Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1450/02-2
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: CONTRATO
SUBEMPREITADA
SINAL
CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Contarto de subempreitada - Sinal - Antecipação do Cumprimento - Sinal Moratório
Decisão Texto Integral: 10

Apelação n.º 1450-02 – 2ª secção
Relator –Leonel Serôdio ( n.º 87)
Adjuntos – Manso Raínho e Rosa Tching

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

"A" intentou, nos Juízos Cíveis de Braga, a presente acção declarativa com processo sumário contra "B" pedindo que estes sejam condenados a pagarem-lhe a quantia de 1 080 000$00, acrescida de juros de mora já vencidos no valor de 126.049$00 e dos vincendos, à taxa legal de 12% e até integral pagamento.

Alega, em suma, que, em 10 de Novembro de 1998, celebrou com o R, um contrato verbal de subempreitada, pelo qual este se obrigou a fornecer e colocar uma grade de vedação em ferro, um portão e uma ramada, numa vivenda sita no ..., que a sociedade A., enquanto empreiteira, estava a construir, pelo preço de 2 090 000$00, com IVA incluído.
Mais alega que ficou acordado o dia 25 de Novembro de 98 para entrega da obra, que o R. não cumpriu, adiando sucessivamente a sua conclusão.
Em 11 de Agosto de 1999, pagou-lhe a título de sinal e, por conta do preço, a quantia de 540.000$00 e o R. declarou por escrito que se obrigava a concluí-la por fases e em certos prazos e que em caso de incumprimento desses prazos se obrigava a restituir em dobro a quantia recebida, prescindindo de qualquer compensação pelo trabalho e materiais que prestasse e fornecesse para a referida obra.
Alega ainda que o R. não respeitou nenhuma das fases nem os prazos e que, em 28 de Outubro de 1999, se comprometeu de novo por escrito a terminar a obra até ao final do mês de Novembro e que se não o fizesse se produziam os efeitos do anterior acordo. Apesar disso nada mais fez até ao final do mês de Novembro de 1999.
Alega, por fim, que o contrato em apreço foi celebrado pelo R. marido no exercício da actividade profissional e que é dela que retira os proventos e faz face ao sustento do seu agregado familiar.

O R. marido contestou, alegando em suma, que estava simultaneamente a executar outra obra para a A. e que o trabalho se ia dividindo e alternando entre uma e outra obra, consoante as solicitações dela.
Alega ainda que foi a A. quem não cumpriu o acordado, não lhe tendo pago a percentagem de 40% no momento da adjudicação da obra e de lhe ter exigido diversas alterações, o que contribuiu para os sucessivos atrasos.
Alega ainda que assinou a declaração de 11.8.99 pressionado pela necessidade de pagar salários aos seus trabalhadores.

O R. deduziu reconvenção, alegando que no cumprimento do contrato de subempreitada realizou serviços e forneceu materiais à A. para a obra de Esporões no montante global de 916 555$0 e que por conta daquele valor apenas recebeu 540 000$00, ficando em débito 376 555$00, a que acrescem juros.
Alega ainda que a A. ficou na detenção de material dele que se destinava à construção da ramada.
Conclui pela improcedência da acção e pede que a A. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 440 312$00 e ainda a entregar-lhe o material destinado à construção da ramada que detém na vivenda em Esporões ou o valor correspondente, que ascende a 60 000$00.

A A. respondeu mantendo a posição assumida na petição.

Foi proferido despacho saneador e fixados os factos assentes e a provar, tendo o R. apresentado reclamação de fls. 77 a 79 dos autos, que foi indeferida por despacho de fls. 89 a 91.

O processo prosseguiu os seus termos e, a final, foi proferida sentença que:
- Julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido formulado pela A.;
- Julgou procedente o pedido reconvencional e condenou a A. a pagar ao R. montante de 376 555$00, equivalente a 1.878,25 € (mil oitocentos e setenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos) acrescida dos juros, à taxa legal, desde a citação e a restituir o material para execução da ramada da vivenda de Esporões, referido no artigo 20º do elenco dos factos provados, ou no pagamento de 299,28 € (duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos).

A A. apelou e terminou a sua alegação, com as seguintes conclusões que se transcrevem:
1 - As declarações do Apelado cujo teor se reproduz nos números 17°, 18°, 19° e 20° do elenco de provados não se esgotam legalmente numa confissão da mora em que incorreu, porquanto nelas, o Apelado, além de aceitar ou confirmar o conteúdo contratual e os preços ali discriminados, comprometeu-se a terminar a subempreitada dos autos em determinada sequência e prazos, em caso de cujo incumprimento prescindiu de realizar a sua prestação e de exigir da Apelante, no todo ou em parte, a respectiva contrapartida, ou quaisquer outras importâncias a que porventura tivesse direito, obrigando-se ainda a indemnizar esta mediante a restituição em dobro da quantia de 540 000$00 que então recebeu.
2 - Mesmo que se entenda que os prazos fixados em 11.08.1999 eram desprovidos de efeito cominatório, correspondendo eventualmente a meras alterações do contrato, o referido efeito, aqui acordado e não imposto, teria de considerar-se sempre produzido por força da declaração do Apelado emitida em 28.10.1999, conduzindo à cessação consensual do contrato, e fundando-se tal vontade das partes no incumprimento definitivo por parte do Apelado.
3 - Decorre do exposto que as partes celebraram um acordo revogatário da subempreitada, condicionado ao incumprimento dos prazos atrás referidos, pelo que não faria sentido exigir ainda à Apelante que interpelasse o Apelado fixando-lhe novo prazo para concluir a obra, ou que justificasse objectivamente a perda de interesse no cumprimento da prestação em falta, para poder invocar a conversão da mora em incumprimento definitivo e fazer funcionar os mecanismos indemnizatórios do sinal, dado que os mesmos ou equivalentes efeitos já se haviam produzido por força do aludido acordo, uma vez que a respectiva condição suspensiva se verificou.
4 - Assim, ao contrário do que se julgou pela douta Sentença recorrida, a Apelante tem fundamento no invocado acordo para peticionar a quantia de 1 080 000$00 que o Apelado se obrigou a pagar-lhe a título indemnizatório, no caso do incumprimento que efectivamente veio a suceder.
5 - Por outro lado, os trabalhos realizados pelo Apelado em conformidade com o constante dos números 10, 11 e 12 do elenco de provados, no valor de 916 555$00, do qual resultou, por dedução da entrega de 540 000$00 realizada pela Apelante, o remanescente de 376 555$00 em cujo pagamento foi esta condenada por via de reconvenção, representa apenas uma parte da subempreitada que o Apelado se obrigou a realizar, conforme a mesma se encontra definida na sua declaração escrita de 11.08.2002.
6 - A obra incumbida ao Apelado não foi apenas o fornecimento e colocação dos ditos materiais facturados, mas sim um conjunto mais vasto de trabalhos formando uma unidade prestacional, sendo que apenas a sua realização integral poderia satisfazer o cumprimento da obrigação que o Apelado assumiu, além de que os preços indicados nas facturas foram posteriormente absorvidos pelos valores globais expressos no documento de 11.08.1999 e resultantes de acordo final nessa matéria.
7- Ora, perante o referido nas conclusões 1, 2 e 3 supra, não assiste ao Apelado o direito de receber qualquer importância para pagamento de fracções avulsas da obra, com base em preços que foram negocialmente alterados em sede de fixação conjunta por fases ou sectores da subempreitada.
8 - A colocação no local da obra dos ferros destinados à ramada, porque foi realizada ainda no decurso do prazo concedido ao Apelado para concluir a obra, e que o mesmo assumiu pela declaração de 28.10.1999, constitui um acto que, isoladamente tomado, não gera nenhuma obrigação para a Apelante, uma vez que o Apelado se encontrava comprometido a terminar totalmente a obra até ao final de Novembro, e só nessa condição satisfaria a sua prestação e afastaria as consequências do incumprimento.
9 - Assim sendo, a douta Sentença recorrida deveria ter julgado improcedente o pedido reconvencional, por falecer o respectivo fundamento invocado pelo Apelado.
10 - Ao julgar improcedente a acção, com os fundamentos que manifesta, a douta Sentença recorrida aplicou erradamente o disposto nos artigos 442° e 808° do Código Civil.
11- Simultaneamente, porque sobrepôs o referido regime legal à vontade das partes livremente expressa em matéria inteiramente disponível, violou, inter alia, as normas contidas nos artigos 217°, 224°, 376°,398°,405° e 810° também do Código Civil.
12 - Por derradeiro, determinando a procedência da reconvenção não obstante a mora e falta de prova de cumprimento por parte do Apelado, ofendeu igualmente as normas acabadas de indicar, e ainda o preceituado pelos artigos 798° e 799° do mesmo diploma.”
A final pede que se dê provimento ao recurso e se revogue a sentença recorrida.

O R. contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

O R. recorreu subordinadamente, mas na respectiva alegação suscita apenas a questão da ampliação do objecto do recurso à necessidade de anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto, por não terem sido levados à base instrutória, o por ele alegado nos artigos 68º, 71º, 73º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 117º, 118º e 119º da contestação.
Por isso, como se decidiu no despacho de fls. 220, a alegação será apreciada, como ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artigo 684º-A do C.P.C.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Factos dados como provados na 1ª instância ( indicando-se entre parênteses a correspondente alínea dos factos assentes e artigo da base instrutória):
1 - A A. dedica-se à actividade de construção civil - (A ).
2 - O R. exerce a actividade de serralharia - ( B).
3 - No dia 20/07/98, o R,. a solicitação da A, apresentou a esta orçamento destinado ao fornecimento e instalação de materiais em alumínio lacado e ferro nomeadamente portas, janelas, persianas e portões relativamente ao prédio situado no Lote 14, Quinta das Helenas, S. Victor, Braga - ( C ).
4 - Nesse orçamento constava, em nota, que no caso de adjudicação da obra, os trabalhos na mesma começariam em 16/09/98 - ( D ).
5 - A A. entregou ao R. o fornecimento e instalação de 21,5 metros de grade de ferro metalizado, tubo 50x3 e calha U 30x 15x5 colocadas na caixa de escadas, no valor de 138.352$50, bem como entregou ao R. o fornecimento e instalação de 73 metros de grade de ferro 40x40, arame 11 e tubo 50 com metalização, uma porta em ferro para caixa .de escadas com metalização 0,70x1,50, catorze metros em corrimão tubo 50 metalizado e 1,90 metros de caixilho em L 25x25 e rede 40x40 para caixa de elevador, tudo isto no valor de 522 346$50 - ( E ).
6 - No dia 24/11/98, a A. entregou ao R. a quantia de 350 000$00 relativamente ao referido no número anterior - ( F ).
7 - A A. em Junho de 99 (seis meses após a conclusão da obra) entregou ao R. a quantia de 350 000$00 para pagamento do restante preço do referido na alínea E – n.º 5 - ( G ).
8 - A A. solicitou ao R. orçamento para o fornecimento de um portão de abrir e grades de vedação para a parte Norte de vivenda sita no Lugar de Barbeito, Esporões, Braga - ( H ).
9 - A. e R. acordaram no preço de 150 000$00 (acrescido de IVA) para o portão em ferro 20 e 30 com duas folhas e lanças, todo metalizado com 4,00x3,75 (J ).
10 - Foram instalados na vivenda de Esporões 13,5 metros de grade de ferro com 2,40 e 6,5 metros a 1,20, metalizadas e com lanças, pelo preço de 170 000$00 (mais IVA), além de 27 metros de grade com lanças, todas metalizadas, com 2,40 e 1,50 de altura, pelo preço de 378 000$00 (acrescido de IVA) - ( L ).
11 - A A. solicitou ainda ao réu o fornecimento e instalação na vivenda de Esporões de uma divisória em tubo galvanizado e rede plastificada para o gás, com duas portas, uma tampa para poço, metalizada, uma porta em chapa para motor, metalizada, uma grelha para água com 0,20x2,70, metalizada, um caixilho fixo com 116x180 com vidro verde alumínio lacado branco, 19,5 metros de cantoneira de alumínio polido natural, uma chapa com 0,5 metros colocada em tambor de grua e um aro em tubo 30, com rede 40, arame 12, com 140x0,40, tudo no valor de 99 895$00 (conforme factura n° 246) - ( M ).
12 - Os referidos materiais foram fornecidos e instalados na vivenda referida - (N ).
13 - A A. solicitou ao R. orçamento para a construção de uma ramada, que foi orçada em 220.000$00 (sendo da responsabilidade da autora a abertura dos buracos e construção das sapatas, em cimento, para colocação das vigas em ferro) - ( O ).
14 - O R. marido apresentou à A. orçamento para o fornecimento de 107,5 metros quadrados de grade de ferro 20, torcido, com lanças, metalizadas, para instalação na parte sul do muro da vivenda de Esporões e 20 metros mais, para finalizar a grade da parte norte, o que foi orçado em 1 020 000$00 - ( P ).
15 - A A. entregou ao R. a quantia de 540 000$00 por conta dos materiais e serviços feitos na vivenda de Esporões (quantia que este declarou receber em 11/08/99) - ( Q ).
16 - Em 24/11/98, o R. assinou escrito em que é declarado ir dar seguimento de imediato aos “trabalhos de empreitada da obra de Esporões que constam de: 1°- Um portão de abrir no alçado posterior Sul da vivenda; 2°- Grades de vedação para colocar no muro do lado esquerdo e direito a seguir ao portão", mais sendo declarado que a conclusão de tal empreitada terá de ser feita até 9/12/98, sendo que o não cumprimento do prazo, abandono ou falta de conclusão dos trabalhos será penalizado com vinte mil escudos por cada dia de atraso - ( R ).
17 - Em 2 de Junho de 1999 o R. assinou escrito em que declara reconhecer que as obras que tem para a A. se encontram atrasadas, mais declarando comprometer-se a acaba-las no prazo máximo de quinze dias úteis - ( S).
18 - Em 11 de Agosto de 1999 o R. assinou escrito em que declara o recebimento da quantia de 540 000$00 como adiantamento da empreitada respeitante à vedação do lado sul da vivenda sita em Esporões, "compreendendo grades em ferro maciço de 20 mm, com lanças terminais, com alturas definidas entre ambas as partes, com portão de entrada com duas folhas no mesmo material, com metalização incluída, pelo preço de 1 010 000$00, com IVA incluído, incluindo também a factura n° 246", mais declarando que nessa data se encontravam alguns serviços executados, faltando acabar e completar os mesmos até à terminação, que é da altura dos pilares existentes e a terminar na zona Poente com 1,30 metros de altura, trabalho esse que deverá fiar pronto e acabado em 31/08/99, declarando ainda que a zona norte será igual ao esquema apresentado para a zona sul e que fica pela quantia de 860 000$00, com IVA incluído, com as alturas na mesma definidas, incluindo a porta de serviço, devendo este trabalho ficar concluído em 15/10/99, declarando também que a ramada será executada conforme desenho apresentado, pela quantia de 220 000$00, com IVA incluído, devendo tal trabalho ficar concluído em 15/09/99, declarando por fim comprometer-se, no caso de incumprimento dos prazos referidos a restituir o sinal de 540 000$00, no dobro, não exigindo quaisquer outras importâncias que porventura tenha direito - ( T ).
19 - Em 28/10/99, em escrito assinado pelo R., este declarou acabar a obra de ferro na vivenda em Esporões, conforme declaração anterior, até ao fim do mês de Novembro ficando sem efeito as penalidades anteriores se o prazo for cumprido (e referindo-se aí que no caso de o prazo não ser cumprido, seria accionado processo em Tribunal) - ( T1 ).
20 - O R. marido transportou para a vivenda de Esporões o material para a execução da ramada, no valor de 60 000$00 - ( U ).
21 - O referido nos artigos antecedentes foi praticado pelo R. no exercício da actividade referida em 2 - al. B) – ( 1º).
22 - É com os proventos retirados de tal actividade que o R. custeia as despesas de alimentação, habitação, vestuário e outras do seu agregado familiar - (2º).
23 - O referido em 20 ( al. U) ocorreu em finais de Outubro / princípios de Novembro de 99 - ( 6º).
24 – Nessa altura não estavam feitas as sapatas referidas em 14 - (al. O ) - ( 9º).


