Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
70/17.2T8EPS.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DESTITUIÇÃO DE ADMINISTRADOR
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A justa causa de destituição do administrador de uma sociedade e os factos que a integram devem constar na ata de deliberação da respetiva destituição ou, por outras palavras, só os factos constantes da ata podem valer (desde que provados em julgamento) para efeito da aferição da existência de justa causa;

II – Com a destituição de um administrador contratado para esse cargo por um determinado período de tempo ocorre, em princípio, um dano correspondente à perda de ganho que o mesmo, segundo o curso natural das coisas, auferiria não fora a destituição;

III - Ao lesado é, todavia, vedado fazer exigências irrazoáveis reveladoras de um comportamento abusivo que, no caso da indemnização por destituição sem justa causa, poderá traduzir-se na circunstância de ter tido a possibilidade de obter uma ocupação e a ter desaproveitado, circunstância essa que, porém, caberá à sociedade alegar e provar;

IV - Não é abusivo o comportamento de quem, por o não considerar como uma real proposta de trabalho, rejeita um cargo que lhe foi “atribuído”, pela sociedade de cuja administração foi destituído, em circunstâncias que objetivamente levam a excluir a seriedade da intenção a tal subjacente;

V - O administrador destituído sem justa causa pode peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais, mas o limite máximo da indemnização previsto art. 403º, nº 5, do CSC impõe-se quer a indemnização assente em danos patrimoniais, quer em danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

MARIA propôs a presente ação declarativa de condenação contra X – CRISTAIS E CERÂMICAS, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 33.705,00, a título de indemnização pelos danos por si sofridos (danos patrimoniais no montante de € 28.705,96 e danos não patrimoniais no montante de € 5.000,00) em consequência da sua destituição sem justa causa do cargo de administradora da ré, quantia essa a que acrescem os juros de mora, contados à correspondente taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Citada, a Ré veio apresentar contestação, excecionando a incompetência material do tribunal, alegando que a destituição ocorreu com justa causa e impugnando todo o demais alegado pela autora.

A Autora veio responder à matéria de exceção, tendo-se decidido no despacho saneador, proferido em sede de audiência prévia, pela competência material do tribunal.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência, a condenar a ré a pagar à autora as quantias de € 25.497,56 (vinte e cinco mil quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da citação até efetivo e integral pagamento, e de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros contados desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento.

Inconformada, recorre a Ré, formulando as seguintes conclusões:

. A Mma. Juiz a quo considerou, na sentença sob recurso, ser a ré responsável pelo ressarcimento dos danos reclamados pela autora em consequência da sua destituição do cargo de administradora, por não se verificar justa causa de destituição nem ter havido uma proposta séria de emprego por parte da ré à autora, a esta causando prejuízos que computou nos montantes que constam da condenação.

. O conjunto dos factos provados constantes dos pontos 5, 6, 7, 11, 12, 13,14,17 e 18, são plenamente adequados e suficientes a deles se retirar a conclusão jurídica de existir justa causa de destituição da autora de administradora da ré, pelo que ao assim não o declarar na sentença, incorreu a Mma Juiz a quo em erro manifesto na apreciação da prova.

. Da factualidade provada no ponto 18. dos factos provados, consta que “As situações de conflito que ocorreram nas instalações da ré foram despoletadas pela autora por causa do mau-estar causado pela situação de conflito conjugal…”, o que, conjugado com a demais prova, nomeadamente documental, fundamenta a decisão de destituição da autora por parte da ré, com justa causa.

. Do depoimento da testemunha A. A. gravado sob o ficheiro 20171019144048_5433835_2870579, de 19-10-2017, de 14:40:49 até 15:10:38, (minuto 00:19:16 até ao minuto 00:27:08), transcrito no corpo desta alegação, resulta suficientemente demonstrada factualidade que é relevante para o conhecimento do mérito da causa e que deve constituir matéria de facto considerada provada, a acrescer à demais matéria provada, com o seguinte teor: «A autora disse à técnica oficial de contas da ré: “Eles julgam que fazem de mim o que querem, mas quem lhes vai dar cabo da vida vou ser eu! Vai a empresa e eles vão atrás!», devendo, assim, ser dado por provado o facto constante da alínea a) dos factos não provados.

. Ao considerar não provado o facto constante da alínea a) dos factos não provados, a Mma Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação do teor do depoimento da testemunha A. A. e do valor do mesmo para efeitos probatórios, quando o depoimento dessa testemunha foi tido como prestado “de forma séria, objectiva, circunstanciada e descomprometida, assim logrando o convencimento do tribunal (tanto mais que não revelou qualquer atitude de hostilidade para com a autora, o que se afiguraria natural uma vez que também foi implicada numa das discussões).”

. Porque se mostra relevante para o mérito da causa, por via do excerto transcrito do depoimento da testemunha A. A., deveria ter sido dado por provado o facto alegado no artº 33º da contestação, ou seja, “O facto de a sociedade R. ter proposto à A. o exercício das funções de relações públicas prendeu-se unicamente com as suas capacidades já anteriormente demonstradas de organizar e promover a orientação de trabalhos de marketing e de organização e decoração das salas de exposições da empresa nas diversas feiras comerciais em que se fez representar.” o qual deve ser acrescido à factualidade provada.

. Da acta da deliberação da ré, junta aos autos, bem como da correspondência trocada entre as partes, conjugadas com o excerto transcrito no corpo desta alegação do depoimento da autora gravado sob o ficheiro 20171004101145_5433835_2870579, de 04-10-2017, 10:11:47 até 04-10-2017 11:08:07, do minuto 00:20:15 ao minuto 00:21:00, bem como com o excerto do depoimento da testemunha A. A., supra transcrito e identificado, resulta claro o reconhecimento de ter sido feita à autora uma proposta séria de emprego, que a mesma ponderou e recusou, pelo que nenhum direito indemnizatório lhe assiste.

. O facto da ré ter feito transferências salariais durante três meses, após a deliberação da destituição da autora, para a conta desta, só pode ter como explicação lógica que tivesse expectativa de que a autora viesse a aceitar a proposta séria de vínculo laboral que lhe foi apresentada e que essa proposta foi vista de forma séria por parte da ré.

. A autora não alegou factos integrativos do prejuízo que alegadamente resultaram da cessação antes do termo das suas funções de administradora, limitando-se a fazer a simples alegação da perda da remuneração devida pelo exercício da administração, pelo que não o tendo feito, não tem direito à indemnização pelos danos alegadamente sofridos, porque não foram alegados, muito menos provados, não sendo, sequer, conhecidos.

10ª. Face à prova produzida, a sentença recorrida deveria ter concluído não só existir justa causa de destituição da autora como também ter a mesma recusado, sem motivo válido, exercer outras funções na empresa que lhe foram propostas, pelo que a sua recusa em assumir funções remuneradas ao serviço da ré obsta a que lhe seja arbitrada qualquer indemnização por danos patrimoniais.

11ª. Sem arrimo em qualquer fundamento factual e tão-só numa convicção pessoal da autora, a deliberação dos acionistas da ré, de destituição da autora, foi vista como uma atitude séria e juridicamente suficiente e adequada a fundar a sua pretensão nesta acção, ao mesmo tempo que a apresentação, de imediato, da proposta de relação laboral nos termos especificados na matéria de facto provada nos pontos 12 e 13, foi tida como uma proposta não séria.

12ª. A adesão à mera convicção da autora, sem fundamento factual que a sustente, não pode merecer a tutela do Direito nem deixar passar incólume a rejeição dessa relação de trabalho por parte da mesma autora, em substituição da relação de administração societária que tinha até à sua destituição, pelo que, para que tivesse merecido a adesão da Mma. Sra. Juiz a quo, deveria encontrar-se alicerçada numa fundamentação factual que justificasse a alegada falta de seriedade de tal proposta de trabalho, o que não se verifica.

13ª. Em face da matéria provada nos pontos 5., 6., 7., 18. e 19. dos factos provados, resulta que a razão central da inquietação, tristeza e vergonha alegadamente causados à autora, decorria do conflito conjugal com o seu marido e Presidente do Conselho de Administração da ré, mas não com a ré, pelo que nenhuma indemnização lhe deve ser arbitrada por danos não patrimoniais.

14ª. A conclusão jurídica incorrectamente expendida a tal respeito na sentença recorrida, salvo melhor opinião, não tem fundamento legal.

15ª. A conduta culposa da autora integra justa causa de destituição, sem direito a qualquer indemnização, quer por danos patrimoniais, quer por danos não patrimoniais.

16ª. Ao assim não decidir, foi feita uma inadequada subsunção dos factos ao Direito e uma errada interpretação do artº 403º, nºs 4 e 5 do Código das Sociedades Comerciais.

17ª. Resulta de tudo quanto é alegado nenhuma razão assistir à autora, o que fundamenta a consequente procedência deste recurso.

Termina pedindo seja dado provimento ao recurso, procedendo-se à alteração e aditamento da matéria de facto nos termos indicados e à subsunção ao Direito da factualidade que vier a ser tida por provada, com a consequente improcedência do pedido formulado pela autora e absolvição da ré do pedido
A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes:

- Saber se a decisão relativa à matéria de facto deve ser alterada, por, para além do mais, ser deficiente, havendo necessidade de a ampliar;
- Saber se a destituição da Autora foi efetuada com ou sem justa causa, o que pressupõe a resposta à questão de saber se a justa causa de destituição e os factos que a integram devem constar na ata de deliberação da respetiva destituição ou, por outras palavras, se só os factos constantes da ata podem valer (desde que provados em julgamento) para o aludido efeito;
- Saber se, face ao articulado pela Autora, se deve concluir pela ausência de alegação de factos integrativos do prejuízo determinante da obrigação de indemnizar;
- Saber se a recusa da Autora no que respeita ao exercício de outras funções na empresa em conformidade com o que consta da Ata que integra a deliberação de destituição, impede que seja arbitrada à Autora a peticionada indemnização;
- Saber se a Autora tem fundamento para peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais e se essa indemnização está ou não sujeita ao limite máximo previsto no art. 403º, nº 5, do CSC.
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III. FUNDAMENTOS:

Os factos.

A. Na primeira instância, consideraram-se provados

1. A ré tem como atividade comercial a importação, exportação e venda por junto e a retalho de cristais, louças, cerâmicas, têxteis, artigos de desporto, armas e munições de caça e de defesa, cutelarias, artigos de ménage e utensílios diversos, artigos de ourivesaria e relojoaria, comércio de animais e medicamentos, vitaminas, rações, alimentos, gaiolas e outros acessórios para os mesmos, limpeza e tratamento de animais, compra e venda de propriedades;

2. Desde 2007, a autora passou a integrar o conselho de administração da ré, auferindo o vencimento mensal de € 1.000,00, a que acrescia € 123,40 a título de subsídio de alimentação e € 91,66 a título de subsídio de férias e natal (€ 45,83 cada), sendo estes pagos em duodécimos;

3. A autora foi eleita como administradora para o triénio iniciado em 2016 e que terminaria no final de 2018;

4. O presidente do conselho de administração da ré, Manuel, é casado com a ré, estando em curso o processo de divórcio litigioso entre ambos;

5. A partir do verão de 2016, a situação de conflito conjugal da autora e de Manuel, e subsequentes separação e processo de divórcio, fez-se notar no funcionamento da empresa ré, tendo em concreto ocorrido, pelo menos, duas situações de discussão acesa entre a autora e a técnica oficial de contas, e entre a autora e Luísa, também administradora da ré e irmã Manuel;

6. Na discussão ocorrida entre a autora e Luísa, aquela disse a esta, em voz alta e na presença de outros trabalhadores, que não tinha medo dela e que ia dar cabo de todos, e que tinham a mania que são todo-poderosos;

7. A discussão ocorrida entre a autora e a técnica oficial de contas prendeu-se com a recusa desta em fornecer-lhe cópias de uns documentos que aquela havia solicitado, tendo a autora dito que ia comunicar o seu comportamento à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas;

8. Desde então, o presidente do conselho de administração da ré, Manuel decidiu proibir a autora de entrar nas instalações da sede da ré, tendo dado instruções aos funcionários nesse sentido;

9. A autora tentou entrar nas instalações da sede da ré, mas, tendo-lhe sido impedido o referido acesso, chamou a GNR para o efeito;

10. A partir do descrito em 8., a autora não mais exerceu qualquer função de administração da ré, nem acedeu às instalações da sua sede para prestar tal trabalho;

11. Na assembleia geral extraordinária da ré realizada no dia 27/10/2016, em que a autora não esteve presente, deliberou-se por unanimidade a destituição da autora do cargo de administradora da ré;

12. A este propósito, consta da respetiva ata o seguinte: “(…) após discussão e análise do comportamento abusivo e desrespeitoso, por parte da Senhora administradora em causa, para com os funcionários e os restantes órgãos sociais, que tem vindo a comprometer o bom funcionamento da empresa, deliberou-se por unanimidade, a destituição do cargo da Senhora administradora MARIA, passando no imediato a exercer o cargo de Relações Públicas da X – Cristais e Cerâmicas, S.A., em que as tarefas baseiam-se na angariação de novos clientes, promoção do bom nome da empresa, acompanhante da administração em viagens profissionais, feiras, entre outros eventos, sempre que seja solicitado, em que a relação e prova do trabalho terá que ser feita mensalmente única e exclusivamente para o email, ...@gmail.com, para a administração poder fazer a avaliação do desempenho, desta forma fica a mesma dispensada de se deslocar à empresa e à sua sede de modo a evitar o comportamento que levou à sua destituição, tendo em consideração o cargo que a mesma exercia.”;

13. A ré comunicou à autora a destituição e respetiva ata por carta datada de 04/11/2016 – junta aos autos a fls. 10 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e da qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Em que a ordem de trabalho discutida, passou pela sua destituição e deliberação dos novos órgãos sociais. Por forma, a ter conhecimento do cargo que irá desempenhar, bem como as tarefas a executar, anexamos a nossa ata número trinta e quatro. Desejamos sorte e sucesso no desempenho das suas novas tarefas.”;

14. Em resposta à carta aludida em 13., a autora enviou à ré carta datada de 28/11/2016 – junta aos autos a fls. 21 e verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e da qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)Como não pode deixar de ser, entendo esta “proposta” como uma proposta não séria e que de forma alguma eu aceito.”;

15. A ré transferiu para a conta da autora as seguintes quantias nas seguintes datas:

a) Em 02/11/2016, € 961,84;
b) Em 01/12/2016, € 973,76;
c) Em 10/01/2016, € 950,00;

16. Na sequência disso, a autora enviou à ré carta datada de 26/01/2017, na qual questiona a ré acerca do motivo de tais transferências;

17. A autora não teve qualquer outro emprego a partir da sua destituição, mantendo-se atualmente desempregada, nem auferiu qualquer remuneração;

18. As situações de conflito que ocorreram nas instalações da ré foram despoletadas pela autora por causa do mau-estar causado pela situação de conflito conjugal em que se encontrava com o presidente do conselho de administração da ré, Manuel;

19. Tal situação de conflito conjugal e na ré, com a destituição do seu cargo de administradora, causaram à autora inquietação, tristeza e vergonha, bem como preocupação por não ter qualquer fonte de rendimento que lhe permita o seu sustento autónomo.

B. Inversamente, consideraram-se como não provados quaisquer outros factos dos alegados na petição inicial com interesse para a decisão da causa, designadamente que:

a) A autora tenha dito à técnica oficial de contas da ré: “Eles julgam que fazem de mim o que querem, mas quem lhes vai dar cabo da vida vou ser eu! Vai a empresa e eles vão atrás!”;

b) O teor da ata referida em 12. tenha sido divulgado num sítio da internet de acesso público, onde irá permanecer indefinidamente.
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O Direito.

