrapartida pela cedência do espaço;
22 - O arguido Pedro M... agiu com o propósito de incentivar e permitir a actividade sexual remunerada no interior do referido estabelecimento e de com ela obter vantagens e proveitos económicos, como efectivamente obtive;
30 - Os arguidos Pedro M... e Maria E... agiram de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;”
18 – E por não provado que:
1 - O arguido José P... é um indivíduo ligado aos negócios da noite, explorando e controlando vários estabelecimentos nocturnos na região da Póvoa de Lanhoso e ainda nos arredores de Guimarães, angariando os serviços de prostitutas, em regra cidadãs estrangeiras, para obter vantagens económicas desse negócio;
3 - O arguido manteve sigilo e cautela no exercício da sua actividade;
4 - Assim, para levar a cabo e executar tal actividade sem ser detectado pelas autoridades, o arguido, com a colaboração da arguida Maria O..., recorreu aos serviços do arguido Pedro M...;
(...)
7 - Com o intuito de se proteger das autoridades, o arguido José P..., com a colaboração da arguida Maria O..., convenceu o arguido Pedro M... a assinar o contrato de cessão de exploração do referido estabelecimento, assumindo-se como cessionário deste, quando de facto o verdadeiro dono e proprietário era o José P...;
(...)
17 - O arguido José agiu com o intuito, que logrou alcançar, de obter vantagens económicas do exercício da prostituição no interior do referido Bar, a ele cabendo o recrutamento das mulheres contratadas, o controlo do negócio e dele obtendo o grosso dos rendimentos dele resultantes.
18 - Para alcançar e executar os seus intentos recorreu aos serviços do arguido Pedro, que serviu de seu “testa de ferro”, mas que mais não passava de um funcionário ao seu serviço.
19 - O arguido Pedro, por sua vez, por necessidades económicas, aceitou servir de “testa de ferro” do arguido José, cabendo-lhe a si a tarefa de gerir o dia-a-dia do estabelecimento, nomeadamente a actividade diária do negócio;
(...)
29 - Os arguidos Pedro M... e José P... agiram em conjugação de esforços e comunhão de vontades.
Sem prejuízo e por mero dever de patrocínio
19 - Caso se entenda que o julgamento sobre a matéria de facto não deve ser alterado e que deve manter-se a condenação do Arguido pelo crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 170.º do Código Penal (na redacção anterior), cumpre, o que ora se peticiona, modificar e/ou revogar a sentença ora em crise, substituindo-a por outra que altere a pena aplicada ao arguido José P..., por ostensiva violação dos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade, com guarida constitucional.
20 - Na verdade, é manifestamente violador dos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade aplicar ao Arguido pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução mediante a entrega a uma instituição particular de solidariedade social, em 12 meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão, a quantia de 5.000€.
21 - Recorde-se que o Arguido trabalha na construção civil e a sua esposa numa confecção e aufere cada um o salário mínimo nacional, têm a seu cargo dois filhos menores, de 14 e 13 anos, que ainda estudam, praticam desporto e brincam e por via a manter o seu agregado familiar dispõe anualmente de € 12.600,00 (doze mil e seiscentos euros brutos), aos quais têm ainda que descontar os impostos (IRS, Segurança Social, IMI entre outros), restando-lhe menos de € 10.000,00 anuais para permitir a subsistência da sua família.
22 - Ora, se desses cerca de € 10.000,00 o Arguido terá ainda que retirar metade, restar-lhe-á apenas a quantia mensal de € 357,14 para fazer face a todas as despesas de um agregado de quatro pessoas, nomeadamente com a alimentação, vestuário, saúde, transportes, equipamentos escolares, entre as demais despesas da habitação com a água, luz, gás, telefone, etc.
23 - Cumpre assim nestes termos, atendendo à sobrevivência periclitante do agregado familiar do Arguido, revogar a condição imposta relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, ou quando muito, e caso V. Exas. assim não o entendam reduzi-la a metade, ou seja, € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
Termos em que, (…) deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e por via do mesmo ser modificada a sentença recorrida, maxime em conformidade com as conclusões articuladas, fazendo-se, assim, a acostumada Justiça!» Cf. volume IV, fls. 1051 a 1081 (mail) e 1082 a 1097 verso (original). ---
Notificado dos indicados recursos, o Ministério Público respondeu aos mesmos, concluindo nos seguintes termos: (transcrição) ---
« 1 - O arguido ora recorrente Pedro M..., foi, para além de todo o mais e para o que aqui importa, condenado pela sentença proferida nos presentes autos na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e de 220 dias de multa à taxa diária de € 7, num total de €1.540 pela prática de um crime de lenocínio, previsto e punível no artigo 170.°, n.° 1 do Código Penal, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 275.°, n.°s 1 e 3 do Código Penal e de um crime de usurpação, previsto e punível pelo artigo 195.°, n.°1 do CDADC.
2 - Por sua vez, o arguido também recorrente José P... foi condenado na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada à condição de, no prazo de 12 meses a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória, entregar a uma instituição de solidariedade social a quantia de €5.000.
3 - No que concerne à invocada a nulidade da sentença pelo recorrente José P..., e perante o todo feito constar na motivação e depois em sede de conclusões, o invocar dos apontados vícios de insuficiência para a matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, não será mais que a tradução de uma confusão de conceitos por banda do recorrente.
4 - De facto, a despeito da uniforme jurisprudência dos nossos tribunais superiores sobre os conceitos daqueles vícios e da clareza com que se apresenta o dispositivo que versa sobre tal matéria, continua mesmo assim o recorrente a insistir e a assentar baterias sobre a livre convicção do julgador e do modo como foi apreciada a prova produzida em audiência, fundando toda a sua argumentação num diferente juízo sobre os factos relativamente ao decidido e caso fosse ele a decidir, numa confusão entre “erro notório na apreciação da prova” e “erro de julgamento” e naquilo que corresponde à “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”;
5 - Na verdade, o recorrente José P... vislumbra tais vícios na divergência que tem relativamente à apreciação da prova que foi levada a cabo pelo tribunal a quo, isto é, não concorda com o modo como o tribunal alicerçou a sua convicção sobre os factos dados como provados naquilo que determinou o preenchimento dos elementos típicos do crime de que foi acusado, contrapondo à análise que faz das declarações do arguido Pedro M..., da arguida Maria E..., das testemunhas Rubélia, Vera e Sónia;
6 - Ora, pelo que tudo quanto acaba de ser exposto, tal em nada tem a ver com os mencionados vícios.
7 - Lendo a motivação expressa pelo tribunal a quo esta afigura-se-nos suficiente para habilitar a concluir que, para além de que as provas a que o tribunal recorreu serem todas permitidas por lei e que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, dela não resulta uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
8 - Resulta à evidência do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que o Tribunal formou a sua livre convicção segundo as regras de experiência comum, na contraposição entre os diversos elementos de prova produzidos em audiência, como aliás estabelece o artigo 127.° do Código de Processo Penal.
9 - Pelo que a douta sentença impugnada não padece, de por si ou conjugada com as regras de experiência, de qualquer dos vícios enunciados pelo arguido na sua fundamentação.
10 - Alegam ambos os recorrentes, no essencial, erro de julgamento da matéria de facto provada atinente a cada um deles.
11 - Contudo, considerando que a admissibilidade de alteração da matéria de facto apenas funcionará nos casos em que não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade do dado como provado ou não provado com a respectiva fundamentação, ao contrário do que defendem os recorrentes, é nosso parecer que a apreciação da prova testemunhal produzida em audiência, conjugada com a prova documental também produzida, permite afirmar que a factualidade provada é o corolário lógico e racional da prova produzida em audiência e da sua correcta e adequada apreciação por parte do julgador;
12 - “Querer atacar esse julgamento pela forma como os recorrentes fazem é um exercício gratuito e necessariamente arrevesado, face à forma como o Tribunal julgou e fundamentou e que, por não sofrer de quaisquer vícios e se mostrar lógica e coerentemente encontrada, há apenas que confirmá-la e reiterar a inconsequência do recurso, afigurando-se a decisão recorrida “exemplar em todos os aspectos”, ali se demonstrando sem margem para quaisquer dúvidas ou tibiezas o modo de actuação e grau de comparticipação nos factos que fazem os arguidos, aqui recorrentes, agentes do crime de lenocínio e o arguido Pedro M... também do crime de detenção de arma proibida e de usurpação.
13 - Aliás, o primeiro sinal vem do arguido José P... que, na respectiva motivação, expressa concordância com a factualidade dada como provada atinente ao arguido Pedro M..., naquilo que constitui a pugnada redacção dos factos n.°s 2 e 22, naquilo que, até na perspectiva deste arguido, é a indesmentível força avassaladora da prova documental e testemunhal produzida em sede de julgamento.
14 - Por outro lado, o arguido Pedro M... é o próprio a indicar testemunhas que confirmam que o bar era um bar de alterne e ali se praticava prostituição e que o arguido Pedro era conhecedor da situação.
15 - E, por muito que o arguido José P... pretenda justificar, o certo é que as declarações dos co-arguidos Pedro M... e Maria E..., para além de coerentes entre si, não foram infirmadas por qualquer outro elemento de prova.
16 - Toda a prova produzida, suportada pela prova documental e testemunhal e perante as regras da experiência comum, permite afirmar sem rebuços, tal qual o fez o julgador, uma convicção segura que os arguidos praticaram os factos que alicerçam o cometimento dos crimes pelo quais vieram a ser condenados.
17 - As declarações do arguido Pedro M... e do arguido José P... surgem no preciso sentido de que tal não conseguem colocar a mínima dúvida na convicção que é possível formar, tal qual o tribunal formou, pela produção em audiência da restante prova, de que os arguidos efectivamente praticaram os factos desvaliosos dados como provados;
18 - Por isso de discorda e se considera sem fundamento os reparos que os arguidos, ora recorrentes, fazem no que concerne à apreciação da prova efectuada pelo tribunal a quo, pelo que os fundamentos invocados pelos arguidos de manifesto erro de julgamento da matéria de facto não poderão proceder;
19 - A pena em que cada um dos arguidos foi condenado é justa, adequada, equilibrada e resulta de uma correcta e ponderada aplicação de todas as circunstâncias a que alude o artigo 71.° do Código Penal.
20 - A douta sentença não violou qualquer preceito legal e nela se decidiu conforme a lei e o direito.
Devem, assim, os recursos interpostos serem julgados improcedentes e, desta forma, mantida a douta sentença recorrida nos seus precisos termos» Cf. volume IV, fls. 1112 a 1129. ---. --
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 417.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público foi de parecer que o recurso não merece provimento Cf. volume IV, fls. 1154 a 1156. ---. ---
Devidamente notificados daquele parecer, o arguido e os assistentes nada disseram. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO. ---
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que são tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre no presente acórdão apreciar e decidir: ---
· Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; -
· Do invocado erro notório; ---
· Da referida violação da presunção de inocência; ---
· Do mencionado erro de julgamento; ---
· Da justeza das penas aplicadas aos recorrentes. ---
III.
A DECISÃO RECORRIDA – FACTOS E SUA MOTIVAÇÃO. ---
A decisão recorrida configura a factualidade provada e não provada, assim como a respectiva motivação da seguinte forma: (transcrição) ---
«2. Fundamentação
2.1. Os factos
Com interesse para a decisão da causa, resultaram apurados os seguintes factos:
1- O arguido José P... é um indivíduo ligado aos negócios da noite, explorando e controlando vários estabelecimentos nocturnos na região da Póvoa de Lanhoso e ainda nos arredores de Guimarães, angariando os serviços de prostitutas, em regra cidadãs estrangeiras, para obter vantagens económicas desse negócio;
2- Estas prestavam serviços de sexo nos seus estabelecimentos aos clientes que os frequentavam, recebendo o arguido, em troca, uma percentagem pelo preço pago por aqueles serviços àquelas mulheres, em regra, não inferior a 10€ por cada cliente;
3- O arguido já respondeu e foi condenado pela prática do crime de lenocínio, em 2004, motivo pelo qual, a partir dessa data, manteve sigilo e cautela no exercício da sua actividade;
4- Assim, para levar a cabo e executar tal actividade sem ser detectado pelas autoridades, o arguido, com a colaboração da arguida Maria O..., recorreu aos serviços do arguido Pedro M...;
5- A arguida Maria O... é proprietária, há vários anos, do estabelecimento comercial de Bar, denominado “Café C...”, sito em Gonça, S. Torcato, concelho de Guimarães, estabelecimento este licenciado pela Câmara Municipal de Guimarães para a actividade de bar e música;
6- Pelo arrendamento do imóvel, envolvendo a cedência do espaço, a arguida Maria O... recebia uma contrapartida mensal de 2.500€ (dois mil e quinhentos euros);
7- Com o intuito de se proteger das autoridades, o arguido José P..., com a colaboração da arguida Maria O..., convenceu o arguido Pedro M... a assinar o contrato de cessão de exploração do referido estabelecimento, assumindo-se como cessionário deste, quando de facto o verdadeiro dono e proprietário era o José P...;
8- Assim, em 01 de Maio de 2005, Pedro M... assinou um contrato de cessão de exploração do referido estabelecimento com a arguida Maria O..., pelo prazo de 6 meses, renovável por iguais períodos;
9- Não obstante a Câmara Municipal de Guimarães apenas ter concedido licença para exploração de bar com música e tal constar do contrato de cessão de exploração referido, a verdade é que, efectivamente, os arguidos José P..., Pedro M... e Maria O... sabiam que o estabelecimento se destinava a servir para a prática da prostituição, através da contratação de mulheres estrangeiras, algumas oriundas do Brasil, que, a convite do primeiro ou com a sua autorização e conhecimento do segundo, trabalhavam no referido estabelecimento;
10- No interior do estabelecimento, além do serviço de balcão e de mesa, havia um espaço reservado onde as mulheres prestavam serviços sexuais aos clientes que o frequentavam (desde coito vaginal e anal ao sexo oral), recebendo estas em troca a quantia de 25€ a 35€ euros, de acordo com serviços sexuais prestados, entregando uma percentagem das quantias recebidas, em regra 10€, ao estabelecimento;
11- Além disso, os clientes pagavam um consumo mínimo pela entrada, em regra €5 e as bebidas que as referidas mulheres os incentivavam a consumir;
12- O arguido António P... deslocava-se com regularidade ao referido estabelecimento, procedendo ao levantamento dos rendimentos auferidos com a finalidade de, posteriormente, os entregar ao arguido José P...;
13- No dia 12 de Outubro de 2005, na sequência de um mandado de busca e apreensão efectuada pela GNR, pelas 0h e 20m, foram apreendidos no interior do referido estabelecimento, no interior dos quartos onde se praticavam os actos sexuais, vários preservativos usados, de várias marcas; vários lençóis descartáveis; uma cassete de vídeo, de marca Phillips utilizada na Vídeovigilância do local; um cartão de consumo mínimo utilizado no interior do Bar; uma factura de produtos alimentares; uma embalagem de lubrificante, de marca “Jonhson & Jonhson” e oitenta e cinco euros em notas do BC;
14- Além disso, foi ainda apreendido no interior do estabelecimento, um bastão extensível, telescópico, em ferro, com cabo em borracha, de cor preta, com cerca de 50 cm de comprimento, que servia ao arguido Pedro M... como instrumento de agressão, caso fosse necessária a sua utilização.
15- No exterior do estabelecimento foi apreendido o veículo automóvel, de matrícula ...-52-71, que era usado para transportar as mulheres de e para o Bar;
16- Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, pela 01h30m, foram apreendidos no interior do referido estabelecimento, os seguintes objectos:
- uma mesa misturadora de som, de marca DENON;
- um leitor de compact disk duplo, de marca DENON, modelo DN — 2500F;
- um controlador de som, de marca PIONEER, com o n° de série GK 9416370R;
- uma mesa misturadora de som, de marca GRIMI, modelo PMX — 350;
- um par de auscultadores, de marca PHILIPS, modelo SBC HP 200;
- duas colunas de som, de marca PIONEER, modelo CS 770;
- duas colunas de som, de marca SNYO, modelo SX 25;
- um leitor de cassetes, de marca PIONEER;
- um alimentador de som, de marca CREST AUDIO; e
- 105 CD’s, de diversas marcas, contendo diversas obras de autoria de vários autores, cuja identificação consta do Auto de Exame Directo de fls 549 a 595 e que se dá aqui por integralmente reproduzido.
17- O arguido José agiu com o intuito, que logrou alcançar, de obter vantagens económicas do exercício da prostituição no interior do referido Bar, a ele cabendo o recrutamento das mulheres contratadas, o controlo do negócio e dele obtendo o grosso dos rendimentos dele resultantes.
18- Para alcançar e executar os seus intentos recorreu aos serviços do arguido Pedro, que serviu de seu “testa de ferro”, mas que mais não passava de um funcionário ao seu serviço.
19- O arguido Pedro, por sua vez, por necessidades económicas, aceitou servir de “testa de ferro” do arguido José, cabendo-lhe a si a tarefa de gerir o dia-a-dia do estabelecimento, nomeadamente a actividade diária do negócio;
20- A arguida Maria O..., ao ceder o citado estabelecimento ao arguido José, através do arguido Pedro, recebendo em troca 2.500,00€, sabia que o mesmo se destinava para a prática da prostituição;
21- Conformou-se com o destino dado ao estabelecimento pelos arguidos Pedro M... e José P..., pretendendo dessa forma obter as vantagens económicas que resultavam do pagamento da contrapartida pela cedência do espaço;
22- Os arguidos Pedro M... e José P... agiram com o propósito de incentivar e permitir a actividade sexual remunerada no interior do referido estabelecimento e de com ela obterem vantagens e proveitos económicos, como efectivamente obtiveram;
23- Os CD’s acima descritos eram exibidos e reproduzidos no interior do estabelecimento, através das aparelhagens de som acima descritas;
24- Os referidos CD’s são todos exemplares de duplicação artesanal dos originais, não contendo o título genérico da obra, nomes dos intérpretes e editores discográficos, surgindo antes, na maioria deles, a inscrição manuscrita, com o nome “Pedro”;
25- Tais CD’s foram ali colocados para serem difundidos pelo arguido Pedro M...;
26- Este arguido não tinha qualquer autorização para os reproduzir ou exibir publicamente pelos titulares (autores) das respectivas obras, intérpretes ou executantes ou dos seus legítimos representantes, sendo certo que se trata de obras musicais protegidas;
27- Sabia que tais obras não eram originais e, apesar disso, não se coibiu de os reproduzir e tocar publicamente;
28- O arguido Pedro, ao deter e guardar no interior do estabelecimento um bastão extensível, agiu com o propósito de o poder vir a utilizar como instrumento de agressão, não tendo justificado a sua posse para quaisquer outros fins;
29- Os arguidos Pedro M... e José P... agiram em conjugação de esforços e comunhão de vontades;
30- Os arguidos Pedro M..., José P... e Maria E... agiram de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
31- O bastão extensível já se encontrava no estabelecimento quando o arguido Pedro M... foi para lá trabalhar e nunca foi por ele utilizado;
32- O arguido Pedro M... trabalha para uma empresa de segurança privada;
33- É solteiro;
34- Não tem filhos;
35- Vive com os pais, reformados, que auxilia nas despesas domésticas;
36- Não tem antecedentes criminais;
37- É uma pessoa socialmente integrada, tido por educado, trabalhador e profissional;
38- O arguido José P... trabalha na construção civil;
39- É casado;
40- A esposa trabalha numa confecção.
41- Tem 2 filhos a cargo, com 14 e 13 anos, estudantes;
42- Não tem encargos com a habitação.
43- Foi condenado, com trânsito em julgado:
- por decisão de 09.05.2002, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 2,5 €;
- por decisão de 28.11.2002, pela prática de um crime de usurpação, na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo multa e 180 dias de multa, à taxa diária de 2,5€;
- por decisão de 25.05.2004, pela prática de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
- por decisão de 16.04.2010, pela prática de um crime de detenção de arma proibida;
44- A arguida Maria E... é casada;
45- É doméstica;
46- O marido está emigrado em França, onde trabalha na construção civil;
47- É dona de um estabelecimento (cafetaria) que se encontra arrendado;
48- Reside em casa própria;
49- Não tem antecedentes criminais;
50- O arguido António P... tem antecedentes criminais, tendo sido condenado, com trânsito em julgado:
- por decisão de 10.07.2002, pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
- por decisão de 17.09.2002, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 3 €;
- por decisão de 07.05.2003, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 1 anos de prisão;
- por decisão de 17.03.2005, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 7,50 €;
- por decisão de 11.03.2008, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 5 meses de prisão;
*
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos contrários a estes ou para além deles, designadamente, que:
a) A arguida Maria O..., prestava, regularmente, serviços de limpeza no estabelecimento acima referido;
b) O arguido Pedro M... era um conhecido funcionário noutro estabelecimento de diversão nocturna;
c) O bastão extensível destinava-se a ser usado pelos arguidos José e António como instrumento de agressão, caso fosse necessária a sua utilização;
d) O arguido António P... era o braço direito do José P..., prestando-lhe serviços no controlo e gestão do negócio;
e) Deslocava-se com regularidade ao referido estabelecimento com o intuito de controlar a actividade deste, recebendo do arguido José P..., pelos seus serviços, uma determinada quantia, em montante não concretamente apurado;
f) O arguido Pedro efectuava ou controlava o transporte das mulheres de e para o estabelecimento;
g) Os arguidos José e António, ao deterem e guardarem no interior do estabelecimento um bastão extensível, fizeram-no com o propósito de o poderem vir a utilizar como instrumento de agressão, não tendo justificado a sua posse para quaisquer outros fins;
h) O arguido Pedro M... desconhecia por completo que no estabelecimento se praticava prostituição;
i) Não incentivou e/ou permitiu qualquer actividade sexual remunerada no interior do referido estabelecimento;
j) Nunca obteve quaisquer vantagens ou proveitos económicos relacionados com tais práticas;
k) Se alguma vez existiu a prática de actividade sexual remunerada, foi com o desconhecimento do arguido Pedro M...;
*
2.2 MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal baseou-se no conjunto da prova produzida em audiência, analisada de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de normalidade e razoabilidade.
Concretamente, assentou nas declarações dos arguidos:
- Pedro M....
Afirmou que trabalhava para o arguido José P..., como funcionário do estabelecimento referido na acusação. Auferia 50 € por noite, trabalhando durante 6 noites por semana. Servia às mesas e fazia um pouco de tudo, sendo quem estava à frente do estabelecimento.
Confirmou que figurava no contrato de arrendamento como arrendatário do espaço, tendo aceite a proposta que nesse sentido lhe foi efectuada pelo arguido José P..., o verdadeiro responsável pela actividade desenvolvida no estabelecimento. Referiu, por exemplo, que era o arguido José P... que lhe entregava o dinheiro para pagar a renda, tendo ido a casa da arguida Maria E... em uma ou duas ocasiões efectuar esse pagamento.
Apesar de ter qualificado o estabelecimento como bar de alterne, disse desconhecer que as senhoras que lá trabalhavam se dedicassem à prostituição. Ao que sabe, as senhoras incentivavam os clientes a consumir bebidas alcoólicas: o cliente pagava as bebidas consumidas, que custavam cerca de 30€ a 40€, sendo que 10€ ficavam para o estabelecimento e o resto para as senhoras.
Das senhoras que lá trabalhavam, umas eram trazidas pelo arguido José P... e outras apareciam espontaneamente, falando consigo para acertar os termos em [que] podiam trabalhar no estabelecimento, do que dava conhecimento ao arguido José P... para obter o seu consentimento.
Trabalhou naquele local durante cerca de 1 ano até à data em que foi efectuada a busca pela GNR.
Tem conhecimento da existência dos “reservados”, ainda que diga que se tratava de espaço destinado apenas ao consumo das bebidas vendidas no estabelecimento e confirma que chegou a ver preservativos e material idêntico àquele que foi apreendido nas bolsas das senhoras que lá trabalhavam.
Reiterando que não sabia que no estabelecimento se praticavam actos sexuais, afirmou que se tivesse conhecimento disso não o consentiria.
Afirmou que não era a arguida Maria E... que fazia a limpeza do estabelecimento tendo combinado com ela que esse serviço ficaria a cargo de uma terceira pessoa, o que aconteceu desde Maio de 2005, altura em que assinou o contrato.
Antes dessa data, não sabe quem fazia a limpeza, tanto mais que no estabelecimento, em condições idênticas àquelas em que ficou a partir de Maio de 2005, estava um outro indivíduo, de nome António C....
Confirmou que lhe pertenciam [os CD’s] apreendidos, que comprava em feiras, difundindo no estabelecimento as músicas neles gravadas.
Já no que se refere ao bastão, afirmou tê-lo visto no estabelecimento, junto ao balcão e, ainda que tivesse conhecimento do fim a que se destinava, nunca foi usado.
Em relação ao arguido António P..., referiu que passava pelo estabelecimento para ver se havia problemas. Sabia que vinha por conta do arguido José P..., e entregava-lhe o dinheiro que resultava da actividade do estabelecimento, para que o entregasse ao arguido José. Nega que fosse ele a transportar as senhoras para o estabelecimento, actividade que estava a cargo de um outro funcionário, de nome Miguel, para o que utilizava o veículo apreendido.
Não tinha conhecimento da existência de preservativos no estabelecimento, referindo que os lençóis descartáveis encontrados na busca já lá estavam desde o tempo do anterior gerente.
Referiu que o contrato, que não chegou a ler, foi assinado em casa da arguida Maria E..., na presença do arguido José P.... Todos ficaram cientes de que o verdadeiro titular do contrato seria o arguido José P..., até porque já existia um contrato anterior, nos mesmos moldes. Não falou no motivo pelo qual o José P... não queria figurar no contrato, tanto mais que sabia que havia outros processos por crimes da mesma natureza, assumindo ser essa a razão do expediente utilizado. Sabia, por exemplo, que o arguido José P... explorava estabelecimentos idênticos, na Póvoa de Lanhoso e em Braga.
- Maria E...
Enquanto proprietária, arrendou o espaço onde estava instalado o estabelecimento ao arguido José P... que, num dado momento, lhe disse que iria passar a ser arrendatário do mesmo espaço o arguido Pedro M..., sem que lhe tivesse dado, todavia, qualquer justificação para essa alteração.
Como contrapartida pela cedência do espaço, recebia a quantia de 2.500 € por mês, o que aconteceu durante cerca de um ano.
Não estava incluída no contrato a prestação de quaisquer serviços de limpeza, efectuados por um vizinho, de nome Américo, através de acordo celebrado directamente com os exploradores do estabelecimento. É alheia à celebração desse acordo, competindo inclusivamente aos exploradores do estabelecimento o pagamento dos serviços prestados.
Sabe, no entanto, que a dada altura prescindiram dos serviços desse vizinho, desconhecendo quem começou a efectuar a limpeza do estabelecimento a partir desse momento. O facto é que o estabelecimento continuou a ser ocupado depois disso.
Desde que arrendou o espaço – e tinha-o feito já em momento anterior ao da celebração do contrato acima referido, também ao arguido José P..., por intermédio de um indivíduo de nome António C... – não mais entrou no estabelecimento.
Por esse motivo, apesar de residir ao lado, desconhecia o que se passava no seu interior e o tipo de actividade que lá era exercida. Via no parque de estacionamento homens e senhoras mas nunca ninguém lhe referiu o propósito da presença dessas pessoas, naquele local.
Não foi ela que fez as divisões dos “reservados” nem se apercebeu que tivessem sido efectuadas tais divisões.
Só soube da realização da fiscalização da GNR cerca de dois dias depois de ter sido realizada.
- José P...,
Disse não ter qualquer relação com o estabelecimento em causa, nem na altura da fiscalização, nem antes, quando no estabelecimento estava o dito António C....
Limitou-se a apresentar a senhoria ao Pedro e nada mais.
Baseou-se ainda o tribunal no depoimento das testemunhas:
- Daniel M..., militar da GNR, à data no NIC de Guimarães.
Participou na busca efectuada ao estabelecimento, precedida de uma investigação que incidiu sobre a actividade exercida no estabelecimento, iniciada com base em denúncias anónimas.
Em Abril de 2005, chegou a ir ao estabelecimento, fazendo-se passar por cliente, tendo constatado que no seu interior se encontravam cerca de dez senhoras a trabalhar, em trajes menores.
À porta foi atendido por um porteiro e, no interior, pelo arguido Pedro M....
Durante o período em que esteve no estabelecimento – cerca de uma hora - foi abordado pelas senhoras que se encontravam no estabelecimento, no sentido de indagar da vontade de se dirigir para o “reservado” a fim de manter com elas relações sexuais, para o que foi de imediato informado sobre o custo associado a tais práticas, que variava em função do tipo de actividade sexual.
O pagamento era efectuado ao arguido Pedro, num guiché situado à entrada, e só depois os clientes se dirigiam para o “reservado”.
Viu clientes que pagavam apenas o consumo e saíam, ao passo que outros pagavam o custo associado à prática sexual que pretendiam e seguiam para o “reservado”.
Apercebeu-se que era o arguido Pedro que recebia o dinheiro, competindo-lhe também abrir e fechar o estabelecimento. Consumiu bebidas no estabelecimento, tendo chegado à conclusão que a mesma bebida, para o consumidor ou para uma das senhoras que estava no estabelecimento, tinha preços diferentes, sendo mais cara nesta última hipótese.
Em Outubro, aquando da realização da busca, o quadro que encontrou foi essencialmente o mesmo. Não estava no interior do estabelecimento outro arguido, para além do Pedro M..., que nunca manifestou qualquer surpresa em relação ao que lá foi encontrado.
Entre Abril e Outubro de 2005, não se apercebeu que o espaço tivesse sofrido quaisquer alterações.
Sabia quem era a proprietária do local porque, em momento anterior – no início do processo, numa altura em que já havia suspeitas sobre a actividade que ali era exercida – perante a notícia da existência de um furto no estabelecimento, deslocou-se ao imóvel, onde estava a arguida Maria E..., durante a manhã, a limpar o espaço. Só a viu no estabelecimento naquela altura, nunca lá tendo visto os arguidos José P... e António P....
Não se recorda do local onde foi encontrado o bastão que viria a ser apreendido.
- Belmiro Pereira Ribeiro, não conhece nenhum dos arguidos. Recorda-se de, enquanto motorista de táxi, ter ido a Gonça, levar um cliente a um bar, numa altura em que a GNR lá apareceu. O cliente pediu-lhe para esperar, tendo-o o feito no interior do bar, a solicitação do cliente.
Não se lembra de ter visto no bar qualquer dos arguidos e não sabia o que se dizia do bar.
No interior do bar, encontravam-se umas senhoras que lhe propuseram ir para um quarto a troco de 25 €.
Percebeu então que se tratava de um bar de alterne.
Referiu-se à indumentária das senhoras que frequentavam o bar, afirmando que “não estavam nuas” mas que apresentavam uma roupa que não é semelhante àquela que é normalmente utilizada na rua.
Desconhece quantas pessoas estariam no interior do bar.
- Ricardo Manuel Leite Novais, que conhece o arguido Pedro M.... Tinha ido ao bar, a convite dele, no dia em que a GNR lá entrou. Logo depois de ter chegado, chegou também a GNR. Já lá tinha ido há muitos anos, sendo o bar era conhecido como um bar de alterne. Ainda assim, não tinha conhecimento da existência de “reservados” ou dependências onde fossem praticados actos sexuais a troco de dinheiro.
- Hugo S..., que conhece o arguido Pedro M..., por ser amigo dele, conhecendo de vista os arguidos António e Emília. O primeiro, porque se deslocava ao bar para falar com o arguido Pedro e a segunda, por residir nas proximidades do bar.
Estava no bar quando foi lá a GNR, e já não era a primeira vez que lá ia, mesmo como cliente.
Entretanto, a convite do arguido Pedro, tido ido para lá trabalhar, o que fazia há cerca de 2 meses à data da fiscalização. Facto é que, enquanto cliente, nunca nenhuma senhora o abordou para lhe propor a prática relações sexuais a troco de dinheiro.
Não tinha acesso aos “reservados” e nunca lá foi, apesar de por vezes se aperceber que algumas senhoras se dirigiam para lá com clientes. Desconhece, no entanto, que valor era pedido para esse efeito ou com que intenção se dirigiam para lá.
No bar, juntamente consigo, trabalhavam o arguido Pedro M... e dois indivíduos, de nome Joaquim e Miguel.
Não sabe quem trazia as senhoras que trabalhavam no bar ou quanto ganhavam, mas reconheceu que eram recebidas no bar pelo arguido Pedro M....
- Carlos R..., que conhece o arguido Pedro M... há cerca de 7 anos, sendo amigo dele, para além de colega de trabalho. Tem-no por uma pessoa educada, trabalhadora e profissional.
- Sónia D..., que não conhece os arguidos, excepção feita ao arguido Pedro M.... Chegou a trabalhar no bar, que disse ser um “bar de alterne”, há cerca de 5 anos, por indicação de algumas amigas, depois de ter falado com o arguido Pedro M....
Trabalhou lá durante dois meses, com entrada às 22 horas e saída às 4 horas, juntamente com mais 8 a 9 senhoras de nacionalidade portuguesa e brasileira.
Confirma que algumas senhoras abordavam os clientes no sentido de lhes proporem a prática de relações sexuais, hipótese em que, havendo aceitação, iriam para o interior do bar.
Por opção sua, nunca manteve relações sexuais no estabelecimento, o que podia ter feito. Apenas fazia companhia aos clientes e recebia uma percentagem das bebidas que os clientes lhe pagassem.
Não se recorda do modo como era dividido o preço pago pelas bebidas. Facto é que o dinheiro era entregue ao arguido Pedro M..., ainda que não se recorde, neste momento, se era imediatamente deduzida a parte que lhe cabia. Tem ideia que havia outras pessoas para quem o Pedro trabalhava mas não sabe quem eram, desconhecendo igualmente quem era o proprietário do espaço onde estava instalado o bar.
Baseou-se ainda na análise dos autos de apreensão de fls. 55 a 56 do processo principal e 4 a 6 do apenso n.º 147/05.7GFGMR, no que se refere às quantidades e características dos objectos apreendidos, aquando da realização da busca, em 12.10.2005 e ainda nos documentos juntos ao processo, concretamente os de fls.:
- 13 a 23 (cópias de fotografias do estabelecimento)
- 25 a 30 (informação da CM de Guimarães que dá conta do horário de funcionamento do estabelecimento e cópia do alvará de licença de utilização)
- 108 a 117 (certidão da decisão da CM de Guimarães que determinou a caducidade da licença de utilização, a cassação e apreensão do alvará e o encerramento do estabelecimento e os documentos relativos à execução dessa decisão)
- 61 a 69 (cópias de fotografias do estabelecimento, captadas em 12.10.2005, aquando da realização da busca)
- 74, 76, 78, 80, 82, 84, 86, 88, 90 (cópias dos passaportes de cidadãs de nacionalidade brasileira que se encontravam no interior do estabelecimento aquando da realização da busca)
- 160 (cartão de consumo mínimo obrigatório utilizado no interior do estabelecimento)
Tendo sido esta a prova produzida, importa fazer a sua análise crítica, que incidirá, por comodidade de exposição sobre a actividade imputada a cada um dos arguidos.
Antes, porém, uma nota apenas para sublinhar que é pacífico que no estabelecimento se praticavam actos sexuais a troco de dinheiro. Não subsiste qualquer dúvida a esse respeito e nem mesmo o arguido Pedro M... ou a testemunha Hugo S... negaram essa realidade, limitando-se a afirmar que desconheciam tal facto. A verdade é que toda a prova produzida aponta nesse sentido: seja o depoimento do militar da GNR que participou na investigação, seja o das testemunhas Belmiro R... e Sónia D....
Passemos à análise da prova produzida a respeito da actuação de cada um dos arguidos, começando por aquela que é imputada ao arguido António P.... A prova produzida a esse respeito resumiu-se às declarações do arguido Pedro M... e ao depoimento da testemunha Hugo S.... O primeiro afirmou que o arguido António passava pelo estabelecimento para ver se havia algum problema. Sabia que vinha por conta do arguido José P... e entregava-lhe o dinheiro que resultava da actividade do estabelecimento, para que o entregasse a este arguido.
Já o segundo referiu que conhecia o arguido António porque se deslocava ao bar para falar com o arguido Pedro.