FUNDAMENTAÇÃO


A A. pediu a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 1 080 000$00, acrescida de juros de mora, desde 1.12.99.
O fundamento invocado é a celebração de um contrato de subempreitada e a posterior entrega ao R. da quantia de 540 000$00, a título de sinal, que este por escrito se obrigou, caso não acabasse a obra até ao final do mês de Novembro, a restituir em dobro..

Não há divergência quanto à qualificação do contrato celebrado entre as partes como sendo de subempreitada, pelo qual o R., como subempreiteiro, se obrigou para com a A., como empreiteira, a realizar uma obra por um determinado preço.

A questão que se coloca é a de saber que tipo de cláusula consubstancia o documento, datado de 11.8.99, assinado pelo Réu, cujo teor consta da alínea T), acima referida a itálico.

A douta sentença recorrida decidiu que o referido documento estabelece um sinal, mas que os seus efeitos só se aplicam no caso de incumprimento definitivo e não na situação de atraso no cumprimento.

No caso presente, por se estar apenas perante uma situação de mora do R. que o A. não converteu em incumprimento através de interpelação admonitória decidiu não haver lugar à restituição do sinal ( 540 000$00) em dobro.

A A. sustenta que atentas as obrigações assumidas pelo R. no referido documento de 11.08.99 e na declaração emitida em 28.10.99 ( documento transcrito em T1) era desnecessária a interpelação admonitória e que houve cessação consensual do contrato por ter havido uma situação de incumprimento definitivo por parte dele.

O R. defende que a referida quantia de 540 000$00 não foi entregue a título de sinal.

O regime jurídico do sinal está regulado nos artigos 440º a 442º do Código Civil, este último com a redacção que lhe foi introduzida pelo DL. n.º 379/86 de 11 de Novembro.
Apesar de ser mais comum, a sua existência nos contratos promessa, é pacifico que o regime do sinal se aplica à generalidade dos contratos, sem prejuízo da existência de disposições que se aplicam em exclusivo ao contrato de promessa.
O sinal consiste na entrega, por um dos contraentes ao outro, de uma coisa, normalmente uma quantia em dinheiro, efectuada no momento em que se celebra o contrato ou posteriormente. cfr., neste sentido, Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 280 e António Pinto Monteiro in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 164
Se a coisa entregue coincidir, no todo ou em parte, com a prestação a que o tradens fica adstrito, haverá que apurar se foi intenção das partes constituir sinal ou apenas efectuar uma antecipação do cumprimento.
O artigo 440º do Código Civil consagra a presunção de que na generalidade dos contratos a entrega por um dos contraentes ao outro de coisa que coincida, no todo em parte, com a prestação que fica adstrito, valerá como antecipação do cumprimento, não como sinal.
Na parte final do citado artigo ressalva-se naturalmente a vontade contrária das partes. De notar que no contrato-promessa a presunção é de sinal contrário (artigo 441º).
Temos, assim, que saber se as partes tiveram intenção ou não de constituir sinal e qual a natureza dele é questão de interpretação da vontade das partes.


Na interpretação da vontade das partes, os termos por elas usados são um elemento importante a atender.
Contudo se aqueles não forem claros e inequívocos ou se ressaltar da economia geral do contrato que não traduzem a vontade real, o tribunal não deve considerar estar-se perante a constituição de sinal, atenta a presunção estabelecida pelo artigo 440º.

No caso, no documento datado de 11.08.99, consta que o R. começa por declarar que recebeu a quantia de 540 000$00 como adiantamento da empreitada..
No entanto, na parte final consta que o R se compromete “no caso de incumprimento dos prazos referidos a restituir o sinal de 540 000$00, no dobro ...”

O artigo 442º n.º 2 do Código Civil que regula os efeitos do sinal, estabelece que se quem constitui o sinal ( tradens) deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe for imputável, tem o outro contraente ( accipens) o direito de fazer sua a coisa entregue, se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.

A referência expressa a “ sinal” acompanhada da sanção legal que recaí sobre o accipens levou o Tribunal recorrido a decidir que as partes quiseram efectivamente atribuir àquela quantia de 540 000$00 a natureza de sinal.

Como é sabido, a função do sinal é também a determinação prévia e convencional da indemnização, assemelhando-se funcionalmente, à cláusula penal, que pode ser moratória.
Assim, nada impede que as partes convencionem um sinal moratório (indemnização moratória à forfait). cfr. Calvão da Silva, obra citada, pág. 301
Contudo, para que se qualifique um sinal como moratório impõe-se uma inequívoca vontade contratual em tal sentido manifestada.

Ora, para que a acção obtenha vencimento como pretende a A., ora Apelante, tem necessariamente de se interpretar a declaração em causa como constituindo um sinal moratório, pelo qual o R. se obrigou a restituir o sinal em dobro, ou seja, 1 040 000$00, caso não concluísse a obra, nos prazos nela indicados.

No entanto, não se nos afigura, que essa interpretação seja possível.

Em primeiro lugar, é de realçar que o contrato em apreço foi celebrado o mais tardar em Novembro de 98 ( cfr. al. R) e a declaração em causa apenas foi subscrita pelo R. em 11.08.99.
Em segundo lugar, das alíneas H),J), L) N) dos factos assentes ( n.ºs 9 a 12 dos factos provados ) resulta que quando ocorreu a referida entrega dos 540 000$00, o montante global dos materiais e serviços prestados na vivenda de Esporões, pela R. já ascendia a 797 895$00 sem IVA ( 150 000$00 + 170.000$00 + 378 000$00 + 99 895$00).
Por outro lado, logo no inicio da declaração o R. começa por afirmar que recebeu a quantia de 540 000$00, como adiantamento da empreitada, o que, associado ao atrás referido, até aponta no sentido de estarmos perante uma antecipação de cumprimento e não de sinal.

Para além disso, neste caso, a entrega da referida apenas poderia exercer a finalidade de sanção que o sinal pressupõe contra o R. (accipens), sendo certo que a A. nada sofreria se não cumprisse o contrato, pois os materiais e trabalho incorporado por aquele na obra já eram de valor superior à quantia recebida..
Repare-se que na parte final do referido documento consta que o R. declarou que não exigiria “quaisquer outras importâncias que porventura tenha direito.”

Assim, interpretar a cláusula em questão como moratória ofende clamorosamente o que é normal ser o equilíbrio das prestações num contrato de empreitada ( ou subempreitada), sendo certo que por um simples atraso numa obra que já se arrastava há vários meses, o R. sem qualquer contrapartida, teria não só de pagar 1 040 000$00, como renunciava ao direito de receber qualquer importância.
Estaríamos perante uma cláusula que sem qualquer justificação concedia à A. benefícios excessivos.
Por conseguinte, havendo fundadas dúvidas, sobre qual foi a intenção das partes, a cláusula em causa não pode ser considerada como sinal moratório.

Ora, como foi devidamente apreciado na sentença recorrida, para cujos fundamentos se remete, atento o regime estabelecido pelo artigo 442º n.ºs 2 e 4 do Código Civil e não se estando perante contrato-promessa, é pacífico que os efeitos do sinal não se aplicam em caso de mora, mas apenas perante o incumprimento definitivo.
Como também dela consta, apesar do escrito assinado pelo Réu marido em 28/10/99 que reconhece que caso não cumprisse o prazo seria accionado em tribunal, não há elementos de que resulte haver incumprimento definitivo.
De salientar que atenta a natureza da obra nada obstava a que fosse concluída em momento posterior.
Por outro lado, não houve interpelação admonitória e a A. não alega factos donde resulte que tenha objectivamente perdido o interesse na conclusão da obra.

Improcede, pois, o recurso do Apelante, na parte em que pretende a procedência da acção.

A questão da pretendida ampliação da base instrutória suscitada pela Ré para quesitação do alegado nos artigos 68º, 71º, 73º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 117º, 118º e 119º da contestação está prejudicada, pela interpretação dada à declaração constante do documento

De qualquer forma, como já foi decidido no despacho que conheceu a reclamação por ele apresentada da base instrutória, o alegado nesses artigos ou não pode ser quesitado ou é irrelevante para a decisão.

De referir que o R. na reclamação que apresentou propunha que se quesitasse se tinha sido obrigado a assinar as declarações referidas nas alíneas R), S) e T), o que manifestamente não é possível por conter um juízo de valor, que equivale a matéria de direito.
Por outro lado, os poucos factos alegados não tem relevância, pois não permitem concluir que tenha havido qualquer vício na formação da sua vontade, designadamente que estivesse sob coacção quando assinou os documentos a que se reportam as referidas alíneas.
Não há, pois, qualquer fundamento para se ordenar a ampliação da matéria de facto.

Importa, agora, apreciar o pedido reconvencional

Há indiscutivelmente mora do Réu e este não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele recaí, nos termos do artigo 799º n.º1 do Código Civil.
De salientar que o Réu não logrou provar, como alegava, que depois de ter transportado o material para construção da ramada, se deslocou à vivenda para realizar os trabalhos e que umas vezes a encontrou fechada e de outras vezes lhe foi dito que se retirasse ( respostas negativas aos artigos 15º, 16º a 17º da base instrutória).
Assim sendo, é inequívoco que o R. não cumpriu integralmente o acordado com a A. e plasmado no escrito particular a que alude a alínea T), cuja validade não está em causa, apesar de se ter entendido que não integra um sinal moratório.
Tem, pois, razão a A. na sua conclusão 6ª quando afirma que o R. estava obrigado à realização de uma obra, ou seja, a um conjunto de trabalhos formando uma unidade e não apenas ao fornecimento e colocação dos materiais referidos nas facturas, cujos valores foram depois englobados no referido documento
Por isso, não tendo o R. concluído a obra e não tendo ilidido a presunção de culpa, que sobre ele recai, não tem direito a reclamar da A. o pagamento da diferença entre a quantia que ela lhe adiantou e o valor dos materiais e serviços por ele prestados.
Como atrás se referiu, o R. como subempreiteiro, estava obrigado a realizar um obra ( artigo 1207º do Código Civil) e a A. apenas está obrigada a pagar o preço no acto da sua aceitação. ( artigo 1211º n.º2 do C.C.).
Não devia assim ser julgado procedente o pedido reconvencional na parte em que condena o A. a pagar os R. a quantia 376 555$00, acrescida de juros.

Procede, pois, o recurso nesta parte.

DECISÃO:

Julga-se a apelação da A. parcialmente procedente e revoga-se a sentença na parte em que a condenou a pagar ao R. € 1 878, 25 ( equivalente a 376 555$00), acrescida de juros a contar da citação.
No mais confirma-se a sentença recorrida.

Custas nesta e na 1ª instância por A. e R. na proporção do vencimento.

Guimarães, 29-01-2003