Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
278/08.1TCGMR-B.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Pode ouvir-se como testemunha aquele que, tendo embora sido representante da sociedade parte à data dos factos, deixou entretanto de o ser.
II - Ainda que à data dos factos o indicado a depor como testemunha não tivesse qualquer cargo na empresa, mas tenha entretanto sido nomeado representante da sociedade, não poderá depor como testemunha, podendo apenas depor como parte.
III - Só é admissível o depoimento do comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Manuel… e Francisco…, deduziram acção ordinária contra:
Irmãos… & Ca., Lda., António… e mulher Maria…, pedindo a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia geral de 16/7/2008, e a primeira ré a repor integralmente a situação dos autores, quer em termos laborais quer patrimoniais e os segundos réus solidariamente a desembolsarem os AA de todos os vencimentos que como gerentes da primeira lhes são devidos.
- A acção foi contestada.
- No requerimento de prova dos RR. foi arrolada a testemunha José… , e deu entrada no dia 16 de Junho de 2009.
3 - – O Autor Francisco… desistiu do pedido, no dia 07 de Setembro de 2009; cessou depois as funções de gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, Lda.” e cedeu a sua quota, tudo conforme consta da certidão permanente do registo - Av.1, AP. 6/20091217, e Menção Dep 5759/2009-10-29;
- O José… foi eleito gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, Lda.”, por deliberação do dia 06 de Novembro de 2009, conforme Insc. 5 AP. 7/20091217 da mesma certidão.
- Reaberta a audiência de julgamento a 10/5/2011, iniciou-se a inquirição de José… , o mesmo referiu aos costumes ser filhos dos RR. António… e Maria… e sobrinho do autor.
No decurso do seu depoimento o inquirido afirmou ter sido recentemente nomeado gerente da firma ré.
- Na sequência o Mmº Juiz proferiu despacho considerando o mesmo impedido de depor como testemunha, uma vez que poderiam depor como parte enquanto gerente da ré, nos termos do artigo 617 do CPC.
É deste despacho que inconformados recorrem os RR., apresentando as seguintes conclusões:
Primeiro – Os factos que constituem o fundamento ou “causa de pedir” na presente acção reportam-se todos a data anterior ao dia 31 de Julho de 2008, e parte deles dizem respeito ao dito José… , como alegado autor e beneficiário dos actos correspondentes a parte daqueles factos.
Segundo – Os Réus apresentaram o seu requerimento de prova no dia 16 de Junho de 2009, e nele arrolaram o referido José… , como testemunha.
Terceiro – O Autor Francisco… desistiu do pedido, no dia 07 de Setembro de 2009; cessou depois as funções de gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, Lda.”, e cedeu a sua quota, tudo conforme consta da certidão permanente do registo - Av.1, AP. 6/20091217 – e Menção Dep 5759/2009-10-29; e o dito José… foi eleito gerente da Ré “Irmãos… & C.ia, L.da,”, por deliberação do dia 06 de Novembro de 2009, conforme Insc. 5 AP. 7/20091217 da mesma certidão.
Quarto – A acção foi movida contra os Réus Irmãos… & C.ia., Lda., e António… e mulher Maria…, em litisconsórcio voluntário passivo (artigo 29.º, 2.ª parte do C.P.C.); mas o Autor poderia ter proposto duas acções, em separado – uma contra a Ré sociedade, e outra contra os Réus singulares -, e em tal hipótese, não haveria qualquer obstáculo legal ao depoimento da testemunha, José…, na acção movida contra os Réus singulares.
Quinto – Os Réus singulares não podem ser prejudicados no seu direito à produção dos meios de prova, pelo facto de o Autor ter intentado uma só acção contra os Réus, e por tal motivo, o falado José… podia e devia ter sido ouvido, pelo menos, como testemunha dos Réus singulares, relativamente aos factos que a estes respeitam directa e exclusivamente.
Sexto – Uma vez que os factos “sub juditio” se reportam a um período de tempo anterior à eleição do referido José… para o cargo de gerente da Ré sociedade; e sendo-lhe imputada a autoria e o benefício de parte desses factos, era e é admissível a sua inquirição como testemunha, por ser conforme e ou não contrário ao espírito da norma do art.º 617.º do CPC.
Sétimo – A não se entender que o dito José… podia depor como testemunha, por ter passado a exercer o cargo de gerente da Ré sociedade, então podia e devia o mesmo ter sido ouvido em depoimento de parte, por ser da maior importância e verdadeiramente indispensável para o esclarecimento de factos relevantes para a boa decisão da causa.
Oitavo – O despacho recorrido viola ou não faz correcta interpretação e aplicação das normas dos art.ºs 265.º, n.º 3, 552.º, n.º 1 e 617.º do C.P.C: Nestes termos, e pelo douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente RECURSO e, consequentemente, revogado o despacho recorrido e ordenada a inquirição do dito José…, como testemunha, ou que o mesmo seja ouvido em depoimento de parte sobre os factos da Base Instrutória a que foi indicado,
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A factualidade com interesse é a resultante do precedente relatório.

Importa saber se a indicada testemunha, no entretanto nomeada gerente de uma das rés, pode ser inquirida nessa qualidade, e saber se tratando-se de litisconsórcio voluntário sempre poderá depor.

Dispõe o artigo 617 do CPC que são inábeis para depor os que podem depor como partes.

Dispõe a propósito o artigo 553 do mesmo diploma:
1 - O depoimento de parte pode ser exigido de pessoas que tenham capacidade judiciária.
2 - Pode requerer-se o depoimento de inabilitados, assim como de representantes de incapazes, pessoas colectivas ou sociedades; porém, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que aqueles possam obrigar-se e estes possam obrigar os seus representados.
3 - Cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes.
Relativamente à inabilitação em causa, o que releva é o momento em que o depoimento deva ser prestado. Pode ouvir-se como testemunha um antigo administrador ou gerente, que sendo-o embora à data dos factos em causa no processo, já o não é à data em que deva ser colhido o seu depoimentos. Assim é porque, a essa data não pode o mesmo vincular a sociedade em termos confessórios. O seu depoimento não pode implicar confissão por banda da parte de que fora administrador ou gerente, podendo consequentemente depor como testemunha.
Por outro, ainda que à data dos factos o indicado a depor como testemunha, não tivesse qualquer cargo na empresa, mas tenha entretanto sido nomeado, como é o caso dos autos, e conquanto à data em que deva ser recolhido o depoimento mantenha cargo na empresa de representante desta, não poderá depor como testemunha, podendo apenas depor como parte. É que, sendo representante, pode confessar – artigo 352, 353 e 355 do CC -. E não releva o facto de haver outros réus na acção, em litisconsórcio voluntário, sendo de aplicar no caso o artigo nº 3 do artigo 553 do CPC – tratando-se de litisconsortes adversos –.
O sentido do art. 553.º- nº 3 CPC é o de permitir que se possa requerer o depoimento de comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele.
Referem os recorrentes que o juiz devia ter determinado a audição como parte, aludindo ao artigo nº 3 do artigo 265 do CPC e 552, 1 do mesmo diploma.
Refere este último normativo que o juiz pode em qualquer estado do processo determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessam à decisão da causa.
Ora, não tendo a parte na audiência efectuado requerimento tendo em vista essa pretensão, carece de sentido questionar ora a opção do julgador no sentido de não proceder oficiosamente à inquirição do indicado como parte.
Importa ainda não olvidar qual o objectivo do depoimento de parte, que é a obtenção de confissão favorável à parte contrária, o reconhecimento pela parte cujo depoimento se toma, de factos que lhe são desfavoráveis. Ainda quando a lei no artigo 361 do CC refere a livre apreciação do depoimento, reporta-se a factos desfavoráveis ao depoente, que não podem valer como confessórios.
Consequentemente improcede a apelação.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas nesta relação pelo recorrente

Guimarães, 29 de Setembro de 2011
Antero Veiga
Raquel Rego
António Sobrinho