Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3285/13.9TBVCT.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ALCOOLÉMIA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A prova por presunção é aquela que, partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um ou facto.
2. As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência.
3. É admissível o recurso a presunção judicial para se estabelecer o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e um acidente de viação, tendo em conta o grau de alcoolemia do condutor e o circunstancialismo inerente à ocorrência do acidente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente: Manuel … (réu);
Recorrida: Companhia de Seguros …, S.A. (autora);

*****

Pedido:
A condenação do réu no pagamento à autora da quantia de € 10.786,23, acrescida dos juros vincendos à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

Causa de pedir:
O Réu foi interveniente em acidente de viação que ficou a dever-se exclusivamente à sua conduta, influenciada pela taxa de álcool no sangue de 1,63 gr/litro, de que era portador no momento daquele evento, resultando danos para o outro veículo interveniente, bem como outras despesas, que foram por si ressarcidas, no valor peticionado na presente acção.

A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.

Realizada a audiência de julgamento, o tribunal recorrido proferiu decisão a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu Manuel … a pagar à Autora Companhia de Seguros …, S.A. a quantia de € 10.602,48, acrescida de juros de mora, calculados às taxas previstas para os juros comerciais, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o réu, de cujas alegações se extraem, em súmula, as seguintes conclusões:
I - O tribunal “a quo” considerou provado que: “A TAS de que o réu era portador perturbava-lhe a capacidade de reacção, de concentração e de atenção, diminuindo-lhe os reflexos e o domínio da viatura que conduzia, e incutindo-lhe um excesso de confiança ao ponto de, sem qualquer outra razão que não o álcool, o Réu não ter mantido o domínio ou o normal controlo do XD”. (Ponto 10) e “Devido à influência do álcool … o ora Réu não logrou prestar a devida atenção ao meio envolvente nem conduzir o veículo à velocidade mais apropriada à curva em que ocorreu a colisão.” (Ponto 11), o que constitui notório erro de julgamento, decorrente de deficiente apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.
II - Nenhum facto concreto foi alegado pela A./Recorrida e provado em audiência de julgamento ou que resultasse da dinâmica do sinistro que demonstrasse a interferência da alcoolemia no seu processo causal, quando sobre a mesma recaía o ónus da alegação e prova dos factos constitutivos do direito de regresso que peticiona.
III – Sem qualquer suporte fáctico provado em julgamento, o tribunal “a quo” considerou provado que “Devido à influência do álcool … o ora Réu não logrou conduzir o veículo à velocidade mais apropriada à curva em que ocorreu a colisão (Ponto 11).”, tal como é vertido no texto da sentença recorrida (página 7 – último parágrafo), que se dá por reproduzido.
IV - O Tribunal “a quo” apenas, por mera ilação ou presunção judicial deu como provados os factos conclusivos nos pontos 10 e 11 da matéria provada na sentença recorrida, sendo insuficiente para demonstrar o nexo de causalidade adequada entre a influência alcoólica do R./Recorrente e o resultado danoso ocorrido com o sinistro.
V- O Tribunal “a quo” deu como provado, que o desencadear do acidente deveu-se ao facto do R./Recorrente ter deixado derrapar seu veículo, de noite, numa curva, em tempo de chuva e piso molhado, circunstâncias que não foram tidas em consideração, quando devia, na decisão final.
VI - Nenhum facto ficou provado que sustente que a derrapagem do veículo do R./Recorrente teve como causa real, efectiva e adequada o estado de alcoolemia do R./Recorrente, nem tal resulta da própria dinâmica do acidente.
VII – É do conhecimento geral e das regras da experiência que derrapar (deslizar repentinamente, escorregar) as rodas de um veículo em andamento, num piso molhado, em tempo de chuva e de noite, acontece com muita regularidade e não está directamente ligado ao facto de o condutor conduzir ou não etilizado.
VIII – Por consequência e em conformidade com o exposto supra, se profira decisão que altere os pontos 10 e 11 dos “factos provados” para não provados e se julgue inexistente o nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool do R e a produção do sinistro, absolvendo o R./Recorrente do pedido.
Pede que se modifique a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do alegado e concluído supra e, por consequência, se revogue a sentença recorrida, absolvendo o R./Recorrente do pedido.

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artigo 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

A questão suscitada pelo recorrente cinge-se à invocação de erro na apreciação da matéria de facto, mais concretamente à alteração dos pontos 10 e 11 no sentido de “não provados”.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;


1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1.0_ A "A… SA", é uma sociedade constituída sob a forma comercial que tem por objecto a actividade seguradora.
2.°_ No exercício dessa sua actividade celebrou em 9 de Abril de 2010 um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n° 200397026, a qual, sendo renovada anualmente, garantia a responsabilidade civil contra terceiros inerente à circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …-76-XD.
3.°_ No dia 13 de Novembro de 2011, pelas 01h 30m, verificou-se um acidente de viação na EN 305, ao km 32,600, em Mujães, em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com as matrículas 65-EE-58 e …-76-XD, este último conduzido, à data, pelo Réu Manuel ….
4,°_ Naquele dia, hora e local estava a chover, o piso encontrava-se molhado e o "EE" circulava pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, na direcção de Barroselas, a uma velocidade não superior a 50 Km/h.
5.°_ Nessas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o Réu conduzia o veículo …-77-XD, no sentido Barroselas - Viana.
6.°_ Ao abordar uma curva à sua direita, o Réu deixou o seu veículo derrapar, invadindo por inteiro a hemi-faixa de rodagem contrária por onde seguia o "EE" em sentido oposto.
7.°_ Devido a essa invasão, o cruzamento dos veículos tornou-se impossível no local curvilíneo em questão, dando-se então uma colisão frontal entre ambos.
8,°_ O embate ou colisão entre os dois veículos ocorreu na parte lateral da frente e lados esquerdos dos mesmos (lado dos condutores).
9.°. O Réu conduzia animado duma TAS de 1,63 gr/litro no sangue.
10,°- A TAS de que o Réu era portador perturbava-lhe a capacidade de reacção, de concentração e de atenção, diminuindo-lhe os reflexos e o domínio da viatura que conduzia, e incutindo-lhe um excesso de confiança ao ponto de, sem qualquer outra razão que não o álcool, o Réu não ter mantido o domínio ou o normal controlo do XD.
11.°- Devido à influência do álcool, com diminuição de reflexos, distorção da visão periférica, euforia anímica e inconsideração das reais circunstâncias de tempo e condições da via, o ora Réu não logrou prestar a devida atenção ao meio envolvente nem conduzir o veículo à velocidade mais apropriada à curva em que ocorreu a colisão.
12.°- Em consequência do acidente supra descrito e à violência do embate frontal dos veículos, sofreu o EE "Perda Total", que determinou com que a companhia de seguros respectiva, a congénere "Tranquilidade", por virtude da apólice cobrindo "danos próprios" do tomador do seguro (apólice n? 0002726328) o tivesse indemnizado com o pagamento da verba em pecuniário de € 10.231,20 cujo reembolso, depois, veio reclamar à Autora.
13.°_ A Autora pagou tal quantia à Tranquilidade em 15 de Junho de 2013.
14.°- Pagou ainda a Autora, por via da ocorrência do acidente de viação supra descrito, as seguintes quantias:
b) à GNR, € 6,00 pelo custo da certidão do auto de notícia;
c) à entidade que averiguou e confirmou a existência do sinistro, € 178,35;
d) ao Município, € 263,28 pelo custo de limpeza da via;
e) à USAM, € 108,00 pelo custo de atendimento na Urgência do condutor do EE;
f) à UON Consulting, S. A., € 61,50 pela realização de uma peritagem ao EE.
15.°- A Autora não informou o Réu sobre o estado das negociações tendentes à determinação dos danos e fixação do montante indemnizatório a pagar ao lesado.
16.°_ A Autora não informou ou ouviu o Réu sobre o montante indemnizatório a pagar, perda total do veículo e valor do salvado.
*
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
1.°_ Nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o acidente de viação descritos nos factos provados o Réu imprimisse ao XD uma velocidade superior a 70Km/h.
2.°_ No momento da colisão com o EE, a velocidade do veículo conduzido pelo Réu fosse inferior a 5üKm.
3.°_ Nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o acidente de viação descritos nos factos provados, o Réu pretendesse virar para um entroncamento do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que seguia.
4.°_ A derrapagem do XD tivesse origem num súbito rebentamento do pneu da roda da frente do lado esquerdo desse veículo.
5.°_ O EE tivesse sofrido danos apenas na parte da frente do lado esquerdo.
6.°_ O montante necessário para a reparação dos danos sofridos pelo EE não excedesse os € 3.000,00.
7.°_ O valor venal do EE à data do acidente de viação fosse diverso daquele que lhe foi atribuído.
8.°_ O valor do salvado (EE) não fosse inferior a € 5.000,00.

*****

2. De direito;


a) Impugnação da matéria de facto;

Pretende o recorrente/réu a modificação da matéria de facto no que respeita aos pontos provados supra nºs 10 e 11 da sentença, no sentido de serem considerados ‘não provados’.
É a seguinte a redacção de tais pontos de facto:
«10,°- A TAS de que o Réu era portador perturbava-lhe a capacidade de reacção, de concentração e de atenção, diminuindo-lhe os reflexos e o domínio da viatura que conduzia, e incutindo-lhe um excesso de confiança ao ponto de, sem qualquer outra razão que não o álcool, o Réu não ter mantido o domínio ou o normal controlo do XD.
11.°- Devido à influência do álcool, com diminuição de reflexos, distorção da visão periférica, euforia anímica e inconsideração das reais circunstâncias de tempo e condições da via, o ora Réu não logrou prestar a devida atenção ao meio envolvente nem conduzir o veículo à velocidade mais apropriada à curva em que ocorreu a colisão».

Apreciando.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto, face ao invocado erro na avaliação da prova, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 662º, do CPC, e, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam Nesta concepção, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório., mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de se firmar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida, e no que se refere à questão da convicção, já não estará em causa cingir apenas a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas antes formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos (cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 16.12.2010, proc. 2401/06.1TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt)..

Essencialmente, a discordância do recorrente quanto à matéria fáctica em causa alicerça-se, na sua óptica, na inexistência de qualquer elemento probatório quanto a esse factualismo e em ser insuficiente a ilação ou presunção judicial para demonstrar o nexo de causalidade adequada entre a influência alcoólica do réu e o resultado danoso.
Quanto aos aludidos pontos 10 e 11, o tribunal motivou-os, em sede de fundamentação de facto, da seguinte forma:

« Já o teor dos factos dados como provados nos pontos 10.° e 11.° explica-se com recurso não só às regras de experiência comum, como também (e principalmente), atendendo aos conhecimentos da medicina, tendo como referência que, na altura em que ocorreu o acidente de viação, o Réu apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,63 g/l, ou seja, mais do triplo do limite (0,50 g/l) a partir do qual a conduta constitui a prática de uma contra-ordenação, nos termos do disposto no art." 81.°, n." s 1 e 2, do Código da Estrada, e claramente acima da taxa de 1,2 g/l, que marca a baliza a partir da qual o legislador considera que a condução é realizada em estado de embriaguez, tipificando essa conduta no artigo 292.°, n." 1, do Código Penal como integrando a prática de um crime.
Portanto, na altura em que teve o lugar o acidente de viação, o Ré conduzia o EE em estado de embriaguez, sendo legítimo concluir que foram as alterações comportamentais provocadas por essa concentração de álcool no sangue, designadamente a significativa redução das capacidades de visão, atenção e reacção, que determinaram a perda de controlo da viatura e subsequente invasão da hemi-faixa contrária de trânsito, a que se seguiu o embate com o EE.
Aliás, dos depoimentos das testemunhas supra referenciadas resulta que o estado de embriaguez em que o Réu se encontrava repercutia-se no seu comportamento logo após o acidente de viação, tendo inclusivamente levado a que um dos militares da GNR presentes no local apresentasse contra o mesmo uma queixa-crime por ofensas à integridade física».

Vejamos:

No que concerne à alegada omissão de quaisquer outros meios de prova que possam ter alicerçado a convicção formada pelo tribunal recorrido, na valoração da prova e resposta positiva àqueles pontos de facto nºs 10 e 11, tal não corresponde à verdade.

Com efeito, ouvidos e escrutinados os depoimentos gravados da audiência, em consonância com os demais elementos de prova carreados para os autos, nomeadamente fotografias do local de acidente, participação do sinistro e sobretudo o conteúdo do relato feito pelas testemunhas Manuel …, condutor do outro veículo interveniente do acidente e, Pedro …, guarda da brigada da GNR que elaborou a participação do sinistro, por aí transitar ocasionalmente (naquele local, àquela hora) e não por ter sido chamado a tal ocorrência, foram ambos unânimes em afirmar que o condutor do veículo de matrícula …-76-XD se encontrava visivelmente embriagado e cujo comportamento influenciou a sua conduta rodoviária, sendo tal causa da invasão da hemifaixa contrária e embate no veículo que aí transitava.

A testemunha Manuel … narrou que o dito condutor “falava sempre a mesma coisa”, “estava tropeço” e foi violento com os agentes da GNR, devendo-se isso ao facto de estar alcoolizado.

Por seu turno, a testemunha Pedro … reiterou que o mesmo também se apresentava com sinais de estar sob a influência de álcool, estava nervoso, exaltou-se e agrediu um seu colega militar, sem razões para assim proceder, não fora aquele seu estado. Acrescentou que, na sua perspectiva, o acidente foi devido a esse estado de alcoolemia.

Já noutra vertente, no que tange à fundamentação da sentença, estatui o artº 607º, nº 4, do CPC, que o juiz declara quais os factos provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; além disso, compatibiliza ainda toda a matéria de facto adquirida e extrai dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência.

O artº 349º do Código Civil (CC) define presunções judiciais como as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

A prova por presunção é, portanto, aquela que, partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um ou outro facto.

As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência. Neste sentido, vide A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. Pág. 502.

No caso em apreço, não obstante a livre apreciação da prova contida no supracitado preceito do artº 607º, do CPC, o julgador a quo explicita de forma coerente, adequada e razoável os fundamentos dessa sua convicção, no tocante ao nexo de causalidade entre a conduta negligente e contra-ordenacional do recorrente (invasão da metade da faixa de rodagem contrária) e o efeito determinante da taxa de alcoolemia de que era portador.

De salientar, na esteira, aliás, de recente Acórdão deste TRG de 30.01.2014, proc. 2380/08.0TBFAF.G1, que « (…) no que concerne ao recurso a presunções judiciais em sede de fixação da matéria de facto e no âmbito de acidentes de viação, recorda-se que, também para estabelecer o nexo de causalidade entre a “condução sob o efeito do álcool” e um acidente de viação, nada obsta outrossim a que se lance mão das referidas presunções, e isto porque, como igualmente bem se adverte no já citado Ac. do STJ de 7/7/2010, “está cientificamente estabelecida – e revelada pela experiência comum – uma relação entre o álcool e a diminuição das capacidades de vigilância e rapidez de reacção, que naturalmente varia em função da quantidade de álcool no sangue e das pessoas em concreto, mas que constitui base suficiente para as referidas presunções.”

É que, como bem nota Luís Pires de Sousa Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, pág. 273.

, em causa está uma “ matéria em que as máximas da experiência de índole científica, designadamente no campo da medicina e biologia, são chamadas a ter um papel esclarecedor e determinante porquanto o seu fundamento cognoscitivo assenta em conhecimentos científicos dotados de um grau de probabilidade muito elevado”».

E se é certo que a condução sob o efeito e/ou a influência do álcool é potenciadora de reflexos diminuídos e tempos de reacção limitados, importa ter presente que, in casu, o nexo causal entre a conduta rodoviária do apelante com taxa de álcool no sangue e o acidente é sopesada e avaliada noutros elementos fácticos disponíveis, como seja o efectivo grau de alcoolemia (1,63g/l), a dinâmica do acidente e o condicionalismo espacial e temporal que rodeou a ocorrência do mesmo e relatado inclusive pelas testemunhas (v.g, nervosismo e exaltação do condutor, linguagem desconexa e repetitiva do mesmo, dificuldade de locomoção e ainda agressão a um dos elementos da brigada da GNR).

Em suma, aquilatando ainda que os efeitos do álcool mais comuns (e logo a partir de uma taxa de alcoolemia não superior a 0,3/0,5g/l), no que respeita à condução automóvel, estão relacionados precisamente com uma menor rapidez de decisão do condutor, uma sua descoordenação de movimentos, um aumento do respectivo tempo de reacção e a diminuição dos seus reflexos e capacidade percepção das distâncias, bem como uma redução acentuada da sua capacidade de visão, à luz de um juízo de prognose ulterior Vide o citado Ac. de 30.01.2014 deste TRG, in dgsi. não pode deixar de se concluir que se mostra acertada a resposta positiva constante dos assinalados pontos 10 e 11 da decisão de facto.

Improcede, pois, a apelação.


Sintetizando:
1. A prova por presunção é aquela que, partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um ou facto.
2. As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência.
3. É admissível o recurso a presunção judicial para se estabelecer o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e um acidente de viação, tendo em conta o grau de alcoolemia do condutor e o circunstancialismo inerente à ocorrência do acidente.

*****

IV – Decisão;

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.


Guimarães, 11.06.2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira