Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1825/05.6TBFAF-D.G1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: TRIBUNAL COMPETENTE
CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
INTERDITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1º- O art. 5º do DL nº 272/01, de 13 de Outubro, só atribui competência às Conservatórias do Registo Civil quando, relativamente a alimentos a filho maior, está em causa a situação prevista no artigo 1880º do Cód. Civil, ou seja, quando o mesmo não tiver ainda completado a sua formação profissional, único caso a que cabe processo de jurisdição voluntária previsto, actualmente, no art. 989º do C. P. Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
2º- Fora desta tramitação processual, ficam todas as outras acções em que se pretenda a fixação de alimentos a filhos maiores.
3º- Para conhecer e julgar a acção proposta por filho interdito maior contra seu pai para fixação de alimentos é competente, ab initio, o tribunal com competência em matéria cível, não cabendo, por isso, tal acção na competência material da Conservatória do Registo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Por apenso à acção de regulação do poder paternal nº 1825/05.6TBFAF, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Fafe, veio A…, em representação de E…, instaurar, em 11.06.2013, a presente acção, pedindo a atribuição de uma pensão de alimentos a favor deste seu filho maior e interditado por sentença de 29 de Abril de 2013, já transitada em julgado.

Foi, então, proferido o despacho recorrido, que, entendendo estarmos perante uma acção de alimentos a filhos maiores, que, de harmonia com o disposto nos arts. 5.º a 9º do DL n.º 272/2001, de 13/10, inicia-se, obrigatoriamente, com uma fase administrativa junto da conservatória do registo civil, decidiu ser a mesma intempestiva e inadmissível, determinando o seu indeferimento com a consequente extinção dos presentes autos.
As custas ficaram a cargo da requerente.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a requerente, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
1º- A douta sentença de que se recorre indeferiu a presente acção por intempestiva e inadmissível, determinando em consequência a extinção dos presentes autos.
2º- Considera a recorrente A…, na qualidade de tutora do seu filho interdito E…, que a douta decisão não está correta.
3º Em 11/06/2013 a requerente deu entrada da acção de alimentos a filhos maior interdito.
4º- Pedindo a atribuição de uma pensão de alimentos a favor do seu filho E…, maior, o qual foi interditado por sentença de 29 de Abril de 2013, já transitada em julgado.
5º- O Tribunal a quo entendeu que “a presente acção consubstancia uma acção de alimentos a filhos maiores a qual não corre por apenso aos presentes autos” e que “esta ação inicia-se, obrigatoriamente, com uma fase administrativa junto da conservatória do registo civil – cfr. art. 5.º a 9.º, do DL n.º 272/2001, de 13/10”.
6º- Contudo, a situação dos autos não se enquadra no sector normativo do artigo 1880º do Código Civil que determina que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para aquela formação se complete”.
7º- O único processo de jurisdição voluntária (e especial) relativo à fixação de alimentos a filhos maiores é o previsto no artigo 1412º do Código de Processo Civil, que remete expressamente para o artigo supra mencionado.
8º- A fixação de alimentos a filho maior interdito não cabe, portanto, na competência material das Conservatórias do Registo Civil.
9º- É aos tribunais de competência genérica (artigo 77º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro)) ou aos juízos ou varas cíveis [artigos 96º/1, alínea a), e 97º da mesma Lei de Organização], onde os haja, que compete dirimir o litígio destinado à fixação de alimentos a filhos maiores interditos.
10º- Resulta do disposto no artigo 2º da Lei nº 82/2001, de 3.8 (lei de autorização legislativa), do preâmbulo do DL 272/01, de 13.10 e do artigo 1º deste último diploma, que o legislador apenas transferiu a competência decisória para as conservatórias do registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares.
11º- “E, assim, a interpretação da alínea a) do nº 1 do artigo 5º do D.L. 272/01, de 13.10 não pode fazer-se recorrendo tão-só ao seu elemento literal. E apelando aos demais critérios interpretativos, há-de concluir-se que o legislador só atribuiu competência às Conservatórias do Registo Civil quando, relativamente a alimentos a filhos maiores, está em causa a situação prevista no artigo 1880º do Código Civil, única a que cabe processo de jurisdição voluntária”- Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/12/2007, in www.dgsi.pt.
12º- Assim, a competência da conservatória do registo civil está restringida aos casos em que os filhos atingiram a maioridade e não concluíram a sua formação profissional, o que não é o caso.
13º- O dever de prestar alimentos, in casu subsiste, apesar da maioridade do filho, não para que este complete a sua formação profissional, pois infelizmente, este não tem capacidade intelectual para tal, mas por este ser interdito, incapaz de exercer uma profissão que lhe permita angariar o mínimo de rendimentos para sobreviver.
14º- Nos termos do artigo 139º do Código Civil “o interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal”.
15º- Pelo que, não restam dúvidas que o tribunal a quo é competente para conhecer a presente acção.
16º- Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe, há jurisprudência que entende que quando há elementos que demonstrem existir um verdadeiro litígio entre as partes (o que é o caso), não se justifica o recurso prévio ao procedimento tendente à formação de acordo das partes a que alude o citado art.5º, nº. 1, podendo a ação ser instaurada, desde logo, no tribunal judicial. (cf. Ac. da Relação de Lisboa de 10/07/2008, e Ac. da Relação de Guimarães de 01/02/2007, in www.dgsi.pt).
17º- A douta decisão violou, por erro de aplicação, o regime dos artigos 1880º, 2009º, n.º 1, b), e 1935º, que remete para o artigo 1878º, n.º 1, todos do Código Civil e 77º, nº 1, a), e 97º, n.º1, a), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.”
A final, pede seja revogada a decisão recorrida e a sua substituição por outra que considere o tribunal a quo competente para conhecer a presente acção,

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

FUNDAMENTAÇÃO:
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.[1]
Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se o Tribunal recorrido é, ou não, competente para preparar e julgar a acção proposta por filho interdito e maior contra o seu pai para fixação de alimentos.

Na decisão em crise, o Mmº Juiz a quo, equiparando a presente acção à acção de alimentos a filhos maiores regulada no art. 1412º do C. P. Civil, considerou, por um lado, que a mesma não podia ser instaurada por apenso à acção de regulação do poder paternal nº 1825/05.6TBFAF, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Fafe.
E, por outro lado, que, de harmonia com o disposto nos arts. 5º, nº. 1, al. c) e 6º do DL 272/01, de 13/10, o pedido formulado pelo autor tinha de ser, inicialmente, apresentado na Conservatória do Registo Civil competente, só sendo remetido ao Tribunal no caso de não haver acordo.
E com isso, decidiu ser a presente acção intempestiva e inadmissível, ordenando o seu indeferimento e, consequentemente, a extinção dos autos.

Por sua vez, sustenta o autor/apelante que o Tribunal a quo é o competente, em razão da matéria, para julgar a presente causa, pelo que deverão os presentes autos prosseguir seus termos até final.
Isto porque, não se enquadrando a situação dos autos no artigo 1880º do Código Civil, única a que corresponde o processo de jurisdição voluntária (e especial) relativo à fixação de alimentos a filhos maiores previsto no, então, artigo 1412º do Código de Processo Civil, não está a mesma sujeita ao regime previsto nos artigos 5º e 6º do DL 272/01, de 13.10, não cabendo, por isso, na competência material das Conservatórias do Registo Civil.

Que dizer?
A competência é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o Tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou improcedência.
No que interessa para a resolução do presente litígio rege o DL nº 272/01, de 13 de Outubro, o qual, conforme resulta claramente do respectivo preâmbulo, teve por objectivo “(...) desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial”.
Por isso, através do mesmo diploma, procedeu-se “(...) à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - a atribuição de alimentos a filhos maiores (...) -, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado”.
Assim, estabelece o artigo 5º, nº. 1, al. a) do citado diploma legal (integrado no seu CAPITULO III sob a epigrafe “Do procedimento perante o conservador do registo civil” e na sua SECÇÃO I “Do procedimento tendente à formação de acordo das partes”) que “O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados”, estabelecendo, porém, o seu nº. 2, que “O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código Processo Civil”.
Por outro lado, estatui o artigo 6º, nº. 1do referido Decreto-Lei nº 272/2001, que “É competente a conservatória do registo civil: a) Da área da residência do requerido no que respeita aos processos previstos nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do artigo anterior”.
E dispõe o art. 7º do mesmo diploma que:
“O pedido é apresentado mediante requerimento entregue na conservatória, fundamentado de facto e de direito, sendo indicadas as provas e junta a prova documental (…)”.
Ora, perante este quadro legal, temos por certo, tal como o Mmº Juiz a quo, que a providência sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do art. 1880º do C. Civil, é da competência da Conservatória do Registo Civil, devendo, por isso, ser inicialmente instaurado nesta conservatória [2].
Do mesmo modo, temos por certo que a presente acção não corre por apenso à acção de regulação do poder paternal nº 1825/05.6TBFAF, facto que, aliás, nem sequer é posto em causa pelo autor/apelante no âmbito do presente recurso.
A divergência de entendimentos surge, porém, no que respeita à equiparação da presente acção à acção de alimentos devidos a filhos maiores ao abrigo do disposto no art. 1880º do C. Civil e a que cabe o processo de jurisdição voluntária previsto no art. 1412.º do anterior C. P. Civil e, actualmente, no art. 989º do C. P. Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
Quanto a nós, julgamos carecer de fundamento tal equiparação.
Desde logo, porque os supra citados artigos, reportam-se, tão somente, ao pedido de fixação de alimentos devidos aos filhos que, tendo atingido a maioridade ou tendo sido emancipados, não completaram ainda a sua formação profissional.
Enquanto ao pedido de fixação de alimentos a filho menor corresponde o processo de jurisdição voluntária previsto nos artigos 186º e seguintes da LTM, ao pedido de fixação de alimentos a filho maior ou emancipado, nos casos do artigo 1880º do C. Civil, ou seja, que não houver completado a sua formação profissional, corresponde o processo de jurisdição voluntária previsto no art. 989º do C. P. Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ( correspondente ao anterior art. 1412º), sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os filhos menores na LMT.
Fora desta tramitação processual, ficam todas as outras acções em que se pretenda a fixação de alimentos a filhos maiores, sendo irrelevante, para efeitos de aferição da competência do Tribunal e da forma de processo aplicável, a equiparação que o art. 139º do C. Civil faz do interdito ao menor, pois este preceito diz apenas respeito à capacidade do interdito.
Mas se assim, fácil se torna concluir, por um lado, que o art. 5º do DL nº 272/01, de 13 de Outubro, só atribui competência às Conservatórias do Registo Civil quando, relativamente a alimentos a filho maior ou emancipado, está em causa a situação prevista no artigo 1880º do Cód. Civil, ou seja, quando o mesmo não tiver ainda completado a sua formação profissional, única a que cabe processo de jurisdição voluntária previsto no actual art. 989º do C. P. Civil [3].
E, por outro lado, que para conhecer e julgar a acção proposta por filho interdito e maior contra seu pai, para fixação de alimentos, é competente, ab initio, o tribunal com competência em matéria cível, devendo, por isso, prosseguirem os autos.
Procedem, pois, nos termos referidos as conclusões do autor/apelante.

DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, revogando-se a decisão recorrida, determina-se a sua substituição por outra que assegure o prosseguimento dos presentes autos como acção autónoma e com a necessária adequação a que alude o art. 3º do C. P. Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
Sem custas.
Guimarães, 17 de Setembro de 2013.
Rosa Tching
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, p. 84 e Ano III, tomo 1, p. 19, respectivamente.
[2] Excepto quando se demonstre existir um verdadeiro litígio entre as partes, caso em que não se justifica o recurso prévio ao procedimento tendente à formação de acordo das partes a que alude o citado art.5º, nº. 1, podendo a acção ser instaurada, desde logo, no tribunal judicial, conforme já se decidiu no nosso Acórdão da Relação de Guimarães de 01/02/2007, in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação do Porto de 13.01.2005 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 14.12.2007, publicados in www. dgsi.pt.