Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
171/13.6TBTMC-I.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
AVALIAÇÃO PRÉVIA
BASES DA AVALIAÇÃO PRÉVIA
DOCUMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: I - A junção dos critérios formulados pela entidade expropriante, base da formação da sua vontade na fase prévia, não estando em causa a interpretação da vontade, não reveste interesse e poderia vir a constituir uma inibição para este em futuras expropriações e negociações, causando dano ao princípio da liberdade contratual, na vertente de livre formação da vontade.
II – Justifica-se, assim, a não admissibilidade de junção de tal documento da expropriante aos autos de expropriação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Processo de expropriação em que é entidade expropriante … ENERGIA, S.A., e em que são expropriados António… e OUTROS.

Em recurso interposto da(s) decisão arbitral os expropriados discordam dos valores das parcelas fixados, invocando violação do CE. Referem as base de avaliação prévia, referindo que compulsadas as que tem em seu poder se conformam com os critérios desde que lhes acresça o montante que em relação a cada parcela peticionarão.

Requereram a notificação da entidade expropriante para juntar aos autos as

“ avalizações prévias efetuadas sobre as parcelas cujo valor arbitrado” é objeto de recurso.

- Juntas as fichas de avaliação – fls. 70 ss, os expropriados vieram requerer a notificação para junção das bases de avaliação prévia efetuada sobre as parcelas. - Fls. 77.

- Trata-se de um documento interno, lavrado pelo perito escolhido pela entidade expropriante, e que segundo a expropriante contém, de forma pormenorizada para todos os tipos de solo (rústico ou urbano), para todos os tipos de cultura (olival, amendoal, floresta, etc.), para todas as benfeitorias, enfim, para todos os elementos suscetíveis de influírem na avaliação das parcelas incluídas em toda a área abrangida pela expropriação, os critérios da respetiva avaliação, critérios que foram geralmente aceites pela expropriante e em que esta fundamentou o montante indemnizatório oferecido aos expropriados na fase amigável do processo.

- Por despacho de 22/5/2014 foi ordenada a notificação nos moldes requeridos.

Inconformada deste despacho interpôs a expropriante o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

De tudo quanto antecede resultam as seguintes conclusões:
A) O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal a quo que determinou a junção aos autos pela entidade expropriante, ora Recorrente, das bases de avaliação prévia efetuada às parcelas expropriadas, proferida após já terem sido juntas aos autos as fichas de avaliação dessas parcelas, que justificaram a proposta de expropriação amigável feita pela entidade expropriante aos expropriados;
B) Tal decisão foi proferida a requerimento dos expropriados, que com tal documento visam “aferir e demonstrar ao Tribunal quais os critérios que a entidade expropriante expressamente reconheceu como legalmente admissíveis para fixar o montante indemnizatório” (cfr. requerimento de 15.05.2014, cuja certidão se requer que seja enviada a este Tribunal);
C) Por razões conceptuais, diga-se que as “bases de avaliação” são um documento interno da entidade expropriante, lavrado por perito escolhido por si na fase amigável, que congrega de forma pormenorizada os critérios técnicos que subjazeram às avaliações feitas na fase administrativa do processo expropriativo para todos os tipos de solo, de cultura, de construções e demais elementos suscetíveis de influírem na avaliação de todas as parcelas expropriadas no âmbito da implementação do Aproveitamento Hidroelétrico do Baixo Sabor;
D) Ao passo que as “fichas de avaliação”, que a entidade expropriante já – em obediência ao dever de cooperação, mas já aí não sem alguma renitência – juntou aos autos, são o documento que traduz a avaliação técnica prévia de cada parcela, contendo a identificação sintética das suas características e critérios de avaliação;
E) O despacho recorrido labora num manifesto erro de direito, uma vez que, por diversas razões, é despropositada, irrelevante e inútil a junção aos presentes autos de expropriação litigiosa das “bases de avaliação” prévia da entidade expropriante;
F) Primeiro, tal documento nem tinha legalmente de existir, uma vez que, estando em causa uma expropriação urgente, baseada num regime legal específico (Decreto-Lei n.º 301/2009, de 21 de outubro), a entidade expropriante não estava obrigada a formular previamente ao início do processo expropriativo aos expropriados uma proposta de aquisição por direito privado tendo como referência uma avaliação feita por um perito, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 11.º do Código das Expropriações, nem o fez;
G) In casu, a lei impunha apenas que a entidade expropriante dirigisse, após a emissão da DUP, uma proposta de montante indemnizatório, o que esta fez, sendo que esta proposta não tem legalmente de se guiar por quaisquer referências ou critérios técnicos, nos termos do artigo 35.º do CE;
H) Se tais “bases de avaliação” existem, tal sucede somente porque a entidade expropriante foi além do que a lei lhe impunha no que toca à sustentação dos valores indemnizatórios oferecidos com base em critérios técnicos cabalmente definidos e à compilação destes num documento escrito;
I) Em suma, tais bases de avaliação são um documento interno, geral e abstrato, aliás da autoria de um perito externo à entidade expropriante, que não faz parte do processo expropriativo e que não tinha sequer de existir nos termos legais, pelo que não tem qualquer cabimento a sua junção aos autos, sobretudo depois de já terem sido juntas as fichas de avaliação das parcelas em causa nos mesmos;
J) Segundo, os factos que se pretendem provar com a junção das “bases de avaliação” – que são os critérios indemnizatórios seguidos pela entidade expropriante na fase amigável do processo – não têm qualquer interesse para a decisão a proferir em sede de expropriação litigiosa, onde o que está em causa é a avaliação das parcelas expropriadas de acordo com os critérios legais definidos no Código das Expropriações;
K) Na verdade, como é jurisprudência assente dos nossos Tribunais superiores, para a determinação do valor de uma parcela em sede de expropriação litigiosa não relevam os valores e critérios adotados na fase amigável do processo;
L) Na fase amigável do processo o que está em causa é a causa é a chegada a acordo com o maior número possível de expropriados, evitando-se os (elevados) custos associados a um processo de expropriação litigioso, sendo os critérios e valores oferecidos nesta fase, mesmo quando tecnicamente fundamentados – o que sucede na maioria dos casos, ainda que a lei o não imponha – influenciados por este desiderato;
M) Assim, dos valores e critérios adotados na fase amigável não pode fazer-se qualquer extrapolação para um entendimento geral da entidade expropriante, que a vincule a tais critérios e valores num ulterior processo litigioso, como se de uma declaração confessória se tratasse;
N) E os expropriados não podem ter qualquer expectativa de que os valores e critérios adotados na fase amigável sejam tidos como mínimos ou como referência na fase litigiosa, já que, como é igualmente pacífico na jurisprudência, aquilo que os expropriados podem contar, em sede de expropriação litigiosa, é que os seus prédios sejam avaliados por um grupo de peritos qualificado e competente e em conformidade com os critérios legais estabelecidos;
O) Por último, admitir a junção aos autos das bases de avaliação seria consentir que a discussão a ter em sede de expropriação litigiosa se transformasse em algo que ela não é nem pode ser, que é um esquadrinhamento dos critérios adotados pela entidade expropriante na fase amigável do processo, o que representaria, aliás, um precedente grave para futuras expropriações;
P) Destarte, o despacho recorrido determinou a junção de um documento com o qual se visam provar factos – os critérios indemnizatórios adotados pela entidade expropriante na fase amigável – que não têm qualquer interesse para a decisão a proferir nestes autos de expropriação litigiosa, sendo, por conseguinte, inadmissível, nos termos do artigo 429.º do CPC;
Q) Subsidiariamente, para a hipótese de não se revogar o despacho recorrido com os fundamentos acima expostos, sempre se diga que o mesmo é nulo por falta de fundamentação, obrigatória nos termos legais, de acordo com a aplicação conjugada do n.º 1 do artigo 154.º e da al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 613.º do CPC, uma vez que não contém qualquer fundamentação.
NESTES TERMOS:
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado por erro de direito, por determinar a junção aos autos de um documento despropositado e inútil para a decisão a proferir, ao arrepio do disposto no artigo 429.º do CPC.
Caso assim não se entenda, deve, ainda assim, ser julgado procedente o presente recurso atendendo à nulidade do despacho recorrido por absoluta falta de fundamentação.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer dos recursos.

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A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório.

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O direito:
Nos termos dos artigos 635º, n.º 4 e 639º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recurso.
Questões a apreciar:
- Ilegalidade da ordenada junção, por inutilidade, desnecessidade, irrelevância dos critérios seguidos pela expropriante. Artigo 429
- Nulidade por falta de fundamento.
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Estabelece o artigo 429 (antigo 528.º do CPC):
1. Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento a parte identificará quanto possível o documento e especificará os factos que com ele quer provar.
2. Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, será ordenada a notificação.
Ressalta desde logo que não é um qualquer documento que deve ser junto aos autos e muito menos imposta à parte contrária a sua junção.
Necessário é verificar da utilidade do documento para a resolução da questão sub judice. Assim, a parte deve indicar os factos que pretende demonstrar com o documento; tais factos devem ter interesse para a discussão da causa e o documento deve ter a virtualidade de constituir meio de prova útil para a formação da convicção do julgador quanto a tal facto.
Trata-se de uma das modalidades do dever de cooperação - Alberto Reis, CPC anotado, Vol. IV, pág. 38, em nota ao artigo 522º referia o anotador que os factos a provar devem estar inseridos no questionário ou em condições de o ser. Deve ser indeferido o requerimento de junção para prova de facto sem interesse para a resolução da causa.
Refere Lebre de Freitas, no Código de Processo Civil anotado, Vol. II, pag. 431, em anotação ao artigo 528.º que o normativo constitui “manifestação do princípio geral da cooperação material no campo da instrução do processo…, o preceito tem em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento, que por isso é notificado, a requerimento da parte contrária para o apresentar; pressupondo que o requerente não pode, por ele, obter o documento, dificilmente o preceito se aplicará a certidões de documentos autênticos, de que normalmente poderá extrair-se outra certidão, pelo que se refere, fundamentalmente, a documentos particulares (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume IV, página 40)…”
Em face dos factos a demonstrar, e do documento, que a parte deve identificar na medida do possível, o juiz deve deferir ou indeferir o requerimento, consoante o juízo que fizer sobre a sua utilidade.
Vejamos no caso concreto:
Comecemos por referir que o facto de não ser obrigatória no caso a diligência no sentido da aquisição por via do direito privado não releva para a questão. Na realidade ocorreu tal diligencia e o documento que se pretende seja junto existe. Importa pois e apenas verificar da utilidade ou não da sua junção.
Estamos no âmbito de um processo expropriativo, em sede de recurso da decisão arbitral.
Os critérios de fixação do valor indemnizatórios são os que resultam da lei – artigos 23 ss. do CE., e não outros. São pois irrelevantes os critérios que a própria expropriada tenha fixado em sede de negociação prévia, tendo em vista a aquisição amigável.
Por outro a factualidade a demonstrar com a junção do documento é irrelevante para a causa. Não importa à fixação do justo valor o apuramento do entendimento da entidade expropriante quanto à sua definição. Relativamente à alegada aceitação de tais critérios, é manifesto que assim não ocorreu, pois caso contrário não haveria processo nem recurso. Os expropriados não podem aceitar uma parte e não aceitar outra. Não aceitando prossegue-se no processo expropriativo, culminando na fixação da indemnização de acordo com os critérios legais.
No caso presente em boa verdade, com a junção do documento não se pretende provar qualquer factualidade com relevo para o caso. Apurada a factualidade que o documento visa comprovar, de nada serve, não pode esse ser o critério a seguir pelos peritos, a menos que esteja em conformidade com a lei. Mas a ser assim, é desnecessária a junção, basta seguir a lei.
O documento é inidóneo para prova de factos com relevo para a causa.
E mais, trata-se de um documento interno, que serviu de base à formação da vontade da recorrente na fase prévia. No caso não está em causa a interpretação da vontade das partes em qualquer contrato, pois se goraram as negociações. Consequentemente a junção do mesmo é inócua. Goradas as negociações, não pode uma das partes pretender aproveitar-se de vantagens eventualmente prometidas no âmbito daquelas. É que tais vantagens não podem ser vistas e analisadas desenquadradas da proposta na sua totalidade.
Reveste interesse a junção do valores de avaliação prévia das várias parcelas envolvidas e com características semelhantes, devidamente fundamentadas – o que tudo constitui o laudo pericial nessa fase elaborado, até para efeitos do artigo 10º do CE - o que foi feito, por poder e ser ele então útil para verificação do valor real do bem a expropriar. Já a junção dos critérios formulados pela entidade expropriante, base da formação da sua vontade na fase prévia, não estando em causa a interpretação da vontade, não reveste interesse e poderia vir a constituir uma inibição para este em futuras expropriações e negociações, causando dano ao princípio da liberdade contratual, na vertente de livre formação da vontade. O documento respeita exclusivamente à esfera interna da expropriante.
É certo que a entidade expropriante, em sede de negociação prévia, está sujeita aos princípios consagrados no CE. No nº 2 do anterior artigo referia-se o dever de assegurar a igualdade a justiça e a imparcialidade no tratamento das diversas situações. Resulta ora do nº 2 que a proposta assenta no valor montante do relatório do perito. Este deve ser elaborado de acordo com os comandos do CE – vd. Artigo 10, 4 do CE-. Certo é também que nos termos do artigo 12º designadamente nº 1 al. b), o requerimento de declaração de utilidade pública deve ser instruído com todos os elementos relativos à fase de tentativa de aquisição por via do direito privado quando a ela haja lugar e indicação das razões do respetivo inêxito. Os elementos a remeter, no que tange ao valor proposto, refere-se à avaliação, documentada por relatório. É que os critérios da avaliação devem obedecer aos comandos do CE.
Assim, carece de sentido requerer a junção das “diligências” levadas a cabo pela expropriante para fixação do valor a oferecer pela parcela, por se situar no foro íntimo desta, constituindo mera opinião da mesma, não lhe atribuindo a lei relevância jurídica. As bases a atender na determinação do valor indemnizatório são as constantes da lei. Ainda que se afigura-se um benefício para o expropriado de tais “bases internas”, se desconforme à lei, não poderia colher o fruto. É que o CE persegue e visa um tratamento igual entre todos os sujeitos a expropriação e o respeito pelo princípio da proporcionalidade.
O valor da justa indemnização, como resulta do artigos 23 ss correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade. Tal valor deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, como se refere no nº 5 do mesmo normativo.
Os procedimentos do CE visam atingir tal desiderato, constituindo por essa via e no sentido de evitar a pulverização de critérios, um garante dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
A realização do princípio da igualdade analisa-se aqui quer no âmbito da relação interna (o princípio obriga a que o legislador estabeleça critérios uniformes de cálculo de forma a evitar tratamento desigual entre os sujeitos a expropriação), quer no âmbito da relação externa (obriga à consagração de critérios que evitem tratamento desigual entre expropriados e os não expropriados), garantindo desta feita igualmente a proporcionalidade na contribuição para as necessidades coletivas.
Assim sendo, as bases que possam existir em desconformidade com a lei e os seus objetivos, não revestem qualquer interesse.
A finalizar e concluindo diremos que apenas deve ser admitida a junção de documentos com interesse para a decisão da causa, conforme decorre do artigo acima referido, e mesmo assim com obediência à lei, designadamente com respeito por outras normas que fixem limitações, como por exemplo as decorrentes do sigilo.
Consequentemente procede o recurso sendo de revogar o despacho recorrido.
DECISÃO:
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães acordam, em julgar procedentes a apelação, dando-se sem efeito o despacho recorrido.
Custas pelos recorridos.
G. 15.01.2015
Antero Veiga
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego