Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
868/04.1TBVCT.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
REGISTO PREDIAL
DECLARAÇÃO
NULIDADE
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Numa acção de reivindicação, como a presente, o pedido de declaração de nulidade do registo existente a favor dos réus sobre determinado imóvel, só assume relevância num quadro de procedência do pedido de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade e de se absterem da prática de actos lesivos desse direito.
II – Não enferma assim de nulidade, por omissão de pronúncia, a sentença que julgando improcedente o pedido de condenação dos réus não aprecia o pedido de declaração de nulidade daquele registo, atento o carácter de dependência entre ambos os pedidos.
III – Existindo a favor dos réus uma presunção da titularidade sobre o imóvel em discussão, presunção essa que, porque meramente relativa ou juris tantum, cabia aos autores, ora recorrentes, ilidir a mesma, invocando, nomeadamente, a prescrição aquisitiva (usucapião); não tendo sido feita essa elisão, há que presumir os réus como titulares do direito inscrito (inversão do ónus da prova - art. 344º, nº 1, do CC).
IV – Sendo a presente acção de reivindicação e não de simples apreciação, não tem aqui cabimento a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2008, de 4 de Dezembro de 2007, publicado no DR. I.ª série, de 31.03.2008.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
MC e mulher MM intentaram a presente acção declarativa, com processo sumário, contra AS e Outros, pedindo que, na procedência da acção:
a) se declare que os Autores são únicos donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico, composto por bouça de mato e pinheiros, sito no lugar de Roques, freguesia de Mujães, deste concelho e comarca de Viana do Castelo, a confrontar do Norte com João, do Sul e Nascente com caminho público e do Poente com Júlio, com a área de 4 774 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 1… e descrito na Conservatória do registo Predial de Viana do castelo sob o n.º 005… de Mujães;
b) se condene os Réus a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre a totalidade do prédio inscrita na matriz predial rústica da freguesia de Mujães sob o artigo 1… e a absterem-se de praticar quaisquer actos que ofendam tal direito;
c) se declare nulo o registo, em comum e sem determinação de parte ou direito, efectuado a favor dos Réus, através da inscrição G -1, do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Mujães sob o artigo 1… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 005….
Para tanto alegaram, em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1439º, sendo que 39/100 desse prédio adveio-lhes por sucessão aberta por óbito de António e Maria. Para além desta aquisição derivada de parte do referido prédio, sempre os AA, por si e antecessores, estão na posse pública, contínua, pacífica e de boa-fé, de todo o referido prédio, há mais de 1, 10, 15 e 20 anos, praticando sobre o mesmo actos na convicção de quem exerce um direito próprio e correspondente ao direito de propriedade, sucedendo que os réus procederam ao registo a seu favor, em comum e sem determinação de parte e de direito, de sessenta e nove de cem partes indivisas do mesmo prédio, não obstante saberem que os próprios e os seus antecessores (pais) nunca foram donos nem legítimos possuidores, a qualquer título de qualquer quota-parte desse prédio, além de conhecerem que o prédio sempre foi possuído pelos autores e seus antecessores, sem oposição de quem quer que fosse.
Contestou apenas a ré Maria, que aceitou desde logo ser a autora mulher dona e possuidora de 39 de cem partes indivisas do referido prédio rústico, pelo que somente 61 de cem partes indivisas pertencem aos proprietários que daquele registo constam, em vez das 69 de cem partes, impugnando o demais alegado pelos autores, contrapondo que estes têm conhecimento de que os réus são proprietários de 61 de cem partes do referido prédio rústico, propriedade que lhes adveio por falecimento do pai da ré contestante, José, como resulta do documento nº 7 junto com a petição inicial, pelo que existindo registo do título de propriedade pela ré contestante e restantes proprietários, a usucapião só opera 10 anos desde a data do registo, o que não sucede no caso em apreço.
Concluiu no sentido da improcedência da acção relativamente a 61 de cem partes indivisas do prédio identificado no art. 1º da petição inicial.
Foi proferido despacho saneador tabelar, dispensando-se a selecção da matéria de facto por se ter considerado que a mesma revestia simplicidade.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto controvertida decidida nos termos constantes da sentença (cfr. fls. 497 a 506).
Nesta, julgou-se a acção improcedente, considerando-se apenas os autores donos e legítimos possuidores de trinta e nove de cem partes do prédio em discussão nos autos.
Inconformados com o sentenciado, interpuseram os autores o presente recurso de apelação, cuja motivação culminaram com as conclusões que a seguir se transcrevem:
1ª – Os Apelantes conformam-se com a douta sentença na parte em que se julgou que a prova produzida nos autos não foi suficiente para fundamentar e atestar, com a segurança exigível, a aquisição originária (fundada na usucapião) a seu favor sobre a totalidade (isto é, para além proporção de 39 de 100 partes de que são titulares) do prédio descrito em 1.1. dos factos provados.
2ª – O presente recurso circunscreve-se, por isso, à parte da douta sentença que não se pronunciou sobre o pedido formulado pelos Apelantes no sentido de ser declarada a nulidade do registo efectuado a favor dos Réus, em comum e sem determinação de parte ou direito, de 61 de 100 partes do prédio.
3ª – O facto de os Apelantes se conformarem com a decisão de improcedência relativamente à aquisição originária, pela via da usucapião, da totalidade do prédio rústico objecto dos autos para além da proporção de 39 de 100 partes de que são titulares, não lhes retira legitimidade nem interesse atendível em ver declarada, em sede de recurso, a invocada nulidade do registo das restantes 61 de 100 partes efectuado a favor dos RR.
4ª – Sendo o registo efectuado pelos RR. nulo, os AA. mantêm um interesse sério e atendível na apreciação do pedido de declaração de nulidade desse registo que não foi feita pela 1ª instância, face à sua qualidade de comproprietários do prédio em questão e atentas as especificidades e decorrências do regime legal da compropriedade, pelo que lhes deve ser reconhecido interesse em agir e legitimidade para recorrer da decisão proferida nos autos.
5ª – A douta sentença enferma da nulidade prevista na al. d), do artigo 668.º do Cód. Proc. Civil, decorrente do vício de omissão de pronúncia, em virtude de o tribunal recorrido não se ter pronunciado, como era seu dever, sobre a questão da nulidade do registo dos RR. invocada pelos AA..
6ª – O facto de o tribunal se ter pronunciado pela improcedência da aquisição da totalidade do prédio fundada na usucapião peticionada pelos AA. não o desincumbia de proferir decisão sobre a nulidade do registo efectuado pelos RR., na medida em que a questão da nulidade não está prejudicada nem ficou precludida pela solução dada àquela outra questão (cfr. artigo 660.º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, a contrario).
7ª – Ao contrario do que se entendeu na douta sentença, os RR. não beneficiam da presunção legal derivada do registo, no sentido de que o direito registado existe e lhes pertence, nos termos do art. 7º do C. R. Predial, face à natureza dos títulos que serviram de base ao registo efectuado.
8ª – Os títulos com base nos quais os RR. procederam ao registo a seu favor de sessenta e nove de cem partes do prédio - relação de bens adicional apresentada nos processos de imposto sucessório instaurados por óbito dos pais dos Réus e escrituras de habilitação de herdeiros outorgadas por óbito dos mesmos – revestem natureza meramente administrativa, não passando as declarações neles contidas de meras declarações de fé pessoal dos RR. que apenas têm valor para efeitos de inscrição na Conservatória do Registo Predial.
9ª – Se tais documentos forem impugnados, como sucedeu nos autos, o direito registado passa a ser incerto, deixando de fundamentar a presunção que o artigo 7.º do Código do Registo Predial contém.
10ª – Consequentemente, passa a incumbir aos RR. o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de propriedade de que se arrogaram ao produzirem tais documentos e ao servirem-se deles para efectivar o registo a seu favor.
11ª – O registo efectuado pelos RR., nos moldes em que se processou, é similar ao que se obtém através de escritura de justificação notarial de prédio omisso no registo (situação em que igualmente se encontrava o prédio dos autos), tendente à sua primeira inscrição e ao início do trato sucessivo, nos termos dos artigos 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, e 89.º, n.º 1, do Código do Notariado.
12ª - Impugnada a justificação notarial, passa a recair sobre o justificante o ónus de provar a existência dos factos que serviram de base à referida justificação e que, assim, lhe possibilitaram o acesso a um título bastante para a inscrição do direito a seu favor no registo predial - artigo 343.º do Código Civil.
13ª - A acção movida pelos AA. contra os RR., apesar do seu carácter eminentemente real, incorpora uma vertente de acção de simples apreciação ou declaração negativa, na parte em que se requereu a declaração de nulidade do registo dos RR. com fundamento na falsidade dos títulos que lhe serviram de suporte.
14ª - Pelo que, também por esta via, resulta que competia aos réus o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito de propriedade sobre as 61 de 100 partes do prédio que registaram a seu favor.
15ª - Os RR. não alegaram na contestação quaisquer factos constitutivos do seu direito de propriedade sobre essas partes indivisas do prédio, tendo-se limitado a invocar a informação constante do registo predial e a alegar que a propriedade do prédio lhes adveio por falecimento do pai.
16ª – Os RR. não juntaram aos autos qualquer título válido de onde se possa retirar que o prédio lhes adveio por falecimento do pai, para além da referida relação adicional de bens apresentada por óbito deste que nada prova.
17ª – Os RR. não alegaram nem fizeram qualquer prova de terem praticado actos de posse sobre o prédio.
18ª – Inexistindo qualquer presunção registral de propriedade a favor dos RR. e não tendo estes provado a existência desse direito na sua esfera jurídica, revela-se irrelevante o facto de os AA. não terem logrado provar o seu direito de propriedade sobre as partes indivisas do prédio que se encontram registadas em nome daqueles para ser obtida a anulação do registo.
19ª – Os RR. não dispõem de título válido nem alegaram ou provaram actos de posse que legitimem o registo efectuado, pelo que se impõe a declaração da sua nulidade, nos termos do art. 16° do Código de Registo Predial, e subsequente ordem de cancelamento.
20ª - Foram violadas as normas dos artigos 343º, nº 1, 286° e 289 nº 1 do Código Civil, artigos 16°, al. a) e 17°, nº 1 do Código de Registo Predial e al. d), do artigo 668.º do Cód. Proc. Civil.
Em conformidade com as razões expostas, deve conceder-se provimento ao presente recurso de apelação e, em conformidade:
a) Julgar-se que a douta sentença recorrida é nula, por enfermar de vício de omissão de pronúncia (artigo 668.º, al. d), do Cód. Proc. Civil).
b) Revogar-se parcialmente a douta sentença substituindo-se por outra que, julgando parcialmente procedente a acção, declare a nulidade do registo efectuado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos Réus, através da inscrição G -1, de 61/100 partes do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Mujães sob o artigo 1… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 005… ordenando em consequência o seu cancelamento.»
Os réus contra-alegaram em defesa da sentença recorrida, tendo formulado as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Os A.A. vieram intentar a presente acção contra os R.R. invocando em suma que:
a) Por sucessão haviam adquirido 39/100 do prédio rústico de bouça e mato, sito no lugar de Roques, freguesia de Mujães, do concelho e comarca de Viana de Castelo, com a área de 4.774m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. 1…;
b) Aquele prédio, já antes da sua transmissão para os A.A., tinha estado na sua totalidade na posse pública, pacifica, continua e de boa fé dos antecessores dos A.A., posse esta que os A.A. continuaram depois do falecimento daqueles, razão pela qual o prédio na sua totalidade fora adquirido pelos A.A. por via da usucapião;
c) E pretendendo os A.A. registar aquela propriedade do prédio não o puderam fazer pois os R.R. tinham procedido ao registo da propriedade a seu favor de 69/100 quanto ao prédio em questão;
2. Pediam pois os A.A. na acção que:
a) Fosse declarado que os A.A. eram os únicos possuidores da totalidade do prédio em questão;
b) Que os R.R. fossem condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos A.A. sobre a totalidade do prédio;
c) Fosse declarado nulo o registo efectuado a favor dos R.R. de 69/100 do prédio;
3. Somente a ora alegante contestou a acção, pondo em causa os pressupostos da posse e propriedade invocados pelos A.A. e admitindo ter havido um erro no registo na Conservatória pois os R.R. eram somente proprietários de 61/100 no prédio em questão;
4. Procedendo – se a julgamento veio a ser proferida sentença que concluiu que os A.A. não tinham logrado fazer a prova dos factos consubstanciadores do direito de propriedade sobre a totalidade do prédio (ou seja, os pressupostos da usucapião), para além da reconhecida propriedade de 31/100, tendo de improceder os pedidos formulados;
5. Desta sentença vem interposto o presente recurso pelos A.A., restrito á parte decisória em que não anulou o registo da propriedade de 69/100 do prédio pelos R.R., reconhecendo que os A.A. não tinham feito prova da aquisição da usucapião que invocavam na acção;
6. Invocam os A.A. que têm legitimidade para requerer a declaração de nulidade do registo efectuado pelos R.R. da sua quota – parte do prédio pois têm o direito de saber quem são os compartes do prédio;
7. Reconhece – se que os A.A. como comproprietários que são de parte indivisa do prédio têm o direito de saber quem são os comproprietários do mesmo prédio, mas, no caso dos autos, o conhecimento da compropriedade existe por força da presunção do art. 7º do Código de Registo Predial, já que os R.R. estão registados com essa qualidade e, por essa razão nada obsta ao funcionamento normal da compropriedade;
8. Invocam por outro lado os A.A. que houve omissão de pronuncia pela sentença recorrida, pois o pedido de declaração da nulidade do registo fora por eles formulado autonomamente na acção;
9. Percorrendo os arts. 16º a 20º da petição inicial não se descortina no entanto qualquer pedido autónomo dos A.A. no que toca ao pedido de reconhecimento da posse e aquisição da propriedade pelos próprios;
10. Na verdade, são os próprios A.A. que pedem a anulação do registo efectuado pelos R.R. porque os mesmos bem sabiam que os seus pais nunca haviam sido donos ou possuidores de qualquer quota – parte do terreno e de que o prédio “sempre” fora possuído pelos A.A. e pelos seus antecessores – arts. 18º e 19º da petição inicial;
11. E no art. 22º da mesma petição inicial invocam que pedem a declaração da nulidade do registo porque querem registar o prédio na totalidade a seu favor e não o podem fazer enquanto o registo não for anulado;
12. Ou seja, a causa de pedir referente ao pedido de declaração de nulidade do registo era a da existência da aquisição do prédio por usucapião pelos A.A. e da consequente impossibilidade destes requererem o registo da propriedade da totalidade do prédio, como se achavam com direito;
13. O pedido de declaração da nulidade do registo não era autónomo do pedido do reconhecimento da aquisição da propriedade mas era consequência da procedência de tal pedido;
14. E nunca trouxeram os A.A. à acção a questão de os documentos que serviram de suporte ao registo retratarem uma transmissão que na realidade nunca existira, sendo questão nova que suscitam em sede de recurso e que, por essa razão, não foi apreciada na sentença recorrida e não pode por essa razão ser apreciada em sede de recurso;
15. Não existe pois qualquer omissão de pronuncia mas antes o respeito pela sentença recorrida do principio dispositivo previsto no art. 264º do Código de Processo Civil;
16. Invocam depois os A. A. que os documentos que serviram de suporte ao registo pelos R.R. na Conservatória do Registo Predial eram documentos impugnáveis por se tratarem de alterações a relações de bens e de habilitações de herdeiros, o que fazia inverter o ónus da prova;
17. Não há aqui lugar á aplicação do art. 343º, nº 1, do Código Civil, invocado pelos A.A., pois existe a presunção já referida decorrente do art. 7º do Código de Registo Predial;
18. E, só se os A.A. tivessem logrado fazer prova da usucapião que invocavam se podia suscitar a questão da nulidade do registo em razão da inveracidade dos documentos que lhe serviram de suporte e aí sim suscitar – se – ia a questão de os R. R. terem ou não feito prova que superasse a aquisição originária invocada pelos A.A. – Ver nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2007;
19. E as declarações dos R.R. prestadas em sede de depoimento de parte de nada valem, pois confessadamente as mesmas retrataram uma ignorância total sobre o que se passara com o terreno em causa, tendo delegado o tratamento dessa questão na ora alegante que foi quem tratou de todos os procedimentos relativos ao registo de acordo com as instruções que lhe foram dadas pela Solicitadora que procurara para resolver a questão de a quota – parte dos R.R. não estar documentada adequadamente e registada;
20. E, no depoimento de parte da ora alegante explicou esta como é que aquela quota – parte chegara à propriedade de seus pais, as informações que colhera das pessoas que haviam tido conhecimento da transmissão bem como do terreno concreto de que se tratava;
21. Factos que eram do conhecimento dos A.A., como uma testemunha arrolada pelos A.A. corroborou em audiência quando afirmou que estes lhe haviam dito que só eram proprietários de uma quota – parte do terreno pois a outra parte era de umas pessoas que viviam para os lados de Lisboa;
22. A douta sentença também aqui decidiu correctamente;
23. Deve pois ser negado provimento ao recurso interposto mantendo-se a sentença recorrida, que fez correcta aplicação do direito aos factos dados por provados.»
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, aqui aplicável), consubstancia-se em saber se a sentença é nula e se houve erro de julgamento.
A resposta a esta última questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- natureza da acção;
- ónus da prova.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na CRP de Viana do Castelo com o nº5… Mujães, o prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo 1…º, situado em Roques, freguesia de Mujães, com área de 4.774m2, composto de leira de mato, pinheiros e bicas, confrontando de norte com João, de sul e nascente com caminho público e poente com Júlio.
2. Encontra-se inscrita nesse registo a propriedade/aquisição de 69 de cem partes do referido prédio a favor de AS e Outros, pela Ap. 29 de 1992/08/17, tendo como causa sucessão legítima por óbito de José e mulher.
3. Trinta e nove de cem partes do prédio descrito em 1.1. adveio à titularidade da A. mulher MM por sucessão aberta por óbito de António e Maria, pai e mãe da Autora, falecidos em 28 de Março de 1985 e 3 de Junho de 1985, respectivamente, e de quem a Autora mulher foi única e universal herdeira.
4. Por sua vez, o prédio adveio à posse do referido António por lhe terem sido adjudicadas trinta e nove de cem partes na partilha a que se procedeu por óbito de sua primeira esposa Maria, falecida em 11 de Abril de 1959.
5. Sendo que, aquela Maria havia adquirido a propriedade daquelas partes indivisas por lhe terem sido adjudicadas nos autos de Inventário Orfanológico n.º 39/54, da 1.º secção do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, a que se procedeu por óbito de seu pai Francisco Cândido da Silva.
6. A inscrição no registo referida em 1.2. foi realizada com base numa relação de bens adicional apresentada nos processos de imposto sucessório instaurados por óbito dos pais dos Réus, José e Adelaide, falecidos, respectivamente, em 28 de Julho de 1973 e 16 de Julho de 1978, e, ainda com base em duas escrituras de habilitação outorgadas por óbito dos mesmos.

B) – O DIREITO
Da nulidade da sentença
Entendem os recorrentes que a sentença é nula em virtude do Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a questão da nulidade do registo a favor dos réus, sendo que, segundo eles, a tal não obsta o facto de ter sido julgada improcedente a aquisição da totalidade do prédio fundada na usucapião invocada pelos recorrentes.
A resposta à questão colocada pelos recorrentes está de algum modo relacionada com o alegado “erro de julgamento” suscitada pelos recorrentes, já que contende com própria natureza da presente acção, questão que adiante terá o devido tratamento.
É nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (art. 668º, nº 1, al. d), do CPC).
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 08.02.2011, proc. 824/04.8TBTMR.C1.S1, in www.dgsi.pt. .
Importa, assim, antes de mais, ver os pedidos formulados pelos autores, ora recorrentes, na acção:
«a) declarar-se que os autores são únicos donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico, composto por bouça de mato e pinheiros, sito no lugar de Roques, freguesia de Mujães, deste concelho e comarca de Viana do Castelo, a confrontar do Norte com João, do Sul e Nascente com caminho público e do Poente com Júlio, com a área de 4 774m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 1… e descrito na Conservatória do registo Predial de Viana do castelo sob o n.º 005… de Mujães;
b) condenar-se os réus a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre a totalidade do prédio inscrita na matriz predial rústica da freguesia de Mujães sob o artigo 1… e a absterem-se de praticar quaisquer actos que ofendam tal direito;
c) declarar-se nulo o registo, em comum e sem determinação de parte ou direito, efectuado a favor dos Réus, através da inscrição G -1, do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Mujães sob o artigo 1… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 005….
Vendo o modo como os autores estruturaram a petição inicial e a forma como deduziram os respectivos pedidos, afigura-se claro que o pedido de declaração de nulidade do registo a favor dos réus não assume qualquer autonomia relativamente aos demais pedidos formulados, constituindo mera dependência dos mesmos.
Na presente acção que, como adiante se demonstrará, é uma típica acção de reivindicação, a declaração de nulidade do registo existente a favor dos réus só assume relevo num quadro de procedência do pedido de condenação destes no reconhecimento do direito de propriedade invocado e de se absterem da prática de actos lesivos desse direito.
Não tendo os autores/recorrentes logrado provar a aquisição originária do direito de propriedade a que se arrogavam, com a consequente não condenação dos réus, própria da acção de reivindicação, fica naturalmente prejudicado o conhecimento do pedido de declaração de nulidade do registo, o qual, como se viu, depende funcionalmente do pedido de condenação.
Ademais, não pode considerar-se estarmos perante um pedido subsidiário, pois este, como resulta da parte final do nº 1 do art. 469º do CPC, é o pedido que o autor apresenta ao tribunal para ser tomado em consideração apenas no caso de não proceder um pedido anteriormente formulado a título principal, pelo mesmo autor contra o mesmo réu.
Como refere Lebres de Freitas Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., pág. 259. «[o] autor manifesta preferência pelo pedido formulado em primeiro lugar (pedido principal) e, por isso, é este pedido que, em primeiro lugar, o tribunal vai analisar e ao qual vai dar resposta, só se debruçando sobre o pedido formulado em segundo lugar (pedido subsidiário) se concluir pela improcedência do primeiro».
Não é esta manifestamente a situação dos autos, dada a relação de dependência do pedido de anulação do registo relativamente ao restante pedido dos autores.
Não ocorre, pois, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

Do erro de julgamento (natureza da acção e ónus da prova)
As acções declarativas, como a presente, comportam três tipos de acções: as de condenação, as constitutivas e as de simples apreciação positiva ou negativa.
Como ensinam A. Varela e Outros Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 21., todas as acções declarativas envolvem o reconhecimento da existência ou inexistência de um direito, mas as de condenação, visam ordenar ao réu “a realização da prestação correspondente à sua pretensão”; as constitutivas visam “a produção ope iudicis do efeito jurídico a que o direito tende (constituição de uma nova relação, modificação ou extinção de uma relação preexistente)”; e as de mera apreciação, após o reconhecimento do direito, visam a declaração formal dessa existência ou inexistência do direito”.
Dispõe o art. 1311º, nº 1, do CC, que «o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».
Os autores/recorrentes deduziram contra os réus/recorridos o pedido próprio da acção de reivindicação: pedem a condenação dos réus a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio supra identificado e a absterem-se de praticar quaisquer actos que ofendam tal direito.
O facto dos autores não terem pedido a condenação dos réus a restituírem-lhe o prédio, mas apenas a absterem-se de praticar actos lesivos desse direito, não prejudica esta conclusão, pois este procedimento tem em si mesmo ínsito e na sua natureza uma acção reivindicatória por violação do correspondente direito de propriedade, sendo certo que neste tipo de acções o demandante afirma o seu domínio, tendo de articular factos que o permitam induzir, caracterizados pelo facto jurídico que deu origem ao direito de propriedade cujo reconhecimento pede.
E foi justamente isto que fizeram os autores/recorrentes invocando, por um lado, a aquisição derivada de 39 de 100 partes do prédio em discussão e, por outro lado, a usucapião relativamente a todo o prédio.
De resto, e tal como se considerou, v.g. no acórdão do STJ de 07.07.1999 In CJ/STJ, Tomo II/99, pág. 164., a exigência da prova - a fazer pelo autor em acção de reivindicação – de se haver operado uma aquisição originária do direito de propriedade ou uma ou várias aquisições derivadas que formem uma cadeia ininterrupta a desembocar numa aquisição originária do mesmo direito, «vale também para os casos em que o proprietário se limita a pedir a declaração de que é dono». E - ainda na peugada do mesmo aresto - a conciliação ou «articulação entre esta exigência de prova de uma aquisição originária a fundamentar a existência do direito de propriedade invocado, por um lado, e a força da presunção resultante da inscrição registral da aquisição por outro, faz-se no sentido de que tal inscrição dispensa o seu titular de provar a aquisição originária, bem como a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever».
Impendia, pois, sobre os ora recorrentes a prova da aquisição originária do direito por eles invocado (prova da aquisição originária do invocado direito de propriedade por usucapião). Isto porque, face ao preceituado no art. 350º do CC, uma presunção legal, embora ilidível, dispensa quem dela beneficia de provar o facto a que ela conduz (facto desconhecido).
Ademais, derivando do registo a presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito, e se o mesmo assumir natureza obrigatória, só produz efeitos contra terceiros após a data da respectiva realização (arts. 5º, nº 1 e 7º do Código do Registo Predial).
Ora, o imóvel em apreço encontra-se inscrito no registo predial a favor dos réus, ora recorridos, pelo que existe a favor destes uma presunção da respectiva titularidade, presunção essa que, porque meramente relativa ou juris tantum, sempre poderia ser ilidida por prova em contrário, a cargo dos ora recorrentes, quiçá excepcionando com a invocação da prescrição aquisitiva (usucapião); ilisão essa da presunção da titularidade do direito de propriedade sobre o prédio descrito em 1. dos factos provados supra, atento o assente em 2., que não foi feita, e daí que haja que presumir os réus como titulares do direito de 69 de cem partes do dito prédio rústico (inversão do ónus da prova - art. 344º, nº 1, do CC).
O que tudo vale por dizer - tal como bem se obtempera na sentença recorrida - que caberia aos recorrentes o encargo de demonstrar a verificação, a seu favor, dos pressupostos da aquisição originária do direito de propriedade sobre o mesmo prédio, por banda dos seus progenitores, isto é «dos actos materiais compatíveis com o exercício de tal direito, os respectivos carácter ostensivo e continuidade temporal e a convicção de actuação com verdadeiro animus domini», o que tudo seria essencial, à face do regime legal aplicável (cfr. os arts. 1251º, 1259º, 1260º, 1260º, 1262º, 1263º, a), 1287º, 1296º e 1316º, todos do CC).
Nem se diga que o registo efectuado pelos réus, nos moldes em que se processou (vd. o descrito em 6. dos factos provados supra) pode ser equiparado ao que se obtém através da escritura de justificação notarial de prédio omisso no registo, para depois se concluir, como fazem os recorrentes, pela não verificação da presunção decorrente do art. 7º do CRP (cfr. Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2008, de 4 de Dezembro de 2007, publicado no DR. I.ª série, de 31.03.2008) Trata-se, em bom rigor, de questão nova suscitada pelos recorrentes no presente recurso, pelo que bem podia esta Relação dela não conhecer. Não deixará, porém, de se demonstrar a falta de razão dos recorrentes..
Em primeiro lugar, nada no processo indicia que não hajam sido respeitadas as regras do chamado trato sucessivo nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 9º, 16º al. e) e 34º do CRP, por força da putativa violação do princípio da legitimação (seu principal corolário), sendo que impenderia igualmente sobre os recorrentes o ónus da eventual preterição de tais princípios, igualmente ex vi do art. 342º do CC Cfr. o Ac. do STJ de 13.07.2010, proc. 122/05.1TBPNC.C1.S1, in www.dgsi.pt. .
Em segundo lugar, deixou-se já demonstrado que a presente acção é de reivindicação e não de simples apreciação, pelo que não vale aqui a doutrina proclamada no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
Não foram, pois, violadas as disposições legais invocadas pelos recorrentes, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.

Concluindo:
I – Numa acção de reivindicação, como a presente, o pedido de declaração de nulidade do registo existente a favor dos réus sobre determinado imóvel, só assume relevância num quadro de procedência do pedido de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade e de se absterem da prática de actos lesivos desse direito.
II – Não enferma assim de nulidade, por omissão de pronúncia, a sentença que julgando improcedente o pedido de condenação dos réus não aprecia o pedido de declaração de nulidade daquele registo, atento o carácter de dependência entre ambos os pedidos.
III – Existindo a favor dos réus uma presunção da titularidade sobre o imóvel em discussão, presunção essa que, porque meramente relativa ou juris tantum, cabia aos autores, ora recorrentes, ilidir a mesma, invocando, nomeadamente, a prescrição aquisitiva (usucapião); não tendo sido feita essa elisão, há que presumir os réus como titulares do direito inscrito (inversão do ónus da prova - art. 344º, nº 1, do CC).
IV – Sendo a presente acção de reivindicação e não de simples apreciação, não tem aqui cabimento a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2008, de 4 de Dezembro de 2007, publicado no DR. I.ª série, de 31.03.2008.

IV - DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
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Guimarães, 9 de Fevereiro de 2012

Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Rita Romeira