Ora, desconhecendo o tribunal em que se baseia o arguido Pedro para dizer que o arguido António passava pelo estabelecimento para ver se havia algum problema e o teor da(s) conversa(s) que com ele mantinha, fica apenas o conhecimento de que o arguido António ia ao bar, conversava com o arguido Pedro e recebia o dinheiro que resultava da actividade do estabelecimento para entregar ao arguido José P....
Por esse motivo, não é possível afirmar que o arguido António fosse o “braço direito” do arguido José – proposição que, de resto, não encerra mais do que um juízo de valor – ou lhe prestasse serviços no controlo e gestão do negócio e, menos ainda, que por esses serviços recebesse uma determinada contrapartida monetária.
Saberia que actividade, em concreto, era desenvolvida no estabelecimento, designadamente aquela que se prende com o exercício da prostituição? Saberia que o dinheiro que lhe era entregue para fazer chegar ao arguido José P... resultava também dessa actividade? Desconhecemos e não existe prova suficiente que permita concluir nesse sentido.
Vejamos agora a actuação do arguido Pedro M....
Será credível que alguém que trabalhou no estabelecimento durante cerca de 1 ano, que – como reconheceu – tinha acesso a todas as dependências do estabelecimento, designadamente aos denominados “reservados”, não se tivesse apercebido do que lá se passava, concretamente, no que se refere ao exercício da prostituição. Revelou saber que as senhoras se dirigiam aos “reservados” acompanhadas dos clientes mas não com a finalidade de manter relações sexuais. Com que finalidade, então? A de que ninguém os visse a consumir as bebidas adquiridas no estabelecimento? Com que propósito?
A este respeito, é interessante notar o estado em que se encontrava o estabelecimento, designadamente as dependências onde eram praticadas relações sexuais e os objectos que nelas foram encontrados (cfr. fls. 61 e ss.). Deixa dúvidas a alguém que tem livre acesso àquele espaço o tipo de actividade que lá se desenvolve? Será plausível que só no dia em que foi efectuada a busca o estabelecimento estivesse naquele estado, para mais quando resultou amplamente demonstrado da prova produzida que no interior do estabelecimento, havia clientes que mantinham relações sexuais com senhoras que lá trabalhavam? É evidente que não. As declarações do arguido, neste aspecto, só podem compreender-se à luz de quem procura, permita-se-nos a expressão, tapar o sol com a peneira, o mesmo sucedendo com a testemunha Hugo Miguel Salgado, que também trabalhava no estabelecimento e prestou um depoimento de sentido idêntico, dizendo nunca se ter apercebido de nenhuma prática relacionada com a prostituição. Não é credível.
Idêntico raciocínio vale em relação à arguida Maria E.... Em primeiro lugar, porque residia nas proximidades do estabelecimento, não lhe sendo difícil aperceber-se da movimentação associada ao seu funcionamento. Depois, porque se é verdade que não existe prova de que, como alegado na acusação prestasse serviços de limpeza, também é verdade que continuou a deslocar-se ao estabelecimento, podendo aperceber-se do que por lá se passava.
De facto, apenas a testemunha Daniel M... referiu tê-la visto a limpar o estabelecimento numa circunstância muito específica, não sendo possível a partir daí afirmar que estivesse a seu cargo a limpeza do bar. Mas é possível, a partir desse dado, concluir que continuava a ter acesso às instalações – o que, considerando a sua qualidade de proprietária, não deixa de ser normal – e que não deixaria de se aperceber do que lá se passava.
Será possível dizer, em face da prova produzida, que agiu de acordo e em comunhão de esforços com os arguidos José P... e Pedro M...? Não, mas é legítimo concluir que, tendo conhecimento da actividade desenvolvida no estabelecimento, conformou-se com ela. Com o objectivo de obter a vantagem económica que resultava da contrapartida que lhe era paga pela cedência do espaço, aderiu ao propósito de manter o estabelecimento arrendado, sabendo com que finalidade.
Analisemos agora a conduta do arguido José P....
Negou a prática dos factos que lhe é imputada. Disse apenas ter apresentado os arguidos Pedro M... e Maria E..., sendo alheio ao contrato celebrado entre eles. Ainda que não tenha esclarecido em que circunstância conheceu os arguidos Pedro M... e Maria E... e o motivo pelo qual os apresentou, trata-se de uma afirmação plausível, tanto como qualquer outra.
Sucede que não se reflectiu na demais prova produzida em audiência.
Na verdade, o que decorre justamente das declarações dos arguidos Pedro M... e Maria E... é que era o arguido José P... que estava por trás da exploração do bar. E, de acordo com o primeiro, só não figurava no contrato de cedência do espaço como arrendatário precisamente porque estava a braços com problemas que envolviam a exploração de outros bares de alterne.
As declarações prestadas por aqueles arguidos são inequívocas e não se vislumbra qualquer razão para que pretendessem envolver nesta situação o arguido José P..., dela não retirando, no âmbito deste processo, qualquer vantagem. Com efeito, qualquer que fosse o teor das declarações que prestassem a respeito do envolvimento do arguido José P..., a sua posição não iria sofrer alteração, razão pela qual se apresenta credível a sua versão.
Quanto à intenção dos arguidos José P... e Pedro M... ao levarem a cabo a exploração do estabelecimento em causa nos autos pela forma vinda de referir, fomentando e favorecendo o exercício da prostituição por parte das mulheres que ali trabalhavam, deu-se por provado que o faziam com intenção lucrativa, traduzida no recebimento de parte do dinheiro pago pelos clientes do dito estabelecimento às mulheres com quem mantinham relações sexuais, o que faziam conscientes da ilicitude das respectivas condutas.
Para o efeito, a convicção do Tribunal baseou-se nas regras da experiência comum e da normalidade dos comportamentos humanos naquelas concretas situações, considerando ser de todo irrazoável que os arguidos que procediam à exploração de tal estabelecimento por cuja utilização era paga uma rendas mensais avultadas e no interior dos quais disponibilizavam uma área reservada e produtos próprios para diversas mulheres terem relações sexuais a troco de dinheiro, não agissem com o intuito de lucrarem com tal actividade, ou seja, que não auferissem pelo menos uma parte das quantias auferidas pelas mulheres que aproveitavam as instalações que lhes disponibilizavam para a prática da prostituição.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos e à sua condição económica, a convicção do tribunal assentou nos crc juntos aos autos e nas suas declarações.
Os factos dados como não provados resultaram da ausência de prova que os corroborasse sem deixar margem para dúvidas» Cf. volume II, fls. 859 a 871. ---. ---
IV.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
1. Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na sua motivação de recurso, o recorrente José P... invoca a insuficiência da matéria de facto provada. ---
Ora, segundo o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão. ---
«É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada», sendo necessário para se verificar tal vício que «a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão». ---
«A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida» Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2000, páginas 339 e 340. ---
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 07.04.2010, Processo n.º 83/03.1TALLE.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, e 14.07.2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos/secção criminal. ---. ---
In casu, o recorrente José F... invoca a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, alegando, em síntese, que a prova produzida impunha decisão de facto diversa. ---
Ou seja, confunde erro de julgamento com o erro-vício indicado na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal. ---
Quanto àquele primeiro erro, o Tribunal pronunciar-se-á em momento ulterior deste acórdão. ---
No que se refere ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ora em causa, diga-se apenas que o mesmo inexiste de todo em todo no caso em apreço: do texto da decisão recorrida não decorre, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que o Tribunal recorrido tenha deixado de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa nos termos anteriormente indicados. ---
Nestes termos, inexiste in casu o vicio da insuficiência da matéria de facto provada. ---
2. Do invocado erro notório da prova. ---
Na sua motivação, o recorrente José F... invoca igualmente erro notório da prova. ---
Vejamos. ---
Segundo o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «erro notório na apreciação da prova», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
Constituem o apontado vício o desacerto sobre facto notório, nomeadamente sobre facto histórico de conhecimento geral, a ofensa às leis da física, da mecânica e da lógica, assim como a ofensa relativamente a conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. ---
Em causa está o equívoco ostensivo, de tal modo evidente a partir da simples leitura da decisão, que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 2000, página 341, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Pena, 2.ª edição, página 1103. ---
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 14.05.2009, Processo n.º 1182/06.3PAALM.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 25.06.2009, Processo n.º 4262/06 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, e 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Na situação em apreço. ---
O recorrente alega a existência de erro notório na apreciação da prova por ser diversa a apreciação que faz da prova produzida. ---
Ora, definido que foi o erro notório, mostra-se impróprio o alegado na matéria pelo recorrente. ---
De todo o modo, diga-se ainda que da decisão recorrida não decorre qualquer erro notório na apreciação da prova nos termos em que o mesmo ficou explicitado: na decisão recorrida inexiste qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. ---
Tanto basta para que se tenha igualmente por improcedente o alegado erro notório na apreciação da prova. ---
3. Da referida violação da presunção de inocência. ---
Na sua motivação de recurso o recorrente Pedro M... invocou violação da presunção de inocência, enquanto princípio da prova, sendo que desse ponto de vista a presunção de inocência identifica-se com o in dubio pro reo. ---
Em causa está, pois, a ofensa de princípio constitucional. ---
Com efeito, segundo o disposto no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito da sentença de condenação» No mesmo sentido, vejam-se igualmente artigos 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. ---
Ou seja, o nosso regime jurídico processual-penal consagra o princípio da livre apreciação da prova Cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal. ---. ---
A livre apreciação da prova pressupõe que esta seja considerada segundo critérios objectivos que permitam estabelecer o substrato racional da fundamentação da convicção. ---
O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo, a favor do arguido, pois. ---
O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. ----
“A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir «pro reo», tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” Cf. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, página 166. No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 05.02.2009, Processo n.º 2381/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 14.10.2009, Processo n.º 101/08.7PAABT.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, e 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico. ---
No caso vertente. ---
Do texto da decisão recorrida não se descortina que o Tribunal recorrido tenha tido dúvidas na apreciação da prova produzida e nesse estado de incerteza tenha decidido contra os arguidos, nomeadamente o recorrente Pedro M.... ---
Pelo contrário, o Tribunal recorrido foi peremptório em dar como provada e não provada a matéria factual que assim indicou. ---
Debalde se descortina, pois, da decisão recorrida a violação do princípio da presunção de inocência enquanto princípio da prova, termos em que cumpre entender que in casu inexiste violação de tal princípio, entendido o mesmo nos termos supra expostos. ---
4. Do alegado erro de julgamento. --
Segundo o artigo 428.º do Código de Processo Penal, «as relações conhecem de facto e de direito». ---
Tal constitui uma concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto - reapreciação por um Tribunal superior das questões relativas à ilicitude e à culpabilidade. ---
O recurso em matéria de facto não constitui, contudo, uma reapreciação total pelo Tribunal de recurso do complexo de elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida. ---
Diversamente, apenas poderá ter como objecto uma reapreciação autónoma do Tribunal de recurso sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham decisão diversa da recorrida ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Por isso, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas», indicando «concretamente as passagens em que se funda a impugnação». ---
O recurso não é, pois, um novo julgamento, em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinado a colmatar erros que devem ser identificados e individualizados, com menção das provas que os evidenciam e indicação concreta, por referência à acta, das passagens em que se funda a impugnação Cf. Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2009, Processo n.º 3270/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/ sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
Quanto ao julgamento de facto pela Relação, uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, sendo que é este último aspecto que constitui objecto do recurso de facto para a Relação. --
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, fora as excepções relativas a prova legal, assenta na livre convicção do julgador e nas regras da experiência, não podendo também esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. ---
Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 23.04.2009, Processo n.º 114/09 - 5.ª Secção, e de 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, ambos relatados pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 15.07.2009, Processo n.º 103/09 - 3.ª Secção, 10.03.2010, Processo n.º 112/08.2GACDV.L1.S1 - 3.ª Secção, e 25.03.2010, Processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---. ---
In casu. ---
O recorrente Pedro M... refere como incorrectamente julgados os factos dados como provados indicados sob os n.ºs 9), 10), 14), 22), 28), 29) e 30) e os indicados como não provados com as letras h), i), j) e k). ---
Em suma, impugna a factualidade relativa aos crimes de lenocínio e detenção de arma proibida de que foi condenado. ---
Para tanto, invoca excertos das suas declarações prestadas em julgamento, assim como das declarações da co-arguida Maria E... e do depoimento das testemunhas Daniel M..., Belmiro R..., Ricardo N..., Hugo S..., Robélia R..., Vera N..., Emanuelle T..., Rozimara R... e Sónia D.... ---
Por sua vez, o recorrente José P... impugnou a factualidade indicada como provada sob os n.ºs 1, 2, 3, 4, 7, 9, 12, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 29 e 30.
Sustenta que as declarações dos co-arguidos Pedro M... e Maria E... não foram corroboradas por outros meios de prova, nomeadamente pela prova documental, sendo que o co-arguido Pedro M... teria toda a vantagem em apresentar-se como mero empregado do arguido José P... e das próprias declarações do co-arguido Pedro M... e do depoimento das testemunhas Rubélia R..., Vera N... e Sónia D... não decorre a imputada responsabilidade do arguido José P.... ---
Vejamos. ---
Em síntese, quanto ao recorrente Pedro M..., a decisão recorrida fundamenta a factualidade em causa: ---
· Nas próprias declarações do arguido Pedro M..., o qual disse que «trabalhou no estabelecimento durante cerca de 1 ano, que – como reconheceu – tinha acesso a todas as dependências do estabelecimento, designadamente aos denominados “reservados”», «trabalhando durante 6 noites por semana»; «servia às mesas e fazia um pouco de tudo, sendo [ele] quem estava à frente do estabelecimento», assim procedendo por conta e no interesse do arguido José P...; ---
E «no que se refere ao bastão, afirmou tê-lo visto no estabelecimento, junto ao balcão e, ainda que tivesse conhecimento do fim a que se destinava, nunca foi usado»; ---
· No depoimento prestado em julgamento pelas testemunhas: ---
- Daniel M..., «militar da GNR que participou na investigação», ---
- Belmiro R..., que se apercebeu que «no interior do bar, encontravam-se umas senhoras que lhe propuseram ir para um quarto a troco de 25 €», as quais «”não estavam nuas” mas apresentavam uma roupa que não é semelhante àquela que é normalmente utilizada na Rua», -
- Sónia D..., que referiu ter trabalhado no bar em causa «por indicação de algumas amigas, depois de ter falado com o arguido Pedro M...», sendo que em tal «“bar de alterne”» havia «algumas senhoras» que «abordavam os clientes no sentido de lhes proporem a prática de relações sexuais, hipótese em que, havendo aceitação, iriam para o interior do bar»; ---
· Em documentos constantes dos autos, designadamente, ---
- No auto de apreensão de fls. 55 e 56 verso, de onde resulta a apreensão em 12.10.2005, no estabelecimento em causa, de diversos preservativos usados e por usar, lençóis descartáveis, embalagens de preservativos, do referido bastão extensível, de uma embalagem de lubrificante e de um «caderno (…) onde se apontava a ida das mulheres para os quartos»; ---
- Nas fotografias de fls. 61 a 69, relativas ao interior do Bar em causa e aos referidos objectos aí encontrados em 12.10.2005; ---
Elementos probatórios que a decisão recorrida integrou «de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de normalidade e razoabilidade» Sublinhado nosso. ---, sendo que em particular «quanto à intenção dos arguidos José P... e Pedro M...» o Tribunal recorrido teve em conta a «normalidade dos comportamento humanos naquelas concretas situações, considerando ser de todo irrazoável que os arguidos que procediam à exploração de tal estabelecimento por cuja utilização eram pagas uma rendas mensais avultadas e no interior dos quais disponibilizavam uma área reservada e produtos próprios para diversas mulheres terem relações sexuais a troco de dinheiro, não agissem com o intuito de lucrarem com tal actividade, ou seja, que não auferissem pelo menos uma parte das quantias auferidas pelas mulheres que aproveitavam as instalações que lhes disponibilizavam para a prática da prostituição». ---
Na sua motivação de recurso, o recorrente Pedro M... não aponta elementos concretos que ponham em causa o processo lógico que motivou a factualidade indicada pelo Tribunal recorrido. ---
Limita-se a transcrever excertos de declarações e depoimentos prestados em julgamento, expondo a sua versão dos factos e contrapondo a sua ponderação da prova produzida à ponderação tomada na matéria pelo Tribunal recorrido, o que se configura inócuo em termos de impugnação da matéria factual em sede de recurso, sendo que muitos de tais excertos confirmam até o que supra se aludiu quanto a declarações e depoimentos prestados em julgamento referidos na decisão recorrida. ---
Ora, «a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004, que transcreve na matéria acórdão da Relação de Coimbra, in www.tribunalconstitucional.pt. ---. ---
Debalde se encontra na decisão recorrida erros de julgamento no processo de formação da convicção do Tribunal recorrido que imponham decisão da matéria de facto diversa da por ele tomada. ---
As alegadas «versões contraditórias» da testemunha Daniel M..., bem como as referidas discrepâncias com a realidade da testemunha Vera N... referem-se a aspectos absolutamente marginais, relativos ao concreto local de pagamento de serviços prestados no Bar e à descrição e quantidade dos reservados, pelo que são destituídas de capacidade para abalar o âmago da prova produzida, sendo que tais aspectos nem sequer constam da factualidade apurada ou não apurada, e por certo o lapso de tempo decorrido entre a data do Auto, 16.04.2005, e a data do depoimento da testemunha Daniel M... em julgamento, 25.10.2010, assim como o próprio devir da realidade em si podem justificar a divergência existente, sendo que as fotografias de fls. 61 a 65 dos autos aparentam a existência de lavatório e de algo que pode ser caracterizado como sofá nos aludidos reservados. ---
Ao contrário do que parece sustentar o recorrente Pedro M..., do facto de haver versões testemunhais divergentes ou não justapostas quanto aos factos não decorre a necessária absolvição do arguido. ---
Em tal situação, deve o julgador confrontar criticamente tais versões, explicitando o resultado desse confronto. ---
Ora, a decisão recorrida espelha esse confronto crítico, bem como justifica o entendimento tomado quanto à matéria de facto em causa, exprimindo um logicismo irrepreensível. ---
Daí que, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um remédio jurídico, conforme se deixou dito, não impondo os elementos probatórios uma decisão de facto diversa da recorrida, antes permitindo esta, cumpre dar por assente a mesma no que se refere ao recorrente Pedro M.... ---
Quanto ao arguido José P.... ---
A decisão recorrida fundamenta a factualidade apurada relativamente àquele arguido: ---
· Nas declarações do arguido Pedro M... que em julgamento «afirmou que trabalhava para o arguido José P..., como funcionário do estabelecimento referido na acusação», sendo que era o arguido José P... «o verdadeiro responsável pela actividade desenvolvida no estabelecimento», «das senhoras que lá trabalhavam, umas eram trazidas pelo arguido José P...» e este «só não figurava no contrato de cedência do espaço como arrendatário precisamente porque estava a braços com problemas que envolviam a exploração de outros bares de alterne», ---
· Nas declarações da arguida Maria E... que em julgamento disse que «enquanto proprietária, arrendou o espaço onde estava instalado o estabelecimento ao arguido José P... que, numa dado momento, lhe disse que iria passar a ser arrendatário do mesmo espaço o arguido Pedro M..., sem que lhe tivesse dado, todavia, qualquer justificação para essa alteração»; ---
Elementos probatórios que a decisão recorrida integra «de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de normalidade e razoabilidade» Sublinhado nosso. ---, sendo que em particular «quanto à intenção dos arguidos José P... e Pedro M...» o Tribunal recorrido teve em conta a «normalidade dos comportamento humanos naquelas concretas situações, considerando ser de todo irrazoável que os arguidos que procediam à exploração de tal estabelecimento por cuja utilização eram pagas uma rendas mensais avultadas e no interior dos quais disponibilizavam uma área reservada e produtos próprios para diversas mulheres terem relações sexuais a troco de dinheiro, não agissem com o intuito de lucrarem com tal actividade, ou seja, que não auferissem pelo menos uma parte das quantias auferidas pelas mulheres que aproveitavam as instalações que lhes disponibilizavam para a prática da prostituição». ---
In casu insurge-se o recorrente José F... relativamente à circunstância da factualidade apurada no que respeita àquele arguido, e que motiva a sua condenação quanto ao crime de lenocínio, decorrer tão-só de declarações de co-arguido não corroboradas por outros meios de prova. ---
Não é líquida a relevância processual-penal das declarações de co-arguido em sede de valoração da prova jus-penal Sufragando entendimento de que as declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo e são válidas mesmo desacompanhadas de outro meio de prova, desde que credíveis, vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Processo n.º 24/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 08.11.2007, Processo n.º 3984/07 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos, 12.03.2008, Processo n.º 694/08 - 3.ª Secção, 04.06.2008 e 03.09.2008, Processo n.º 2044/08 - 3.ª Secção, Processo n.º 1126/08 – 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 18.06.2008, Processo n.º 1971/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 22.10.2008, Processo n.º 215/08 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. -
Apelando a uma ideia de corroboração, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2009, Processo n.º 1213/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, referido pelo recorrente José P..., 25.06.2008, Processo n.º 2046/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, 12.06.2008, Processo n.º 1151/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/ jurisprudência /sumáriosdeacórdãos /secção criminal. ---

Com recurso à corroboração veja-se igualmente Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, edição de 202, página 191, Teresa Beleza, “Tão amigos que nós éramos”, in RMP, n.º74, Abril – Junho de 1998, páginas 39 e seguintes, Alberto Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Coimbra edição, 1999, páginas 212 e seguintes, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2008, página 871. ---

Em sentido diverso, negando a possibilidade de valorar como meio de prova as declarações de co-arguido veja-se Rodrigo Santiago, in RPCC, Ano 4, Fasc. 1, Janeiro - Março de 1994, o qual entende como uma situação de nulidade de julgamento, por violação dos arts. 323.º, al. f), e 327.º, n.º 2, do CPP. ---. ---
É nosso entendimento que as declarações de co-arguido livremente prestadas e contraditadas por todos os sujeitos processuais devem ser livremente apreciadas pelo Tribunal e por ele valoradas caso mereçam credibilidade segundo um processo racional e inteligível de ponderação da prova produzida que tenha em conta a especial situação de co-arguido: ele não está sujeito ao dever de verdade e aos efeitos da sua inverdade, sendo certo que ele tem um particular interesse no desfecho dos autos. ---
As declarações prestadas por co-arguido, que decida livremente prestá-las, após o exercício do contraditório, podem, pois, ser valoradas como meio de prova para a formação da convicção do juiz em temos probatórios, dentro dos poderes de livre apreciação, naturalmente ponderadas e avaliadas todas as contingências sobre a credibilidade que tais declarações comportem: o problema é, assim, de valoração e credibilidade da prova e não de prova proibida Cf. o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Proc. n.º 24/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar. ---. ---
O entendimento aqui sufragado funda-se desde logo na regra decorrente do artigo 125.º do CPP, que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei. ---
«A consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma “capitis diminutio” só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do coarguido.
Esta credibilidade, como adiante precisaremos, só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
(…) A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais coarguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal (…).
(…) É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do coarguido porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas.
(…) Entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação» Cf. o acórdão do Supremo Tribunal de 03.09.2008, Processo n.º 08P2044, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, in www.dsgi.pt/jstj. ---. ---
No caso vertente. ---
Como já se deixou dito, a imputação do delito de lenocínio decorre das declarações de dois co-arguidos: quer o arguido Pedro M..., quer a arguida Maria E... fizeram ver em julgamento que o recorrente José P... era, digamos, o dono do negócio relativo ao apurado lenocínio. ---
A forma clara, objectiva e coerente em si e entre si como o disseram, e o facto de inexistir entre eles qualquer relação de proximidade, confere-lhes absoluta credibilidade ao assim declarado. ---
De certa forma, as declarações dos arguidos Pedro M... e Maria E... estão reciprocamente corroboradas. ---
Objectivamente mostra-se, pois, demonstrada a verosimilhança da incriminação. ---
Do ponto de vista subjectivo, não se vislumbram motivos espúrios para descredibilizar tais declarações dos arguidos Pedro M... e Maria E... uma vez conjugados estes: se a responsabilidade penal do arguido José P... pode mitigar a do arguido Pedro M..., na medida em que este se assume como mero empregado daquele, o mesmo não sucede quanto à responsabilidade penal da arguida Maria E..., por absolutamente inócua a esta a imputação juspenal dos factos em causa ao arguido José P..., o que confere a certeza de uma tal imputação dos arguidos Pedro M... e Maria E.... ---
Trazer à colação alegadas afirmações esparsas de três testemunhas, Rubélia R..., Vera N... e Sónia D..., no sentido de terem sido contratadas pelo arguido Pedro M... para o lenocínio em causa, é algo que se revela inteiramente inócuo, pois, daí não decorre por si que o recorrente José P... não tivesse intervenção em tal negócio, sendo que o próprio arguido Pedro M... assumiu em julgamento ter contratado mulheres para laborar no Bar em causa. ---
Nestes termos, têm-se por processualmente pertinentes as declarações dos arguidos Pedro M... e Maria E... no que respeita à apurada responsabilidade penal do recorrente José P.... ---
Em virtude do exposto, conclui-se ora que os elementos probatórios indicados na decisão recorrida permitem a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal recorrido, não impondo decisão diversa da proferida por aquele. ---
Não têm, pois, razão os recorrentes na matéria ora em causa. ---

*
Em consequência do exposto, tem-se a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido por definitivamente fixada. ---
5. Da justeza das penas aplicadas aos recorrentes. ---
Ora, nessa sede importa ter presente o disposto nos artigos 40.º Com a epígrafe de "finalidades das penas (...)", aquele preceito legal dispõe que "1. A aplicação de penas (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". --- e 71.º O qual preceitua que “1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta de ser censurada através da aplicação da pena”. --- do Código Penal. ---
Tais disposições legais conferem ao intérprete e ao aplicador do direito critérios gerais, mais ou menos seguros e normativamente estabilizados, para efeito de medida da reacção criminal, sendo que o preceituado sob o número 2 do indicado artigo 40.º constitui inegavelmente um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito penal é estruturado com base na culpa do agente, constituindo a medida da culpa uma condicionante da medida da pena de forma a que esta não deve ultrapassar aquela. ----
A pena serve finalidades de prevenção geral e especial, sendo delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa. ---
«Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida». ---
Mas «em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa», o que «não vai buscar o seu fundamento axiológico, (...), a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. (…) A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» Cf. Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 55, 56 e 57. ---. ---
“(...) 1) toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais” Cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, edição de 2004, página 81. ---. ---
“A medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente (...). Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente” Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Penas, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano XII, n.º 2 (Abril/Junho de 2002). ---. ---
Dito de outro modo, as penas são fixadas em função da culpa e da prevenção geral e especial. ---
Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa - e constituindo esta limite máximo da pena. ---
Através da prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos. ---
Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente em ordem a uma sua integração digna no meio social Cf. neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2009, Processo n.º 726/00.9SPLSB.S1 – 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 29.10.2009, Processo n.º 1595/02.0TBVNFG.S1 – 5.ª, relatado pelo Senhor Conselheiro Manuel Braz, 10.02.2010, Processo n.º 217/09.2JELSB.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 11.02.2010, Processo n.º 23/09.4GCLLE.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, e 28.04.2010, Processo n.º 1103/05.0PBOER.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Fernando Fróis, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosde acórdãos/secção criminal. ---. ---
No caso vertente. ---
Os recorrentes põem em causa as penas que lhes foram aplicadas. ---
Ora, o crime de lenocínio cometido pelos recorrentes é punível com a pena de 6 (seis) meses a 5 (cinco) anos de prisão Com igual pena é sancionado o crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. ---. ---
O crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 275.°, n.ºs 1 e 3 do Código Penal95, na redacção da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, e por referência ao artigo 3.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, cometido pelo recorrente Pedro M... é punível com a pena de 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão ou a pena de 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias de multa Conforme decorre do artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, em qualquer das suas redacções, à luz de tal normativo, o crime em causa é punido com pena mais severa, pelo que, atento o disposto no artigo 2.º, n.º s 1 e 4, 1.ª parte, do Código Penal não importa ao caso chamar à colação em sede de medida da pena a referida Lei n.º 5/2006. ---. ---
Finalmente, o crime de usurpação, previsto e punido pelos artigos 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, por referência aos artigos 24.º e 68.º, alíneas e) e j), todos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, é punível com a pena de prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos de prisão e a pena de 150 (cento e cinquenta) a 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa. ---
Em sede de escolha da pena quanto ao crime de detenção de arma proibida, o Tribunal recorrido optou pela pena de multa. ---
Considerando a factualidade apurada, conclui-se que: ---
· As necessidades de prevenção geral e a culpa dos recorrentes são muito significativas. ---
É notório o grau de desvalor da respectiva conduta, como o é também o da sua culpa. ---
Os recorrentes agiram de forma conjunta, com dolo directo, num claro propósito de obter vantagem patrimonial a partir da prática da prostituição por outrem, actividade essa que fomentaram, favoreceram e facilitaram, numa estrutura tipo empresarial, que perdurou alguns meses, assumindo o arguido José P... o papel de dono do negócio e o arguido Pedro M... o de seu colaborador, o que revela uma maior ilicitude e culpa por parte daquele frente a este. ---
Os arguidos não assumiram os factos, procurando desresponsabilizar-se quanto aos mesmos e assacando a responsabilidade deles ao outro. ---
À data dos factos o arguido José F... tinha 38 anos de idade e o arguido Pedro M... 22 anos. ---
Desconhecem-se os concretos proventos do negócio para cada um dos arguidos, sendo que já decorreram cerca de 6 (seis) anos sobre os factos. -
A consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida, reclamam na situação sub judice uma pena expressiva. ---
· As necessidades de prevenção especial são medianas quanto ao recorrente José P... e inferiores àquelas no que respeita ao arguido Pedro M.... ---
Aquele último arguido é primário e mostra-se socialmente integrado. ---
O recorrente José P... tem antecedentes criminais; nomeadamente apurou-se que por decisão de 25.05.2004, pela prática de um crime de lenocínio, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. Exerce, contudo, uma actividade profissional e vive com o cônjuge e filhos. ---
Tudo ponderado, vistos os factos segundo as considerações precedentes, entendem-se adequadas as penas unitárias aplicada aos recorrentes pelo Tribunal recorrido. ---
*
No que respeita ao montante diário da multa aplicada ao recorrente Pedro M.... ---
Os factos ocorreram em 2005. ---
Então, o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal estabelecia que «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais». ---
Embora aqueles quantitativos sejam ora outros, mercê das alterações decorrentes da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, devem tais quantitativos serem aqui atendidos, por força do princípio da legalidade, sob a forma da não aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo desfavorável ao arguido – cf. artigos 29.º, n.ºs 3 e 4 Segundo o qual, «3. Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior. 4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido». --, da Constituição da República Portuguesa e 2.º, n.ºs 1 e 4 Na parte que aqui releva, dispõem que «1 - As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem. 4 - Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente (…)». ---, do Código Penal. ---
Nestes termos, mal andou a decisão recorrida quando partiu do pressuposto que in casu o regime vigente à data dos factos era o mesmo que o actualmente vigente. ---
Considerando a indicada dosimetria de multa diária aplicável e a factualidade apurada pertinente na matéria Apurou-se que o arguido Pedro M... «trabalha para uma empresa de segurança privada», «é solteiro», «não tem filhos», «vive com os pais, reformados, que auxilia nas despesas domésticas». -, entende-se que a taxa diária de multa deve ser fixada no caso sub judice em € 4,00 (quatro euros), o que significa que o arguido Pedro M..., quanto ao crime de detenção de arma proibida vai condenado na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz o montante global de € 400,00 (quatrocentos euros), e no que respeita ao crime de usurpação vai condenado na pena de 3 (três) meses de prisão e na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, o que perfaz a multa global de € 720,00 (setecentos e oitenta euros). ---
*
Quanto à condição a que ficou sujeita a pena única aplicada ao arguido José F.... ---
Segundo o disposto artigo 51.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente. ---
No caso em apreço o arguido José F... agiu com intenção lucrativa, fomentando, favorecendo e facilitando a prática do comércio do sexo. ---
O arguido não é primário em tal ilícito criminal, tendo sido condenado pelo mesmo ilícito criminal cerca de um ano antes dos factos ora em causa. ---
Neste contexto, para que a violação do bem jurídico protegido pela criminalização do lenocínio seja minimamente reparada e fique claro que o crime não compensa, a condição fixada in casu pelo Tribunal recorrido afigura-se pertinente. ---
Levando em conta a apurada situação sócio-económica do arguido Apurou-se que o mesmo «trabalha na construção civil», «é casado», «a esposa trabalha numa confecção», «tem 2 filhos a cargo, com 14 e 13 anos, estudantes» e «não tem encargos com a habitação». ---, afigura-se ajustada a condição de que o Tribunal recorrido fez depender a suspensão de execução da pena de prisão.
*
Relativamente à pena única aplicada ao recorrente Pedro M.... ---
Em sede de cúmulo em si, interessa trazer à colação, desde logo, o disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal Segundo tal preceito “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, sendo que “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. --. ---
Naquele normativo consagra-se o chamado sistema da pena conjunta, obtido através de cúmulo jurídico inspirado essencialmente no princípio da cumulação. ---
Esse sistema radica num triplo procedimento. ---
Em primeiro lugar, deve determinar-se a pena concreta de cada um dos crimes em concurso. ---
Depois, estabelece-se a moldura penal do concurso, constituindo o respectivo limite inferior a mais elevada das penas concretas integrantes do mesmo concurso e o seu limite superior a soma de todas as penas concretamente aplicadas, não podendo exceder 25 (vinte e cinco) anos de prisão. ---
Finalmente, determina-se a pena conjunta do concurso, em função das exigências gerais de prevenção e da culpa, sempre considerando os factos e a personalidade do agente. ---
Como escreve Figueiredo Dias, “tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica”. ---
“Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a um tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou, tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” Cf. Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, edição Notícias Editorial, 1993, páginas 291 e 292. ---. ---
Na situação em apreço, determinada que está a pena concreta de cada um dos crimes em concurso, temos que: ---

Data dos factos
Factos
Crime cometido
Pena
2005
Fomento, favorecimento e facilitação da prostituição com intenção lucrativa
Lenocínio
[170.º, n.º 1, CP95]
1 A e 3 M de prisão
2005
Detenção e reprodução de CD’s piratas de música
Usurpação
[195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, do CDADC]
3 M de prisão e
180 dias de multa
2005
Detenção de um bastão extensível
Detenção de arma proibida
[275.º, n.ºs 1 e 3, CP95]
100 dias de multa

Ou seja, no caso a moldura penal abstracta em sede de cúmulo jurídico de penas vai de 1 (um) ano e 3 (três) meses a 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e de 180 (cento e oitenta) a 280 (duzentos e oitenta) dias de multa. ---
O grau de desvalor das condutas do arguido é grande. ---
Ele cometeu múltiplos crimes, sempre com dolo directo, atentando contra bens jurídicos de diversa natureza. ---
Como se deixou dito, as necessidades de prevenção geral são muito significativas e as necessidades de prevenção especial são abaixo das medianas. ---
A pluralidade delituosa parece não radicar na sua personalidade. ---
Tudo ponderado. ---
Entende-se que a pena única de prisão e multa que lhe foi aplicada pelo Tribunal recorrido, situada na metade inferior da pena abstracta correspondente ao cúmulo em causa, não deve ser de todo em todo alterada, sem prejuízo do novo quantitativo diário de € 4,00 (quatro) euros de multa, nos termos supra aludidos. --
V.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, ---
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido José P..., confirmando-se integralmente a decisão recorrida quanto a tal arguido. ---
2. Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido Pedro M... e, em consequência, condena-se o mesmo ---
2.1. Como co-autor material de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 170º, n.º 1, do Código Penal1995, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; ---
2.2. Como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 275.°, n.ºs 1 e 3 do Código Penal1995, na redacção da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, e por referência ao artigo 3.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17.04, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 4,00 (quatro euros); ---
2.3. Como autor material de um crime de usurpação, previsto e punido pelo artigo 195.º, n.º 1, por referência aos artigos 24.º e 68.º, alíneas e) e j), todos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, nas penas de 3 (três) meses de prisão e 180 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 (quatro euros); ---
2.4. Em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, que se suspende por igual período de tempo, e de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 4 € (quatro euros), o que perfaz a multa total de € 880,00 (oitocentos e oitenta euros), mantendo-se no mais a decisão recorrida. ---
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC para cada um. ---
Notifique. ---
Guimarães, 16 de Maio de 2011