- Impugnação da matéria de facto:

Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo procedeu à fixação da matéria de facto dada como provada de forma deficiente, na medida em que deveria ter sido dado como provado que O facto de a sociedade R. ter proposto à A. o exercício das funções de relações públicas prendeu-se unicamente com as suas capacidades já anteriormente demonstradas de organizar e promover a orientação de trabalhos de marketing e de organização e decoração das salas de exposições da empresa nas diversas feiras comerciais em que se fez representar, matéria que não consta do elenco dos factos (provados e não provados).

Vejamos se lhe assiste razão.

Como assinala Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 293, as decisões sob recurso podem revelar-se total ou parcialmente deficientes em resultado “da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.

No caso de se apresentar um tal vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.

Continuando a seguir a explanação do mesmo Autor, pode ainda a 2ª Instância deparar-se com uma situação que “exija a ampliação da matéria de facto por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal “a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, devendo nesse caso a Relação, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, proceder à apreciação e introdução na decisão da matéria de facto das modificações que forem consideradas oportunas (pág.´s 294 e 295).

No caso, não obstante o pendor algo conclusivo do alegado, tendo em consideração que se trata de matéria que poderá relevar, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão jurídica controvertida, para efeito da determinação da eventual indemnização a fixar (a ser entendido, o exarado na ata em que foi efetuada a destituição, como uma verdadeira proposta de trabalho, poderia concluir-se ter existido da parte da Autora um comportamento culposo excludente da indemnização por danos patrimoniais fixada na sentença recorrida), é de considerar essa matéria pertinente para efeito da resolução do caso em apreço, importando, pois, valorar a prova a esse respeito produzida para aquilatar da bondade do propugnado pela defesa.

Defende a Recorrente que o alegado se extrai da conjugação da ata da deliberação da ré, junta aos autos, bem como da correspondência trocada entre as partes, conjugadas com o excerto transcrito do depoimento da Autora, bem como com o excerto do depoimento da testemunha A. A., também transcrito, a tal acrescendo o facto de a Ré ter feito transferências salariais durante três meses, após a deliberação da destituição da autora, para a conta desta.

Todavia, procedendo à análise e ponderação da prova produzida, a conclusão que se alcança é contrária à propugnada pela Recorrente, devendo, por isso, o referido facto ser incluído na factualidade não provada.

Com efeito:

Em primeiro lugar, da mera leitura da ata resulta não ter havido qualquer proposta de trabalho à Autora/Recorrida, mas sim a imposição de uma situação, porquanto outra coisa não resulta de uma deliberação onde, após a destituição do cargo de administradora, se determina que a Autora “passa” no imediato a exercer um certo cargo, como se tal não dependesse em nada da aceitação da visada (veja-se, aliás, que o conhecimento do cargo a desempenhar e das tarefas a executar foi dado à Autora/Recorrida mediante anexação da ata em causa à carta de comunicação da destituição).

Por outro lado, percebe-se que as eventuais capacidades da Autora/Recorrida (a expressão “ela há-de ter o seu jeito para decorações”, usada pela testemunha A. A., mais soa a sarcasmo) para o exercício das supostas novas tarefas não passam de um pretexto para lhe “atribuir” o cargo em referência, cargo que, na realidade, como bem salienta aquela nas suas contra-alegações, tudo leva a crer não tinha qualquer real conteúdo, não podendo ter-se como séria a atribuição de tarefas de Relações Públicas, que incluem angariação de novos clientes, promoção do bom nome da empresa, acompanhante da administração em viagens profissionais, feiras, entre outros eventos, sempre que seja solicitado, a alguém que, segundo a própria Ré/Recorrente, teria dito que iria “dar cabo” da empresa.

Daí que perca qualquer valor indiciário a circunstância, confirmada pela Autora, no respetivo depoimento de parte, de, após a destituição, a Recorrente ter continuado a proceder ao pagamento de um salário, procedimento que, em situações deste género, mais não se destina a outra coisa que não seja a de dar consistência à aparência de uma realidade – no caso, intenção de atribuição de um cargo de Relações Públicas à Autora – em si mesma, como frisado pela Autora no aludido depoimento, não consentânea com a lógica das coisas, por todos sendo bem conhecido o processo que, nos casos de atribuição de cargos esvaziados de reais tarefas, se desenrola a seguir de modo a conduzir o próprio trabalhador a despedir-se.

Em conclusão, decide-se fazer acrescer à matéria de facto não provada um novo facto com o seguinte teor: O facto de a sociedade R. ter proposto à A. o exercício das funções de relações públicas prendeu-se unicamente com as suas capacidades já anteriormente demonstradas de organizar e promover a orientação de trabalhos de marketing e de organização e decoração das salas de exposições da empresa nas diversas feiras comerciais em que se fez representar.

Passando, agora, à apreciação da segunda questão colocada pela Recorrente a este nível:

Defende a Recorrente que do depoimento da testemunha A. A. gravado sob o ficheiro 20171019144048_5433835_2870579, de 19-10-2017, de 14:40:49 até 15:10:38, (minuto 00:19:16 até ao minuto 00:27:08), transcrito no corpo da alegação, resulta suficientemente demonstrado que A autora disse à técnica oficial de contas da ré: “Eles julgam que fazem de mim o que querem, mas quem lhes vai dar cabo da vida vou ser eu! Vai a empresa e eles vão atrás!”, devendo, por isso, ser dado por provado o facto constante da alínea a) dos factos não provados.

E, na verdade, neste ponto assiste razão à Recorrente, certo que, apesar de a instâncias da defesa, a testemunha não ter atestado o teor da expressão contida na referida alínea, na fase em que foi instada pela parte contrária (a Recorrida), a testemunha acabou por a confirmar, como resulta do transcrito excerto do respetivo depoimento, não se vendo razões para desacreditar, no que a esta concreta factualidade respeita, o depoimento desta testemunha que, como salienta a Recorrente, foi, quanto à prova dos factos 5 a 7, valorado positivamente pela primeira instância.

Face ao exposto, decide-se proceder à requerida alteração, excluindo-se dos factos não provados a respetiva alínea a) e fazendo-se acrescer aos factos provados um novo ponto com esse mesmo conteúdo.
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- Subsunção jurídica dos factos:

Defende a Recorrente que o conjunto dos factos provados constantes dos pontos 5, 6, 7, 11, 12, 13,14,17 e 18 (a que – embora a Recorrente a ele não se refira, para este efeito, nas conclusões – acresce o facto anteriormente constante na alínea a) dos factos não provados), são plenamente adequados e suficientes a deles se retirar a conclusão jurídica de existir justa causa de destituição da autora de administradora da ré (não questionando, pois, a orientação da decisão quanto à questão de saber sobre quem recai o ónus da prova dos factos que integram a justa causa).

Esquece, porém, a Recorrente que a sentença sob recurso assentou, em primeira linha, a decisão tomada na posição assumida quanto a uma outra questão, que considerou prévia à subsunção ao conceito de justa causa dos factos invocados para efeito, qual seja, a de saber se a justa causa de destituição e os factos que a integram devem constar na ata de deliberação da respetiva destituição, questão a que respondeu afirmativamente concluindo da análise da ata em que se mostra exarada a deliberação da destituição em causa que dela não constam as razões da destituição da autora do cargo de administradora, motivo pelo qual esta tem de ser havida como destituição ad nutum ou sem justa causa.

Ora, assim sendo e não tendo a Recorrente atacado expressamente este entendimento, afigura-se-nos estar prejudicada a apreciação da verificação da justa causa, porquanto a apreciação da inexistência desta só é efetuada na sentença a título subsidiário – e em reforço da sustentação da decisão final proferida –, para a hipótese de entendimento diverso, em instância de recurso, quanto à referida questão prévia.

Porém, prevenindo a hipótese de se entender que – apesar de nada dizer quanto à necessidade de os factos que integram a justa causa constarem da ata, nem quanto à considerada insuficiência do conteúdo da ata em causa no que àquele aspeto respeita –, ao defender que os factos considerados provados são adequados e suficientes a deles se retirar a conclusão jurídica de existir justa causa de destituição da autora de administradora da ré, indireta e implicitamente, a Recorrente manifestou a sua discordância em relação à posição sobre esses pontos assumida pela sentença, sempre se dirá que concordamos integralmente com a necessidade de resposta prévia à aludida questão, bem como com a resposta à mesma dada pela primeira instância.

Com efeito, como, na esteira do Acórdão do STJ de 11.3.1999, (Relator Garcia Marques) – anotado favoravelmente pelo Prof. António Pinto Monteiro, na RLJ 132, pág.’s 53 e ss. –, se diz no Acórdão da R. de Coimbra de 02.02.2016, citado na decisão recorrida, “faz todo o sentido que os factos integrantes da justa causa constem da acta da assembleia geral da sociedade e que se considere a referida acta indispensável para a prova dos fundamentos da destituição” porquanto “não é justo nem equilibrado que seja ainda possível à sociedade, depois da deliberação de destituição, vir invocar razões que não foram invocadas na assembleia”, sendo certo que tal posição “conjugada com o entendimento de que seria sobre o autor que recairia o ónus de provar a inexistência de justa causa, conduziria ao resultado absurdo de que o administrador destituído, que se julgasse com direito a indemnização, teria de avançar, literalmente “às escuras”, para uma acção em que teria de alegar os factos demonstrativos da inexistência de justa causa (tidos como constitutivos), ainda antes de conhecer, em toda a sua extensão, os factos que lhe eram imputados para fundamentar a sua destituição por justa causa”.

No mesmo sentido decidiu também o Acórdão do STJ de 15/02/2000 (CJ.STJ.2000.I, pág. 104), em cujo sumário se frisa:

“I - Na acção de indemnização proposta pelo administrador destituído ad nutum, ao autor cabe provar a sua qualidade de administrador, a destituição e os prejuízos e à ré sociedade incumbe alegar e provar a justa causa, os fundamentos de destituição.
II - Estes fundamentos de destituição devem constar da acta, como base que são da própria deliberação”.


E tal orientação foi, mais uma vez, reafirmada pelo Acórdão da Relação de Coimbra, de 30.11.2010 (Relator Pedro Martins), onde se defende que “a posição correcta é a dos acórdãos do STJ de 1999 e 2000, sendo que a posição do acórdão do STJ de 1992 (publicado no BMJ 418/793 com um sumário que inclui a conclusão de que nem o art. 257, em particular o seu nº. 7, nem outro dispositivo exigem que constem da acta da assembleia respectiva os factos, contrários ao interesse da sociedade, que tenham servido de base à deliberação de destituição, podendo o tribunal aceder a eles mediante outros meios de prova) base sucessiva dos posteriores que foram nesse sentido (de 1996 e 1999), assenta numa posição de princípio que é hoje praticamente recusada por todos (como se verá à frente), ou seja, a de que cabe ao autor o ónus da prova de ter sido destituído sem justa causa”, sendo isso “o que resulta, desde logo, da 1ª parte do art. 63º do CSC que estabelece que as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias. Devendo ser tidas como documentos ad probationem, são elas o único meio de provar os motivos da destituição que foram aceites na deliberação; “se a acta é imprescindível ou insubstituível para a prova das deliberações sociais, então a declaração nelas contida só pode valer com um sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto da acta”.

Sendo esta a orientação que se tem por correta, forçoso é concluir que, no caso em apreço – em que da ata em que se procedeu à destituição da Autora como administradora da Ré apenas consta que “após discussão e análise do comportamento abusivo e desrespeitoso, por parte da Senhora administradora em causa, para com os funcionários e os restantes órgãos sociais, que tem vindo a comprometer o bom funcionamento da empresa, deliberou-se por unanimidade, a destituição do cargo da Senhora administradora MARIA (…)” – a ausência de fundamentação da deliberação no que toca aos concretos factos integradores, na perspetiva da última, da justa causa de tal destituição, conduz à conclusão de que a destituição deliberada consubstancia uma decisão sem justa causa.

De facto, como se diz na sentença objeto de recurso, do exarado na ata não se alcança do teor da deliberação em que consistiu tal comportamento classificado de abusivo e desrespeitoso e que compromete o bom funcionamento da empresa (…), são apenas conceitos conclusivos e subjetivos que estão registados como fundamentos da deliberação, não se retirando da ata quais os factos integrantes do comportamento da autora que levaram a que se decidisse a sua destituição (…) não é possível perceber as razões de facto que levaram à destituição da autora, nem tampouco se foram as mesmas razões discutidas na assembleia de destituição as invocadas como fundamento da justa causa na contestação apresentada nos autos.

Estamos, pois, inteiramente de acordo com o julgador da primeira instância quando conclui que a ata não prova os fundamentos da destituição, porque não os dá a conhecer de facto, apenas se limitando a referir, de forma conclusiva, um comportamento abusivo, não o identificando.

Na verdade, para se alcançar a conclusão sobre a verificação ou não de justa causa necessário é concretizar em ata a base factual que serve de sustento à conclusão jurídica sobre a gravidade do comportamento assumido pelo administrador e, consequentemente, fundamenta a conclusão sobre a sua suscetibilidade para integrar o conceito de justa causa de destituição.

Ora, se “só vale o que consta da acta e, do que aí consta, só vale o que se provar em julgamento” (nas palavras do último dos citados acórdãos), então, da ata não constando, como, no caso, não constam, os fundamentos de facto invocados no âmbito do processo, impõe-se concluir que tais factos, independentemente de se terem ou não provado, se mostram indiferentes para a decisão a tomar sobre se a destituição em causa é com ou sem justa causa: na ausência de fundamentação em ata da destituição esta deve considerar-se, sem mais, sem justa causa.
Passando, agora, à questão seguinte: saber se a Autora não alegou factos integrativos do prejuízo determinante da obrigação de indemnizar.

Defende a Recorrente que não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da administração, pois os prejuízos para a autora só se verificariam se ela não tivesse a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional, dizendo que neste sentido se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/02/2011, com referência a vários outros acórdãos desse Tribunal, aduzindo que, no caso concreto a autora teve oportunidade de exercer outra actividade remunerada ao serviço da ré, em funções idênticas às que detinha enquanto administradora e com o mesmo salário base de € 1.000,00, que sujeito aos legais descontos resultou nos montantes mensais de € 961,84, 973,76 e 950,00, conforme se encontra provado no ponto 15. dos factos provados.

E, efetivamente, vários são os acórdãos do STJ (de 7.7.2010, 11.7.2006, 14.12.2006 e 02.02.2016) que, nas palavras do último dos indicados arestos, referem que “não basta ao autor alegar e provar a perda das remunerações que receberia até ao final do período para que foi eleito se não tivesse sido destituído”, sendo “necessário também alegar e demonstrar que não recebeu, ou que não vai receber (até ao final do período para que foi eleito), qualquer remuneração por outra via, em razão de outra ocupação profissional”.

Propendemos, porém, para concordar com o entendimento de que “a afirmação genérica do ónus de prova a cargo do destituído – que obviamente tem de ser aceite, por corresponder à lei (art. 342/1 do CC) – não implica necessariamente aquilo que alguma da jurisprudência citada parece retirar dela” (Acórdão da Relação de Coimbra de 30.11.2010), afigurando-se-nos que o ónus da prova quanto ao recebimento ou possibilidade de recebimento pelo destituído no período em causa de qualquer remuneração por outra via, em razão de outra ocupação profissional, deve recair sobre a sociedade e não sobre o destituído.

No já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 30.11.2010 (Pedro Martins), argumenta-se a este respeito que “o destituído tem a seu favor a presunção natural da perda do lucro cessante normal (segundo o curso regular das coisas), pelo que caberia à SA provar que o destituído, apesar de ter perdido a remuneração até ao fim do mandato, obteve o mesmo rendimento de outra fonte (aliunde perceptum), ou que se quisesse o poderia ter obtido, para o poder querer compensar com a indemnização em causa”.

No mesmo sentido, havia já decidido o Acórdão da Relação de Lisboa de 09.06.2009, em cujo sumário se diz: “A indemnização a arbitrar ao administrador destituído sem causa justa, na ausência de outros danos, deve corresponder ao lucro cessante consubstanciado nos vencimentos que, encontrando-se desempregado, deixou de auferir até ao termo do mandato”, exarando-se, na respetiva fundamentação, que “além de não ser exigível ao autor que mantivesse o vínculo ao seu emprego anterior, também não está demonstrado que tal lhe era possível, pois a ré excepcionante nem sequer aduz estes e outros factos ou circunstâncias idóneos que, a provarem-se, sustentassem alguma culpa do lesado relevante para efeitos de fixação da indemnização, nos termos do art. 494º, do CC”.

Temos para nós que o fundamental é recordar que para haver lugar à indemnização de lucros cessantes – a que os prejuízos peticionados se reconduzem – “pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho” – cfr. acórdão do S.T.J de 23.05.78, B.M.J. nº 277, pág. 258 – e que, como sublinhado por Pires de Lima e A. Varela (in Cód. Civil Anotado, I, pág. 580) “o lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade”.

Ora, assim sendo, como é, cremos que, em princípio, no caso da destituição de um administrador contratado para esse cargo por um determinado período de tempo ocorre um dano correspondente à perda de ganho que o mesmo, segundo o curso natural das coisas, auferiria não fora a destituição.

Com efeito, pode, nesse caso, legitimamente dizer-se que o destituído tinha a titularidade de uma situação jurídica – era administrador – que, mantendo-se, lhe daria direito ao supra referido ganho.

Em sintonia com esta posição parece estar o referido acórdão da Relação do Porto 30.11.2010 quando afirma que “o facto de se dizer que o destituído, como autor, tem o ónus da prova do dano, não quer dizer que ele não possa beneficiar de uma presunção, natural, de prejuízo, decorrente do facto de ter um direito a uma remuneração e depois da destituição ter deixado de o ter (e não se diga que também deixou de ter o dever correspectivo, pois que não foi por sua vontade que o deixou de ter). Não é isto o suficiente para se concluir, face à normalidade das coisas, de que o titular do direito sofreu um lucro cessante, que perdeu uma fonte de rendimentos?”

É certo que, também aqui, é fundamental não perder de vista as regras da boa fé para que aponta o art. 762º, nº 2, do Cód. Civil, sendo vedado ao lesado fazer exigências irrazoáveis que revelem a adoção de um comportamento abusivo que desvie as normas de tutela do seu objetivo principal que consiste no ressarcimento de danos efetivos e não no agravamento da posição do responsável (como, a propósito do dano da privação do uso, afirma Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, pág. 32), comportamento abusivo que, no caso da indemnização por destituição sem justa causa, poderá traduzir-se na circunstância de o destituído ter tido a possibilidade de obter uma ocupação e a ter desaproveitado, circunstância essa que, porém, caberá ao Réu alegar e provar.

É também certo que se o destituído tiver arranjado uma ocupação com uma remuneração equivalente “verifica-se um facto que, a título de compensação do dano com lucro (art. 795/2 do CC), deve levar a que não lhe seja concedida a indemnização. Só que, então, este facto é um facto impeditivo cuja prova está a cargo da sociedade que destituiu o gerente (art. 342/2 do CC)” (citado acórdão da R. do Porto de 30.11.2010).
No caso, porém, à Autora não pode ser assacado qualquer comportamento abusivo no sentido de agravar a posição da Ré, não tendo, esta última, demonstrado a veracidade do que, com vista a afastar o dever de reparação dos prejuízos patrimoniais peticionados, havia alegado, no sentido de, ela própria ter efetuado à destituída uma proposta de trabalho que aquela injustificadamente rejeitou.

Com efeito, como já antes se frisou “da mera leitura da ata resulta não ter havido qualquer proposta de trabalho à Autora/Recorrida, mas sim a imposição de uma situação, porquanto outra coisa não resulta de uma deliberação onde, após a destituição do cargo de administradora, se determina que a Autora “passa” no imediato a exercer um certo cargo, como se tal não dependesse em nada da aceitação da visada (veja-se, aliás, que o conhecimento do cargo a desempenhar e das tarefas a executar foi dado à Autora/Recorrida mediante anexação da ata em causa à carta de comunicação da destituição)”, não podendo ter-se como séria a atribuição de tarefas de Relações Públicas, que incluem angariação de novos clientes, promoção do bom nome da empresa, acompanhante da administração em viagens profissionais, feiras, entre outros eventos, sempre que seja solicitado, a alguém que, segundo alegado pela própria Ré/Recorrente, disse à técnica oficial de contas da ré: “Eles julgam que fazem de mim o que querem, mas quem lhes vai dar cabo da vida vou ser eu! Vai a empresa e eles vão atrás.”

Assim sendo, não é legítimo concluir que a Autora teve uma possibilidade de emprego e remuneração após a sua destituição como administradora da Ré, nem, como com acerto se diz na fundamentação da sentença em crise, lhe seria exigível a respetiva aceitação, atenta a forma como surge a “atribuição” desta nova função.

Na verdade, pelo contrário, no caso dos autos, a autora provou que, desde a destituição, não trabalhou nem trabalha, nem auferiu qualquer remuneração, com exceção das quantias pagas pela própria ré, mas que a mesma rejeitou, uma vez que entendeu não lhe ter sido feita qualquer proposta séria de emprego, entendimento que a sentença teve – e este Tribunal também tem – por justificado.

Assim, mesmo para quem tenha orientação diferente da por nós propugnada, como, aparentemente, é o caso do Acórdão do STJ de 29.05.2014 que, embora em casos de proximidade entre a destituição e a propositura da ação admita que “o autor não tenha de alegar que não passou imediatamente a exercer atividade profissional, podendo pressupor-se que não houve nesse mês alteração da sua situação profissional apesar da falta de alegação”, defende que, regra geral, “se justificará alegar que não foi desde a destituição conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”, no caso concreto, a Autora, alegando e demonstrando que não teve qualquer outro emprego a partir da sua destituição, mantendo-se atualmente desempregada, nem auferiu qualquer remuneração, alegou e demonstrou os factos essenciais à sua pretensão.

Não estando em causa, por não terem sido colocados em crise, o acerto dos cálculos efetuados pela 1ª instância, cabe, portanto concluir pelo direito da Autora ao montante que a sentença sob recurso lhe atribuiu a título de danos patrimoniais.

Passando, agora, à última questão.
A destituição é um ato lícito, mas a obrigação de indemnização não tem origem apenas na responsabilidade por factos ilícitos, podendo resultar de atos lícitos, desde que a lei o preveja (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 3ª edição, pág. 545).
No caso da destituição do administrador sem justa causa, a lei prevê-o no artigo 403.º, nº 5, do CSC.
E os danos daí resultantes tanto podem ser patrimoniais como não patrimoniais.

Na verdade, quando a lei admite a responsabilidade por um facto que é lícito, através da atribuição do direito ao administrador de indemnização pelos danos sofridos em consequência da destituição que não se funde em justa causa, não distingue entre danos patrimoniais e não patrimoniais, nada impedindo, pois, a compensação dos últimos, desde que estes sejam atendíveis, isto é, desde que, pela sua gravidade, medida por um padrão objetivo, mereçam a tutela do direito (Acórdão do STJ de 11.7.2006, Pereira da Silva), designadamente quando seja atingido na sua dignidade pessoal e profissional (neste sentido, também Acórdãos do STJ de 20.01.99, BMJ 483, pág. 177, e de 27.10.94, CJSTJ, T.III, pág. 112, bem como Acórdãos da Relação do Porto de 11.11.2003, da Relação de Coimbra de 09.02.99, e da Relação de Évora de 10.11.2005).

E, no caso, da mera leitura dos factos provados resulta que, diferentemente do defendido pela Autora, a perturbação e os sentimentos negativos por aquela vividos não resultam apenas do conflito conjugal mas também da própria destituição do cargo, sendo, aliás, a preocupação referida em último lugar de caráter financeiro e, obviamente, exclusivamente relacionada com a aludida destituição.
Há, pois, danos não patrimoniais decorrentes desse facto lícito a justificar uma compensação.

Veja-se, aliás, que a sentença teve o cuidado de assinalar que também nos parece evidente que essas tristeza, vergonha e preocupação não são destrinçáveis do enredo familiar complexo e conflituoso que a autora atualmente vive, o que justificou a relativamente reduzida compensação atribuída: € 2.500,00.
Todavia, no art. 403.º, n.º 5, do CSC prevê-se um limite máximo para a indemnização pela destituição do administrador sem justa causa aí consagrada.
Com efeito, segundo aquele preceito, “se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos (…) sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito”.

A questão reside, pois, em saber se no caso dos danos não patrimoniais está o valor da compensação sujeito a tal limite.

Cremos que não poderá deixar de estar.

A destituição de um administrador corresponde a uma decisão unilateral dos acionistas, deliberada em assembleia geral, podendo ser tomada a todo o tempo e independentemente de justa causa (art. 403º, nº 1, do CSC).

A regra é, portanto, a da livre destituição.

E, como enfatiza Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, vol. II, pág. 639, a lei estabelece limites à indemnização precisamente “para não dificultar em demasia ou impossibilitar praticamente o exercício do direito de destituir”.
Sendo esta a razão de ser do teto imposto à indemnização forçoso é considerar que o mesmo vale para todos os danos.

Só assim não será, segundo António Pereira de Almeida, in Sociedades Comerciais e Valores Mobiliários, pág. 497, “no caso de a destituição sem justa causa ter uma fundamentação infamante para o administrador destituído”, situação em que “este poderá ainda exigir indemnização pelos danos morais (art. 496.º do código civil), a qual não está sujeita aos limites consignados no citado art. 403.º, n.º 5 do CSC”.

Não sendo um desses o caso em apreço e tendo a sentença recorrida reconhecido o direito de indemnização por danos patrimoniais até ao limite legalmente previsto, forçoso é considerar que o respeito por tal limite impõe, não propriamente a exclusão da compensação por danos não patrimoniais, mas verdadeiramente a contenção da indemnização por todos os danos – patrimoniais e não patrimoniais – dentro do máximo estabelecido, com a consequente redução do valor global fixado àquele limite.
Procede, pois, nesta parte, a apelação.
*

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 25.497,56 (vinte e cinco mil quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a do remanescente do peticionado.
Custas da ação e do recurso pela Recorrente e pela Recorrida na proporção do decaimento.
Guimarães, 07.06.2018

(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)