Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1348/12.7TTBRG.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: DESPORTISTA PROFISSIONAL
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
DESPEDIMENTO ABUSIVO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1- Segundo se dispõe no Artº 9º/4 e 5 da CCT celebrada entre a LPFP e o SJPF, no contrato de cedência podem ser estabelecidas condições remuneratórias diversas das acordadas no contrato de trabalho desportivo, desde que não envolvam diminuição da retribuição nele prevista. Na falta de especificação, presumem-se sub-rogados pelo cessionário todos os direitos e obrigações do cedente.
2- Só equacionando os termos do contrato celebrado se pode concluir que não houve especificação de condições remuneratórias, presumindo-se aquela sub-rogação.
3- O despedimento ilícito de um jogador de futebol confere-lhe, por força daquela convenção, o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma atividade a partir do início da época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu a rescisão e até ao termo previsto para o contrato
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

S…, Sad, Ré nos autos de processo supra referenciado, em que é Autor J…, notificada da sentença vem interpor de Recurso de Apelação.
Pede que se altere a matéria de facto dada como provada e não provada pelo douto Tribunal a quo nos termos expostos, em todo o caso se revogue a sentença proferida pelo mesmo Tribunal, e, consequentemente, que se profira decisão que julgue totalmente improcedentes os pedidos deduzidos pelo Autor contra a Recorrente, incluindo a matéria a que se refere o pedido reconvencional, absolvendo esta do pedido e declarando-se lícito e regular o despedimento do Autor.
Alega e, seguidamente, formula as seguintes conclusões:
(…)
J…, A., notificado do recurso interposto pela R. veio responder, pugnando pela improcedência do recurso.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer sugerindo a rejeição do recurso em matéria de facto e a procedência quanto à condenação no pagamento da quantia de 150.000,00€.
Ambas as partes se pronunciaram.

Segue-se um breve resumo dos autos.
J… intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra, “S…, SAD”, opondo-se ao despedimento por esta promovido.
A Ré apresentou o seu articulado onde, para além de arguir a exceção de falta de jurisdição e incompetência material deste tribunal, reitera os factos imputados ao ora Autor na nota de culpa e decisão de despedimento, para concluir que a conduta aí descrita consubstancia uma violação muito grave dos deveres de respeitar e tratar com urbanidade e lealdade a entidade patronal, os superiores hierárquicos, incluindo os treinadores, os companheiros de trabalho e as demais pessoas que, pelas respetivas funções, estejam relacionadas com a sua atividade; obedecer à entidade patronal e seus representantes em tudo o que respeite à execução e disciplina da atividade desportiva, salvo na medida em que as ordens e instruções daquela se mostrarem contrárias aos seus direitos e garantias; zelar por se manter a cada momento nas melhores condições físicas necessárias para a prática desportiva; cumprir todas as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho desportivo e das normas que o regem, bem como das regras próprias de disciplina e ética desportiva, conforme descrito no art. 13.º do CCT celebrada entre a LPFP e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol. É ainda violadora dos deveres descritos nos pontos anteriores e que também resultam do Regulamento Interno da Ré, o qual lhe foi dado a conhecer de forma integral e esclarecida, tendo sido aceite sem reservas pelo Autor, bem como, nomeadamente, do disposto em especial na cláusula 4.ª, a), f), g), h), j), l), n), o) e cláusula 7.ª, a) do mesmo regulamento.
Conclui, pela procedência da exceção dilatória invocada, ou caso assim, não se entenda, pelo reconhecimento da regularidade e licitude do despedimento proferido pela Ré. Por fim, como pedido reconvencional, pede a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 6.004.323,29 €, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento.
O Autor apresentou contestação, onde, em síntese, reitera a competência material deste tribunal e nega a prática dos factos que lhe foram imputados, alegando que o documento que lhe propuseram que assinasse não era o referido na nota de culpa mas sim um novo contrato de trabalho, que o prejudicaria; que o seu agente foi impedido de analisar esse mesmo documento e que foi obrigado a reunir sozinho com os elementos da entidade empregadora referidos na nota de culpa; que lhe foi proposto ainda a celebração de um acordo de rescisão e que perante a recusa do Autor o mesmo foi mandado embora do local sem indicação de qualquer data para se reapresentar ao serviço. Considera, por isso, que não havia qualquer fundamento para o seu despedimento. Por fim elenca as retribuições e respetivos valores que, no seu entendimento, a Ré ainda não lhe pagou.
Conclui, assim, pela improcedência da exceção de incompetência arguida, pela declaração de ilicitude do despedimento, pelo indeferimento liminar do pedido reconvencional deduzido pela Ré e pela consequente procedência do pedido reconvencional por ele deduzido, devendo a Ré ser condenada a pagar-lhe:
a) Uma indemnização no valor de € 270.000,00 (duzentos e setenta mil Euros) a título de créditos laborais vencidos e não pagos;
b) Uma indemnização no valor de € 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil Euros) pelo despedimento ilícito sem justa causa;
c) Os juros de mora vencidos calculados à taxa legal supletiva desde a data de vencimento de cada uma das respetivas prestações incumpridas até ao presente e que ascendem a € 8.352,32 (oito mil trezentos e cinquenta e dois Euros e trinta e dois cêntimos); e
d) Os juros de mora vincendos calculado à taxa legal supletiva desde a data da notificação do presente articulado até efetivo e integral pagamento.
A Ré ainda respondeu para impugnar a reconvenção deduzida pelo Autor, concluindo pela licitude do despedimento e pela improcedência do pedido reconvencional.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, após o que foi proferida sentença que julgou procedente a ação, e, consequentemente:
a) Declarou a ilicitude do despedimento; e
b) Condenou a Ré a pagar ao Autor.
 A quantia global de 750.000,00 €;
 O valor de 8.352,32 €, relativamente a juros de mora vencidos à taxa legal de 4% ao ano, sobre as retribuições em dívida, desde a data do respetivo vencimento até à data da propositura da ação; e
 Juros de mora vincendos à mesma taxa, sobre as retribuições em dívida, desde a data da notificação à Ré da reconvenção até integral pagamento.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Quanto à condenação no pagamento do montante de 150.000,00€, a existir qualquer falta de pagamento de retribuições ao Autor, essa responsabilidade é exclusiva do A…, não da Recorrente?
2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – Emerge da prova reapreciada que entre a Recorrente e o Autor foi celebrado em 12 de Abril de 2010 um contrato de trabalho desportivo, cuja vigência se iniciou em 01 de Julho de 2010 e cessou com o despedimento do Autor – com justa causa, lícito e regular, em 24 de Outubro de 2012?
4ª - Ainda que por mera hipótese académica se venha a considerar a final que o despedimento do Autor foi ilícito nunca o Autor teria direito à compensação/indemnização a que se arroga e a que o Tribunal a quo condenou a Recorrente?
5ª - Os salários de Julho a Outubro de 2012 (época 2012/2013), no total de 58.800,00 € líquidos - quatro pagamentos de 14.700,00 € líquidos cada – ascendem ao valor total ilíquido correspondente a 100.000,00 €. – e não os valores referidos na sentença, que, sem razão aparente ou justificação alguma, vão para além daquilo que o próprio Autor no seu articulado invocou como estando em dívida – ou seja, a quantia ilícita de 100.000,00€?
6ª - O Autor não recebeu os salários aqui em causa porque não quis e se recusou a fazê-lo, estando em mora nos termos do art. 813.º e seguintes do CC, não podendo à Recorrente ser imputável qualquer consequência decorrente do atraso do cumprimento da prestação, nomeadamente, a título de juros?

Por razões de lógica processual iniciaremos a discussão pela 2ª questão acima elencada – o erro de julgamento da matéria de facto.
Pretende o Recrte. que a matéria que consta dos pontos n) o) p) q) r) s) t) u) v) w) x) y) z) aa) bb) cc) dd) ee) ff) gg) hh) ii) e jj) da factualidade exarada na sentença foi erradamente dada como provada e que merece censura a decisão quanto a factos que não foram dados como provados, designadamente os factos alegados pela Ré nos artigos 26º (quanto à manifestação de vontade do Autor), 27º, 28º (quanto à finalidade da convocatória), 30º (quanto à finalidade da reunião), 32º, 33º, 36º (relativamente à frase proferida pelo Autor), 37º (quanto à ausência sem explicações) do articulado motivador do despedimento, bem como os artigos 36º e 37º da resposta.
A fundamentar a impugnação indicam-se, para além da prova documental junta aos autos, os depoimentos das testemunhas: - P…, gravado digitalmente na aplicação «H@bilus Media Studio», em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 29.09.2014, no que interessa ao presente recurso com início aos 03m08s e termo aos 14m30s;m- R…, gravado digitalmente na aplicação «H@bilus Media Studio», em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 29.09.2014, no que interessa ao presente recurso com início aos 3m52s e termo aos 11m00s; e - Dr. P…, gravado digitalmente na aplicação «H@bilus Media Studio», em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 29.09.2014, no que interessa ao presente recurso com início aos 08m04s e termo aos 11m30s.
Conclui-se reclamando a alteração da factualidade conforme exarado nas conclusões XLIV e XLV.
O Ministério Público suscitou a rejeição do recurso nesta parte, invocando o não cumprimento dos ónus impostos à parte recorrente na lei processual civil.
Vejamos!
Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e, bem assim, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (Artº 640º/1 do CPC).
Os concretos pontos de facto submetidos a julgamento foram os constantes dos articulados apresentados pelas partes, pelo que é com referência aos concretos artigos que a impugnação se deve realizar. É sobre a resposta dada a tal matéria que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado. É relativamente aos pontos de facto articulados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada. Deste modo, a decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas, é a decisão de provado ou não provado relativamente à matéria articulada.
Assim, a impugnação da matéria de facto não tendo, como no caso concreto, sido elaborados quesitos (o que também não se impunha), faz-se por referência aos artigos das peças processuais relevantes, porquanto aí se encontra a base que serviu de mote ao julgamento. E, assim, em sede de impugnação, o recorrente terá que indicar os artigos onde se encontra a matéria de facto objeto de erro no seu julgamento, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento. E é a decisão que tais pontos de facto mereceram que pode ser impugnada.
Ou, conforme decidiu o STJ, no Ac. de 8-3-2006, Proc. 05S3823, o recorrente "tem de concretizar um a um quais os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal. (…) Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Na verdade, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto que ele considera incorretamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, pois se aí não forem indicados o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles".
Ora, no caso sub judice, e quanto à 1ª parte da impugnação – a que incide sobre os pontos n) o) p) q) r) s) t) u) v) w) x) y) z) aa) bb) cc) dd) ee) ff) gg) hh) ii) e jj) - não se descortina a indicação, efetuada por referência aos articulados, de algum concreto ponto de facto considerado incorretamente julgado. Nem nas conclusões, nem na precedente alegação.
Ou seja, o julgamento efetuado deveria ir ao encontro de que matéria concretamente articulada? Relativamente a esta matéria, a prova impunha que respostas?
Por outro lado, e considerando as conclusões XLIV e XLV, desconhece-se a origem da invocada matéria por cuja prova se pugna. Onde é que a mesma vem alegada para que o Tribunal possa emitir um juízo de provado?
No que tange à 2ª parte da impugnação – a que incide sobre os factos alegados pela Ré nos artigos 26º (quanto à manifestação de vontade do Autor), 27º, 28º (quanto à finalidade da convocatória), 30º (quanto à finalidade da reunião), 32º, 33º, 36º (relativamente à frase proferida pelo Autor), 37º (quanto à ausência sem explicações) do articulado motivador do despedimento, bem como os artigos 36º e 37º da resposta.- a situação é distinta.
A remissão para os articulados permite uma reapreciação. Contudo, em parte alguma se consignou a concreta decisão almejada sobre estes concretos pontos de facto.
Por outro lado, e quanto à reapreciação de prova documental, a mesma não vem concretizada.
A tudo acresce a circunstância de se pretender adquirir como provada uma amálgama de conclusões jurídicas – vd. conclusões XLIV e XLV -, o que é absolutamente vedado pela lei processual, porquanto a prova incide sobre factos. E apenas sobre factos (Artº 410º do CPC).
Em face do exposto, fica inviabilizado o conhecimento do recurso nesta parte, impondo-se, por isso, a respetiva rejeição.

OS FACTOS:
Com interesse para a apreciação do mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:
a) A Ré é uma sociedade anónima desportiva que promove e participa em atividades desportivas, disputando, atualmente, através da sua Equipa Principal o Campeonato da I Liga, através da sua Equipa B o campeonato da II Liga, através da Equipa Juniores “A”, o Campeonato Nacional de Juniores de Futebol – I Divisão; participa ainda nas demais competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e pela UEFA onde se enquadram as suas equipas.
b) O Autor é um jogador profissional de futebol e dedica-se, com carácter de regularidade e mediante remuneração, à prática de futebol em representação e sob a autoridade de um clube desportivo, fazendo disso profissão.
c) Entre a Ré e o Autor foi celebrado em 12 de Abril de 2010 um contrato de trabalho desportivo, cuja vigência se iniciou em 01 de Julho de 2010, vinculando-se para as épocas desportivas de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014.
d) Por força do referido contrato, a Ré comprometeu-se a pagar ao Autor a remuneração global anual ilíquida de € 300.000,00 por cada uma das quatro épocas desportivas, em dez prestações iguais, mensais e sucessivas de € 30.000,00 vencendo a primeira em 20 de Setembro do ano da época a que dissesse respeito e em igual dia nos meses subsequentes.
e) Durante o seu primeiro ano de contrato com a R., isto é, durante a época desportiva de 2010/2011, o A. foi cedido, a título de empréstimo, ao clube espanhol Club A…, em 31 de Agosto de 2010, onde atuou pela equipa B.
f) No seu segundo ano de contrato, durante a época desportiva de 2011/2012, o A. foi novamente cedido, ainda a título de empréstimo, ao mesmo clube espanhol Club A….
g) Para tanto, a R. deu o seu consentimento mediante carta datada de 4 de Julho de 2011.
h) A Ré fez cessar o contrato de trabalho desportivo com o Autor por despedimento com alegada justa causa, no passado dia 24 de Outubro de 2012.
i) O procedimento disciplinar instaurado ao Autor teve origem na participação disciplinar que foi apresentada à Ré pelo seu superior hierárquico, Sr. P…, Diretor Desportivo.
j) Foi decretada a suspensão preventiva do Autor nos termos do art. 354.º do CT e elaborada a respetiva nota de culpa, a qual lhe foi notificada, tendo o Autor sido advertido de todos os direitos que lhe assistiam.
k) O Autor apresentou no prazo legal para o efeito resposta à nota de culpa
l) Com a resposta à nota de culpa o Autor arrolou duas testemunhas, R… e S…, que não compareceram na data designada para a sua inquirição.
m) No dia 31 de Agosto de 2012, data limite para inscrição de atletas junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), no Estádio A.. – sede da entidade empregadora – o Diretor Desportivo da Ré, P…, contactou o Autor para que este se apresentasse logo que possível no Estádio A...
n) Em resultado desse contacto, o A. e o seu agente R… chegaram ao estádio pelas 21h30 do dia 31 de Agosto de 2012.
o) Chegados ao estádio, o A. foi encaminhado sozinho para o gabinete do Diretor Executivo, situado no piso superior.
p) O agente do A. solicitou autorização para o acompanhar ao dito gabinete mas foi impedido.
q) Os funcionários da R. recusaram a presença do agente R… com a justificação que o A. iria conversar com o treinador da equipa de futebol.
r) Pelo que foi obrigado a aguardar na sala de espera do estádio sem qualquer acesso à reunião ou a qualquer conversa que a R. pretendia ter com o A.
s) Sozinho na presença do Diretor Executivo, do Diretor Desportivo, dos Secretários Técnicos, todos funcionários da R., bem como do advogado desta, o A. viu-lhe ser apresentado um documento escrito composto por pelo menos cinco folhas, redigidas em português e que constituíam um só documento, que era uma minuta de contrato de trabalho desportivo que a R. pretendia que o A. assinasse.
t) O A. não percebia a plenitude e a extensão do conteúdo daquela minuta, pelo que, novamente, solicitou a presença do seu agente para que juntos pudessem analisar o mesmo.
u) A solicitada presença do agente foi recusada pela R..
v) Inconformado, o A. solicitou, pelo menos, permissão para exibir ao seu agente o documento que lhe era apresentado, o que novamente foi recusado.
w) Mais alertando que o contrato era para ser assinado ali, naquele momento e não para ser mostrado ao seu agente.
x) Esta minuta de contrato continha montantes e datas diferentes dos previstos no contrato de trabalho desportivo vigente àquela data.
y) Perante a constante recusa da R. em aceitar a presença do seu agente, este manifestou então a intenção de, pelo menos, conferenciar com este, o que lhe foi, enfim, concedido.
z) Pelo que, passados os já referidos trinta minutos depois de ter entrado no gabinete do Diretor Executivo da R., o A. saiu da sala para falar com o agente R… a fim de obter aconselhamento.
aa) Em conversa com o referido R…, o A. confidenciou-lhe que lhe fora proposto assinar um novo contrato.
bb) Impedido de visualizar o referido documento, o agente R… contactou telefonicamente o seu advogado, Dr. S… para o seu escritório em Madrid cerca das 23h00, hora de Madrid, 22h00 em Lisboa.
cc) E relatou-lhe o sucedido quanto à recusa de acesso à reunião e da exibição e análise do documento proposto.
dd) Informado de que a R. se recusara a exibir o documento que apresentara ao A. para que este assinasse, o referido causídico sugeriu que este nada assinasse sem que lhe fosse providenciado cópia do mesmo, por forma a confirmar o seu conteúdo.
ee) Por imposição da R. esse documento também não foi exibido ao advogado espanhol, Dr. S….
ff) Razão pela qual o A. informou que não assinaria o documento que lhe fora apresentado, já que a sua análise havia sido negada aos seus representantes e ele próprio desconhecia o conteúdo e efeitos do mesmo.
gg) Perante a reação do A. o Diretor Desportivo sugeriu-lhe que alcançasse um acordo de rescisão do contrato de trabalho.
hh) Ao que o A. respondeu negativamente, exceto se lhe fossem garantidos os direitos laborais inerentes à revogação do contrato de trabalho, isto é, todos os créditos laborais e uma compensação pela cessação do contrato.
ii) Perante nova rejeição, o A. foi mandado embora, sem indicação de data concreta para se reapresentar ao serviço, razão pela qual se ausentou do Estádio A...
jj) A Ré não pagou ao Autor os salários de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2012, no valor de € 120.000,00.
kk) Por sua vez, o Club A… pagou-lhe a quantia de 150.000,00 €, durante a época desportiva 2011/2012.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Podemos, agora, analisar a 1ª questão que enunciámos: a responsabilidade pelo montante de 150.000,00€ é exclusiva do A…, não da Recrte..
Começamos por salientar que, sendo o A… estranho a esta ação, não nos pronunciaremos aqui acerca de eventuais responsabilidades suas. Analisaremos, isso sim, se a Recrte. não é responsável pelo pagamento de tal quantia.
Na sentença recorrida a questão não mereceu atenção relevante porquanto ali se exara apenas e tão só que “Para além daquela indemnização, tem ainda direito às retribuições relativas à época desportiva de 2011/2012 (no montante de 150.000,00 €), bem como de 120.000,00 €, a título de créditos laborais vencidos referentes à época de 2012/2013 até à cessação do contrato de trabalho, cujo pagamento a Ré não logrou provar, como lhe competia.”
Alega o Recrte., em sintonia com o que fez na resposta à contestação, que nos termos do art. 9.º da CCT celebrada entre a LPFP e o SJPF, na falta de especificação em contrário, presumem-se sub-rogados pelo cessionário (no caso foi o A…, como é matéria assente) todos os direitos e obrigações do cedente (Recorrente); o mesmo decorre do art. 20.º, n.º 4, da Lei 28/98, de 26 de Junho (regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo). Das normas citadas resulta que durante a cedência temporária, salvo indicação em contrário – e nada foi dado como provado nesse sentido -, todos os efeitos do contrato de trabalho entre o jogador e o clube cessionário se suspendem. A existir qualquer falta de pagamento de retribuições ao Autor, essa responsabilidade é exclusiva do A…, não da Recorrente.
Contrapõe o Recrdº que a disposição normativa do RJCTPD referida pela Apelante remete expressamente para o contrato de cedência do jogador e para o CCT. Sendo que este diploma estabelece e regula as normas por que se regem as relações jurídicas e laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivo assinados com os clubes ou SAD’s filiados na LPFP, conforme resulta do seu artigo 1.º n.º 1. Posto isto, facilmente se depreende que o CCT não obriga o clube cessionário que, reconhecidamente não está filiado na LPFP, mas sim na Liga de Fútbol Profesional em Espanha. Por outro lado, a Apelante nunca juntou o contrato de cedência temporária do Apelado a fim de aquilatar se o mesmo era omisso ou não em relação à obrigação de pagamento da remuneração. Uma vez que só tal omissão permite presumir a sub-rogação de todos os direitos e obrigações do clube cedente ao clube cessionário. Finalmente, veio a Apelante defender que nenhuma prova foi produzida de que resultasse a obrigação de pagamento dos vencimentos da sua parte ao Apelado naquela referida época desportiva. Olvidando que tal obrigação decorre natural e obviamente do contrato de trabalho assinado em 12 de Abril de 2010 entre ambos, cfr. als. c) e d) dos factos provados.
Não surpreendemos na matéria de facto cuja prova se obteve a filiação, seja da Recrte., seja do Recrdº, nalguma associação subscritora de alguma convenção coletiva de trabalho. Nem vem invocado algum regulamento de extensão.
Ocorre, contudo, que se consignou na sentença que “no caso em apreço, importa sublinhar que o mencionado CCT é aplicável ao contrato de trabalho desportivo versado nos autos, conforme se alcança da cláusula 15ª do referido contrato.”
Nesta medida, não merecendo esta conclusão oposição das partes, teremos como aplicável ao caso sub judice a mencionada convenção.
Segundo se dispõe no Artº 9º/4 e 5 desta CCT no contrato de cedência podem ser estabelecidas condições remuneratórias diversas das acordadas no contrato de trabalho desportivo, desde que não envolvam diminuição da retribuição nele prevista. Na falta de especificação, presumem-se sub-rogados pelo cessionário todos os direitos e obrigações do cedente.
Por sua vez, dispõe-se no Artº 20º/4 da Lei 28/98 de 26/06 que a entidade empregadora a quem o praticante passe a prestar a sua atividade desportiva, nos termos do contrato de cedência, fica investida na posição jurídica da entidade empregadora anterior, nos termos do contrato e da convenção coletiva aplicável.
Impõe-se, desta forma, equacionar os termos do contrato celebrado.
O acervo fático apenas nos diz que durante o seu primeiro ano de contrato com a R., isto é, durante a época desportiva de 2010/2011, o A. foi cedido, a título de empréstimo, ao clube espanhol Club A…, em 31 de Agosto de 2010, onde atuou pela equipa B. E no seu segundo ano de contrato, durante a época desportiva de 2011/2012, o A. foi novamente cedido, ainda a título de empréstimo, ao mesmo clube espanhol Club A…. Para tanto, a R. deu o seu consentimento mediante carta datada de 4 de Julho de 2011.
O Ministério Público, no seu parecer, extrai desta carta que a R. não assumiu o pagamento da retribuição, pelo que é de presumir que o encargo com o pagamento das retribuições cabe ao clube cessionário.
Não sufragamos este entendimento, pois, sendo a cedência um contrato, impunha-se que os autos revelassem, sem margem para dúvidas, a aceitação da condição alegadamente imposta.
E não revelam.
Ou então que os autos evidenciassem os termos contratados, para que pudéssemos aquilatar da ausência de estipulação acerca desta matéria.
Ora, conforme ensina João Leal Amado, “em virtude do contrato de cedência, o vínculo do praticante com o empregador cedente não se extingue, mas rarefaz-se”, sendo o grau de substituição do cedente evidenciado pelo que tiver sido estipulado no contrato de cedência, sendo que o âmbito da cedência pode alcançar várias dimensões mais ou menos vastas (Contrato de Trabalho Desportivo Anotado, Coimbra Editora, 64). Ora, no grau de amplitude da cedência cabe o pagamento integral do salário pelo cedente. Donde, sem dependência de prova do regime contratado, sendo a Recrte. a empregadora, é sobre ela que recai, em 1ª mão a responsabilidade pelo pagamento do salário.
Nessa medida, mantém-se a decisão.

A 3ª questão acima enunciada prende-se com a procedência do recurso em matéria de facto. Atenta a decisão proferida a propósito desta questão, ficam prejudicados quaisquer considerandos a este propósito.

Passamos, assim, a deter-nos sobre a 4ª questão - ainda que se venha a considerar a final que o despedimento do Autor foi ilícito nunca o Autor teria direito à compensação/indemnização a que se arroga e a que o Tribunal a quo condenou a Recorrente.
O Recrte. funda a sua tese na circunstância de decorrer do Artº. 48.º da CCT celebrada entre a LPFP e o SJPF que sempre seria necessário deduzir à compensação invocada pelo Autor todos os montantes que o mesmo venha eventualmente a auferir pela mesma atividade a partir do início da época seguinte àquela em que ocorreu a cessação do seu contrato. Assim, tal indemnização/condenação estaria dependente de posterior liquidação e também por esta via merece censura a decisão recorrida.
Consignou-se na sentença que a cláusula 48º do referido CCT “confere ao jogador “o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”, sem que se mostre necessário o ónus de alegação e prova do dano por parte do jogador.
Considerando, pois, que o termo do contrato entre o A. e a Ré aconteceria em 30 de Junho de 2014, tem o A. direito a receber, a título de indemnização, o valor correspondente às remunerações devidas até àquela data, o que perfaz o valor global de 480.000,00 €, que inclui seis prestações mensais de 30.000,00 € referentes à época desportiva de 2012/2013 e 300.000,00 €, referente à época desportiva de 2013/2014.”
Dispõe-se no Artº 49ª da CCT referida que a entidade patronal que haja promovido indevidamente o despedimento do jogador, por ausência de processo disciplinar ou falta de justa causa, fica obrigada a indemnizá-lo nos termos do precedente artigo 48.º
Por seu turno, decorre daqui que é conferido ao jogador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma atividade a partir do início da época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu a rescisão e até ao termo previsto para o contrato.
Assiste, assim, razão à Recrte. no que se reporta à questão em apreciação.

Passamos, agora, a analisar a questão elencada em 5º lugar - Os salários de Julho a Outubro de 2012 (época 2012/2013), no total de 58.800,00 € líquidos - quatro pagamentos de 14.700,00 € líquidos cada – ascendem ao valor total ilíquido correspondente a 100.000,00 €. – e não os valores referidos na sentença, que, sem razão aparente ou justificação alguma, vão para além daquilo que o próprio Autor no seu articulado invocou como estando em dívida – ou seja, a quantia ilícita de 100.000,00€?
Sob a alínea b) do seu pedido reconvencional o A. peticionou a condenação da R. no pagamento da quantia de € 120.000,00 (4 das dez prestações anuais no valor global de 300.000,00€) a título de créditos laborais vencidos referente à época de 2012/2013 até à cessação do contrato por despedimento.
Compulsada a sentença verificamos que ali se concluiu que o empregador deve ao trabalhador “120.000,00 €, a título de créditos laborais vencidos referentes à época de 2012/2013 até à cessação do contrato de trabalho”.
Consta do acervo fático sob o ponto jj) que a Ré não pagou ao Autor os salários de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2012, no valor de € 120.000,00.
Nada há, pois, a censurar.

Resta a última questão enunciada – os juros de mora.
Alega-se que o Autor não recebeu os salários aqui em causa porque não quis e se recusou a fazê-lo, estando em mora nos termos do art. 813.º e seguintes do CC, não podendo à Recorrente ser imputável qualquer consequência decorrente do atraso do cumprimento da prestação, nomeadamente, a título de juros.
A resposta positiva a esta questão está dependente de factualidade não adquirida nos autos. Termos em que improcede.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência alterar a sentença no que tange à condenação na indemnização nos seguintes termos:
- Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de quatrocentos e oitenta mil euros (480.000,00€), correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzida das quantias que eventualmente venha a auferir pela mesma atividade a partir do início da época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu o despedimento e até ao termo previsto para o contrato, estas a liquidar.
Confirma-se a sentença quanto ao mais ali decidido.
Custas por ambas as partes, na proporção de ½ para cada uma.
Notifique.
Guimarães, 28/05/2015
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga