Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
9056/15.0T8VNF-E.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: INSOLVÊNCIA
REQUISITOS
CRITÉRIOS LEGAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Em situação de insolvência está, de um modo geral, todo o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas.

2- As pessoas coletivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo.

3- Todavia, este não é um critério excludente do primeiro. É apenas um critério alternativo.

4- Assim, para estas entidades continua a vigorar também o critério geral primeiramente enunciado; ou seja, o critério do fluxo de caixa, de acordo com o qual o devedor entra em situação de insolvência quando está impossibilitado de honrar atempadamente os seus compromissos financeiros, por falta de liquidez.

5- Como tal, não é porque uma pessoa coletiva ou um património autónomo, dos já referenciados, tem um ativo superior ao passivo que não está em situação de insolvência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

1- Maria, requereu a insolvência de, Construções X & Filhos, Ldª, alegando, em breve resumo, que, no exercício da sua profissão de Advogada, prestou a esta sociedade comercial diversos serviços que enumera e pelos quais lhe é devida, a título de honorários, a quantia de 85.598,46€.

Sucede que, não obstante ter interpelado a Requerida para saldar esta divida, a mesma não o fez. Tal como não tem pago, de resto, as demais dividas que tem para com outros fornecedores, trabalhadores, instituições de crédito e ao Estado. Aliás, a sua atividade está substancialmente reduzida, só mantendo dois trabalhadores ao seu serviço, num cenário de escasso rendimento. A tal ponto que, desde o ano de 2013, se encontra com capitais próprios negativos, não sendo o seu património suficiente para satisfazer todos os seus compromissos financeiros. A isto acresce ainda o facto de, no último ano, não ter depositado as suas contas.

Por tais motivos, sinteticamente expostos, pede a insolvência da Requerida.

2- Contra esta pretensão, manifestou-se a Requerida, considerando, para além da ineptidão da petição inicial, que também não deve a quantia reclamada pela Requerente, nem se verificam os pressupostos para que seja decretada a sua insolvência.
Concluiu, assim, pedindo a improcedência desta ação e a condenação da Requerente como litigante de má-fé.
3- Designada data para a audiência de julgamento, foi nesta fixado o valor da causa, proferido o despacho saneador, no qual se julgou improcedente a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial, e foi ainda, na mesma altura, fixado o objeto do litígio e os temas de prova.
4- Terminada a instrução e alegações orais, foi proferida sentença que declarou a insolvência da Requerida e determinou as demais consequências e procedimentos legalmente previstos.
5- Inconformada com esta decisão, dela recorre a Requerida, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- A Recorrente não pode concordar com a douta sentença recorrida por entender que nela se fez uma incorrecta apreciação da prova e uma incorrecta aplicação do direito.
II-Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, atenta a prova produzida em audiência de julgamen­to e as regras da experiência comum, julgou incorretamente os pontos 10), 11) quando refere “relativamente aos serviços referidos em 10)” e 12) matéria de facto dada como provada na sentença ora recorrida.
III- A Recorrente tem a mais profunda convicção de que o Tribunal a quo, face à prova carrea­da e produzida nos autos, decidiu incorrecta e injustamente, afrontando de forma manifesta e grave as regras de experiência e do senso comum, e que os Venerandos Desembargadores, com a sua maior experiência, após analisarem os elementos probatórios existentes nos autos já men­cionados, irão concluir pelo desacerto da decisão recorrida, a qual é contraditória, inclusive com a matéria de facto dada como provada.
IV- Atenta a prova produzida na audiência de julgamento, nomeadamente, a prova documen­tal, junta com a oposição à Insolvência bem como através do depoimento de parte do sócio ge­rente da Recorrente, José e do depoimento da testemunha A. M., o Tribunal a quo deveria ter dado como não provados os factos constantes dos pontos 10) e 12) e apenas parcialmente provado o facto constante do ponto 11) da matéria de facto dada como provada.
V- Para enquadramento da situação em apreço nos autos é importante salientar que a Recorrida e a testemunha A. M. foram amigas pessoais de longa data, pelo que, no seguimento e por conta dessa amizade existente entre ambas, a testemunha A. M., enquanto sócia da Recorrente, sempre que a referida sociedade possuía algum assunto jurídico para resolver, a mesma contactava a Recorrida
VI- A Recorrida sempre foi afiançando que, devido à amizade existente, os honorários que iria cobrar à Recorrente seriam simbólicos e que seriam pagos quando a Recorrente recebesse a in­demnização de cerca de 50.000,00 euros que estava a ser peticionada no processo nº 474/12.7T­BAMR que correu termos no Comarca de Braga.
VII- Assim, quando, quer o gerente da Recorrente José, quer a testemunha A. M., questionados, concretamente, sobre a existência de qualquer divida à Recorrida, os mesmos de forma isenta e credível, confirmaram que não tinham conhecimento da divida porque a mesma nunca lhes fora transmitida pela Recorrida.
VIII- A Recorrente apenas tomou conhecimento dos valores que a Recorrida lhe exige a título de honorários por eventuais serviços prestados quando começa a ser notificada de inúmeras in­junções e declarações de insolvência intentadas contra a Recorrente e todos os seus sócios.
IX- O sócio gerente da Recorrente José, (depoimento gravado através do sistema de gravação H@bilus Media Studio, com a duração de 27 minutos e 54 segundos, das 10:46:02 às 11:13:57, por referência à acta de julgamento do dia 04/07/2017) , quando questionado sobre tais factos respondeu o seguinte:

(...) Juíza: Olhe, Mas visto de outra forma, porque é que ainda hoje deve tanto dinheiro, por exemplo à Sra. Dra., e a outras pessoas?
Testemunha: Eu gostava de saber quanto é que eu lhe devo, porque nós sempre lhe pe­díamos isso e ela nunca disse. Ela sempre disse, vocês vão pagar depois da situação da Y, que era uma firma que havia, que ela dizia que ia ganhar essa questão.
X- A Testemunha A. M., (depoimento gravado através do sistema de gravação H@bilus Media Studio, com a duração de 39 minutos e 45 segundos, das 11:40:51 às 12:20:37 por referência à acta de julgamento do dia 04/07/2017) , quando questionada sobre tais factos respondeu o seguinte:

( ... )
Adv: Mas havia um relacionamento estreito ...
Testemunha: Exatamente ...
Adv: E não houve esse contacto, deve-me “x”, pague-me no prazo de “y”?
Testemunha: Aí o meu espanto Sra. Drª, fiquei muito surpreendida porque a Drª Maria era minha amiga, fazia-se no fundo, nós tínhamos uma ligação e pronto ... nós tínhamos uma empresa de Construção que estava na altura a atravessar uma fase menos boa eu desabafei com a Drª Maria, os processos que estavam a decorrer e a situação em que estava a passar a empresa, e depois ela pronto disse: aparece no escritório, vamos ver as situações e prontificou-se na altura a prestar os serviços de advogada, prontos...
Juíza: Mediante um preço não é?
Testemunha: Sra. Drª era isso que eu ia dizer.
Juíza: A Sra. Quando vai ao supermercado também paga, não é?
Testemunha: Prontos, exatamente, e eu na altura fui perguntando conforme os proces­sos iam desenrolando e sempre me foi dito, Sra. Drª, que não te preocupes porque de­vido à nossa amizade o preço iria ser uma coisa simbólica, devido à nossa ligação, e eu disse oh Maria, Drª Maria, vai dando os valores para não ser tudo de uma vez e entretanto acontece um processo que era da *** em Amares, uma empresa que fazia parte, que era um franchising da K - Mediação Imobiliária ... e sempre me foi garantido com toda a certeza do mundo que esse pro­cesso iria ser ganho, então era com a vinda desse dinheiro desse processo que sempre disse que recebia e eu disse oh Maria mas vai dar muitos valores e ela disse não te preocupes, o processo de Amares vem uma quantia e tu aí fazemos as contas, ela pode dizer se era assim ou não as nossas conversas, sempre lhe disse para fazer contas, nunca, até ao momento que em Junho surge o problema da insolvência da empresa que depois foi portanto foi decretada e depois houve um acordo e saímos da insolvência e nessa data eu sempre ... e nesse mês de Junho eu mandei “N” de mensagens para ela a pedir-lhe por favor liga-me, responde-me, manda-me uma mensagem devido à nossa amizade, respeita a nossa amizade, sempre lhe pedi para me responder, ia lá ao escritório dela punha-me à porta, não estava, não atendia os telefones, a funcionária dizia a Drª não está, nunca me transmitiu, nunca me devolver uma chamada, sempre quis sentar-me à mesa com ela para ver os va­lores, nunca me disse quanto devia, nunca me disse A. M. é “x” deste processo, é “x” deste ou é “x” daquele, única e simplesmente no momento em que a empresa mais pre­cisou desprezou-me, desprezou-nos, a todos. O que é que atuou? Atuou em Setembro, Outubro depois da desistência, mandou as cartas ao Tribunal, o Tribunal informou-nos que não ia ser mais nossa advogada para arranjarmos outro advogado. A partir daí começam a disparar injunções para toda a gente, é sócios, é à empresa, claro nós surpreendidos... e depois toda a gente então A. M. é tão tua amiga não te diz nada e depois aparece com injunções, afinal o que é isto? O que é que acontece? Claro nós vamos contestar a injunção... como não me atendia o telefone a mim, não atendia o telefone ao meu pai, fui para lá para o escritório não me atendia, sempre desprezou, disse ao meu pai que se viesse ele para o Tribunal que ela que não vinha, houve aqui uma série de recusas do trabalho dela em relação à nossa ...
Juíza: Isso não é relevante!
Testemunha: Sra. Drª mas podia me ter dito quanto devia e nunca me disse, eu nunca soube, só sei com as injunções ...
Juíza: A Srª está aqui não para contar todos os pormenores mas aquilo que é relevante ...
Testemunha: Sra. Ora. mas é só para que se entenda que eu hoje só sei da divida ... (. . .)
XI - A Recorrente apenas tomou conhecimento da “suposta” existência de uma qualquer dívida á Recorrida quando esta, inexplicavelmente, renuncia ás procurações outorgadas a seu favor por aquela e começa a intentar inúmeras injunções e pedidos de declaração de insolvência contra a Recorrente e todos os seus sócios, facto que é corroborado pelo Tribunal a quo, na douta sen­tença ora recorrida, quando no ponto a) da matéria de facto dada como não provada, foi dado como não provado que: “A requerida e os seus sócios foram interpelados para proceder ao pagamento dos honorários e despesas acima referidos (artigos 14° e 15° da P.I.)
XI- A Recorrida não logrou provar que prestou á Recorrida os serviços em cujo valor sus­tenta a existência do seu crédito.
XII- A Recorrente impugnou e não aceitou a(s) nota(s) de honorários e despesas juntas com a P.I.( a fls 13°-28), impugnou a existência e a prestação dos serviços invocados pela Re­corria e em momento algum confessou ou sequer reconheceu a existência e a prestação de tais serviços.
XIII - O Tribunal a quo firmou e fundamentou a sua convicção de que a Recorrida havia prestado serviços à Recorrente, na existência do Laudo da Ordem dos Advogados.
XIV- A existência de um Laudo emitido pela Ordem dos Advogados não prova e atesta a prestação de determinados serviços pela Recorrida, sendo um mero meio de prova equivalente á prova pericial que serve, quanto muito, “de base” para a fixação do cálculo de eventuais hono­rários.
XV-Competia á Recorrida, em sede de audiência de discussão e julgamento, provara existên­cia e realização dos serviços/ trabalhos que alega ter prestado á Recorrente bem como o paga­mento das despesas que invoca, o que não fez.
XVI- O Tribunal a quo, erradamente, atribuiu ao Laudo da Ordem dos Advogados uma força probatória que o mesmo não possui.
XVII- Sendo a matéria da prestação de serviços e trabalhos pela Recorrida á Recorrente, matéria controvertida, e não tendo aquela logrado provar a sua realização/prestação, o Tribu­nal a quo não deveria ter dado como provada a existência do crédito da Recorrida face à Recor­rente, por inexistência de prova nesse sentido.
XVIII- Atenta a prova produzida em sede de audiência de Julgamento, o Tribunal a quo de­veria ter dado como não provado que: “A Requerente prestou os serviços descritos no ponto 3 (fls 2887 VO a 2893) do Laudo de Honorários emitido pela Ordem dos Advogados, junto fls 2887 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (artigo 6° e r da p.i.)” - Ponto 10) da Matéria de Facto dada como provada, e “Na execução dos referidos serviços, a Re­querente suportou as despesas, nomeadamente, pagamento de taxas de justiça, que constam das notas de honorários juntas com a petição inicial como documentos n° 2 a 33, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no total de €559,70€ ( artigo 11 ° da PI.). - Ponto 12) da Matéria de Facto dada como provada. Deveria ainda o Tribunal a quo, no ponto 11) da matéria de facto dada como provado ter dado como provado o seguinte: “A Ordem dos Advogados emitiu pa­recer no sentido de conceder laudo favorável relativamente aos “supostos” serviços referidos em 10) se o seu valor fosse de € 38.130,00 acrescido de IVA á taxa legal.” Sublinhado nosso.
XIX- As questões a decidir nos presentes autos, como bem elencou o Tribunal a quo na sentença ora recorrida, são essencialmente duas:

c) Se Recorrida é credora da Recorrente;
d) Se a Recorrente se encontra em situação /estado de insolvência.
XX- O Tribunal a quo decidiu, salvo o devido respeito, erradamente ao considerar que estes dois pressupostos se encontravam preenchidos e verificados no caso concreto.
XXI- Salvo o devido respeito por opinião diversa, para que um “suposto” credor tenha le­gitimidade para requerer a declaração de insolvência de um seu devedor, o mesmo tem que for­çosa e obrigatoriamente, provar a existência desse crédito. A recorrida, atentos os motivos já supra expostos, não logrou fazê-lo.
XXII- A Recorrente foi absolvida da instância no processo de injunção intentado pela Re­corrida por o Tribunal ter entendido que a injunção não era o meio processual adequado, pelo que inexiste qualquer sentença judicial que ateste a existência do crédito alegado pela Re­corrida.
XXIII- O crédito invocado pela Recorrida funda-se em notas de honorários elaboradas por aquela e nunca antes notificadas á Recorrente.
XXIV- A Recorrente sempre recusou e impugnou as notas de honorários juntas pela Re­corrida, assim como impugnou os serviços alegadamente prestados por aquela e os quais sus­tentam e fundam a existência das referidas notas de honorários.
XXV- A existência nos autos do Laudo da Ordem dos Advogados não prova a exis­tência e a prestação dos serviços invocados pela Recorrida para sustentar a existência do seu crédito, a qual é matéria controvertida.
XXVI- A Recorrida deveria ter intentado acção de honorários através da qual a mesma peti­cionaria o valor dos mesmos e só em caso de procedência dessa acção é que estaríamos perante a existência de um crédito seu sobre a Recorrente. A Recorrida não intentou a acção em causa nem logrou provar, nos presentes autos, a existência e a prática dos serviços por si invocados e alegados. Não tendo provado a prestação dos serviços invocados, a mesma não logrou provar qualquer crédito sobre a Recorrente.
XXVII- A Recorrida não provou assim que é credora da Recorrente, pelo que não se veri­fica no caso concreto, o primeiro dos pressupostos para a instauração dos presentes autos pela Recorrida e consequentemente para a declaração de insolvência da Recorrente.
XXVIII- O Tribunal a quo fundamenta a decisão de declaração de insolvência da Recorrente no facto de entender que a mesma não possui solvabilidade, ou seja, que se encontra impossi­bilitado de fazer face às suas obrigações e proceder ao pagamento das quantias em dívida uma vez que, não obstante possui um vasto património imobiliário a mesma não tem conseguido vendê-lo, o que não corresponde á realidade.
XXIX- A Recorrente é dona e legitima proprietária de 27 imóveis, cujo valor patrimonial ascende a 538.172,94€. Ver pontos 8) e 33) da matéria de facto dada como provada.
XXX- Resulta do conhecimento geral e das regras de experiência comum que o valor de mercado dos imóveis é superior ao seu valor patrimonial, pelo que o valor de mercado do património da Recorrentes ascende, pelo menos, a 616.885,71 euros.
XXXI- Se contabilizarmos o valor das dividas da Recorrente, e1encadas e dadas como provadas no ponto 32) da matéria de facto dada como provada apuramos a quantia de 302.938,47€ (no caso de se considerar que o “suposto” crédito da Recorrida ascende ao valor por esta peticionado no montante de 85.598,46€), o montante de 255.470,01€ (no caso de se considerar que o “suposto” crédito da Recorrida ascende ao valor de 38. 130,00€) e o montante de 217.340,01€ ( se não for considerado o “suposto” crédito da Recorrida.
XXXII- Com excepção do “suposto” crédito á Recorrida, a Recorrente tem celebrado acor­dos de pagamento prestacionais com todos os seus credores supra indicados, os quais estão a ser cumpridos.
XXXIII- O Activo da Recorrente é, assim, muito superior aos seu eventual passivo, pelo que todos os débitos da Recorrente se encontram garantidos.
XXXIV- Não obstante tal facto, ao invés de intentar a competente acção de honorários para reconhecimento do seu suposto crédito e em caso de procedência da mesma, intentar a executi­va com consequente penhora de bens e venda judicial dos mesmos, a Recorrida recorre de imediato aos presentes autos, os quais devem ser uma última instância, o que evidencia que o verdadeiro propósito da Recorrida foi sempre a declaração de insolvência da Recorrente e nunca a cobrança do seu crédito.
XXXV- Nos termos do disposto no artigo 3.°, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recupera­ção de Empresas “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impos­sibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”
XXXVI- A Recorrente não se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigacões. É certo que a mesma tem tido dificuldade em fazê-lo porque pura e simplesmente não pretende vender o seu património ao “desbarato”.
XXXVII- Fundamentar que uma empresa de construção civil, como a Recorrente, não tem sol­vabilidade financeira porque não está a conseguir vender os imóveis de que é proprietária, além de injustificado, consiste na abertura de possibilidade e justificação da declaração de insolvên­cia de quase todas as empresas de construção civil do país, pelo menos as de menor dimensão, o que é inadmissível.
XXXVIII- A Recorrente certamente se, não se importasse com a sua continuidade futura, con­seguiria vender a totalidade do seu património, num curto espaço de tempo, pelo valor de, pelo menos, 430,538,36€, correspondente valor para venda imediata (com redução em cerca de 20% do VPT), quantia essa suficiente para pagamento de todos os seus débitos. Contudo, está a, todo o custo, a evitar fazê-lo, pois acredita que a crise na construção civil está a terminar e que a mesma conseguirá vender o seu património por um melhor preço.
XXXIX- Mais acresce que o Tribunal a quo deu como provado que um próprio Administra­dor de Insolvência nomeado num processo de insolvência anterior, no qual a própria Recorri­da, representando a Recorrente, defendeu a solvabilidade da mesma (exactamente o oposto do que aqui defende agora na qualidade de eventual credora) concluiu que a Recorrente não se encontrava numa situação de Insolvência, pois o seu activo é substancialmente superior ao seu passivo. Ver ponto 34) da matéria de facto dada como provada.
XL- Em face do exposto, o Tribunal a quo deveria ter julgado improcedente o pedido de decla­ração de insolvência dos Recorrentes peticionado pela Recorrida, pelo que não tendo decido nesse sentido, fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 3º do CIRE bem como, uma errada aplicação das regras que experiencia comum que devem pautar as decisões judiciais.
XLI- A douta sentença recorrida violou, além do mais, os artigos 1º e 30 da CIRE e os artigos 6400 e 6620 do Cód. Processo Civil”.

Pede, assim, a revogação da sentença recorrida e a improcedência do pedido para a declaração da sua insolvência.
6- Não consta que tivesse havido resposta.
7- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
*
II- Mérito do recurso

1- Definição do seu objecto.

Inexistindo no caso em apreço questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações da Recorrente, é constituído por duas questões fundamentais:

a) Em primeiro lugar, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pela Apelante; e,
b) Depois, decidir se a mesma se encontra em situação de insolvência.
*
2- Fundamentação

A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1) A Requerente é advogada na comarca de Barcelos, fazendo da advocacia profissão habitual e onerosa;
2) A Requerida é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil e obras públicas e compra e venda de propriedades, tem o capital social de 1.000.000€, como sócios José, M. J., A. M., Nuno, O. F. e M. T. e como gerente o sócio José;
3) Nos últimos 3 anos, a Requerida conferiu à Requerente, em procuração bastante, os poderes necessários para representar a mesma no âmbito dos seguintes processos judiciais:

3.1-Proc. n° 237/15.8TBBCL
Tribunal Judicial da Comarca de Braga 2º Juízo Cível (extinto)
Exequente/Oponente: Miguel
3.2- Proc. n° 474/12.7TBAMR
Comarca de Braga
1ª Secção Cível - J 3
Réus: Y - Mediação Imobiliária, Ldª
Partes: F.- Companhia de Seguros, SA.
3.3- Proc. n° 958/07.9TBBCL - A e B
Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos 1º Juízo Cível (extinto)
Exequente: Joaquim
3.4- Proc. n° 80/15.4TBAMR
Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Amares
Réus: J. P.
J. V.
Carlos
António
R. M.
3.5-Proc. n° 342/14.8TBBRG
Tribunal Judicial da Comarca de Braga Instância Central – 1ª Secção Trabalho - JI
Autores: Paula
3.6-Proc. n° 3417/14.0T8VNF
Comarca de Braga
3ª Secção de Processo
Exequente: Alberto
3.7-Proc. n° 3477/15.6T8VNF
Comarca de Braga
2ª Secção de Comércio - J4
Requerente: Condomínio PA
3.8- Proc. n° 2989/10.2TBBCL
Comarca de Braga
Barcelos - Instância Local Cível - J 3 Ré: Maria Alice Gomes Fernandes Costa
3.9- Proc. n° 3735/14.7T8VNF
Comarca de Braga
2ª Secção de execução - J 2
Exequente: A. G.
3.10- Proc. n° 2623/12.6TBBCL
Comarca de Braga
2ª Secção de execução - J 3 Exequente: Banco M
3.11-Proc. n° 438/11.8TBAMR
Comarca de Braga
2ª Secção de execução
Exequente: Condomínio do Prédio PA
3.12- Proc. n° 387/14.8T8VNF
Comarca de Braga
2a Secção do Comércio - J 4
Requerente: M. A.
3.13- Proc. n° 3651/14.2T8VNF
Comarca de Braga
Vila Nova de Famalicão
Instância Central - 2a Secção Execução - Jl
Exequente; Condomínio do Prédio RF
3.14-Proc. n° 2145/12.5TBBCL
Tribunal Judicial da Comarca de Braga 1 ° Juízo Cível (extinto)
Requerente: N. - Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª
3.15- Proc. n° 1891/11.5TBBCL
Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos Exequente: Condomínio de Edificio X
3.16- Proc. n° 237/15.8T9BCL
Comarca de Braga - Barcelos
Participado: Miguel
4) No dia 29 de Setembro de 2015, a Requerente renunciou a todas as procurações que lhe foram outorgadas pela ora Requerida;
5) No exercício de 2014, a Requerida alienou alguns bens do seu ativo;
6) No âmbito das ações intentadas contra a Requerida foram penhorados diversos imóveis da mesma;
7) A Requerida é titular de bens imóveis livres de ónus e encargos;
8) Encontra-se registada a favor da Requerida, nas competentes Conservatórias do Registo Predial, a aquisição dos seguintes bens imóveis:

8.1- Fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a comércio sita na freguesia da ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 911, com o valor patrimonial de 39.146,51€;
8.2- Fração autónoma designada pela letra “D”, destinada a comércio sita na freguesia da ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 911º, com o valor patrimonial e de mercado de 42.558,80€;
8.3- Fração autónoma designada pela letra “E”, destinada a comércio sita na freguesia da ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 911, com o valor patrimonial e de mercado de 39.978,52€;
8.4- Fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a comércio sita na freguesia da ..., Amares, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1582º, com o valor patrimonial de 36.441,90€;
8.5- Fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a comércio sita na freguesia da ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1582º, com o valor patrimonial de 28.957,20€;
8.6- Fração autónoma designada pela letra “C” destinada a comércio sita na freguesia da ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1582º, com o valor patrimonial de 15.899,88€;
8.7- Fração autónoma designada pela letra “L”, destinada a comércio sita na freguesia da ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1582º, com o valor patrimonial de 27.627,95€;
8.8- Fração autónoma designada pela letra “M”, destinada a comércio sita na freguesia da ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1582º, com o valor patrimonial de 27.627,95€;
8.9- Fração autónoma designada pela letra “P”, destinada a comércio sita na freguesia de ..., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 517, com o valor patrimonial de 25.597,08;
8.10- Fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a arrumos sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° ... e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 1.952,98€;
8.11- Fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a arrumos sita na freguesia de …, Barcelos, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 2.370,00€;
8.12- Fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a garagem sita na freguesia de …, Barcelos, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 2.860,00€;
8.13- Fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a garagem sita na freguesia de …, Barcelos, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 4.070,00€;
8.14- Fração autónoma designada pela letra “I”, destinada a garagem sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 3.850,00€;
8.15- Fração autónoma designada pela letra “L”, destinada a arrumos sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 1.730,00€;
8.16- Fração autónoma designada pela letra “M”, destinada a arrumos sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 800,00€;
8.17- Fração autónoma designada pela letra “N”, destinada a comércio sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial e de mercado de 20.388,65€;
8.18- Fração autónoma designada pela letra “O”, destinada a comércio sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 11890, com o valor patrimonial de 25.562,50€;
8.19- Fração autónoma designada pela letra “P”, destinada a comércio sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1189º, com o valor patrimonial de 44.131,10€;
8.20- Fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a comércio sita na freguesia da …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 801º, com o valor patrimonial de 37.495,08€;
8.21- Fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a comércio sita na freguesia da …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 801º, com o valor patrimonial de 37.495,08€;
8.22- Fração autónoma designada pela letra “F”, destinada a garagem sita na freguesia …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz urbana sob o artigo 919º, com o valor patrimonial de 10.960,00€;
8.23- Fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada a habitação sita na freguesia de …., descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … - A e inscrita na matriz urbana sob o artigo 3665º, com o valor patrimonial de 52.776,98€;
8.24- Prédio rústico sito em …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1087 e inscrito na matriz com o artigo 617º, com o valor patrimonial de 49,02€;
8.25- Prédio rústico sito em …, freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 551 e inscrito na matriz com o artigo 734º, com o valor patrimonial de 237,13€;
8.26- Prédio rústico sito em …, freguesia …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 178 e inscrito na matriz com o artigo 710º, com o valor patrimonial de 30,73€;
8.27- Fração autónoma designada pela letra “L”, destinada a estacionamento coberto, na cave, com a área bruta de 40,35 m2, de prédio em regime de propriedade horizontal, sita na freguesia de …, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n° … e inscrita na matriz com o art.º …, com o valor patrimonial de 7.577,90 €;
9) A Requerida e os seus sócios (que são ou foram parte nos Proc.s n° 3477/15.6 T8VNF e 2623/12.6TBBCL que corre termos nesta Comarca), não procederam, até à presente data, ao pagamento dos honorários e despesas relativos aos serviços referidos;
10) A Requerente prestou os serviços descritos no ponto 3 (fls. 2887 Vº a 2893) do Laudo de Honorários emitido pela Ordem dos Advogados, junto a fls. 2887 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
11) A Ordem dos Advogados emitiu parecer no sentido de conceder laudo favorável relativamente aos serviços referidos em 10) se o seu valor fosse de 38.130,00€, acrescido de IVA à taxa legal;
12) Na execução dos referidos serviços, a Requerente suportou as despesas, nomeadamente pagamento de taxas de justiça, que constam das notas de honorários juntas com a petição inicial como documentos n.ºs 2 a 33, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no total de 559,70€;
13) Pelo motivo referido em 9), a Requerente deu entrada junto do Balcão Nacional de Injunções dos competentes requerimentos de injunção;
14) Nos últimos anos, a situação económica e financeira da Requerida agravou-se;
15) A funcionária Paula fez cessar o respetivo contrato de trabalho por falta de pagamento das retribuições que lhes eram devidas;
16) Os trabalhadores Paula e Manuel recorreram à via judicial para obterem o pagamento das quantias que lhes eram devidas;
17) A Requerida há já alguns anos que não paga as quotas de condomínio das frações de que é titular, situação que tem levado alguns desses condomínios a lançar mão de ações judiciais com vista a obter a satisfação dos seus créditos;
18) A Requerida é atualmente devedora à Segurança Social da quantia de 7.911,66€ e à Autoridade Tributária da quantia de 14.901,96€, que penhorou alguns dos seus bens por incumprimento das obrigações fiscais;
19) A Requerida é também devedora das instituições de crédito junto das quais contraiu empréstimos para a construção de prédios urbanos, facto que levou o Banco M e o Banco B a instaurarem as competentes ações executivas;
20) O ano de 2013 foi o último em que a Requerida depositou as suas contas;
21) De acordo com o IES de 2013, a ora Requerida havia recebido 67.000,00€ de adiantamento de clientes, mas era devedora aos fornecedores da quantia de 167.643,43€, tinha remunerações em débito aos trabalhadores no montante de 50.348,42€, devia, no final daquele exercício, 7.226,13€, ao Estado, apresentava suprimentos no valor de 503.795,40€ e os juros devidos a instituições financeiras ascendia ao quantitativo de 132.476,57€;
22) De acordo com o IES de 2013, a Requerida tinha, no final do referido exercício, um passivo de 1.299.722,61€, ou seja, capitais próprios negativos, situação que se verifica até aos dias de hoje;
23) No âmbito do processo n° 2623/12.6TBBCL, a correr termos na Comarca de Braga - Instância Central de Vila Nova de Famalicão – 2ª Secção de Execuções - J2, foi requerido pelo exequente Banco M a adjudicação dos bens descritos em 8.1 a 8.3 pelos valores de 38.000,00€, 43.000,00€ e 39.300,00€, respetivamente, sendo que tais valores (que perfazem o total de 120.300,00€) são insuficientes para assegurar o pagamento da quantia ainda devida pela Requerida àquela instituição bancária, a qual em Outubro de 2014 era de 167.662,41€, acrescida dos juros devidos a partir de 14/01/2013;
24) Na data em que a presente ação foi instaurada, contra a Requerida pendiam as seguintes ações judiciais:

24.1- Proc. n° 517/15.2T8VNF
Comarca de Braga
2ª Secção de execução - J2
Exequente: Condomínio do Prédio V., Valor: 2.076,80€
24.2- Proc. n° 342/14.8T8BRG
Comarca de Braga
1ª Secção do Trabalho - J2
Autora: Paula Valor: 23.534,10€
24.3- Proc. n° 3735/14.7T8VNF
Comarca de Braga
2ª Secção de Execução - J2
Exequente: A. G.
24.4-Proc. n° 3651/14.2T8VNF
Comarca de Braga
2ª Secção de Execução -n
Exequente: Condomínio do Prédio F., n° 18 Valor: 30 001,00€.
24.5- Proc. n° 3417114.0T8VNF
Comarca de Braga
2ª Secção de Execução - J2
Exequente: Alberto Valor: 12.485,00€
24.6- Proc. n° 2623/12.6TBBCL
Comarca de Braga
2ª Secção de Execução - J2
Exequente: Banco P, SA Valor: 688.769,10€.
25) As 5 lojas na Vila de Amares de que a Requerida é proprietária encontram-se oneradas com uma hipoteca ao Banco C, SA;
26) A Requerida já encerrou há mais de 1 ano o seu estabelecimento comercial em ..., Amares;
27) Atualmente a Requerida não tem qualquer trabalhador ao seu serviço;
28) A Requerida tem hoje unicamente como fonte de rendimento as rendas de duas frações sitas em …, no valor líquido de 300,00€ cada;
29) A Requerida não depositou as suas contas relativas aos anos de 2014 e seguintes;
30) A Requerida foi declarada insolvente no âmbito de um outro processo judicial;
31) Contudo, tendo a mesma deduzido embargos à insolvência, as partes no referido pleito lograram chegar a um entendimento que pôs termo ao referido litígio;
32) Além das referidas em 9), 18), 23), 24.1) e 24.2), a Requerida tem ainda as seguintes dívidas:
32.1- 21.979,95€, ao Banco F;
32.2- 89.909,00€, à Banco C;
32.3- 29.486,17€, ao Condomínio do prédio PA;
32.4- 27.540,37€, a A. G.;
33) O valor patrimonial dos imóveis pertencentes à Requerida ascendem a 538.172,94€;
34) O Administrador de Insolvência nomeado no processo n° 3477/15.6T8VNF, que correu termos na Comarca de Braga - Instância Central de Vila Nova de Famalicão, 2ª Secção de Comércio refere, no parecer por ele apresentado, que tudo indica que a sociedade insolvente não se encontra numa situação de falência técnica já que o ativo da sociedade é superior ao seu passivo (...) Facilmente se conclui que o ativo da sociedade (539.810,49€) é superior ao seu passivo (359.843,40€) em mais de 170.000,00€;
35) Nos últimos anos, o sector da construção civil foi alvo de uma forte crise criada quer pela conjuntura económica de Portugal quer pela conjuntura económica mundial;
36) Devido à crise económica e à maior dificuldade do acesso e concessão de crédito para construção e aquisição de imóveis, a Requerida deparou-se com uma maior dificuldade em vender os imóveis que constrói e dos quais é proprietária;
37) A atividade da Requerida, nos últimos tempos, não passa pela construção de imóveis, mas apenas pela sua venda;
38) A Requerida celebrou acordos com a Autoridade Tributária e Aduaneira e com a Segurança Social para pagamento das suas dívidas, sendo que o celebrado com esta não está a ser cumprido.
*
B- Na mesma sentença não se julgaram provados os factos seguintes:

a) A Requerida e os seus sócios foram interpelados para proceder ao pagamento dos honorários e despesas acima referidos;
b) Nos últimos anos mercê de conjuntura financeira e de graves erros de gestão dos recursos patrimoniais e financeiros da Requerida, esta viu-se obrigada a fazer cessar os contratos de trabalho com os Trabalhadores ao seu serviço;
c) Com exceção do engenheiro por si contratado, A. S., que fez cessar o respetivo contrato de trabalho por falta de pagamento das retribuições que lhe eram devidas;
d) O trabalhador A. S. não recebeu da Requerida as quantias que lhe são devidas;
e) O trabalhador D. F. apenas recebeu parte do seu crédito, não obstante ter acordado o seu pagamento em prestações;
f) O produto da venda referida em 5) destinou-se a pagar, parte do crédito reclamado pelo Banco M no âmbito do processo judicial movido por aquele instituição financeira contra a Requerida e seus sócios;
g) Os imóveis referidos em 8) situam-se em prédios construídos há mais de 10, outros até 20 anos, e sem qualquer tipo de manutenção;
h) Têm reduzido valor de mercado e sem qualquer tipo de procura;
i) As 5 lojas de que a Requerida é proprietária na Vila de Amares situam-se num prédio construído há mais de 10 anos cujo acesso é feito ou através das garagens ou por um carreiro pedonal;
j) Razão pela qual, até à data, a Requerida apenas logrou vender uma das referidas lojas;
k) Sendo certo que, a referida venda apenas se concretizou porque a Requerida abateu ao preço a quantia por si devida ao comprador;
I) E limitou-se a colocar fotografias dos seus imóveis que tem para venda numa das suas lojas sitas em Areias, Barcelos;
m) Espaço comercial esse que nem sequer está aberto ao público;
n) O valor das rendas de duas frações sitas em … tem sido desviado pelo sócio gerente da referida empresa para gastos pessoais;
o) Em virtude da falta de cumprimento das obrigações tributárias, inclusive, dos planos prestacionas de pagamento das quantias devidas pela Requerida à Autoridade Tributária, a Requerida está impossibilitada de alienar o seu património a terceiros;
p) O sócio-gerente da mesma tem acumulado um vasto património, adquirido à custa dos rendimentos resultantes da atividade desenvolvida pela Requerida;
q) O valor de mercado dos referidos imóveis ascendem a 616.885,71€;
r) A situação descrita em 27) foi propositadamente pensada e decidida pela Requerida uma vez que desta forma diminuía substancialmente os encargos mensais que possuía, já que a sua atividade, nos últimos tempos, não passa pela construção de imóveis, mas apenas pela sua venda;
s) A Requerida tem negociado com todos os seus credores o pagamento prestacional dos seus débitos;
t) A Requerida tem logrado conseguir celebrar acordos de pagamento prestacional das suas dívidas, os quais estão a ser cumpridos;
u) A Requerida, num espaço temporal de um ano, pagou ainda aos seus credores Banco C e Banco M cerca de 1.000.000,00€;
v) No que concerne ainda ao débito ao Banco M, está a ser negociado o seu pagamento em 40 prestações;
w) No dia 03.04.2016 deu entrada nova execução contra a Requerida movida pelo Condomínio Edifício 1. O. F. no valor de 3170,00€. - Proc. n° 2299/16.1 T8VNF- 2ª Secção de Execução-J2 (requerimento da Requerente de 19/08/2016).
*
C- Apreciação dos fundamentos do recurso

1- Da pretendida modificação da matéria de facto

Estão em causa as afirmações contidas nos pontos 10, 11 e 12 do capítulo dos Factos Provados.

Nesses pontos, afirma-se o seguinte:

Ponto 10: “A Requerente prestou os serviços descritos no ponto 3 (fls. 2887 vº a 2893) do Laudo de Honorários emitido pela Ordem dos Advogados, junto fls. 2887 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”.

Ponto 11- “A Ordem dos Advogados emitiu pa­recer no sentido de conceder laudo favorável relativamente aos serviços referidos em 10) se o seu valor fosse de 38.130,00€ acrescido de IVA á taxa legal”.

Ponto 12- “Na execução dos referidos serviços, a Re­querente suportou as despesas, nomeadamente, pagamento de taxas de justiça, que constam das notas de honorários juntas com a petição inicial como documentos n° 2 a 33, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no total de 559,70€”.

Pretende a Apelante que os pontos 10 e 12 sejam julgados não provados. E, quanto ao ponto 12, lhe seja acrescentado que se tratou de serviços supostamente prestados e não de serviços reais.
Isto, porque, no fundo, não há prova da prestação de tais serviços ou da realização de tais despesas nos autos, além de que o respetivo custo nunca lhe foi dado a conhecer, como, a seu ver, atestam os depoimentos do seu gerente, José e da sua sócia, A. M..
Pois bem, se atentarmos no teor das afirmações em apreço, facilmente constatamos que nelas não está em causa qualquer interpelação. Essa, de resto, foi julgada não provada [al. a) dos Factos não Provados]. O que está em causa é a prestação de serviços e a realização de despesas pela Requerente, que a instância recorrida julgou verificados com base na documentação junta aos autos.
Ora, a Apelante não alude sequer a essa documentação neste seu recurso, sendo certo que uma grande parte é constituída, como se refere na sentença de recorrida, por “cópias das peças processuais atinentes aos processos em que a Requerente representou a Requerida”.

Não há forma, assim, de, com base no teor dos depoimentos já referenciados, julgar não provada quer a prestação de tais serviços, quer a realização das ditas despesas. Até porque foi reconhecido por aqueles depoentes que a Apelada prestou diversos serviços para a Apelante, enquanto Advogada, e que com ela não chegaram a ser feitas contas, por alegadamente a mesma nunca as ter apresentado. Mas, não é este último aspeto que está em causa nos pontos de facto em análise. O que está em causa, repetimos é a prestação de serviços e a realização de despesas, que a instância recorrida julgou demonstrados com base na documentação junta aos autos, sem que venha impugnada neste recurso essa documentação, à qual nem sequer é feita qualquer menção, para este efeito.

Note-se que não estamos a falar do laudo da Ordem dos Advogados. Esse laudo, de facto, não prova a prestação de tais serviços ou a realização de despesas. Mas, como referiu a instância recorrida, há, por exemplo, cópias de peças processuais atinentes a processos em que a Apelada representou a Apelante e essa documentação não vem questionada neste recurso.

Daí que não se veja qualquer erro de julgamento na factualidade impugnada, que, por isso mesmo, manterá o seu teor e destino probatório inalterados.

Passemos ao ponto seguinte.

2- Determinar se a Apelante se encontra em situação de insolvência.

Na sentença recorrida entendeu-se que sim. Mas, a Apelante não o reconhece. Alega que é detentora de um vasto património, que tem um valor superior ao seu passivo e, por isso, embora tenha dificuldade em obter liquidez (por não querer desfazer-se daquele património ao desbarato), não se encontra, ainda assim, em estado de insolvência.
Ora, como veremos, não é só o critério do balanço ou do ativo patrimonial, que parece estar por detrás desta defesa da Apelante, que é seguido pela lei portuguesa para definir a situação de insolvência.
Em situação de insolvência está, de um modo geral, todo o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas (artigo 3.º, n.º 1, do CIRE).
As pessoas coletivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo (n.º 2 do mesmo artigo 3.º).
Todavia, este não é um critério excludente do primeiro. É apenas um critério alternativo (1).

Assim, para estas entidades continua a vigorar também o critério geral que começámos por enunciar; ou seja, o critério do fluxo de caixa. De acordo com ele, o devedor entra em situação de insolvência quando está impossibilitado de honrar atempadamente os seus compromissos financeiros, por falta de liquidez (2). Não qualquer compromisso financeiro, obviamente, nem mesmo todos eles momentaneamente, mas aqueles que, pelo seu significado, no conjunto do passivo ou pelas circunstâncias do incumprimento, evidenciam a incapacidade do devedor para continuar a respeitar as suas obrigações (3).

Recorde-se, para melhor enquadramento, que “a tutela do tráfego jurídico passa predominantemente pela reação ao incumprimento das obrigações do devedor que é aquilo que lhe causa dano e o põe em crise” (4) e, portanto, sempre que há indicadores sérios da existência e subsistência desse incumprimento, a lei prevê mecanismos para o debelar, inclusive por via do processo insolvencial. Não apenas em benefício dos credores, nem do devedor, mas também em benefício do interesse público, relacionado com o crédito, que é vital para aquele tráfego (5).

Não é, pois, porque uma pessoa coletiva ou um património autónomo, dos já referenciados, tem um ativo superior ao passivo que não está em situação de insolvência. Pode estar ou não estar. Depende, no fundo, da sua capacidade para honrar, atempadamente, as suas obrigações financeiras, nos termos já aflorados; e essa mede-se, essencialmente, como vimos, pela sua capacidade para gerar liquidez. Seja pelo exercício da sua atividade, seja através do recurso ao crédito. Esta é uma orientação pacífica na doutrina e jurisprudência (6).

Ora, se levarmos em linha de conta este critério, facilmente concluímos que a Apelante nem tem liquidez relevante, em face dos seus compromissos já assumidos, nem tem conseguido gerar essa liquidez por outros meios, de modo a terminar com a situação de incumprimento generalizado das suas obrigações, em que se encontra.

Senão vejamos:

Embora tenha como escopo societário a construção civil e obras públicas, bem como a compra e venda de propriedades, neste momento a Apelante só exerce esta última atividade. E, ainda assim, sem se saber muito bem como.

Efetivamente, como se apurou, não tem qualquer trabalhador ao seu serviço, fechou o estabelecimento que tinha em ..., Amares, há mais de um ano, e não há notícia de que tenha vendido qualquer imóvel que não lhe pertença, como intermediária. Pelo contrário, no ano de 2014, alienou alguns bens, mas do seu ativo.

A Apelante – provou-se – tem hoje unicamente como fonte de rendimento as rendas de duas frações autónomas, no valor líquido de 300,00€, cada.

Por outro lado, devido à crise económica mundial, nacional e setorial, a Apelante tem tido maior dificuldade em vender os seus imóveis.

Incapaz de geral liquidez suficiente por estas vias, para honrar os seus compromissos financeiros, a Apelante também se depara com diversas agressões ao seu património desencadeadas pelos seus credores, o maior dos quais pertence ao setor bancário (o BANCO M, com um crédito que, em outubro de 2014, ascendia, sem juros, a 167.662,41€).
Ainda perante outras entidades deste setor, a Apelante tem débitos relevantes: ao Banco B, 21.979,95€, e à Banco C, 89.909,00€.

Assim, nesse âmbito, tem um passivo assinalável, algum do qual já em fase de cobrança coerciva, o que, naturalmente, condiciona substancialmente a sua possibilidade de recurso a novos créditos.

Mas, a Apelante não tem só este passivo. Além do crédito reconhecido na sentença recorrida à Requerente, no valor total de 47.449,60€ (46.889,90€ de honorários e IVA + 559,70€ de despesas), a Apelante tem ainda dívidas para com uma sua trabalhadora, Paula (23.534,10€), o Condomínio do Prédio V. (2.076,80€), o Condomínio do prédio PA (29.486,17€) e A. G. (27.540,37€). Isto para além das dívidas à Administração Fiscal (14.901,96€) e à Segurança Social (7.911,66).
Ora, para fazer face a estes compromissos, a Apelante tem unicamente ao seu dispor, como vimos, o valor das rendas que recebe mensalmente (600,00€) e o seu património, que está avaliado, para efeitos fiscais, 538.172,94€.

Sucede que nem este património está totalmente desonerado, nem a Apelante tem conseguido aliená-lo a tempo de honrar a generalidade dos seus compromissos financeiros, nos prazos estabelecidos.

Pelo contrário, a sua situação financeira cada vez mais se tem degradado, ao ponto de, por exemplo, desde o ano de 2013, se manter ininterruptamente com capitais próprios negativos.
E é perante este cenário que nos devemos interrogar sobre se a situação de insolvência da Apelante deve, ou não, ser declarada.
Ora, como já demos a entender, a nossa resposta a esta questão é afirmativa.

Com efeito, tendo presente tudo o que foi dito, bem como a relação entre o seu rendimento líquido e o seu passivo, é possível concluir que a Apelante nem tem cumprido a generalidade das suas obrigações, nem se prevê que as venha a cumprir a curto prazo, de modo a evitar maior lesão para o interesse dos seus credores e do tráfego jurídico.
Daí que tais circunstâncias permitam confirmar a sua situação de insolvência (artigo 20.º, n.º 1, als. a) e b), do CIRE).
Mas, não só. A Apelante também não depositou as suas contas relativas ao ano de 2014 e seguintes, como a tal estava obrigada, o que aponta no mesmo sentido (artigo 20.º, n.º 1, al. h), do CIRE).

Por conseguinte, a conclusão retirada na sentença recorrida, no sentido de que a Apelante se encontra em situação de insolvência, nenhuma censura merece. Pelo contrário, por ter apoio legal e factual é de confirmar, assim improcedendo o presente recurso.
*
III – DECISÃO

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
*
- Porque decaiu na sua pretensão, as custas deste recurso serão suportadas pela Apelante – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.



1. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2013, 5ª edição, Almedina, pág. 75.
2. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ob cit., pág. 73.
3. Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código de Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Edição atualizada, Quid Juris, pág. 85.
4. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob cit., pág. 88.
5. É em razão da prossecução deste interesse que Nuno Manuel Pinto Oliveira, defende que o processo de insolvência não é um processo de execução universal (Direito da Insolvência e tendencial universalidade do Direito Privado, IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, pág.77).
6. Na doutrina, por exemplo, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2013, 5ª edição, Almedina, pág.23. E, na jurisprudência, por exemplo também, Ac. RLx de 30/06/2011, Processo n.º 524/11.4TJLSB-A.L1-6, Ac. RC de 28/01/2014, Processo n.º 419/13.7TBPBL-A.C1 e Ac. RC de 06/12/2016, Processo n.º 1414/15.7T8ACB-D.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.