Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
671/10.0TBCBT-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: GRAVAÇÃO DA PROVA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Tendo sido inicialmente gravada a prova pessoal produzida no procedimento cautelar e que levou ao deferimento da providência, deve também ser gravada a prova pessoal oferecida na oposição, independentemente de tal ser requerido pelo opoente.
II - A não gravação dessa prova constitui, porém, nulidade processual, susceptível de ficar sanada se não for arguida a seu devido tempo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Apelantes: A… e I… (requeridos);
Apelado: N… (requerente);

Nos presentes autos de procedimento cautelar, os requeridos vieram interpor recurso de apelação da decisão de manter a providência de restituição provisória da posse, na qual se ordenou que os Requeridos desimpeçam o acesso ao caminho (que identificam) pelo Requerente, devendo os mesmos, para esse efeito, retirar os penedos colocados na linha divisória entre o seu prédio e o prédio do requerente, assim desobstruindo a passagem para esse terreno.

Nas alegações de recurso que apresentam, e nas respectivas conclusões, os Apelantes suscitam o seguinte:
1 – Os depoimentos das testemunhas indicadas na oposição são inexistentes ou totalmente imperceptível, pelo que tal deficiência ou omissão sendo exclusivamente imputável aos serviços judiciários e não aos recorrentes, coarcta a faculdade destes da reapreciação fáctica do mesmo depoimento, o que se traduz em nulidade processual – art. 201, do CPC, e impõe a repetição do julgamento;
2 – Os depoimentos das testemunhas indicadas pelos recorrentes foram erradamente apreciados e valorados, pelo que ocorreu notório erro de julgamento;
3 – Com efeito, tais depoimentos, se devidamente analisados, autorizam resposta de provado à matéria alegada na oposição, ao contrário da resposta que foi dada pelo Tribunal recorrido;
4 –Do mesmo modo se revelaram credíveis, convincentes, consistentes e inequívocos os depoimentos das ditas testemunhas relativamente ao facto do prédio dos recorrido há mais de 40 anos não ser cultivado e do prédio dos recorrentes nunca ter estado onerado com servidão de passagem a favor daqueles pelo que não dar como provado tal matéria não obedece aos critérios doutrinais enunciados por Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 209 e Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, pág. 348, nem ao princípio da livre apreciação de prova consagrado no art. 655, nº1, e ao da análise critica das provas estabelecido no art. 653, nº2, ambos do CPC, que apelam à sã prudência e às regras da experiência ou do normal acontecer, que a Mmª Juiz não quis reconhecer, como ínsitos naqueles depoimentos testemunhais;
5 –Violou, por isso a douta sentença apelada, para além de outros, os arts. 386,4, 655, nº1 e 653, nº2, do CPC e 342, este do CC.
Termos em que pedem a que o recurso ser julgado procedente, revogando-se em consequência a douta sentença e substituindo-se por outra que também revogue a providência decretada.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

As questões a decidir são as seguintes:
- Falta de gravação dos depoimentos;
- Reapreciação da matéria de facto.

Cumpre decidir.
a) - Falta absoluta de gravação dos depoimentos;
No presente recurso de Apelação impõe-se, desde logo, apreciar e decidir a questão prévia suscitada pelos recorrentes e os seus efeitos no que concerne à falta absoluta de gravação dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos requeridos na oposição.
Esgrimem estes que tal omissão é imputável ao tribunal, o que constitui uma nulidade processual e acarreta a repetição do julgamento, alegando ainda que pretendem impugnar a matéria de facto dada como provada.
Vejamos.
Compulsados os autos, resulta que:
- os requeridos na sua oposição não requereram a gravação dos depoimentos das testemunhas por si indicadas;
- do teor da acta de audiência não decorre qualquer gravação desses depoimentos, designadamente o início e o termo da gravação de cada depoimento;
- a fls. 151 foi indeferida tal nulidade, em sede de 1ª instância, sem que tenha havido recurso dessa decisão.
*
O diploma que regula a documentação e o registo da prova é o Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2.
O referido Decreto-Lei veio estabelecer a possibilidade de as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados serem gravados, regulamentando a documentação da prova por via de gravação áudio e vídeo, e tal como se refere no preâmbulo do citado Decreto-Lei, com vista a pôr “ termo ao peso excessivo que a lei processual vigente confere ao princípio da oralidade e concretizando uma aspiração de sucessivas gerações de magistrados e advogados”, e, consequentemente, com vista a garantir a efectiva possibilidade de um 2º grau de jurisdição em sede de reapreciação da matéria de facto.
Este diploma veio aditar ao Código de Processo Civil (doravante CPC) os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, referentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo processualmente previsto para se proceder à impugnação a matéria de facto em sede de recurso.
Porém, após o Dec.Lei nº 303/2007, de 24.08, passou o art. 685º-B a reportar-se à impugnação da matéria de facto, com a seguinte redacção:
“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto:
1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
(…)
Por seu turno, o citado artº 522º-C, veio também a ser alterado pelo dito Dec.Lei nº 303/2007, no seu nº 2, impondo que, no caso de registo áudio ou vídeo, seja assinalado na acta o início e termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, a gravação é feita, em regra, com equipamento existente no Tribunal e executada por funcionários de justiça – arts. 3º, nº1 e 4º do citado Decreto-Lei.
O diploma não contempla qualquer normativo destinado a, no final da gravação, as partes e o Tribunal poderem aferir da efectiva gravação e da sua qualidade, limitando-se a regular o modo como a gravação deve ser efectuada (art. 6º, nºs 1 e 2, 7º e 8º ).
E, relativamente a anomalias que venham a ocorrer na gravação, dispõe-se em tal diploma legal que “ se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade” (art. 9º).
Entende-se, assim, por um lado, que as partes não podem ser prejudicadas pelos erros e omissões praticadas pelos funcionários judiciais, mesmo que involuntários, e, ainda que não lhes incumbe o ónus de controlar a qualidade das gravações realizadas, pois que a lei preceitua que serão realizadas pelo próprio Tribunal.
Por outro lado, entende-se ser indiscutível que quando ocorre durante a realização da gravação omissão ou erro ou falha técnica na gravação da prova, tal constituirá nulidade, nos termos do art.º 201º, n.º1, do CPC, por se tratar de irregularidade que influi no exame e decisão da causa, desde logo por retirar à parte que pretende impugnar em sede de recurso a matéria de facto o direito de ver reapreciada pelo Tribunal da Relação o julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo tribunal “ a quo “.
E, considera-se também que, tratando-se de nulidade decorrente de anomalias que venham a ocorrer na gravação, leia-se “ durante a gravação “ (por omissão ou erro, a mesma será do conhecimento dos tribunais, mediante a arguição das partes, mesmo que nas próprias alegações de recurso, por força do preceituado nos art.º 9º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, na sua conjugação com o art.º 201º-n.º1 do CPC. (V. neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/08; 15/5/08; 7/6/08; Ac. TRL, de 13/5/09; Ac. TRL de 10/5/07; Ac. TRP de 22/1/07 e de 19/12/05, todos in www.dgsi.pt).
No caso sub iudice, porém, a situação é distinta.
Trata-se não de ”anomalias na gravação (por omissão ou erro)”,mas antes de falta de gravação.
Com efeito, verifica-se, que, por um lado, não foi pedido pelos requeridos a gravação da prova na sua oposição (e também não foi ordenada por despacho judicial em audiência de julgamento), e que, por outro lado, tal gravação não chegou a realizar-se.
Ora, quanto à questão da obrigatoriedade ou não de ser requerida essa gravação pelos requeridos, ainda que possa ser defensável uma interpretação literal do artº 386º, nº 4, do CPC, no sentido de que apenas é obrigatória a gravação da prova indicada na oposição quando o requerido formule tal pedido, conforme entendimento também do tribunal a quo, entende-se que tal preceito legal não afasta o entendimento contrário, pugnado pelos apelantes, de que tal gravação deve ocorrer, independentemente de ser requerido por quem deduz a oposição.
Tal entendimento justifica-se por razões de igualdades das partes e reforço duma efectiva e global reapreciação do julgamento da 1ª instância, já que a gravação de todos os depoimentos prestados no processo pelas testemunhas acautela uma maior e melhor sindicância do julgamento da matéria de facto, seja em relação ao requerido, seja em relação ao próprio requerente (quando o juiz decide reduzir ou revogar a providência anteriormente decretada).
Ademais, o citado nº 4 do artº 386º, que consagra que são sempre gravados os depoimentos prestados, está inserido em norma cuja epígrafe é “audiência final”, ou seja, em audiência que decorre após já ter sido realizada a inquirição das testemunhas do requerente, nas situações em que o requerido não foi ouvido antes de ordenada a providência cautelar.
Em suma, essa obrigação de gravação não se cingirá restritivamente aos depoimentos prestados nessa inquirição e antes do contraditório do requerido.
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Na situação vertente, considera-se que, não obstante tal falta seja então imputável, em primeira linha, ao próprio Tribunal e se trate, igualmente, de irregularidade geradora de nulidade processual nos termos do art.º 201º, n.º1 do CPC, estamos perante nulidade sujeita ao prazo de arguição previsto no n.º1 do art.º 205º do CPC, o qual estatui:
Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; (…) ”.
Com efeito, no caso em apreço, tratando-se de absoluta falta de gravação, tendo tal forma de documentação de registar-se no decurso da audiência final, em cuja inquirição de testemunhas arroladas pelos requeridos esteve presente o ilustre mandatário destes, teve este a possibilidade de verificar, pessoalmente, que tais gravações não decorriam, facto de que muito facilmente se aperceberia o Sr. Advogado dos recorrentes, dada a sua prática judiciária e normal formalismo do acto de gravação (utilização do equipamento respectivo, colocação dos microfones, interrupções, verificações, reinícios, etc…) deve considerar que a parte esteve presente, por via de mandatário, no momento em que a nulidade foi cometida, devendo tal nulidade ter sido arguida até final do acto, sob pena de se ver precludido tal direito – o que se verificou.
No caso em análise, não se trata, pois, de falta ou irregularidade de gravação, em consequência de deficiência técnica do equipamento sonoro, situação que a parte não tem possibilidade de sindicar, distintamente. O que se verifica é que não foram praticados quaisquer actos materiais correspondentes à gravação da prova.
Assim, na esteira do entendimento perfilhado no Acórdão desta Relação de Guimarães, processo nº2383/08-1, da 1ª Secção Cível, conclui-se que, não se tratando de nulidade de conhecimento oficioso e, tendo os requeridos vindo a arguir tal nulidade após ter-se concluído o julgamento e apenas em sede de alegações do recurso que vieram a interpor da sentença proferida, é extemporânea tal arguição, nos termos do art.º 205º, n.º1 do CPC, encontrando-se sanada a nulidade. (v. no mesmo sentido Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no P.661/08.1 e P. 609/08.1).

b) Reapreciação da matéria de facto;
Decorre do que se deixou expendido que do processo não constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, mormente o teor dos depoimentos prestados oralmente pelas testemunhas dos requeridos.
Não é assim, e desde logo por tal motivo, susceptível de impugnação a matéria de facto fixada, estando este tribunal de 2ª instância impedido de reapreciar ou valorar a prova produzida e, consequentemente, a decisão proferida pelo tribunal “ a quo” relativamente ao julgamento da matéria de facto, nos termos da alínea a) do art.º 712º do Código de Processo Civil.
Aliás, importa sublinhar que a prova produzida e valorada pelo tribunal de 1ª instância não se cinge apenas aos ditos depoimentos testemunhais, mas também ao relato (e seu confronto com a demais prova) das testemunhas indicadas pelo requerente, bem como à conjugação e análise dos documentos juntos aos autos (cfr. fls. 13 e 14).
Nestes termos, pelas razões aduzidas, deve manter-se inalterada a matéria de facto fixada, não se mostrando verificada a previsibilidade do art.º 712º do CPC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Guimarães, 13 de Outubro de 2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira