Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
987/11.8TTVCT.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURANÇA NO TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - A aplicabilidade do disposto no Artº 18º da LAT pressupõe a concorrência de dois requisitos: (1) que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de segurança, cuja observância teria, provavelmente, impedido a consumação do evento e (2) que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada.
2 - Tendo-se concluído pela inobservância de determinadas regras aplicáveis ao exercício da atividade, mas não se provando o nexo de causalidade entre a inobservância e o acidente ocorrido, não se pode concluir pela responsabilidade agravada da empregadora.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

L…, LDA., com sede no…, Monção, interpôs recurso da sentença.
Pede que se dê como provado que A Ré forneceu equipamento de segurança pelo que a sentença deverá ser alterada; e, bem assim, que a mesma seja revogada e consequentemente ser a Ré Absolvida dos Pedidos.
Apresentou as suas alegações e, a final, concluiu como segue:
1. Dada a analise dos depoimentos resulta claro que deveria ter sido dado como provado que a Ré forneceu equipamento de segurança ao Autor
2. A testemunha P… (perito da seguradora Ré) apenas fez à posteriori a peritagem.
3. A Testemunha R… não assistiu aos factos diretamente apenas estava a trabalhar na mesma obra para outra entidade patronal que não a Ré.
4. A testemunha J… é a única com conhecimento direto dos factos, pelo menos quanto à questão de existir ou não equipamento individual de segurança.
5. Pelo que o ponto 11 dos factos assentes deverá ser alterado para – provado que a Ré (entidade patronal) forneceu equipamento individual de segurança nomeadamente arnês.
6. A Drª L… (inspetora do ACT) expressamente declarou que apenas fez o inquérito cerca de 3 anos após o acidente e tudo quanto declarou foi só e apenas o que, salvo o devido respeito, (supostamente) lhe foi transmitido pela testemunha J… e pelo próprio gerente da Ré.
7. Ou seja um depoimento SEM QUALQUER CONHECIMENTO DIRECTO DOS FACTOS.
8. E que está em total oposição ao que a referida testemunha declarou em Tribunal e com versão do Ré (entidade patronal).
9. A testemunha J… foi perentório a afirmar que esses equipamentos de segurança foram fornecidos e estavam à disposição dos trabalhadores.
10. A prova produzida em Audiência de Julgamento aponta no sentido de prova agora explanado, ou seja, seja dado como provado que a aqui Ré (entidade patronal) forneceu equipamento de segurança ao sinistrado.
11. Como aliás demonstra o documento junto em Audiência.
12. Que, lamentavelmente, o Autor (com interesse direto) veio a declarar que a assinatura não lhe pertencia.
13. É sabido que os trabalhadores da construção civil (infelizmente) nem sempre usam os equipamentos à sua disposição.
14. Salvo o devido respeito a douta sentença violou ou faz errada interpretação dos artigos 40º a 44º do regulamento de segurança da construção civil
15. Face aos factos dados como provados (e mesmo não considerando a alteração à matéria de facto) não se pode subsumir no caso da queda do trabalhador a violação destas regras de segurança.
16. O Autor não executava o seu trabalho numa espécie de telhados ou cobertura.
17. O trabalhador executava a sua atividade numa superfície que garantia a sua segurança sendo, por isso, desnecessário qualquer andaime.
18. A douta sentença condenou a Ré (entidade patronal) considerando existira por parte dela violação das normas de segurança.
19. Salvo o devido respeito labora em erro.
20. No caso em apreço o relatório do ACT afirma existirem desrespeito por normas legais de segurança.
21. E na sentença em apreço, a condenação da recorrente baseou-se no não cumprimento do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
22. Ora, a falta de guarda corpos não tem como finalidade obstar a quedas de trabalhadores, mas sim que objetos caiam sobre pessoas.
Depois quer guarda corpos, quer outros, apenas, por princípio se mostram necessários no caso de existirem aberturas nos soalhos ou plataformas de trabalho semelhantes, ou em paredes (cfr. artºs 40º e 42º do citado Regulamento de Segurança.
23. Ora em parte alguma dos presentes Autos se equaciona tal quadro fáctico.
24. Antes pelo contrário o Autor (como se disse) executava o seu trabalho numa superfície plana e segura.
25. É, no entanto verdade, que de acordo com o artº 44º deste mesmo diploma se impõe a tomada de medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo e sempre que tal não seja possível o uso de cintos de segurança pelos trabalhadores parágrafo 2 do aludido artº).
26. Mas tão-somente para as situações em que o trabalho em cima de telhados, implique riscos acrescentados pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeitos das condições atmosféricas.
27. Face à matéria de facto dada como provada e nos termos da fundamentação da douta sentença e ainda no relatório do ACT sem faz minimamente referência a estas circunstâncias.
28. Que seriam imprescindíveis para que a Ré (entidade patronal) fosse condenada.
29. Nada se sabe sobre os elementos que integram a previsão do citado artigo 44º: não se sabe quais as condições climatéricas, qual a eventual inclinação da superfície (que serve de telhado).
30. Face aos parcos factos dados como provados não se pode extrair que a Ré (entidade patronal) violou grosseiramente as regras de segurança.
31. Face aos factos dados como provados não se poderá imputar de forma culposa à Ré a produção do acidente em causa.
32. A douta sentença violou ou fez errada interpretação dos artigos 40º a 44º do Regulamento de Segurança na construção civil.

J…, A., residente no…, Monção, patrocinado pelo Ministério Público, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
COMPANHIA DE SEGUROS …, SA. com sede na…, Lisboa, contra-alegou defendendo a manutenção da sentença.

Exaramos, abaixo, um breve resumo dos autos, para melhor compreensão.
J…, com o patrocínio do Ministério Público, veio propor a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra a Companhia de Seguros…, SA e a L..., Ld.ª.
Pede que as Rés sejam condenadas, na medida das suas responsabilidades, a pagar um capital de remição correspondente à pensão agravada de Euros 157,83, com início em 23 de Abril de 2012, sendo a 1ª Ré/Seguradora responsável na proporção de 59% e a 2ª Ré/entidade empregadora na proporção de 41%.
Pede ainda que a Ré Seguradora seja condenada a pagar a quantia de Euros 76,00 a título de despesas de transporte.
Mais pede que a Ré entidade empregadora seja condenada a pagar a quantia de Euros 2 509,22 a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias absolutas e parciais.
Finalmente, que todos os referidos valores devem ser acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal.
A título subsidiário, caso se entenda que não houve violação de regras de segurança, pede a condenação das Rés, na medida das suas responsabilidades, a pagar um capital de remição correspondente à pensão anual de Euros 110,48, com início em 23 de Abril de 2012, sendo a 1ª Ré/Seguradora responsável na proporção de 84,27% e a 2ª Ré/entidade empregadora na proporção de 17,73%.
Pede ainda que a 1ª Ré/Seguradora seja condenada a pagar a quantia de Euros 76,00 a título de despesas de transporte.
Mais pede que a Ré entidade empregadora seja condenada a pagar a quantia de Euros 673,55 a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias absolutas e parciais.
Finalmente, que todos os referidos valores devem ser acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal.
Para tanto, alega, em síntese, que, no dia 8 de Junho de 2010, pelas 14 horas, no seu local de trabalho, em Moledo, ao serviço da 2ª Ré, quando se encontrava a executar trabalhos de perfuração de paredes para colocação de beirais de zinco, num bloco habitacional, e se encontrava na bordadura da laje de cobertura, caiu de uma altura de cerca de 7 metros; o local onde estava a trabalhar não se encontrava protegido por murete, grade, guarda corpos ou qualquer outro meio de proteção coletiva que impedisse a queda em altura; o autor não utilizava equipamento de proteção individual, tal como arnês de segurança, linha de vida ou extensores, pois que a 2ª Ré não o tinha colocado à sua disposição; o acidente só ocorreu porque a 2ª Ré não adotou medidas de segurança ou preventivas adequadas a evitar que os trabalhadores corressem riscos de queda em altura.
A Ré Seguradora veio contestar, dizendo, em suma, que, a provarem-se os factos alegados na petição inicial, que se aceitam, o acidente de trabalho ocorreu por culpa da entidade patronal e assim só responderá pelas prestações normais, sem prejuízo do seu direito de regresso sobre a 2ª Ré.
A Ré entidade patronal veio contestar, alegando, em resumo, que o local onde se deu o acidente tinha um andaime e bordadura de laje; ao autor foi fornecido equipamento de segurança – arnês, linha de vida, corda e demais equipamento de segurança – que estava no veículo automóvel que o autor usou para se deslocar para o local da obra; a sua eventual responsabilidade está transferida para a 1ª Ré. Pelo que conclui pela improcedência de todo o peticionado.
Procedeu-se à realização de julgamento e, após, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, decide:
1- Condenar a ré seguradora, Companhia de Seguros…, S.A. a pagar ao autor as seguintes prestações reparatórias:
1.1- A título do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de noventa e três euros e dez cêntimos (93,10), com início no dia 23 de Abril de 2012;
1.2- A título de reembolso das despesas de deslocação, a quantia de setenta e seis euros (76,00), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da tentativa de conciliação;
2- Condenar a ré empregadora, “L…, Lda.”, a pagar ao autor as seguintes prestações reparatórias:
2.1- A título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial, o valor de dois mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros, oitenta e quatro cêntimos (2 464,84), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, conforme artigos 126º, n.º 1 e 2, do RRATDP e 805º, n.º 2, alínea a) e 559º, n.º 2, do Código Civil, e até integral pagamento;
2.2- A título do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de sessenta e quatro euros, setenta e três cêntimos (64,73), com início no dia 23 de Abril de 2012.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, existem as seguintes questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – Não se pode subsumir o caso a violação de regras de segurança?

Iniciemos a discussão pela 1ª questão acima identificada – o erro de julgamento da matéria de facto.
A Recrte. defende que deveria ter sido dado como provado que a R. forneceu equipamento de segurança ao A..
Os autos decorreram com elaboração de base instrutória da qual não consta qualquer facto semelhante ao acima referido. Nem deveria constar, visto que a causa de pedir assenta em violação de regras de segurança por parte do empregador (e não na sua não violação). Donde, jamais se poderá vir a dar como provada tal matéria.
Sob o quesito 3º indagou-se se a R. empregadora não havia colocado à disposição do A. arnês de segurança, linha de vida ou extensores.
Esta matéria obteve resposta de provado em presença da conjugação dos depoimentos proferidos pelas testemunhas J…, R… e L….
Assim, em presença destes depoimentos, o que poderá vir a ocorrer é uma resposta de não provado o que não corresponde, de todo, ao pedido formulado neste recurso.
Por outro lado, o Artº 640º/1-a) do CPC dispõe que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
Tais pontos de facto, havendo base instrutória, são os concretos quesitos ali consignados.
Também esta especificação não foi efetuada.
Em presença de quanto se expôs, conclui-se não se poder conhecer do objeto do recurso nesta parte.

FACTOS APURADOS
Resultaram provados os seguintes factos:
1. O Autor nasceu a 9/11/1990.
2. Desempenhava a atividade profissional de servente da construção civil, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré “L…, Lda.”, correspondendo-lhe a retribuição anual de Euros 7.891,46.
3. A Ré “L…, Lda” havia celebrado com a Ré seguradora contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, que abrangia o A. pela remuneração anual de Euros 6.650,00.
4. No dia 8 de Junho de 2010, pelas 14,00 horas, no exercício da atividade referida em 2), quando se encontrava a executar trabalhos de perfuração de paredes num bloco habitacional, o A. caiu da bordadura da laje de cobertura.
5. Em consequência, o A. sofreu fratura da epífise distal do rádio.
6. Teve 225 dias de ITA, 63 dias de ITP de 20%, 81 dias de ITP de 15%, 90 dias de ITP de 30%, 32 dias de ITP de 10% e 20 dias de ITP de 5%.
7. Teve alta a 22/4/2012, com uma IPP de 2%.
8. A R. seguradora pagou ao A. a quantia de Euros 3.609,29 a título de indemnização pelas incapacidades temporárias.
9. A queda referida em 4) ocorreu de uma altura de cerca de 7 metros.
10. O local onde o A. se encontrava a trabalhar não estava protegido por murete, grade, guarda-corpos ou qualquer outro meio que impedisse a queda em altura.
11. A R. empregadora não havia colocado à disposição do A. arnês de segurança, linha de vida ou extensores.
12. O A. despendeu a quantia de Euros 76,00 para se deslocar a atos médicos e Tribunal.

Podemos, agora, debruçar-nos sobre a segunda questão enunciada – se não se pode subsumir o caso a violação de regras de segurança por parte da empregadora.
Alega a Recrte. que, por um lado, o A. executava a sua atividade numa superfície que garantia a sua segurança, sendo desnecessário qualquer andaime; por outro, a falta de guarda corpos não tem como finalidade obstar a quedas de pessoas, mas sim de objetos e, por último, que a utilização de guarda corpos carece da presença de riscos acrescentados, circunstância que não se verifica.
A sentença considerou que o empregador violou as regras de segurança ínsitas nos Artº 281º/2 e 3 do CT, 18º da Lei 98/2009, 44º/1 do Regulamento de Segurança da Construção Civil, 22º do DL 273/2003 de 29/10 e 3º, 6º, 26º, 37º e 39º do DL 50/2005 de 25/02.
Vejamos, então!
Considerando a data de ocorrência do acidente – 8/06/2010 – é aplicável ao caso concreto a Lei 98/2009 de 4/09.
Dispõe-se ali que quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador… ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Trata-se de consagrar uma responsabilidade agravada pela reparação dos prejuízos, responsabilidade essa que aqui se atribui nos termos gerais.
É, contudo, necessário, que se estabeleça, tal como na lei precedente, um nexo causal entre o acidente e a inobservância das regras sobre segurança por parte do empregador, isto é, não basta que ela ocorra, impõe-se que ela seja determinante na produção do evento.
Como se deixou expresso no Ac. do STJ de 12/11/2009 “a responsabilização da entidade empregadora nos termos daquele preceito” exige “que se demonstre (cabendo esse ónus a quem vier a tirar proveito dessa forma mais acentuada de responsabilização) um nexo causal entre a postergação das regras de segurança, saúde e higiene no trabalho e o evento infortunístico” (www.dgsi.pt).
O Artº 563.º do CC adotou, a propósito do nexo de causalidade, e como é reconhecido pelos autores, a teoria da causalidade adequada.
Conforme ensina Antunes Varela, “um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 800).

Detenhamo-nos, então, sobre os factos cuja prova se obteve, para, após, e integrando-os nas normas legais sobre segurança aplicáveis, decidirmos.
No dia 8 de Junho de 2010, pelas 14,00 horas, quando se encontrava a executar trabalhos de perfuração de paredes num bloco habitacional, a uma altura de cerca de 7 metros, o A. caiu da bordadura da laje de cobertura. Em consequência, o A. sofreu fratura da epífise distal do rádio. O local onde o A. se encontrava a trabalhar não estava protegido por murete, grade, guarda-corpos ou qualquer outro meio que impedisse a queda em altura. A R. empregadora não havia colocado à disposição do A. arnês de segurança, linha de vida ou extensores.
Conforme acima se exarou, a lei exige, nesta matéria, que a violação de regras de segurança seja determinante do acidente, pelo que a primeira operação de subsunção do caso à lei aplicável consiste na determinação da norma de segurança violada.
A este propósito cabe, desde já, salientar que a lei não se basta com a violação de um qualquer dever de cuidado ou de alguma genérica obrigação de segurança. Tais violações inserem-se nos riscos próprios da atividade e são absorvidas pela responsabilidade geral (objetiva) decorrente de acidentes de trabalho.
O que no Artº 18º da LAT se prevê é a responsabilidade decorrente da concreta violação de uma específica regra de segurança, causal do acidente.
Invoca-se na sentença, quer o disposto no Artº 22º do DL 273/2003 de 29/10, quer, também, o que se consigna em várias normas do DL 50/2005 de 25/02.
Ocorre, porém, que estes diplomas legais estabelecem, o 1º, regras gerais de segurança, designadamente de planeamento, organização e coordenação em estaleiros da construção e o 2º prescrições mínimas de segurança e saúde para a utilização, pelos trabalhadores, de equipamentos de trabalho.
Em parte alguma dos autos se evidencia a existência de um estaleiro de construção ou a necessidade de conferir se os equipamentos estão em condições, desde logo porque nem sequer foram distribuídos equipamentos.
É, assim, evidente que no caso concreto não há lugar à aplicação das regras emergentes de tais diplomas, exceto, no que se refere ao que se dispõe nos Artº 36º e 37º do DL 50/2005.
De acordo com o Artº 36º, na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado o equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras, devendo dar-se prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual. Por outro lado, as medidas de proteção coletiva destinadas a limitar os riscos em altura devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
Acontece, porém, que o acervo fático não nos permite enquadrar a situação em qualquer destes dispositivos.
Ainda a sentença se funda no disposto no Artº 44º/1 do Regulamento de Segurança na Construção Civil (Decreto nº 41821).
Esta disposição refere-se a obras em telhados, para as quais se exigem medidas especiais de segurança.
Assim, no trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito das condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda corpos…
Tal como alega a Recrte., não emerge da factualidade cuja prova se obteve que o trabalho decorresse nestas circunstâncias.
Já a referência ao disposto no Artº 1º deste regulamento faz todo o sentido.
Dispõe-se ali que é obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4m do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança.
Por outro lado, também o Artº 150º/1 dispõe que a entidade patronal deve pôr á disposição dos operários os cintos de segurança, máscaras e óculos de proteção que forem necessários.
Como é sabido, os equipamentos de proteção individual devem ser utilizados quando os riscos não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de proteção coletiva ou por medidas, métodos ou processos de organização de trabalho.
A matéria de facto acima exposta dá-nos conta de que o local onde o A. se encontrava a trabalhar não estava protegido por qualquer meio que impedisse a queda em altura (o trabalho desenvolvia-se numa altura de 7m), sendo que a R. empregadora não havia colocado à disposição do A. arnês de segurança, linha de vida ou extensores.
Assim, o trabalho que se desenvolvia numa laje de cobertura, a 7m do solo, se houvesse andaimes – ou seja, um equipamento coletivo capaz de amparar a queda- ou arnês de segurança – um equipamento individual com a mesma finalidade-, desenvolver-se-ia com muito menor risco, bem podendo, em abstrato, a queda ser evitada.
O circunstancialismo evidenciado é violador daquelas duas regras de segurança concretamente aplicáveis à atividade exercida, atividade cujo risco poderia ser evitado, ou, pelo menos, limitado, se os equipamentos tivessem sido disponibilizados.
Assim, subscrevendo-se, embora, as conclusões de recurso na parte em que afirmam não haver lugar à aplicação do disposto no Artº 44º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, não se fundando a sentença apenas em tal normativo, e sendo evidente a violação do disposto nos Artº 1º e 150º (este não mencionado concretamente) deste diploma, não merece censura a decisão nesta parte.

Ainda a Recrte. afirma que face aos factos dados como provados não se poderá imputar de forma culposa à R. a produção do acidente em causa.
Remete-nos, assim, para a questão do nexo de causalidade entre a violação da regra e o acidente.
A aplicabilidade do disposto no Artº 18º da LAT pressupõe a concorrência de dois requisitos: (1) que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal; (2) que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada.
Tendo nós já concluído pela verificação do primeiro pressuposto, detenhamo-nos, agora, sobre o segundo.
Assim, conforme acima se exarou e é jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, impõe-se que se demonstre não só a violação de normas de segurança, higiene e saúde no trabalho, como também o nexo de causalidade entre a inobservância destas mesmas regras e o acidente. Como expressão de quanto afirmamos veja-se o Ac. do STJ de 19/06/2013, procº 1294/04.8TTLRA, ou o Ac. de 8/01/2013, procº 507/07.9TTVC.T, ou ainda o de 14/01/2015, procº 644/09.5T2SNS, disponíveis em www.dgsi.pt.
Significa isto, no caso concreto, que da não disponibilização de proteção (coletiva ou individual) há-de ter resultado o acidente (Artº 18º/1 da Lei).
O acidente consistiu na queda de uma altura de 7 metros, que se deu quando o trabalhador se encontrava na bordadura da laje de cobertura a executar trabalhos de perfuração de paredes.
Desconhece-se – porque a matéria de facto é exígua a esse respeito – o que é que motivou a queda.
E, se em abstrato, a inexistência de proteção móvel (coletiva ou individual) é apta a causar o acidente, em concreto, nada se provou sobre as condições do local e muito concretamente se existe uma relação de causalidade adequada entre essa ausência e o evento. Ou seja, poderá dizer-se, em presença da matéria de facto, que se não fosse a inexistência de medidas de proteção coletiva e individual, a queda do sinistrado não tinha ocorrido?
Na sentença considerou-se que era “previsível que a falta de minimização do risco de queda da laje de cobertura onde o A. andava a trabalhar, com uma altura de 7 metros e sem que o mesmo estivesse protegido por murete, grade ou outros meios técnicos de proteção coletiva e sem que tivesse sido fornecido meios individuais de proteção, propiciasse a queda do sinistrado”.
Na verdade, os factos não revelam o concreto local onde se encontrava o sinistrado e a razão de aí se encontrar.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 12/11/2009, “a apreciação do nexo de causalidade envolve dois patamares. O primeiro prende-se com a determinação naturalística dos factos, em ordem a determinar a sua causa-efeito e constitui matéria de facto... e que, por isso, implica uma avaliação de prova. O segundo implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada, o que já é uma operação de subsunção jurídica.”
Significa isto, que constituindo, em abstrato, como acima se disse, a falta de proteção específica, condição idónea à ocorrência de quedas em altura, o que levaria á conclusão deste nexo causal, em concreto não dispomos de factos suficientes para estabelecer a correspondência exigida. Ou seja, a exiguidade da matéria de facto não nos permite estabelecer o nexo de causalidade entre a violação das regras acima assinaladas e o concreto acidente.
E, assim, na ausência da alegação e prova de tal factualidade, não podemos senão concluir que o acidente aqui reportado ocorreu dentro do quadro normal do risco associado à atividade desenvolvida, pelo que a apelação procede.

Aqui chegados, urge reformular as prestações devidas, porquanto o salário auferido pelo sinistrado não se encontrava totalmente transferido, o que implica que o empregador responda pela parte restante.
O A. auferia 7.891,46€ por ano.
Para além das IT, ficou afetado de IPP de 2%.
Considerando que os cálculos efetuados na sentença não foram postos em causa, partir-se-á dos valores encontrados ali para a R. Seguradora para, através de uma regra de três simples, chegar aos valores globais.
Pela IPP assiste-lhe direito a um capital de remição de uma pensão anual vitalícia no valor de 110,48€.
Pela ITA ao valor de 3.404,30.
Pela ITP ao montante de 846,53€.
A Recrdª Seguradora responde por 84,26% destes valores e a Recrte. por 15,74%, visto só parte do salário auferido ter sido transferido por força do contrato de seguro (Artº 7º e 79º/1, 4 e 5 da L. 98/2009).

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, modificar a sentença recorrida, condenando a Recrte. a pagar ao Recrdº:
a)15,74% do capital de remição de uma pensão anual vitalícia de cento e dez euros e quarenta e oito cêntimos (110,48€), com início em 23/03/2012;
b)15,74% do montante global de quatro mil duzentos e cinquenta euros e oitenta e três cêntimos (4.250,83€), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, conforme disposto no Artº 126º da Lei 98/2009, e até integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção de vencidas.
Notifique.
Guimarães, 26/02/2015
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga