Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2380/08.0TBFAF.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
DANOS MORAIS
CÔNJUGE
CULPA DO LESADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Não resultando da lei do seguro obrigatório a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares de condutor de veículo automóvel falecido em acidente e do qual foi o único responsável, apenas nas regras gerais do CC e atinentes à responsabilidade por factos ilícitos podem os referidos familiares ancorar o impetrado direito a uma indemnização:
II- Porém, porque em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos e fundada na culpa está excluída a coincidência entre lesante e lesado, e , ademais, porque nos termos do nº2, do artº 496º do CC, apenas é reconhecido aos familiares o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos em razão da morte da vítima , tal obriga a que a que o lesado seja terceiro em relação ao condutor culpado.
III - Em última análise, portanto, para efeitos do direito à indemnização a que alude o nº2, do artº 496º, do CC, integra elemento constitutivo a prova de que o lesado não é, simultaneamente, o condutor responsável pelo acidente.
IV - Ora, tendo-se in casu provado que do acidente de viação resultou a morte do condutor do veículo automóvel nele interveniente, e de cuja ocorrência foi o ele o único responsável, necessariamente tem de improceder a acção intentada pelo seu cônjuge e filhos com vista à condenação da Seguradora - e no âmbito de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreram com a morte daquele.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
L.., por si e em representação da sua filha menor, D.., intentaram acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra
.., Companhia de Seguros, S.A, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia total de € 340.000,00, acrescida de juros legais de mora, que se vencerem sobre aquele capital, desde a citação até efectivo pagamento, sendo :
a) 10.000,00€, devida a titulo de indemnização pelo sofrimento que o finado D.. suportou durante o período que antecedeu a sua morte ;
b) 40.000,00€, devida a titulo de indemnização da viúva pelo direito à vida do marido ;
c) 40.000,00€, devida a titulo de indemnização da filha D.. pelo direito à vida do pai;
d) 30.000,00€ devida a titulo de Ind. Pelos danos morais próprios do viúva;
e) 30.000,00€, a titulo de Ind. Pelos danos morais próprios da filha D.. ;
f) 150.000,00€, a titulo de danos patrimoniais correspondentes à quebra salarial ou lucros cessantes.
Para tanto , alegaram os AA, em síntese, que :
- No dia 17 do mês de Julho do ano de 2006, ocorreu um acidente de viação com um veiculo ligeiro conduzido por D.., em consequência do qual veio este último a falecer, sendo que as aqui AA. são , respectivamente, a ex-cônjuge viúva e a filha da vítima falecida;
- O acidente referido verificou-se quando o D.. conduzia o veículo referido (..) ao serviço de A.., Ldª, proprietária do mesmo e segurado na Ré ;
- Sucede que, o acidente apenas ocorreu por causas relacionadas com a falta de conservação do veículo e o deficiente funcionamento dos seus elementos mecânicos, designadamente os órgãos da suspensão, o que tudo deu origem ao seu despiste , invadindo então a faixa contrária e vindo a embater em veículo que no momento circulava em sentido contrário.
1.1.- Após citação, a Ré Seguradora apresentou contestação, defendendo-se por excepção ( excepcionando a sua ilegitimidade) e impugnação motivada ( aduzindo que o acidente ficou a dever-se exclusivamente à conduta do falecido, porque conduzia sob a influência do álcool e com velocidade excessiva ) , e deduzindo pedido reconvencional , após o que, seguindo-se a Réplica das AA, neste último articulado responderam ambas às excepções e ao pedido reconvencional , terminando com a formulação do pedido de intervenção provocada de A.., Ldª .
1.2.- Seguindo-se a Tréplica da Ré Seguradora ( articulado em que concluindo como na contestação/reconvenção, impetrando que as excepções invocadas na réplica fossem consideradas/julgadas improcedentes ), foi depois proferido despacho de admissão da intervenção provocada de A.., Ldª , tendo esta última, após citação, apresentando articulado no âmbito do qual, após impugnar a versão do acidente carreada para os autos pelas AA, deduz contra ambas pedido reconvencional, impetrando a respectiva condenação no pagamento à chamada da quantia de € 28.500,00 acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação.
1.3.- Após resposta das AA ao articulado da interveniente, seguiu-se finalmente a prolação do competente despacho saneador (com dispensa da realização da audiência preliminar, e no âmbito do qual foi ainda proferida decisão de não admissão da reconvenção deduzida pela ré “Companhia de Seguros” , e , bem assim, que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade arguida pela Ré Seguradora ), tendo-se ainda proferido decisão de admissão do pedido reconvencional deduzido - contra ambas as AA - pela chamada A.., Ldª.
Ainda aquando da prolação ( em 16/11/2009 ) do despacho saneador, proferiu a primeira instância decisão que fixou a matéria de facto assente e organizou a base instrutória da causa, peças estas que foram objecto de reclamação que porém não foi atendida.
1.4.- Finalmente, designado dia para a realização da audiência de julgamento, à mesma se procedeu, vindo a concluir-se a discussão da matéria de facto em Junho de 2012, e , após prolação da decisão a que alude o nº2, do artº 653º, do CPC, que não foi objecto de reclamações, proferiu-se finalmente a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ (…)
IV DECISÃO
Em face do exposto, o Tribunal:
I. Julgando a acção parcialmente provada e procedente, condena a Ré .., Companhia de Seguros, S.A. a pagar:
a) à Autora L.., a título de danos não patrimoniais sofridos com a morte do marido, a quantia de € 20.000, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento;
b) à Autora D.., a título de danos não patrimoniais sofridos com a morte do pai, a quantia de € 25.000, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento.
II. Julga prejudicada a apreciação do incidente de litigância de má fé suscitado pela Ré.
III. Julgando a reconvenção deduzida pela Interveniente Principal A.., Ldª não provada e improcedente, absolve as Autoras L.. e D.. do pedido formulado.
Custas da acção a cargo das Autoras e da Ré na proporção do decaimento e da reconvenção a cargo da Interveniente Principal.
Registe e notifique.
Fafe, 24 de Setembro de 2012. “
1.5. - Inconformada com a decisão/sentença indicada em 1.4., da mesma apelou então a Ré Companhia Seguradora, apresentando a recorrente na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida foi proferida ao arrepio de toda a prova produzida em audiência de julgamento.
2. Foi desprezada por completo a experiência acumulada ao longo de mais de 32 anos pelas testemunhas Dr. M.., coordenador do Gabinete Médico-Legal, e Dr. M.., preferindo conferir credibilidade à versão apresentada pela testemunha Dr. F.., especialista em psiquiatria, cujas credenciais a própria sentença reconhece não ter conseguido apurar.
3. A prova produzida, nomeadamente os depoimentos dos peritos médico-legais Dr. M.. (coordenador do Gabinete Médico-Legal), e Dr. M.. (que, enquanto perito do Gabinete Médico Legal, realizou a autópsia), leva a que os artigos 13º, 14º e 15º da base instrutória tivessem de ser dados, na íntegra, como provados, não comportando as respostas restritivas que foram dadas aos artigos 13º e 14º nem a resposta negativa dada ao artigo 15º.
4. Por isso, deverá a decisão sobre a matéria de facto ser revogada e dados como provados, integralmente, aqueles artigos 13º, 14º e 15º da base instrutória.
5. A culpa da ocorrência do acidente ficou a dever-se, exclusivamente, ao facto de o malogrado D.. conduzir o veículo UU com uma taxa de álcool no sangue de 2,41 g/l.
6. Refere o artigo 483º do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
7. No caso dos autos, foi o falecido D.. quem violou, de forma grosseira, o disposto no artigo 81º do Código da Estrada, que proíbe a condução sob o efeito do álcool, de taxa igual ou superior a 0,5 g/l.
8. Com a sua conduta, cometeu o crime previsto e punível pelo artigo 292º do Código Penal, que considera como tal a condução de veículos com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l.
9. Ambas as citadas disposições existem para proteger interesses alheios, nomeadamente, a integridade física dos restantes utentes das vias, enquadrando-se no conceito definido pelo citado artigo 483º do Código Civil.
10. Por conseguinte, os danos morais arbitrados às autoras teriam de ser ressarcidos por quem violou aqueles interesses e único culpado na ocorrência do acidente, in casu, o malogrado D.., marido e pai delas.
11. O contrato de seguro dos autos foi celebrado entre a recorrente e a entidade patronal do causador do acidente, não com este, pelo que a indemnização arbitrada não se enquadra nas respectivas condições.
12. Foram violados os artigos 483º do Código Civil, 81º do Código da Estrada e 292º do Código Penal.
Termos em que deverá a douta decisão recorrida ser revogada, com o que se fará inteira JUSTIÇA.
1.6.- Contra-alegando, vieram as AA, sinteticamente, aduzir que a primeira instância julgou com inteiro acerto e perfeita observância das disposições legais aplicáveis aos factos apurados, não podendo a douta sentença deixar de ser integralmente confirmada.
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Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil - com as alterações introduzidas pelo DL nº 303/07, de 24 de Agosto - revogado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho - cfr. artº 7º, nº1, deste último diploma legal ), as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - Da pertinência da impetrada alteração da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto ;
II - Apurar se as AA, na qualidade de viúva e filha de vitima mortal de acidente de viação, têm direito à reparação dos danos não patrimoniais próprios sofridos e decorrentes da referida morte, ou ,ao invés, porque o acidente ficou a dever-se a “culpa” exclusiva do próprio, estão as referidas AA excluídas da “cobertura” emergente do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
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2.Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
2.1.- Encontra-se junto aos autos escritura pública, data de 12 de Outubro de 2006,denominada de “Habilitação”, nos termos da qual, resulta que “L..”, disse “ que é a cabeça de casal da herança deixada pelo seu marido D.. e nessa qualidade declara que: no dia dezassete de Julho de 2006, na freguesia de Quinchães, concelho de Fafe, faleceu D.., natural de Riom, departamento de Puy-de-Dôme, França, no estado de casado, sob o regime de comunhão de adquiridos, com ela outorgante, que dele se mantém no estado de viúva. Que o falecido teve a sua residência habitual na Rua .., concelho de Gondomar, não deixou testamento público nem qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicas herdeiras:
- O cônjuge, L.., (…) e
- Uma filha, D.., solteira, menor, natural da freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar e residente na Rua.., concelho de Gondomar.
Que não há, perante lei, quem prefira às indicadas herdeiras ou com elas possam concorrer na sucessão de D..”;
2.2. - D.. e L.. contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial em 26 de Agosto de 1995 ;
2.3. - D.., natural de Rio Tinto Gondomar, nascida em 09 de Agosto de 2002, é filha de L.. e de D.. ;
2.4.- D.., nascido em 03/12/1971, faleceu com 34 anos de idade, no estado de casado com L.., no dia 17 de Julho de 2006, na freguesia de Quinchães, concelho de Fafe ;
2.5. - No dia 17 de Julho de 2006, cerca das 14h20m, na estrada nacional 206, D.. conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, matricula .., no interesse e sob as ordens da co-Ré chamada “A.., Lda.” ;
2.6. - (…) exercendo a categoria de motorista ;
2.7. - Em 17 de Julho de 2006 o veículo de matrícula .. era pertença da A.., Ldª, com sede na Zona Industrial .., Maia, e encontrando-se matriculado desde Março de 2003 ;
2.8.- Sobre a carroçaria do dito veículo encontrava-se instalada uma caixa de carga isotérmica (frigorífica), para transporte dos produtos congelados fornecidos pela A.. aos seus clientes ;
2.9.- No dia 17 de Julho de 2006 o veículo de matrícula .. sofreu um embate, e em consequência do mesmo, D.. sofreu lesões:
a) traumáticas crânio-encefálicas;
b) torácicas;
c) abdominais, laceração de órgãos;
d) fracturas ósseas; e
e) hemorragias subaracnoideia, torácia e abdominal descritas no Relatório da Autopsia, nomeadamente:
i) na cabeça:
1- Feridas lacero-contusas na região parietal esquerda com onze centímetros e na região frontal esquerda com sete centímetros;
2- Fractura dos ossos do nariz e ferida lacero-contusa na base do nariz com dois centímetros.
3- Feridas lacero-contusas na região média-mandibular, com quatro centímetros e na região occipital esquerda com três centímetros.
ii) no abdómen
1- Ferida lacero-contusa com vinte e oito centímetros na região esquerda do abdómen;
2- perda de substância e com víscera laceradas e em contacto com o exterior.
iii) Membros superiores
1- Escoriações dispersas pelo braço direito.
2- Feridas lacero-contusas na face anterior do antebraço esquerdo, com oito centímetros, na região dorsal da mão esquerda, com seis centímetros e na região posterior do cotovelo com três centímetros.
3- Livores cadavéricos na região posterior
iv) Membros inferiores
Escoriações dispersas pela face anterior das pernas.
2- Ferida lacero-contusa na face anterior da perna direita com dezoito centímetros.
3- Livores cadavéricos na região posterior
v) Cabeça
1- paredes;
2- Fractura linear com quatro centímetros na região frontal esquerda, com infiltração sanguínea nos bordos;
3- Meninges Hemorragia subaracnoideia, estendendo-se desde a região frontal esquerda à região occipital esquerda;
4- Fractura dos ossos próprios do nariz, com infiltração sanguínea dos bordos
vi) Tórax
1- Paredes;
2- Fractura de todos os arcos costais anteriores esquerdos, com infiltrações sanguíneas nos bordos;
3- Pericárdio e cavidade pericárdica;
4- Laceração do saco pericárdico, com cinco centímetros e com hemotórax bilateral de setecentos centímetros cúbicos;
5- Miocárdio;
6- Laceração com um centímetro no terço inferior do ventrículo esquerdo.
7- Endocárdio
8- Laceração com um centímetro no terço inferior do ventrículo esquerdo.
vii) Abdómen
1- Paredes;
2- Laceração de toda a parede abdominal esquerda e em comunicação com o exterior.
3- Infiltração sanguínea e laceração do tecido celular subcutâneo e nos músculos abdominais à esquerda.
4- Intestinos: Lacerações múltiplas e infiltração sanguínea em várias zonas intestinais.
Fragmentos intestinais em contacto com o exterior ;
2.10. - Em consequência das lesões, descritas no relatório de autópsia descritas em 2.9, D.. veio a falecer ;
2.11. - O relatório de autópsia ao cadáver D.., no exame toxicológico, para pesquisa de álcool no sangue, revelou uma taxa de 2,41 g/l e foi negativo para o consumo de drogas ;
2.12. - A amostra de sangue usada para fixar a TAS foi colhida em sangue do coração ;
2.13.- No dia 17 de Julho de 2006, cerca das 14h20m, na Estrada Nacional 206, o veículo .. circulava no sentido Fafe – Arco de Baúlhe, pela hemi-faixa direita, da correspondente faixa de rodagem, junto à berma ;
2.14.- Quando o veículo .. se aproximava do Km 55.520, no Lugar de Docim, Quinchães, Fafe, ao descrever uma curva para a direita, o mesmo passou a circular apoiado nas duas rodas do lado esquerdo :
2.15. - (…) deixando uma marca de borracha no pavimento provocada por arrastamento dos ditos pneus do lado esquerdo, com cerca de 28m ;
2.16. - (…) acabando por invadir a hemi-faixa esquerda da via, atento o seu sentido de marcha ;
2.17. - (…) embatendo num outro pesado de mercadorias que circulava em sentido contrário, com a matrícula .. ;
2.18. - No local onde se deu o embate, a via descreve uma curva para a direita – sentido Fafe / Cabeceiras de Basto –, sendo a faixa de rodagem ladeada por diversas casas de habitação e de comércio ;
2.19. - (…) e por um passeio com lancil de betão ;
2.20. - No momento referido em 2.14 o .. embateu com o rodado traseiro no lancil de betão ;
2.21. - O referido em 2.20 fez com que entrasse em desequilíbrio, ficasse com a rodas do lado direito no ar e passasse a circular só com as rodas do lado esquerdo ;
2.22. - No momento referido em 2.13 o .. circulava com menos de metade da carga possível ;
2.23. - O disco de tacógrafo apreendido no dia do embate era pertença douto veículo;
2.24.- (…) sendo que o instalado no veículo .. não era utilizado;
2.25.- (…) tendo sido submetido em 31.03.2006 a inspecção técnica periódica ;
2.26.- D.. era dedicado ao trabalho e tinha bom relacionamento com colegas e hierarquias ;
2.27. - No dia 17 de Julho de 2006, D.. almoçou com J.., por volta das 13h30m,no restaurante Nuno Alves, sito na Rua Guerra Junqueira, Fafe;
2.28. - D.. ingeriu bebidas alcoólicas ao almoço ;
2.29. - D.., em 17 de Julho de 2006 era pessoa:
i) Sadia e saudável;
ii) Robusta;
iii) Activo;
iv) Alegre; e
v) Desejoso de viver [artigo 36º].
2.30.- As Autoras viviam com D.., dele cuidando enquanto marido e pai, respectivamente ;
2.31. - A Autora/mulher e D.. formavam um casal harmonioso e feliz ;
2.32. - (…) tendo esta sofrido, com a sua morte, desgosto e choque moral ;
2.33.- Também a Autora/filha padeceu de sofrimento, desgosto e choque moral ;
2.34.- Em 17 de Julho de 2006, D.., auferia:
i) € 531,42, a título de salário base, pagos 12 meses/ano;
ii) € 110,88 a título de subsídio de alimentação, pagos 11 meses/ano;
iii) € 15,00 a título de subsídio de quebras/pagos 12 meses ano;
iv) subsídio de férias no montante de € 531,42;
v) subsídio de Natal no montante de € 531,42 ;
2.35. - D.. era, em 17 de Julho de 2006,um profissional activo, dinâmico, empreendedor e com gosto pelo que fazia ;
2.36. - O veículo .., pertença da Ré/chamada, em consequência do embate, sofreu danos, que tornaram inviável a sua reparação ;
2.37. - O veículo em causa era um Mitsubishi de 3.500kms, com caixa e motor de frio;
2.38. - Estava conservado ;
2.39. - A Ré-chamada vendeu-o por € 1.500,00 ;
2.40. - A proprietária do veículo segurado pela Ré, com a matrícula .., tinha a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros decorrentes da circulação do mesmo veículo, à data do embate, transferida para a Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 00276319/10 ;
2.41. - (…) decorre do contrato supra, titulado pela apólice acima descrita que o mesmo tem a seguinte cobertura:
Cobertura Capitais
- Responsabilidade civil € 750.000,00
- Protecção Ocupantes Morte ou invalidez permanente: € 100.000,00
Modalidades: todos os ocupantes Despesas de Tratamento: € 1.000,00
- Protecção Jurídica Capitais indicados nas Condições especiais
- Assistência em viagem Capitais indicados nas Condições Especiais ;
2.42. - Resulta do teor do contrato referido, a fls. 90, nas “condições gerais e especiais do contrato”, sob o artigo 6º, com a epígrafe “Exclusões aplicáveis ao seguro obrigatório”, o seguinte conteúdo:
“ 1- Excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo;
2- Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causadas às seguintes pessoas:
a) condutor do veículo e Tomador do seguro;
b) todos aqueles cuja responsabilidade é, nos termos legais, garantida, nomeadamente, em consequência da co-propriedade do veículo seguro;
c) representantes legais das pessoas colectivas ou sociedades responsáveis pelo acidente, quando no exercício das suas funções;
d) cônjuge, ascendente, descendente ou adoptados das pessoas referidas nas alíneas a) e b), assim como outros parentes ou afins até ao 3º grau das mesmas pessoas, mas, neste último caso, só quando com elas coabitem ou vivam a seu cargo;
e) aqueles que, nos temos do artigo 495º, 496º e 499, do Código Civil, beneficiem de uma pretensão indemnizável decorrente de vínculos com alguma das pessoas referidas nas alíneas anteriores;
f) aos passageiros, quando transportados:
i) em número ou modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da sua condução;
ii) fora dos assentos, salvo nas condições excepcionais legalmente autorizadas;
iii) no banco da frente, desde que tenham idade inferior a doze anos de idade, salvo se o veículo não dispuser de banco na retaguarda ou se tal transporte se fizer utilizando acessório devidamente homologado;
iv) em motociclos e ciclomotores, desde que tenham idade inferior a sete a sete anos.
3- No caso de falecimento, em consequência de acidente, de qualquer das pessoas referidas nas alíneas d) e e) do número anterior, é excluída qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não patrimoniais;
4- Excluem-se igualmente da garantia do seguro:
a) os danos causados no próprio veículo seguro;
b) os danos causados nos bens transportados no veículo seguro, quer se verifiquem durante o transporte, quer em operações de carga e descarga, salvo nos casos de transporte colectivo de mercadorias;
c) quaisquer danos casados a terceiros em consequência de operações de carga e descarga ;
d) os danos devidos, directa ou indirectamente, a explosão, libertação de calor, radiação, provenientes de desintegração ou fusão de átomos, aceleração artificial de partículas ou radioactividade;
e) quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respectivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguros celebrados, especificamente para esse fim, de harmonia com a lei em vigor, caso em que se aplicarão as presentes condições gerais com as devidas adaptações que constarem nas condições particulares.
5- Nos casos de roubo, furto ou furto de uso de veículos e de acidentes de viação dolorosamente provocados, o seguro não garante a satisfação das indemnizações devidas pelos respectivos autores e cúmplices para com o proprietário, usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade ou locatário em regime de locação financeira, nem para com os autores ou cúmplices ou para com os passageiros transportados que tivessem conhecimento da posse ilegítima do veículo e de livre vontade nele fossem transportados” ;
2.43. - A Ré companhia de Seguros notificou e informou a Ré-chamada das “Condições gerais e especiais do contrato” celebrado entre ambas;
2.44. - (…) designadamente, o teor do artigo 6º descrito em 2.42;
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3.- Da impugnação, em sede de apelação, da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto.
É inquestionável que o legislador consagrou, com as reformas no processo civil desencadeadas a partir de 1995 ( maxime com o DL nº 39/95, de 15/2 ), um efectivo segundo grau de jurisdição em sede de apreciação da matéria de facto, passando doravante a 2 dª instância a dispor de efectivos e ampliados poderes no que ao julgamento daquela concerne.
Para o efeito, obrigado está porém o recorrente a observar/cumprir determinadas regras processuais, a que acresce ( para que a modificação da decisão de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim [ cfr. artº 685-B,nº1, alíneas a) e b), do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar quais :
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Depois, caso os meios probatórios invocados para sustentar o erro na apreciação das provas tenham sido gravados, e seja possível a identificação dos depoimentos nos termos do artº 522º-C, do CPC ( com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), obrigado está ainda - o recorrente - a indicar com exactidão as passagens da gravação em que se baseia ( cfr. nº2, do artº 685º-B).
Por fim, exigível é, outrossim, que se constate verificar-se qualquer um dos pressupostos previstos no artº 712º, nº1, alíneas a), b) e c), do CPC, a saber :
a) constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) resultar dos elementos fornecidos pelo processo, necessariamente, prolação de decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Ter o recorrente apresentado documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Tendo presentes os supra apontados ónus processuais de cujo cumprimento pelo impugnante depende a possibilidade de o Tribunal da Relação alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, e , bem assim, os apontados pressupostos previstos no artº 712º, nº1, do CPC , é tempo, agora, de verificar se a apelante observou os primeiros in totum , e , ademais, se os últimos e apontados pressupostos se verificam também.
Ora, sob o ponto de vista formal, importa admitir que a apelante/Seguradora, não apenas cumpriu o que lhe era exigido no que respeita à indicação de quais os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal a quo [ os artºs 13º, 14º e 15º, todos da Base Instrutória da causa ], como, outrossim, indicou quais os concretos meios probatórios, constantes do processo e de registo/gravação nele realizada que [ maxime prova testemunhal e documental ], na sua perspectiva, impunham uma decisão de facto diversa da recorrida .
Depois, certo é que ( em sede de alegações), tendo ocorrido a gravação dos depoimentos das testemunhas inquiridas e pela apelante indicados, procedeu ainda a recorrente à indicação precisa dos mesmos nos termos do disposto no nº2, do artigo 522º-C, do CPC, mencionando ainda as diversas/diferentes respostas que a valoração da referida prova impunham.
Em suma, afigura-se-nos assim estarem reunidos todos os ónus e pressupostos [ cfr. artºs 685º-B, nºs 1 e 2, e artº 712º , nº1, alínea a), primeira parte, ambos do CPC ] que possibilitam a este tribunal da Relação, como o requereu a apelante, sindicar a decisão do tribunal a quo na parte respeitante à matéria de facto impugnada, razão porque, e não olvidando os poderes oficiosos de que dispõe este Tribunal da Relação para alterar a matéria de facto com base no disposto no artº 646º, nº4, do CPC, urge pois esmiuçar da pertinência da requerida modificabilidade da decisão de facto .
3.1.- Se devem ser alteradas as respostas dadas ( como integrando factualidade provada ) pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto vertida na Base Instrutória da Causa - Artºs 13º, 14º e 15º.
Insurge-se a apelante contra a decisão do a quo em sede de julgamento dos concretos pontos de facto adiante indicados, tendo cada um deles merecido do Exmº Julgador as seguintes respostas :
- Artigo 13º: “No dia e hora referidos em 1º, D.. conduzia o veículo .., sob a influência de álcool no sangue, ou seja , 2,41 g/l ?”
Resposta : Provado apenas o que consta da alínea J) dos factos assentes” , ou seja, “ O relatório de autópsia ao cadáver D.., no exame toxicológico, para pesquisa de álcool no sangue, revelou uma taxa de 2,41 g/l e foi negativo para o consumo de drogas .
- Artigo 14º: “(…) sendo que a amostra de sangue colhida e usada para fixar a taxa de alcoolemia foi em sangue do coração?”
Resposta : Provado que a amostra de sangue usada para fixar a TAS foi colhida em sangue do coração.
- Artigo 15º: “Em consequência da condução sob o efeito do álcool o mesmo encontrava-se afectado na sua coordenação psico-motora, designadamente com sentimentos de euforia e excitação, maior lentidão dos reflexos e tempo de reacção, diminuição do campo de visão e audição e reduzida capacidade de análise das distâncias e velocidade ?”
Resposta : Não Provado.
Dissentindo de todas as referidas respostas, e escudando-se fundamentalmente nos depoimentos de M.. (coordenador do Gabinete Médico-Legal), e de M..(que, enquanto perito do Gabinete Médico Legal, realizou a autópsia),considera porém a apelante que a todos os concretos pontos de facto supra indicados antes deveria o tribunal a quo ter respondido “ Provado”.
Para se melhor entender a ratio do julgamento de facto ora em apreço/análise, recorda-se que no despacho a que alude o nº2, do artº 653º, do CPC, teceu a primeira instância, de entre outras, as seguintes considerações:
“ (…)
O Tribunal formou a sua convicção baseando-se:
(…)
«» no relatório de autópsia de fls. 39 a 45 e em particular no relatório da perícia toxicológica da qual consta uma TAS de 2,41 g/l analisada numa amostra de sangue cardíaco ; fazendo o cotejo com os dados que constam do relatório da perícia tanatológica resulta que existia uma laceração do saco pericárdico com 5 cm e hemotórax bilateral de 700 cm3, laceração do miocárdio com 1 cm no terço inferior do ventrículo esquerdo, laceração do endocárdio com 1 cm no terço inferior do ventrículo esquerdo, sangue coagulado na cavidade cardíaca, laceração com 0,5 cm na aorta torácica ao nível de D4-D5; de acordo com o conteúdo do site http://www.auladeanatomia.com/cardiovascular/coracao.htm, obtivemos as seguintes definições:
(…)
Além de resultar claramente que o coração de D.. apresentava diversas lacerações (provavelmente provocadas pelas fracturas de todos os arcos costais anteriores esquerdos) localizadas na zona superior (aorta torácica) e na zona inferior (ventrículo esquerdo) não apenas superficiais, mas profundas, como se extrai daquela que afectou o endocárdio, temos ainda de considerar que o hemotórax implicava a presença de sangue cavidade pleural, ou seja, na membrana que protege os pulmões, próxima do coração (no caso, 700 cm3). Além do mais, havia sangue coagulado no coração.
Não obstante não tenha sido possível comprovar as credenciais do autor do parecer de fls. 46 a 56, Dr. F.., não podemos deixar de considerar pertinentes as suas observações no que diz respeito ao risco de contaminação das amostras devido aos traumatismos severos ao nível do tórax e do abdómen, com ruptura das vísceras e a probabilidade de formação de etanol por acção das bactérias presentes no tubo digestivo, contaminação essa derivada do processo de osmose.
O Dr. M.., perito do Gabinete médico-legal de Guimarães, falou acerca das regras da autópsia no que diz respeito à recolha de sangue para análise: a seguir ao exame do hábito externo e à abertura do cadáver, deverá ser a primeira operação, normalmente, através de punção da artéria femural com uma agulha; aludiu á recolha do humor vítreo quando o cadáver apresente sinais de putrefacção muito avançada, identificada através de mancha verde abdominal (primeiro sinal que a revela); referiu que a recolha de sangue da artéria femural não é aconselhada quando exista exteriorização de sangue nos membros inferiores e que o humor vítreo apresenta concentrações idênticas ao da artéria femural, sendo que a diferença (existente) de concentração do desta e do sangue do coração não é quantificável por não ser estatisticamente significativo; precisou que apenas uma laceração do diafragma poderia causar risco de conspurcação e que não há risco de absorção do etanol formado entre o momento do acidente e aquele em que é colhido por não haver circulação.
Considerando os cuidados seguidos no sentido de não colher sangue da artéria femural quando existam lesões nessa zona, não se entende que não se tomem semelhantes precauções quando o coração apresenta lacerações, escudando-se no argumento que não existe circulação.
Por outro lado, se não houvesse métodos alternativos e eles existem (como aquele referiu, a fidedignidade da concentração do álcool no sangue na artéria femural e do humor vítreo é idêntica, pelo que, seguindo o raciocínio, perante a impossibilidade de colheita no primeiro local, seria de passar ao segundo), poderia admitir-se que o exame toxicológico fosse realizado com o material possível e disponível.
De acordo com o estudo publicado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto da autoria de Rui Rangel com o título “Toxicologia forense” (in http://medicina.med.up.pt/legal/NocoesGeraisCF.pdf) a colheita de humor vítreo para doseamento do álcool etílico deve ser levada a cabo em estados de putrefacção avançada; a par da colheita de sangue para determinação de álcool etílico, aponta a possibilidade de efectuar essa pesquisa em diversos outros fluidos, tais como urina, humor vítreo, líquido sinovial, medula óssea ou saliva. Estas alternativas – que poderão não ser semelhantes em termos de rigor, ponto que o estudo não aborda – dão conta das diversas variáveis que é necessário atender para garantia da fidedignidade dos resultados e da existência de outros meios ao dispor dos peritos na hipótese de não ser viável uma análise através do sangue.
O Dr. Rui Manuel Sá Rangel cuja inquirição foi determinada oficiosamente pelo Tribunal com vista apurar os critérios de colheita de amostras para os exames de pesquisa de álcool não foi esclarecedor, porquanto, apesar de colocar ênfase nos cuidados de conservação, na utilização dos kits contendo seringa para punção do cadáver, questionado sobre a correcção da metodologia limitou-se a falar sobre a preferência da colheita em sangue periférico, e particularmente, quando confrontado com a colheita de sangue cardíaco num caso de hemotórax limitou-se a responder que tais circunstâncias que teriam de ser avaliadas pelo perito que realiza a autópsia.
Se atentarmos que o acidente ocorreu pelas 14h20 (cfr. auto de participação do sinistro), que o INEM chegou ao local pelas 15h08 e que o óbito foi declarado pelas 16 horas, assim como o facto de ser Verão, temos um período de exposição ao calor de cerca de 1h30 que potenciava o início do processo de decomposição.
As dúvidas acerca do acerto do método de colheita justificam-se igualmente pela circunstância de a recolha de sangue para análise toxicológica da outra vítima mortal, J.., igualmente do sangue cardíaco, ter dado origem a um resultado no mínimo alarmante de 6,07 g/l (cfr. fls. 387), não obstante o mesmo não apresentar quaisquer lesões a nível do coração (cfr. fls. 381 a 386).
Assim, não obstante as certezas do senhor perito autor do relatório de autópsia, Dr. M.., que assegurou que levou a cabo a recolha na parte superior do coração com o corte dos grandes vasos que vão ter a este, sendo deles que fez directamente a colheita, recusando a possibilidade de mistura, atento o facto de não ter sido dada explicação plausível para, perante a inviabilidade de colheita na artéria femural, optar por uma zona íntegra, designadamente, o humor vítreo, as dúvidas suscitadas não ficaram sanadas (limitou-se a referir que a recolha do humor vítreo constitui um método mais sofisticado nem sempre possível, sem entrar em pormenores, quando é certo que o Dr. F.., que prestou esclarecimentos acerca do parecer que elaborou na sessão de 7 de Novembro, aludiu à utilização de uma seringa, no que designou de “um processo mais exigente, mas não transcendente”, não interiorizado na prática médico-legal). Neste ponto importa considerar, também, que o cheiro a álcool proveniente dos restos alimentares existentes no estômago poderia ter origem em bebidas alcoólicas ingeridas, designadamente, ao almoço ou eventualmente da formação de etanol devido ao processo de decomposição iniciado entre o momento do acidente e aquele em que o cadáver foi conservado em meio ambiente refrigerado.
Atento o exposto, não pode concluir-se que a TAS apurada correspondesse àquela que existia no momento do acidente e que influenciasse o comportamento do condutor – mas somente ao resultado do exame de toxicologia forense em função da técnica utilizada –, motivo pelo qual se respondeu negativamente ao artigo 15º da base instrutória.”
Ora Bem.
Porque pertinentes, importa começar por recordar, de imediato, algumas das doutas considerações de Abrantes Geraldes, tecidas - na qualidade de Relator - em Acórdão do TRCoimbra (1), de 15/5/2001, sendo elas significativas e relevantes no tocante ao standard de prova exigível em sede de acções de acidentes de viação.
No referido Ac., a dado passo, diz-se que “ As acções de responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação constituem um dos campos em que a valoração razoável dos meios de prova produzidos e o uso de presunções judiciais mais se justifica.
Obedecendo à regra geral que faz recai sobre o lesado o ónus da prova da verificação dos factos atinentes à culpa do agente nos termos do artº 487º do CC, o tribunal que aprecia a prova e que forma a sua convicção não deve necessariamente colocar a respectiva fasquia a um nível tão elevado que, na prática, determine a inviabilidade do reconhecimento do direito invocado”.
E, mais adiante, ainda com pertinência sobre o nível de exigência probatória do julgador, maxime no âmbito dos acidentes de viação, remata-se o anterior raciocínio dizendo-se : “O julgamento cível respeita a factos da vida real, sendo a sua verificação judicialmente afirmada ou infirmada a partir de juízos formulados pelas pessoas a quem o sistema atribui essa função - os juízes.
Com isso, corre-se o risco da afirmação judicial de uma versão que não corresponde inteiramente à realidade historicamente verificada. Mas isso não deve obstar a que, ultrapassada a barreira da dúvida razoável e atingido o estádio de um certo grau de certeza ( ou de probabilidade ), a questão controvertida seja resolvida a favor da parte sobre quem recai o ónus da prova”.
Subscrevendo-se in totum as considerações acabadas de apontar, recorda-se que o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto ( cfr. artº 655º,nº1,do Código de Processo Civil ), o que é o mesmo que dizer que em sede de apreciação/ponderação da prova produzida há-de o julgador socorrer-se da sua experiência e prudência, agindo sempre com inteira liberdade e com vista a chegar à solução/decisão que lhe parecer justa sobre cada facto quesitado (2).
E, para tanto, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta , sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens .(3)
O que importa e se exige é que (4), em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto , ou , dito de outro modo, psicológicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade ( mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida ) da sua verificação.
De resto, como refere Castro Mendes (5), quer em sede de processo civil como no penal, o que se obtém, em última análise, é tão só uma verdade meramente formal (obtida dentro do processo), a qual pode porém não corresponder à realidade, ou à verdade simples e pura.
Para finalizar, e regressando à temática do uso de presunções judiciais em sede de formação do convencimento do Juiz, importa atentar que, nada obstando sequer que a decisão de facto seja no essencial e em primazia ( em detrimento da prova testemunhal e documental) decorrente da respectiva utilização, o que importa é que seja ela - utilização - devidamente explicitada no despacho a que alude o artº 653º,nº2, do CPC ( anterior ao aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6). (6)
Postas estas breves considerações, ouvidos que foram os depoimentos de todos os intervenientes/testemunhas que sobre a matéria dos quesitos ora em apreço prestaram depoimento [ maxime os prestados por F.. ( especialista em psiquiatria e em medicina legal) , M.. ( perito médico que procedeu à autópsia e que elaborou o competente relatório ) e M.. - perito do Gabinete médico-legal de Guimarães ] , manifesto é que todos eles afirmaram que, em razão das leges artis aplicáveis, e mesmo de acordo com prática seguida nos Gabinetes Médicos Legais, a boa/correcta prática aconselha/recomenda a que no âmbito da Recolha de sangue post-mortem deva dar-se preferência à recolha de sangue em zonas periféricas do cadáver, designadamente em veia femoral e/ou do humor vítreo, que não a partir do coração.
É que, no entender de todos os referidos especialista, a amostra recolhida em “sangue do coração”, designadamente quando na presença de grandes traumatismos e com ruptura de órgãos, pode dar origem a resultados que não são já tão fidedignos, podendo apresentar algumas diferenças em relação aos resultados provenientes de amostras extraídas v.g. de zonas periféricas do cadáver.
Sucede que, ainda assim, e sobretudo no entender do perito médico que procedeu à autópsia do cadáver, e outrossim de M.. ( perito do Gabinete médico-legal de Guimarães ), sendo é certo desejável que as colheitas de sangue sejam efectuadas nas veias femorais, nada obsta a que as colheitas efectuadas no coração sejam também consideradas válidas e os respectivos resultados sejam valorados e atendidos, maxime quando não existem sinais de conspurcação e a amostra de sangue de cadáver tenha sido extraída de um coração intacto ou pelo menos de uma sua zona não afectada.
Acresce que, desde que se tenha procedido à recolha de sangue em cadáver devidamente resguardado e mantido no frio, e decorridos não mais do que 2/3 dias após o óbito, também no entendimento de M.. e de M.., tudo leva a concluir que a extracção de uma amostra do sangue de diferentes locais/zonas de cadáver, conduzindo é certo a valores de análise diversos, não são porém eles significativamente diferentes, antes tudo aponta para que as variações estatisticamente detectadas sejam perfeitamente desprezáveis.
Na sequência do acabado de referir, e tendo presente o depoimento de quem procedeu à recolha do sangue para a análise [ o perito médico - desde 1979 - M.. , razão porque há-de ele - tal depoimento - forçosa e compreensivelmente beneficiar de leverage em face dos demais ], dizendo v.g. que mediaram não mais do que 24 horas entre a morte e a recolha do sangue , que o sangue foi extraído de local do coração que não apresentava quaisquer lacerações e, ademais, que não se questiona que o cadáver tivesse sido transportado e conservado nas melhores condições de frio, não se descortina existir fundamento pertinente que obrigue à completa desvalorização do seu resultado [ o que deveria suceder no entendimento de F.. ].
A reforçar o acabado de expor, também para M.. ( perito do Gabinete médico-legal de Guimarães, e que desempenha a funções já desde Abril de 1980 ), nada obriga à desconsideração do resultado de análise sanguínea decorrente da recolha de sangue em coração de cadáver e aquando da respectiva autópsia, maxime quando nenhuns ( v.g. do respectivo relatório, tal como in casu sucede ) dados recolhidos apontam para a existência de sinais de putrefacção e ou conspurcação susceptíveis de alterarem as posteriores análises laboratoriais, ou , sequer, de contaminação do sangue do coração com outros elementos e/ou sangue do estômago .
De resto, no tocante à concreta questão de, em razão do resultado da colheita sanguínea efectuada, poder questionar-se/duvidar-se se o falecido D.., aquando do acidente, efectivamente estar a conduzir o veículo automóvel sob a influência de uma taxa de álcool no sangue superior ao limite máximo legal fixado de v.g. 1,20 g/l, foram ambos os referidos peritos médicos legais (M.. e M.. ) claramente peremptórios em afirmar/concluir pela negativa, ou seja, que independentemente de poderem existir algumas variações da taxa de alcoolemia consoante o diferente local de colheita da respectiva amostra sanguínea no cadáver, sempre seriam elas mínimas e/ou estatisticamente insignificantes, quer para mais ou para menos [ cfr. v.g. minuto 15,00 e segs, do depoimento de M..].
Aqui chegados, e não olvidando o supra exposto no que concerne aos critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, não sendo exigível que a demonstração da realidade dos factos pressuponha uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta , importa ter presente que nenhuns elementos precisos concretos e precisos foram carreadaos ( por qualquer uma das testemunhas ouvidas, maxime por F.., o qual limitou-se a formular juízos/conclusões, e a especular, ainda que com base em conhecimentos médicos adquiridos em sede da respectiva actividade e experiência profissional ) susceptíveis de, com consistência, abalar a seriedade e a credibilidade do concreto exame médico efectuado na pelo perito médico legal que procedeu à autópsia e á recolha de sangue no cadáver e, bem assim por em causa o respectivo resultado laboratorial .
Depois, aplicando-se igualmente à segunda instância o comando do artº 516º, do CPC, importa outrossim deixar claro que, como o foi já por este mesmo Tribunal da Relação de Guimarães (7) sufragado, “ (…) não é toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento do princípio plasmado no citado artº 516º do CPC (…). Mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto - após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais - deixa o julgador ( objectivo e distanciado do objecto do processo ) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.
Daí que, como se conclui, e bem, no citado Ac., “ a própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio.”
Importando concluir, e em razão de diversa convicção formada por este Tribunal, temos para nós que, nada se tendo apurado ( maxime em sede de contra-prova) que “obrigue” a menosprezar/desvalorizar os resultados do exame médico/laboratorial efectuado , a resposta ao ponto de facto do quesito 13º deve necessariamente por este Tribunal ser alterada para “ Provado”.
Incidindo agora a nossa atenção sobre a resposta ao perguntado no quesito 14º, temos para nós que, porque a alteração almejada pela apelante/impugnante nenhum significado e ou utilidade ( para a apelante ) tem, sendo praticamente coincidentes os termos da resposta conferida pela Exmª Juiz a quo com a redacção do concreto ponto de facto controvertido, nenhum sentido faz a procedência da impugnação nesta parte.
Em face do referido, e em obediência ao princípio geral adjectivo que subjaz ao comando do artº 137º do CPC, deve portanto permanecer intocável a resposta do a quo relativamente ao perguntado no quesito 14º.
Finalmente, esmiuçando agora a pertinência da resposta da primeira instância ao perguntado no quesito 15º, importa antes de mais precisar que, contribuindo de certa forma a resposta ao ponto de facto ora em apreço para o apuramento do nexo de causalidade naturalístico entre o facto e o dano ( condução sob a influencia do álcool e o dano/acidente), integra tal matéria, em rigor, o apuramento de efectiva matéria de facto, sendo portanto o respectivo apuramento da exclusiva responsabilidade das instâncias. (8)
Depois, regressando agora ao exposto no inicio da abordagem da impugnação da apelante no que concerne ao recurso a presunções judiciais em sede de fixação da matéria de facto e no âmbito de acidentes de viação, recorda-se que, também para estabelecer o nexo de causalidade entre a “condução sob o efeito do álcool” e um acidente de viação, nada obsta outrossim a que se lance mão das referidas presunções, e isto porque, como igualmente bem se adverte no já citado Ac. do STJ de 7/7/2010, “está cientificamente estabelecida – e revelada pela experiência comum – uma relação entre o álcool e a diminuição das capacidades de vigilância e rapidez de reacção, que naturalmente varia em função da quantidade de álcool no sangue e das pessoas em concreto, mas que constitui base suficiente para as referidas presunções.”
É que, como bem nota Luís Pires de Sousa (9) , em causa está uma “ matéria em que as máximas da experiência de índole científica, designadamente no campo da medicina e biologia, são chamadas a ter um papel esclarecedor e determinante porquanto o seu fundamento cognoscitivo assenta em conhecimentos científicos dotados de um grau de probabilidade muito elevado”.
Mas, atenção. Porque por outra banda a condução sob o efeito e/ou a influência do álcool não constitui, só por si, facto notório de que o condutor conduzia v.g. com os reflexos diminuídos e com tempos de reacção limitados, tendo sido precisamente tais “incapacidades” que deram causa ao acidente, então não deve a presunção judicial acarretar de imediato a afirmação automática do nexo causal entre a taxa de álcool no sangue e o acidente, impondo-se outrossim sopesar “ todos os elementos fácticos disponíveis designadamente o efectivo grau de alcoolemia, a dinâmica do acidente, o condicionalismo espacial e temporal que rodeou a ocorrência do mesmo “. (10)
Dito isto, relembra-se que da motivação de facto decorre que o acidente que vitimou o familiar das apeladas ocorreu quando o veículo que conduzia, ao descrever uma curva para a direita, embateu com o rodado traseiro em lancil de betão do passeio que ladeava a estrada, passando de seguida a circular apoiado nas duas rodas do lado esquerdo e acabando por invadir a hemi-faixa esquerda da via, atento o seu sentido de marcha, embatendo então num outro pesado de mercadorias que circulava em sentido contrário.
Ora, se atentarmos ( quer em razão de dados que decorrem da experiência comum e cientificamente comprovados, quer do depoimento prestado em audiência por F.., invocando para tanto o conhecimento que referiu granjear no ensino da referida matéria ) que os efeitos do álcool mais comuns ( e logo a partir de uma taxa de alcoolemia não superior a 0,3/0,5 ) estão relacionados precisamente com uma menor rapidez de decisão do condutor, uma sua descoordenação de movimentos, um aumento do respectivo tempo de reacção , a diminuição dos seus reflexos e da percepção das distâncias e, também com uma redução acentuada da sua visão periférica ( lateral), podendo tal redução chegar à visão em túnel (11), parece-nos inquestionável que, à luz de um juízo de prognose ulterior, não pode deixar o concreto ponto de facto do quesito 15º de merecer/justificar uma resposta positiva, ainda que não in totum.
Ademais, tendo as apeladas ensaiado uma explicação/justificação para a trajectória errada ( contra o lancil do passeio ) e imprimida ao veiculo conduzido pelo falecido, aludindo que ficou-se ela a dever a causas relacionadas com a carga que transportava o veículo e com as deficientes condições de manutenção e conservação do próprio veiculo ( quesitos 9º a 12º ), o certo é que nenhum dos pertinentes factos logrou obter a competente prova.
Tudo visto e ponderado, porque julgar a matéria de facto não é, por natureza, apenas um acto consistente em espelhar nos factos provados ou não provados o que passou pela frente do juiz, pois que, a ideia de “julgamento” tem ínsito precisamente o acrescentar da consciência ponderada de quem julga ao que por ali passou (12), na sequência de diferente convicção do ad quem em razão da reapreciação da prova em que assentou a impugnação da apelante, conjugada/interligada com a utilização das máximas da experiência comum e técnica , e , bem assim, com os factos provados e relacionados com as circunstâncias do acidente , procedendo parcialmente a apelação nesta parte, deve ao ponto de facto/quesito 15º responder-se :
“Artigo 15º: “ Provado apenas que em consequência da condução sob o efeito do álcool o D.. encontrava-se afectado na sua coordenação psico-motora, designadamente apresentava uma maior lentidão dos reflexos e tempo de reacção, uma diminuição do campo de visão , e reduzida capacidade de análise das distâncias”.
*
4.- Motivação de Direito.
4.1.- Têm as AA, na qualidade de cônjuge e descendente do falecido, direito à reparação - pela Seguradora e no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - dos danos não patrimoniais próprios sofridos e decorrentes da morte de D.. em acidente de viação ?
Como decorre do relatório do presente Acórdão, o thema decidendum da apelação trazida a este tribunal da Relação prende-se precisamente com a resposta a dar à questão que integra o “título” conferido ao presente item 4, pugnando a apelante por uma resposta negativa ( no pressuposto de que foi o D.. o exclusivo responsável pelo acidente ) , e , ambas as apeladas, por uma resposta contrária, sendo esta última, recorda-se, aquela que foi seguida pela primeira instância.
Porque para a apreciar/decidir, e desde logo em face das conclusões da apelação, importa aferir a quem atribuir a “responsabilidade” pela ocorrência do acidente, tal abordagem é aquela que se justifica fazer de imediato.
Ora, no âmbito da sentença apelada, abordando-se as razões que conduziram ao acidente, considerou-se que, não se tendo conseguido apurar o motivo do sinistro, não existia prova da culpa efectiva de D.., e , assim sendo, restava a presunção de culpa que sobre si recaia, como comissário e por força do preceituado no nº3 do art. 503º do CC ( em razão da factualidade inserta no item 2.5. da motivação de facto ) .
Pela nossa parte, todavia, em razão da factualidade assente, não apenas sobre o falecido D.. incide a presunção de culpa do comissário [ do artº 503º,nº3, aplicável ao caso de colisão de veículos, previsto e regulado no art. 506º, nº1, do CC, quer sejam ambos conduzidos por comissários, sem que a culpa presumida de qualquer deles haja sido ilidida (aplicando-se então o princípio de repartição de culpas constante do nº2 do citado art. 506º - Ac. das Secções Reunidas do STJ de 17/12/85 ), quer um dos veículos seja conduzido pelo respectivo proprietário e o outro por um comissário ( respondendo este, a título de culpa presumida, pela totalidade dos danos que causou - cfr. Assento 3/94, de 26 de Janeiro (13) ] , como também a presunção júris tantum de negligência/culpa decorrente da inobservância de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses, como são as regras do Código da Estrada (14) [ in casu a do respectivo artº 13º,nº1 e 2 ], como ainda, e finalmente, a responsabilidade efectiva decorrente de conduzir o veículo com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, então prevista e sancionada pelo Código Penal ( artº 292º,nº1 ), mostrando-se outrossim provado ( em razão da alteração por este Tribunal da decisão de facto proferida pela primeira instância ) o competente nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito de álcool e o acidente.
É que, e não se exigindo tecer quaisquer considerações relacionadas com a presunção do artº 503º, do CC [ aplicável no domínio das «relações externas» entre o comissário, como lesante, e o titular ou titulares do direito de indemnização ( cfr. Assento 1/83, de 14/4/83 (15) ] , recorda-se que , sem margem para quaisquer hesitações, inquestionável é que violou o falecido o artº 13º [ nº 1 - O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes e nº 2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção ], pois que, embatendo em passeio com lancil de betão ( logo não conservava dele a distância necessária ), acabou por invadir a hemi-faixa esquerda da via, atento o seu sentido de marcha, embatendo num outro pesado de mercadorias que circulava em sentido contrário, sendo que, quaisquer manobras só podem/devem ser realizadas quando das mesmas não resulte perigo ou embaraço para o trânsito ( cfr. artº 35º do CE ) .
De resto, e agora no tocante outrossim à condução sob a influência do álcool ( em face v.g. da resposta conferida por este tribunal ao perguntado no quesito 15º), nenhumas dúvidas se justificam colocar no sentido de que, em relação a qualquer uma das infracções ( contra-ordenacionais e penal ) cometidas, se verifica o competente nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois que , quaisquer das referidas infracções foram determinantes, num juízo de causalidade ( quer no plano naturalístico , quer de causalidade adequada , e em razão de todo o circunstancialismo provado e das regras da experiência ), para a produção do acidente , surgindo este como uma sua consequência normal, típica e até muito provável ( e isto à luz da visão de um qualquer cidadão normal - o bónus pater famílias ) .
Impondo-se terminar, tudo obriga a concluir que o acidente que vitimou o falecido ficou a dever-se, em exclusivo, a negligência/culpa do próprio, na qualidade de concluir de veículo automóvel, pois que, ao ter sido agente de comportamento desadequado, censurável e imprevidente, e com o concurso de causas adequadas simultâneas , foi portanto o responsável pela sua ocorrência.
Aqui chegados, em razão do acabado de concluir, forçoso se nos afigura não poderem as AA almejar a reparação, pela Ré apelante, dos danos não patrimoniais que sofreram com a morte do Pai/marido.
Senão, vejamos (16) .
Abordando a questão relacionada com a pertinência de, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, poderem/deverem os familiares do condutor do veículo responsável único pelo acidente , e que veio a falecer, almejar a reparação da seguradora do mesmo veículo os danos não patrimoniais sofridos, relembram-se de seguida algumas das decisões de tribunais superiores que, com referência à matéria ora em apreciação, tiveram já a oportunidade de se pronunciar/decidir .
Assim, como que alinhando por uma resposta afirmativa, concluíram, de entre vários outros, e nos termos que resumidamente a seguir se indicam, os seguintes Acs.:
I - “Atento o disposto nos arts. 496º, nº3 e 499ºdo C. Civil e do art. 14º, nº 1 do DL 291/2007, de 21.08, impõe-se concluir que os ascendentes do condutor do veículo seguro, revestem a qualidade de terceiros, assistindo-lhes, por isso, o direito de exigirem da ré seguradora indemnização pelos danos próprios, de natureza não patrimonial, sofridos com a morte daquele condutor”. - Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 7/12/2012, e tendo por objecto um acidente ocorrido a 29.09.2008 (17) ;
II - “O contrato de seguro obrigatório garante e a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo, excluindo-se da garantia de seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo seu condutor, bem como os danos decorrentes de lesões corporais causados ao seu cônjuge e descendentes, de acordo com a respectiva apólice, em consonância, aliás, com o estatuído no art. 7º do Dec-Lei 522/85, de 31 Dezembro, que reproduz este normativo. Garante apenas os danos causados a terceiros.
(…)
Compreende-se esta exclusão do condutor da garantia do seguro, porquanto sendo ele próprio beneficiário dessa garantia (art. 8° do Dec-Lei 522/85 ) não pode simultaneamente ser considerado terceiro para efeito de ressarcimento de danos próprios.
Mas a garantia de seguro já não exclui os danos próprios, de natureza não patrimonial, sofridos pelo cônjuge e filhos do condutor do veículo decorrentes da sua morte, consistentes nos sofrimentos, desgosto e tristeza que essa mesma morte lhes provocou.” Cfr. Ac. do STJ de 8/1/2009, e tendo por objecto um acidente de viação ocorrido a 31 de Janeiro de 2004 . (18)
III - “ Sendo o condutor do veículo automóvel o responsável exclusivo pelo acidente de viação, seguramente que se mostra excluída qualquer indemnização aos seus familiares resultante de transmissão por via sucessória de um direito gerado na esfera jurídica daquele condutor, no regime legal do seguro obrigatório de responsabilidade automóvel.
Porém, já assim não acontece relativamente aos danos não patrimoniais ( ditos, também, danos morais) reclamados, que não são provenientes de qualquer transmissão mortis causa, do desditoso condutor para os seus familiares, sendo antes danos próprios destes, isto é, gerados na esfera jurídica de cada um destes demandantes que, embora decorrentes da morte do referido condutor, não se confundem com o dano morte ou dano de perda do direito à vida, pois não é este o direito que está aqui em causa.” - Cfr. Ac. do STJ de 14/2/2013, e tendo por objecto um acidente ocorrido a 4.5.2007 (19) .
Por outra banda, já em sentido contrário, ou seja, optando por uma resposta negativa, concluíram, de entre diversos outros, e nos termos que a seguir outrossim se indicam, os seguintes Acs.:
I - O Ac. do STJ de 4/6/2002 (20) , no âmbito do qual concluiu/decidiu que “ Provando-se nas instâncias que a autora é a própria tomadora do seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo a acidentes causados com o veículo de que é proprietária e que aquele, no circunstancialismo do acidente, era conduzido pelo seu filho que se despistou com o mesmo, despiste que lhe causou a morte, a seguradora não é responsável perante a autora por quaisquer danos sofridos pela vítima ou pela autora” .
II - O Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 19/3/2012 (21), o qual decidiu, e tendo por objecto um acidente ocorrido a 5.04.200 , que “ Quando determinado acidente se ficou a dever a acção culposa e exclusiva do condutor de um veículo, que veio a falecer, a seguradora não tem que indemnizar os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares desse condutor, já que o condutor, reunindo em si a incompatível qualidade de lesante e lesado, também por esses danos não responderia.” .
III - O Ac. do STJ de 8/1/2009 (22), e que, com referência a acidente de viação ocorrido a 17.2.2002, concluiu que “Os danos sofridos pelo condutor dum veículo automóvel não estão abrangidos pelo seguro obrigatório respeitante a tal veículo.
Em caso de morte daquele, esta ressalva de abrangência inclui os danos que daí resultaram para os familiares”
IV - O Ac. do STJ de 16/9/2010 (23), e cujo sumário reza que :
I - O contrato de seguro tem uma natureza garantística, impondo-se a sua obrigatoriedade exactamente para assegurar que essa «garantia» não falha às vítimas, não as deixando dependentes da maior ou menor solvabilidade do responsável do acidente que as vitimou.
II - Mas essa garantia não vai ao ponto de proteger a vítima contra a sua própria (ir)responsabilidade, daí que o art. 14.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21-08, exclua da garantia do seguro os danos corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro responsável pelo acidente, assim como os danos decorrentes daqueles.
III - A morte – dano corporal da morte – da condutora responsável pelo acidente está, portanto, excluída do âmbito do seguro obrigatório celebrado pelo proprietário do veículo com a seguradora, assim como os danos dela decorrentes.
IV - O dano não patrimonial sofrido pelo marido e filho da condutora responsável pelo acidente é decorrente do dano morte.
V - Assim, o marido e filho da vítima responsável pelo acidente não têm, no âmbito do seguro obrigatório, direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a morte desta, da mesma forma que o responsável do acidente também não beneficiaria do direito à indemnização por morte, que ocorresse, de seu marido e/ou filho(s).”
V- O Ac. do STJ de 24/2/2011 (24), no âmbito do qual foi decidido que “ Os danos sofridos pelo condutor de uma viatura automóvel, designadamente, em consequência de acidente que lhe seja imputável a título de culpa, não se encontram abrangidos pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil a ela respeitante, nem, em caso de morte daquele, tal seguro abrange os danos não patrimoniais que desse facto – morte – possam advir para os familiares.”
Conhecidas que são, em traços largos, as divergências que explicam as diferentes decisões supra apontadas, importa antes de mais precisar que, em rigor, em todas elas se aceita e reconhece que, a “resposta” para o thema decidendum há-de forçosamente ser encontrada a partir de uma análise do direito interno/nacional de cada Estado-Membro da União Europeia, e isto não obstante, a partir de 1972, ter o legislador europeu iniciado um processo paulatino de aproximação dos regimes nacionais de seguro de responsabilidade civil automóvel, o que tudo deu origem à aprovação de diversas directivas, sendo a mais recente a Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009 (25).
Igualmente, inquestionável é que, em obediência ao disposto no artº 12º, do Cód. Civil, e no âmbito do direito nacional aplicável, importa atentar no conteúdo do direito vigente à data do facto, ou seja, os efeitos de um acidente de viação só podem ser os que lhe atribuía a lei vigente ao tempo em que ocorreu (26), razão porque pacífico é também o entendimento segundo o qual o diploma legal aplicável em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é aquele que vigorava na data do acidente.
Ponto também convergente e pacífico, em todas as decisões judiciais supra indicadas, é aquele que considera que os danos não patrimoniais a que alude o nº 2, do artº 496º do CC [ reza tal dispositivo que “ Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem “ ] são danos próprios dos herdeiros, ou seja, o direito ao seu ressarcimento não é a estes últimos conferido pela via sucessória, antes consubstancia um direito que lhes cabe iure próprio, nos termos e pela ordem no preceito legal estabelecida . (27)
Finalmente, aceita-se também ( em qualquer uma das “correntes jurisprudenciais” divergentes) que, os familiares/pessoas indicadas nos nºs 2 e 3, do artº 496º, do CC - como sendo aquelas a quem, por morte da vítima, se reconhece o direito à indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos -, são em rigor terceiros em relação ao contrato de seguro de responsabilidade civil, pois que, para todos os efeitos, não participaram na sua celebração - Res Inter Alios Acta. (28)
Isto dito, importa de seguida começar por atentar - no seguimento aliás da conclusão supra indicada no sentido de que a “resposta” para o thema decidendum há-de forçosamente ser encontrada a partir de uma análise do direito interno/nacional de cada Estado-Membro da União Europeia - , nas disposições legais que in casu - em razão da data do acidente - brotam do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 Dezembro , diploma este que in casu é o aplicável e o qual , no respectivo artº 1º, nº1, reza que ” 1 - Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade “
No seguimento do disposto no referido dispositivo legal, imperioso é começar desde logo por concluir que, o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, é um seguro cujo titular do direito à indemnização é um terceiro, que não o segurado e tal como sucede no seguro de coisas, garantindo a respectiva outorga a “a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo. “ - cfr. artº 8º, nº1.
Igualmente incontroverso é que, no âmbito do artº 7º, nº 2, alínea d) , do referido DL nº 522/85, se encontra expressamente excluída da garantia do seguro automóvel obrigatório quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados ao cônjuge e descendentes, o que permite concluir, a contrario, que o facto de o legislador ter limitado tal exclusão à indemnização por danos decorrentes de lesões materiais , tal significa que o mesmo não quis excluir a indemnização a título de danos não patrimoniais. (29)
Sucede que, importa não olvidar, e como pertinentemente se chama a atenção no referido Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães e de 18/6/2013, não definindo positivamente o referido diploma legal - no dispositivo do respectivo artº 7º - o âmbito da cobertura subjectiva do seguro de responsabilidade civil automóvel, pois que apenas a recorta negativa e subjectivamente, forçoso é que para o efeito se deve antes recorrer aos dispositivos legais que enformam os quadros gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos, ou seja, será sempre em função das normas do Código Civil atinentes à Responsabilidade civil por factos ilícitos que importará aferir se às AA/apeladas é conferido o direito à reparação dos danos não patrimoniais sofridos.
Ora , como é por demais consabido, incontornável é que o Artº 496º, nº2, do CC , como bem se nota no Ac. do TRPorto de 19/3/2012 (30), alude a um dano indirecto [ de terceiro que não é o lesado imediato, ou aquele cujo direito foi ilicitamente violado pelo lesante - cfr. artº 483º, nº1, do CC - , aludindo a um dano moral por ricochete (31) ], pressupondo a sua aplicação - sempre - a “morte da vítima”, que é o mesmo que dizer, exige a verificação de um facto típico e ilícito gerador da responsabilidade civil, e sendo ele aquele que causou a ''morte da vítima'' ( in casu o infeliz Domingos da Eira).
É assim que, como bem esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (32), a referência especial - no artº 496º, nº2, do CC “ (…) ao caso de o facto ilícito ter provocado a morte da vitima tem por objectivo designar o titular do direito à indemnização e as pessoas cujos danos ( não patrimoniais) devem então ser tomados em linha de conta “.
De resto, ainda no âmbito do direito - referente ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - pretérito [ revogado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto ] , de responsabilidade civil automóvel , havia já quem ( vide v.g. o Ac. do STJ citado e de 8/1/2009, in Proc. nº 08B3722 ) sustentasse que, da evolução histórica da redacção do artigo 7.º do Decreto-Lei nº 522/85, o que resultava não era um qualquer fio condutor que apontasse para uma protecção especial dos familiares, mormente dos familiares do condutor, antes apontava tal normativo para uma preocupação do legislador em não os discriminar - os referidos familiares - quanto aos danos pessoais e em os afastar da sua exclusão por terem tal qualidade , não preenchendo assim o artº 7º o que as directivas deixaram em vazio quanto a favorabilidade dos familiares.
Ora, estando em causa a morte do condutor de veículo seguro responsável pelo acidente, não apenas não existe lesado imediato ( ou a vítima ), como a fortiori não existe o terceiro lesante e sobre o qual há-de incidir a obrigação de indemnizar, quer o dano directo ( nos termos do artº 483º, do Código Civil ) , quer o indirecto ( nos termos do artº 496º, nº2, do Cód. Civil ).
Em suma, como com clarividência se nota no já citado Ac. do TRP de 19/3/2012, sendo incontornável que a responsabilidade civil por actos ilícitos pressupõe que o agente lesante e a vítima que sofre o dano - resultando este último do facto ilícito pelo primeiro praticado - sejam pessoas distintas, não fazendo de resto sentido que possa haver dano indirecto sem dano directo imputável, como que em última análise falecem os pressupostos exigíveis da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos ( antes brota o dano directo de facto praticado pelo próprio lesado imediato).
E, não existindo obrigação de indemnizar que impenda sobre o condutor do veículo seguro responsável pelo acidente, a fortiori não pode portanto sobre a Ré Seguradora incidir qualquer obrigação de indemnização, pois que , como é consabido, o contrato de seguro visa tão só cobrir a responsabilidade que incida sobre pessoa que seja civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros ( cfr. artº 1º, nº 1, do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro).
Curiosamente, este último entendimento, para além de sufragado por este mesmo Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão de 15/10/2013, foi outrossim, e no mesmo dia, defendido pelo STJ em Acórdão proferido igualmente a 15/10/2013 (33), sendo que, porque pertinentes e clarificadoras, transcrevem-se de seguida algumas das respectivas e doutas passagens :
“(…)
Como resulta do disposto no art. 483º, n.º 1 do CC. são pressupostos essenciais da obrigação de indemnizar (para além do dano e do nexo causal) a ocorrência de um facto ilícito e culposo que possa ser imputável a determinado agente, o que significa que estamos em presença de factualidade constitutiva do direito à indemnização, que, como tal, tem de ser alegada e provada por quem invoca o direito à indemnização (no caso pelos AA.).
Ora, no caso concreto, o cumprimento do referenciado ónus passava, necessariamente, pela prova de que o condutor culpado (lesante) era outrem (…) que não a própria vítima, marido e pai dos AA.
É que, como é manifesto, em sede de responsabilidade fundada na culpa, está excluída a coincidência entre lesante e lesado.
De facto, segundo as regras que disciplinam a responsabilidade civil (C.C.), pelos danos infligidos pelo agente a si próprio não há qualquer responsabilidade por factos ilícitos, seja a que título for, não se gerando, portanto, qualquer obrigação de indemnizar.
Para que tal obrigação se constitua o agente há-de ter violado o direito de outrem ou lesado interesses alheios, como determina o Art.º 483º, n.º 1 do CC., estabelecendo, assim a conhecida regra da alteridade, regra que o D.L. 522/85 de 31/12 (seguro obrigatório) ou o que se lhe seguiu - D.L. 291/2007 - não excepciona.
Assim sendo, em matéria de responsabilidade civil fundada na culpa, decorrente do acidente de viação, a prova da culpa terá de incluir a prova de que o lesado é terceiro em relação ao condutor culpado.
(…)
Logo, parece claro, ser elemento constitutivo do direito à indemnização, não ser o lesado, simultaneamente, o condutor responsável pelo acidente.
Tal circunstância, tem, por conseguinte, de ser provada por quem se arroga o direito à indemnização.
(…)
Assim, não tendo os AA. satisfeito integralmente o ónus da prova que sobre eles recaía, não provaram todos os fundamentos de facto necessários à constituição da obrigação de indemnizar, a que se arrogam.
Em suma, em razão de tudo o supra exposto, temos para nós que, inevitavelmente, a apelação tem necessariamente que proceder in totum, impondo-se a revogação da sentença apelada.
*
5.- Sumariando .
I - Não resultando da lei do seguro obrigatório a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares de condutor de veículo automóvel falecido em acidente e do qual foi o único responsável, apenas nas regras gerais do CC e atinentes à responsabilidade por factos ilícitos podem os referidos familiares ancorar o impetrado direito a uma indemnização:
II- Porém, porque em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos e fundada na culpa está excluída a coincidência entre lesante e lesado, e , ademais, porque nos termos do nº2, do artº 496º do CC, apenas é reconhecido aos familiares o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos em razão da morte da vítima , tal obriga a que a que o lesado seja terceiro em relação ao condutor culpado.
III - Em última análise, portanto, para efeitos do direito à indemnização a que alude o nº2, do artº 496º, do CC, integra elemento constitutivo a prova de que o lesado não é, simultaneamente, o condutor responsável pelo acidente.
IV - Ora, tendo-se in casu provado que do acidente de viação resultou a morte do condutor do veículo automóvel nele interveniente, e de cuja ocorrência foi o ele o único responsável, necessariamente tem de improceder a acção intentada pelo seu cônjuge e filhos com vista à condenação da Seguradora - e no âmbito de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreram com a morte daquele.
***
6. Decisão.
Termos em que,
acordam os Juízes na 2 dª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , julgando a apelação procedente:
6.1.- Alterar a decisão da primeira instância proferida sobre a matéria de facto ;
6.2.- Revogar a sentença recorrida.
Custas da apelação pelas apeladas .
***
(1) O qual integra o Anexo 7, do Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Almedina, págs. 593 e segs..
(2) Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1987, Vol. IV, pág. 570 e segs..
(3) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.
(4) Cfr. Prof. Antunes Varela, ibidem.
(5) In “ Do Conceito de Prova em Processo Civil“, 1961, págs 400 e segs..
(6) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, pág. 122.
(7) Cfr. Ac. de 18/9/2012, Proc. nº 7477/10.4TBBRG.G1, e disponível in www.dgsi.pt ..
(8) Cfr., de entre outros, os Ac.s do STJ de 23/4/2009 e de 7/7/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt ..
(9) Ibidem, pág. 273.
(10) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem , pág. 276.
(11) Cfr. Tabela do Instituto de Engenharia Mecânica, Instituto Superior Técnico e Núcleo de Investigação de Acidentes Rodoviários , e referida por Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem , pág. 273.
(12) Cfr. Ac. do STJ de 6/7/2011, Proc. nº 129/08.7TBPTL.G1.S1 , disponível in www.dgsi.pt, e citando-se A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 435.
(13) Nos termos do qual “ A responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida no artigo 503.º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no artigo 506.º, n.º 1, do mesmo Código “, in DR I Série, de 1994-03-19, e objecto da Declaração de Rectificação n.º 8/94, de 7 de Abril de 1994, a qual não alterou o indicado texto do Assento, mas tão-só parte da respectiva fundamentação.
(14) Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 26/6/2003, Proc. nº 02B2294 , in www.dgsi.pt , e de cujo sumário consta que “ A inobservância de leis e regulamentos, e em especial, a prova da violação de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses, como são as regras do Cód. da Estrada, definidoras de infracções em matéria de trânsito rodoviário, faz presumir a culpa na produção dos danos daí decorrentes “.
(15) In DR nº 146/83 , I SÉRIE , 1º SUPLEMENTO, de 28/6/1983, nos termos do qual “A primeira parte do n.º 3 do artigo 503.º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização”
(16) Segue-se de perto, doravante, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/10/2013, igualmente por nós relatado, e in www.dgsi.pt .
(17) Proferido no Proc. nº 1210/11.0TBVCT.G1, sendo Relatora Maria Rosa Tching, com um voto de vencido e disponível in www.dgsi.pt.
(18) Proferido no Proc. nº 08B3796 , sendo Relator Alberto Sobrinho, e disponível in www.dgsi.pt ..
(19) Proferido no Proc. nº 705/10.8TBPFR.P1.S1,sendo Relator Álvaro Rodrigues e disponível in www.dgsi.pt ..
(20) In Revista n.º 1760/02, Proc. nº 02A1760, 6ª Secção , sendo Relator Afonso de Melo e disponível in www.dgsi.pt.
(21) Proferido no Proc. nº 265/10.0TVPRT.P1 ,sendo Relator José Eusébio Almeida e disponível in www.dgsi.pt.
(22) Proferido no Proc. nº 08B37222, Revista n.º 3722/08 , 2.ª Secção ,sendo Relator João Bernardo e disponível in www.dgsi.pt .
(23) In Revista n.º 1214/08.0TBCVL.C1.S1, 7.ª Secção, sendo Relator Pires da Rosa e disponível in caderno de Oposição de julgados no Supremo Tribunal de Justiça .
(24) In Revista n.º 108/08.4TBMCN.P1.S1, 7.ª Secção, sendo Relator Cunha Barbosa e acessível de Oposição de julgados no Supremo Tribunal de Justiça .
(25) Cfr. o Ac. supra citado do TR de Guimarães, de 7/2/2012.
(26) Cfr. Ac. do STJ de 19/5/1970, citado por Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, Vol. I, 1979, pág. 49, nota 2.
(27) Cfr. Delfim Maya de Lucena, in Danos Não Patrimoniais, pág. 68/69.
(28) Cfr. Leite Campos, in “ Seguro de Responsabilidade Civil Fundada em Acidentes de Viação “ , Almedina, 1971, pág. 66.
(29) Cfr. bem se nota no Ac. proferido por este mesmo tribunal e secção Cível , Proc. nº 476/12.3TBBCL.G1, e disponível in www.dgsi.pt.
(30) Proferido no Proc. nº 265/10.0TVPRT.P1, e disponível in www.dgsi.pt..
(31) Utilizando a terminologia de Américo Marcelino, in Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 2ª Edição, págs 211 e segs. .
(32) In Código Civil Anotado, Vol. I, 1979, pág. 434, nota 3.
(33) In Proc. nº 471/09.0TBPNF.P2.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Moreira Alves, e disponível in www.dgsi.pt..
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Guimarães, 30/1/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte