Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3192/13.5TBBRG-C.G1
Relator: JOSÉ ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: INSOLVÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Faltando, quer a devedora, quer a requerente, atento o disposto no n.º 3 do artigo 35.º do CIRE, deve dar-se prevalência à falta da primeira e, em consequência, serem declarados confessados os factos articulados na petição inicial, extraindo-se as consequências dessa confissão.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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Com data de 12 de Junho de 2013, imediatamente após o início da audiência de julgamento, foi proferido o seguinte despacho: “Do art. 8.º n.º 1 do CIRE decorre que a suspensão da instância no processo de insolvência nos termos do art. 279 n.º 4, não é possível. Assim indefiro a requerida suspensão da instância. Não se encontrando ninguém presente dá-se sem efeito a presente audiência de julgamento e, ao abrigo do disposto no art. 35 n.º 2 do CIRE têm-se por confessados os factos constantes da petição inicial, proferindo-se de imediato sentença ”.
Seguidamente foi proferida sentença que declarou a insolvência da A… S.A.com as consequências legais.
Deste despacho foi interposto recurso pela A…, S.A., que terminou formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da, aliás, douta sentença proferida em 12/06/2013, com a Ref.ª 12108189, que, deu como confessados os factos alegados pela Recorrida na petição inicial e de imediato proferiu sentença declaratória de insolvência da aqui Recorrente.
2. Tendo sido requerida a suspensão da instância, nos termos e para os efeitos do ° n,° 4 do art. 279. do C.P,C., e que fosse dada sem efeito a Audiência do Julgamento agendada, Recorrente e Recorrida não compareceram à referida audiência.
3. No entanto, a Meritíssima Juiz a quo entendeu indeferir a requerida suspensão, ao abrigo do n.° 1 do art. 8.0 do CIRE e, considerando a ausência da Recorrente, julgar os factos articulados na petição inicial como confessados.
4. A Meritíssima Juiz a quo ao aplicar literalmente o preceituado no n.° 1 do art. 8.º do CIRE, não admitindo a suspensão da instância dos processos de insolvência nos termos do n.º 4 do art. 279 do C.P.C., e dando os factos como confessados nos termos do n.º 2. do art. 35.0 do CIRE, violou o n.º 1 do art. 20.º da Constituição, não assegurando a respeito pelas garantias de defesa da Recorrente.
5. Pois que, entre as exigências de celeridade processual contempladas naquele n.º 1 do art. 8,º do CIRE e as da justiça e acerto da decisão, deverá ser ponderado o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e proibição da indefesa, consagrados na C.R.P.
6. Sendo que, um dos direitos consagrados nesta norma é o direito de acesso aos Tribunais, incluindo o direito de defesa e ao contraditório, traduzido na possibilidade de apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar factos alegados em Juízo, em condições que não a desfavoreça relativamente à parte contrária.
7. Pelo que o Tribunal Recorrido, ao decidir da forma qua decidiu cerceou, de forma inadmissível, os direitos de defesa da Recorrente, ao apenas ter em atenção as exigências de celeridade, as quais têm que ser observadas e aplicadas de forma equitativa, de maneira a não se revelarem desproporcionais e violadoras do direito de acesso aos Tribunais.
8. A não comparência a Audiência de Julgamento, no âmbito do processo de insolvência, não constitui presunção inilidível de confissão dos factos, nem a homologação dessa confissão pode assentar unicamente numa tal presunção, qua não tem força nem dignidade bastantes para revelar essa posição.
9. A não comparência por si, quando desacompanhada de quaisquer outros factos ou indícios, não pode ser suficiente para concluir que a Recorrente confessa os factos invocados na petição inicial, tanto mais quando a justificar a ausência estão negociações entre as partes, passíveis de conduzirem á extinção da instância.
10. Neste enquadramento, e face à severidade da solução consagrada no art. 35.° do CIRE, impõe-se uma interpretação que não se limite à sua literalidade, recorrendo, antes pelo contrário aos elementos fundamentais da lealdade, boa confiança e equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, ponderadas quando necessária se mostre interpretar alguma sequência que posse apresentar-se com algum carácter de disfunção intra-processual.
11. Sob pena de ser proferida uma decisão surpresa, sem contraditório e, por conseguinte, violadora do principio da proibição da indefesa, ínsito no princípio geral do acesso ao direito constitucionalmente consagrado no já citado art. 20.° da CPR.
12. E sob pena de ser proferida uma sentença baseada numa confissão de factos materialmente inexistente, sem qualquer correspondência com aquela que seja a vontade real e livremente determinada, não se fazendo a justiça devida, por se assentar numa verdade formal e não numa verdade material.
13. A douta sentença recorrida violou, assim, o n.° 4 do art 279.° do C.P.C, o art. 8.° e 35.° do CIRE, e o princípio do acesso ao direito na sua manifestação de proibição de indefesa, bem como dos princípios ínsitos do Estado de Direito consubstanciados na proibição do excesso ou da proporcionalidade, da cooperação, da adequação e da juridicidade, consignados nos art. 2.° e 20.° da CRP.
Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se quo a mesma seja substituída por outra qua ordene o prosseguimento dos autos e a designação de novo dia e hora para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento.

A apelada não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil.
Das conclusões formuladas pelo recorrente resulta que a questão a dirimir consiste em saber se o despacho que indeferiu a suspensão da instância e declarou confessados os factos constantes da petição inicial, proferindo de imediato a sentença é ilegal e deverá ser substituído por outro que defira á requerida suspensão da instância.

Vejamos.
Factos a considerar (resultantes da certidão constante dos autos):
- Por ambas as partes foi requerida a suspensão da instância em 11/06/2013 (fls. 9, 10 e 11).
- A requerente e a devedora/requerida não compareceram à audiência de discussão e julgamento do dia 12 de Junho de 2013.
- Em 12/06/2013 foi proferido o despacho recorrido e já acima transcrito.

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Decidindo:
A argumentação do recorrente é a seguinte (itálico de nossa autoria):
“A não comparência a Audiência de Julgamento, no âmbito do processo de insolvência, não constitui presunção inilidível de confissão dos factos, nem a homologação dessa confissão pode assentar unicamente numa tal presunção, qua não tem força nem dignidade bastantes para revelar essa posição. A não comparência por si, quando desacompanhada de quaisquer outros factos ou indícios, não pode ser suficiente para concluir que a Recorrente confessa os factos invocados na petição inicial, tanto mais quando a justificar a ausência estão negociações entre as partes, passíveis de conduzirem á extinção da instância. Neste enquadramento, e face à severidade da solução consagrada no art. 35.° do CIRE, impõe-se uma interpretação que não se limite à sua literalidade, recorrendo, antes pelo contrário aos elementos fundamentais da lealdade, boa confiança e equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, ponderadas quando necessária se mostre interpretar alguma sequência que posse apresentar-se com algum carácter de disfunção intra-processual. Sob pena de ser proferida uma decisão surpresa, sem contraditório e, por conseguinte, violadora do principio da proibição da indefesa, ínsito no princípio geral do acesso ao direito constitucionalmente consagrado no já citado art. 20.° da CPR. E sob pena de ser proferida uma sentença baseada numa confissão de factos materialmente inexistente, sem qualquer correspondência com aquela que seja a vontade real e livremente determinada, não se fazendo a justiça devida, por se assentar numa verdade formal e não numa verdade material.
Vejamos se assim é.
Diz o art. 8.º do C.I.R.E que: “A instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, excepto nos casos expressamente previstos neste Código” (e que são os dos art. 4.º, 10.º n.º 1al. b), 98-º, 255.º e 264.º).
Por seu turno diz o art. 35 do C.I.R.E que:
“2 – Não comparecendo o devedor nem um seu representante, têm-se por confessados os factos alegados na petição inicial, se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12º.
3 – Não se verificando a situação prevista no número anterior, a não comparência do requerente, por si ou através de um representante, vale como desistência do pedido”.

E como decidir se faltarem ambas as partes, ou seja, requerente e requerida/devedora?
Em nosso entendimento, faltando, quer a devedora, quer a requerente, atento o disposto no nº 3 do artigo 35º do CIRE, deverá ser dada prevalência à falta da primeira, extraindo-se as consequências dos factos alegados.
Vejamos porquê.
A devedora/requerida deduziu oposição e não foi dispensada a sua comparência.
Se o processo se inicia por apresentação de devedor, não havendo motivo para indeferimento liminar, é logo declarada a insolvência. O mesmo acontece quando, regularmente citado em acção intentada por outro legitimado, o devedor não se opõe.
Nas situações previstas nos referidos números 2 e 3 do artigo 35º, o legislador estabeleceu regras semelhantes às que, até à reforma do processo civil de 1995-1996, eram aplicáveis ao processo sumaríssimo. Nesse sentido, se o devedor tiver sido citado e deduzir oposição, na sua falta ou de um seu representante com poderes especiais para transigir, consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial, devendo ser proferida, de imediato, sentença de declaração de insolvência. Comparecendo o devedor, na falta do requerente ou de um seu representante com poderes especiais para transigir, considera-se que aquele mesmo requerente desiste do pedido, devendo ser proferida, de imediato, sentença homologatória da desistência. Faltando, quer o devedor, quer o requerente, consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial, extraindo-se as consequências dessa confissão.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume I, pág. 184.) as hipóteses imediatamente resolvidas são, sem dúvida, «as de falta, alternativa, do devedor e do requerente, considerada, ainda, quanto àquele, a eventualidade de ter sido dispensado da audiência prévia.
Ora, se não comparece o devedor – e, bem entendido, não há representação suficiente –, esse comportamento omissivo equivale a confissão do pedido. No entanto, a ausência não tem qualquer efeito, como é compreensível e está em plena consonância com o acima exposto, se não foi concedida oportunidade de pronúncia ao devedor. Neste caso, e pressupondo a presença ou representação legítima do requerente, seguir-se-á a realização da audiência de julgamento para apurar a verificação dos fundamentos da acção.
Quando falte apenas o requerente, a lei ficciona a desistência do pedido, sendo então proferida sentença absolutória.
Pode, no entanto, acontecer que faltem, em simultâneo, o devedor e o requerente.
Nesse caso, e em teoria, três soluções seriam possíveis, a saber:
- fazer prevalecer a ausência do requerente e extinguir a acção por desistência;
- conferir primazia à falta do devedor e considerar confessado o pedido, proferindo-se sentença declaratória;
- não atribuir efeitos aos comportamentos faltosos por se anularem um ao outro, fazendo então seguir o processo para a produção de prova, decidindo-se, depois, em conformidade.
Ora, na nossa opinião, pelo modo como se acha formulado o nº 3, atendendo, nomeadamente, à redacção da sua primeira parte, pensamos ser clara a opção da lei no sentido de dar prevalência à falta do devedor, extraindo-se a consequência da confissão dos factos alegados.
Em verdade, na letra da lei, só quando comparece o devedor é que ganha relevo a falta do requerente, que, de outro modo, é desconsiderada». Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume I, pág. 184.
Portanto, não tendo sido dispensada a comparência da devedora/requerida e não tendo comparecido ambos os mandatários, bem andou o tribunal a quo ao declarar confessados os factos articulados pela requerente na petição inicial, e, verificados os pressupostos do artigo 20º, nº 1, do CIRE, proferindo sentença a declarar a insolvência daquela mesma devedora.
Assim, em consonância com o disposto no citado artigo 35º, nº 2 e 3, do CIRE, confirma-se a decisão recorrida.
Improcedem pois, as conclusões das alegações e o recurso.

Sumário:
Faltando, quer a devedora, quer a requerente, atento o disposto no nº 3 do artigo 35º do CIRE, deve dar-se prevalência à falta da primeira e, em consequência, serem declarados confessados os factos articulados na petição inicial, extraindo-se as consequências dessa confissão.


Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

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Guimarães, 26 de Setembro de 2013.
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga