Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2454/14.9TBBRG.G1
Relator: JOSÉ ESTELITA MENDONÇA
Descritores: SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª CÍVEL
Sumário: I - Não faz sentido falar-se de caso julgado ou autoridade de caso julgado se na transacção e respectiva sentença de homologação o tribunal não chegou a proferir decisão sobre qualquer controvérsia substancial.
II - A excepção de caso julgado pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, posteriormente se propõe a mesma causa.
III – No caso de transacção homologada por sentença, a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz.
IV - Desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a excepção de caso julgado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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AA, residente na Rua Dr, Francisco Duarte, n.º .., 6°B.<, S. Victor, 4715-017, Braga, requereu. a presente providência cautelar contra "BB Lda, e "CC, Ld, pedindo a condenação das requeridas na restituição das benfeitorias que descreve.
Para tanto e em suma alegou que no dia 12/05/2008 a requerida "BB, Lda” declarou ceder-lhe o gozo de um espaço denominado "loja 305", correspondente à fracção "T", sita no centro comercial sito … em Braga, contra o pagamento de um valor mensal.
Por causa da falta de pagamento dos valores mensais estipulados entre as partes a referida requerida intentou acção declarativa de condenação contra a ora requerente e outra, a qual veio a terminar por transacção efectuada entre as partes.
Sucede porém que a requerente havia realizado obras de adaptação à fracção no sentido de permitir o exercício da actividade de SPA, colocando alarme, ar condicionado, dispositivo de detecção de incêndios, artigos sanitários, artigos de iluminação lavatórios, torneiras, móveis, entre outros, com isso despendendo € 32.000,00.
Tais equipamentos nunca foram retirados ou compensados, sendo agora a segunda requerida, "CC, Lda”, quem deles beneficia.
Invocou ainda a nulidade da cláusula do contrato de cedência do gozo do espaço de loja na medida quando estipula que as benfeitorias passarão a integrar a fracção, negando "o direito de retenção e indemnização".
Fundamentando a urgência e a necessidade do procedimento a requerente alegou que explora um espaço contíguo àquele em que se encontra a requerida "CC, Ldª, necessitando daqueles equipamentos para o exercício da sua actividade, atenta a escassez de receitas e a obrigação de cumprir o acordo transaccional.
Citada, a requerida "BB opôs-se, defendendo-se por impugnação e excepção.
Invocou a excepção de ilegitimidade activa, alegando que a requerente cedeu a sua posição contratual no contrato de utilização de loja em 01.01.2011, só à cessionária competindo reclamar quaisquer benfeitorias existentes na fracção.
Mais invocou a excepção de caso julgado uma vez que a cessionária já suscitou judicialmente a questão da indemnização poles benfeitorias em causa, no âmbito do processo quo correu termos no 1º Juízo de Braga sob o n' 7315/12.3 TBBRG, tendo esse processo terminado por transacção.
Por impugnação alegou que a requerente já utiliza a loja contígua – que actualmente continua a ocupar - desde antes da utilização da loja em causa nos autos, invocando a falsidade dos factos alegados e desconhecimento relativamente a parte da factualidade do requerimento inicial.
Terminou dizendo que a clausula 13 do contrato de cedência do gozo do espaço comerciai não só é válida como é habitual neste tipo de contratos.
Foi concedido o contraditório relativamente à matéria de excepção (fls. 267 ss.).
Foi solicitada e junta a certidão de fls. 75 ss., entretanto completada. (fls. 279 as.).
Seguidamente, e ao abrigo do disposto no art. 608 n.º 1 do C. P. Civil, foi proferida sentença que julgou improcedente a invocada excepção de ilegitimidade activa, mas julgou verificada a excepção de transacção e, consequentemente, absolveu as requeridas BB e CC da instância.
Inconformada com o assim decidido veio a requerente da providência interpor recurso de Apelação, finalizando com as seguintes CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. dos autos, proferida em 10 de Setembro de 2014, que julgou verificada a excepção de transacção, tendo em consequência absolvido as Requeridas da instância.
2.° É contra a bondade do assim decidido que se insurge agora a Apelante, sendo as suas razões de discordância com a sentença recorrida as seguintes:
- Por considerar que a Sentença é nula, por violação do disposto nos artigos 607 n.º4, porquanto havia insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Por ter havido, de forma indirecta, uma condenação em violação do disposto dos artigos 608°, n.º2 e 609°, n.º1 ambos do C.P.C., uma vez que o tribunal se ocupou de uma questão que não havia sido suscitada pelas partes, interpretando de forma extensiva a transacção lograda no âmbito de outro processo - a partir do qual parte para a decisão ora apelada;
- Erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 615 n.º1, al.e) do C.P.C, que se consubstancia numa causa de nulidade da sentença - dir-se-á que tal erro é grosseiro, uma vez que o tribunal a quo tenta ir além dos termos e texto da mesma, ainda para mais numa interpretação absurda!!
3.° Diz a douta sentença, fazendo reprodução do alegado pela Requerida, ora Apelada, que «a questão, objecto da acção, foi arrumada e resolvida pela transacção efectuada entre as partes; essa transacção tem, entre as partes, o valor de caso julgado; portanto não pode o tribunal conhecer do mérito da acção» ( ... ) «Por força da verificação desta excepção impõe-se assim a absolvição das requeridas da instância».
4.º Ora, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo, na análise e interpretação da factualidade in crise.
5.º Na verdade, em momento algum na transacção homologada no Proc. n.º 7315/12.3TBBRG, que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, a aí Ré, ora Apelante, renunciou ao seu direito de reclamar as benfeitorias realizadas no prédio em questão!
6.º Na transacção homologada no Proc. n.º 7315/12.3TBBRG, as partes apenas fixaram o valor e a forma de pagamento do mesmo, sendo certo que na presente data já se encontra o valor integralmente liquidado.
7.º Ora, por maioria de razão, se as partes não convencionaram que a Apelante prescindia das benfeitorias realizadas, não pode o Tribunal vir agora interpretar e condenar nesse sentido (diferente daquele que as partes pretendiam).
8.º Não se encontram, desta forma, preenchidos os requisitos necessários, nem se verificam os factos, que permitam ao Tribunal a quo vir aderir à peregrina ideia das Apeladas de existência de caso julgado.
9.º Se tivermos em conta, que no âmbito do Proc. n.º 7315/12.3TBBRG, a aí Autora (ora Apelada) pedia a condenação da ora Apelante (aí Ré) no pagamento da quantia de 10.741,15€, entre outros pedidos,
10.° Facilmente se concluirá que a ora Apelante não iria transigir, acordando o pagamento de 10.000,00€, prescindindo ainda das benfeitorias, que no seu valor global ultrapassam o triplo deste valor!!
11.° Facilmente se conclui que a vontade das partes foi reduzir o valor reclamado a 10.000,00€, prescindindo uma das partes dos juros e outras quantias reclamadas no seu pedido, enquanto que a outra parte assumiu a sua obrigação de pagamento do valor de 10.000,00€, os quais já pagou na sua totalidade!
12.° Assim, não se concebe outro entendimento, pelo qual se conclua que a ora Apelante tenha prescindido da reclamação das benfeitorias realizadas.
13.° Inexiste, assim, caso julgado quanto às benfeitorias ora reclamadas!
14.º Existe sim NECESSIDADE E URGÊNCIA da Apelante, que para que possa explorar o seu espaço comercial, necessita dos objectos supra mencionados, os quais se revelam como indispensáveis para a prossecução da sua actividade profissional.
15.º Objectos estes que, em virtude da actual escassez de receitas e da sua obrigação de cumprimento do acordo transaccional supra mencionado, não pode adquirir a título oneroso.
16.º É claro e concreto o risco que constitui para a Apelante, não se ver urgentemente restituída na posse dos bens móveis por si aplicados no imóvel explorado pela 2a Requerida.
17.º É que, dessa forma não pode garantir o sucesso da sua actividade, nem tão pouco a segurança de quem frequenta o espaço (alarme, ar condicionado, dispositivo de detecção de incêndio e artigos sanitários).
18.º Não será o facto de a Apelante exercer a sua há mais de três anos que afasta a urgência e necessidade de se socorrer dos bens supra expendidos.
19.º A Apelante passa por verdadeiras carências económicas, as quais não lhe permitem despender do valor necessário para a compra e instalação de artigos correspondentes às benfeitorias por si realizadas e ora reclamadas.
20.º Além de mais, o próprio mercado concorrencial não se compadece com o protelar! arrastar no tempo de investimentos que sustentem a estabilidade e competitividade dentro do mercado.
21.° Se improceder o presente procedimento, a má decisão tomada na Douta Sentença ora recorrida, poderá influir directamente no futuro da Apelante, que ficará à mercê dos riscos a que se expõe ao não dispor de dispositivos de segurança!
22.° Atenta a carência económica que não permite a aquisição a título oneroso dos bens móveis supra assinalados, pode a Apelante ser ainda autuada, por não respeitar as normas impostas para a exploração comercial a que se dedica!
23.° Ainda maior relevo assume o carácter de urgência e necessidade se tivermos em conta a possível utilização dos mesmos bens reclamados para, após a sua venda, proceder a Apelante ao cumprimento das suas obrigações, quer sejam comerciais, pessoais ou até fiscais!
24.° EXISTE ASSIM NECESSIDADE E URGÊNCIA DA APELANTE SE VER RESTITUÍDA DOS BENS QUE LHE PERTENCEM!
25.º Inexiste, caso julgado quanto às benfeitorias ora reclamadas!
26.° A Sentença é nula, por violação do disposto nos artigos 607 n.º4, porquanto havia insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
27.° Houve uma condenação em violação do disposto dos artigos 608°, n.º2 e 609°, n.º1 ambos do C.P.C., uma vez que o tribunal se ocupou de uma questão que não havia sido suscitada pelas partes, interpretando de forma extensiva a transacção lograda no âmbito de outro processo - a partir do qual parte para a decisão ora apelada;
28.º Houve um erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 615 n.º1, al. e) do C.P.C, que se consubstancia numa causa de nulidade da sentença - dir-se-á que tal erro é grosseiro, uma vez que o tribunal a quo tenta ir além dos termos e texto da mesma, ainda para mais numa interpretação absurda!!!
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão dando provimento ao presente recurso farão como sempre a devida e acostumada JUSTIÇAI
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir.

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Objecto do recurso
Considerando que:
- o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes (artigo 635 do Código de Processo Civil), estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações, das formuladas pelo Apelante resulta que a questão que é colocada à nossa apreciação é a de saber se existe caso julgado resultante da transacção efectuada no processo referido, e se ocorre nulidade da sentença por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e porque o tribunal se ocupou de uma questão que não havia sido suscitada pelas partes.
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Foram dados como provados os seguintes factos:
Da certidão junta aos autos a fls. 75 ss. e 279 ss,, com pertinência para a economia da presente decisão resulta provada a seguinte factualidade:
1) No dia 24.10.2012 "BB" intentou acção declarativa de condenação contra "DD, Lda" e a ora requerente, AA, tendo a mesma sido distribuída sob o n° 7315/12.3 TBBP.G.
2) Nesses autos peticionou a condenação das rés a reconhecerem a resolução do contrato de utilização de loja n.º 305 sita no Centro Comercial BB com fundamento em falta de pagamento da contraprestação mensal e do condomínio; a restituírem a loja á autora no estado em que a mesma se encontra, com todas as benfeitorias, a pagarem à autora a quantia de € 10.741,15, a pagarem juros vincendos e despesas judiciais e extrajudiciais (sublinhado acrescentado).
3) Ambas as rés contestaram essa acção invocando mora do credor e deduziram pedido reconvencional pedindo a condenação da ali autora, ora primeira requerida, no pagamento da quantia de € 10.500,00 a título de indemnização.
4) Mais alegaram que no dia 1 de Novembro de 2011 celebraram o contrato de utilização da loja n.º 304 (artigo 43 da contestação/reconvenção).
5) No dia 14.01.2014 as partes celebraram a transacção a que se reporta a certidão junta a fis. 75 ss. destes autos, mormente a fis. 262 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere, entre o demais, o seguinte:
a. "A autora e as rés consideram sem efeito o contrato que estava em causa nos presentes autos, com fundamento no não pagamento pelas rés das quantias que foram acordadas".
b. As rés comprometem-se a pagar à autora a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
c. Esta quantia será paga em quarenta prestações mensais, no valor de € 250,00 (...) cada uma.
d. A primeira prestação será paga até ao dia 15 de Fevereiro de 2014 e as restantes serão pagas até ao mesmo dia dos meses seguintes.
e. Estas prestações serão pagas por transferência bancaria. para o NIB que o mandatário da autora indicar.
f. Com o recebimento desta quantia a autora considera-se integralmente ressarcida, nada mais tendo a reclamar das rés.
g. 0 não pagamento de duas prestações sucessivas permite à autora reclamar de imediato, sem qualquer notificação adicional, a quantia que estiver em dívida, acrescida do montante de € 2.000,00 (dois mil euros), podendo intentar imediatamente a respectiva execução".
6) Foi proferida sentença homologatória da transacção mencionada em 5), tendo ocorrido já o trânsito em julgado.
7) A presente providência cautelar deu entrada em juízo no dia 07.05.2014 (fls. 30).
8) Por escrito particular datado de 12 de Maio de 2008, "BB Lda.'" declarou facultar a AA, que declarou aceitar, a utilização de um espago denominado "loja n.º 305" mediante o pagamento do valor mensal de € 750,00 (fls. 14 ss.).
9) Por escrito particular datado de 1 de Janeiro de 2011 AA declarou ceder a "DD, L.da", que declarou aceitar, a posição contratual que assumira no acordo de vontades referido em 8) - fls. 19.
10) No âmbito do acordo de vontades referido em 9) a ora requerente declarou que "com expressa renúncia ao benefício da excussão e, portanto, assumindo a obrigação de principal pagador constitui-se fiador do segundo outorgante garantido o cumprimento de todas as obrigações por ele contraídas através do presente contrato" (fis. 19).
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Decidindo:
1. As nulidades da sentença
Sustenta a apelante a nulidade da sentença por 2 ordens de razões:
A primeira é por violação do disposto nos artigos 607 n.º4, porquanto, na sua óptica, havia insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
A segunda é porque entende ter havido uma condenação em violação do disposto dos artigos 608°, n.º2 e 609°, n.º1 ambos do C.P.C., uma vez que o tribunal se ocupou de uma questão que não havia sido suscitada pelas partes, interpretando de forma extensiva a transacção lograda no âmbito de outro processo - a partir do qual parte para a decisão ora apelada;
Invoca ainda erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 615 n.º1, al. e) do C.P.C, causa de nulidade da sentença - dir-se-á que tal erro é grosseiro, uma vez que o tribunal a quo tenta ir além dos termos e texto da mesma, ainda para mais numa interpretação absurda
Vejamos então.
A estrutura da sentença está prevista no art. 607 do C. P. Civil.
Aí se estabelece que a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, enunciando de seguida as questões que ao tribunal compete solucionar (n.º2), depois seguem-se os fundamentos devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º3).
Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 4).
Ora, analisando a sentença recorrida (fls. 290 a 296) verifica-se que a mesma cumpre todos esses ónus, ou seja, tem o relatório inicial com identificação das partes e do objecto do litígio, tem os factos provados os quais diz extrair da certidão junta aos autos a fls. 75 e segs, e a fls. 279 e segs., deles tirando as ilações jurídicas pertinentes.
Os casos de nulidade da sentença estão previstos nas alíneas a) a e) do art. 615 do C. P. Civil.
Assim, é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Por outro lado, nos termos do disposto no art. 608 n.º 2 do C.P.Civil, “o juiz deve resolver toas as questões que as partes tenham submetido á sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela soluço dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, sendo certo que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” (n.º 1 do art. 609).
Ocorrerá insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, se a matéria de facto provada for insuficiente para a decisão de direito. Para que tal ocorra, é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada.
A decisão é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam – art. 615.º, nº 1, al. b) do C. P. Civil.
Também será nula quando Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (n.º 1 c) do art. 615;
É jurisprudência unânime que tal nulidade apenas ocorre quando haja absoluta falta de fundamentos e não quando tal justificação seja apenas deficiente (cfr., entre muitos outros, o Ac. do STJ de – 10/12/2009, Proc. 63/02.0TBVCD.S1 2º SECÇÃO, Relator Serra Baptista).
Na verdade, é sabido, que a falta de fundamentação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC é a total omissão de facto ou de direito em que assenta a decisão, não afectando o valor desta que seja incompleta ou deficiente a respectiva fundamentação. Este entendimento de que só uma falta absoluta de fundamentação, que não uma deficiente ou insuficiente densidade fundamentadora representa causa de nulidade da decisão, é sufragado uniformemente pela jurisprudência, podendo ver-se, por todos, Acórdão do STJ de 26/02/2004, in www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, não se verifica essa ausência de fundamentação, e muito menos insuficiência de factos.
Também não se vê como é que se pode defender que o tribunal se ocupou de uma questão que não havia sido suscitada pelas partes, “interpretando de forma extensiva a transacção lograda no âmbito de outro processo - a partir do qual parte para a decisão ora apelada”; ou mesmo erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 615 n.º1, al. e) do C.P.C, por ir além dos termos e texto da transacção, ainda para mais numa interpretação “absurda”.
Ocorre a nulidade da sentença prevista no art. 615 n.º 1 d) – Lei n.º 41/2013) do C. P. Civil, quando o juiz “deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Para a apelante o tribunal conheceu da questão (a transacção dos autos referidos e o caso julgado) de que não podia conhecer porque essa questão não havia sido suscitada pelas partes.
Importa desde logo precisar o que deve entender-se por questões, cujo conhecimento ou não conhecimento constitui nulidade por excesso ou falta de pronúncia. Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artº 668, nº 1, al. d) do CPC. Deve-se assim distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes [Entre outros, Abílio Neto, Código do Processo Civil Anotado, 14.ª ed., pág. 702.].
Como é sabido, a nulidade por excesso de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artº 615 do CPC, ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Este normativo tem de ser interpretado em conjugação com o disposto nos artº 608, nº 2, e 609 n.º 1, ambos do CPC, que impõe que o juiz não se ocupe senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Por questões deve entender-se “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente cumpre, ao juiz, conhecer (artº 608, nº 2)” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 670].
Ora, a nosso ver, o que está em causa é a interpretação que o Mmo Juiz deu aos factos provados, retirando dos mesmos determinadas ilações.
No entanto, tal não constitui conhecimento de questões de que não podia conhecer.
Efectivamente, compulsados os autos verifica-se que (sublinhados nossos);
- A A. instaurou procedimento cautelar pedindo que os requeridos BB e CC sejam condenados a restituir à requerente as benfeitorias úteis por esta realizadas na fracção que refere, autorizando o seu levantamento imediato. Invocou ainda a nulidade da cláusula 13 do contrato de cedência do gozo do espaço de loja na medida quando estipula que as benfeitorias passarão a integrar a fracção, negando "o direito de retenção e indemnização".
- A requerida "BB opôs-se, e, além do mais, invocou a excepção de caso julgado, sustentando que a cessionária já suscitou judicialmente a questão da indemnização pelas benfeitorias em causa, no âmbito do processo quo correu termos no 1º Juízo de Braga sob o n' 7315/12.3 TBBRG, tendo esse processo terminado por transacção. Sustentou ainda que a cláusula 13 do contrato de cedência do gozo do espaço comercial não só é válida como é habitual neste tipo de contratos.
- Atenta essa oposição, o senhor juiz mandou juntar certidão do processo n.º 7315/12.3 TBBRG invocado pela oponente.
- Dessa certidão extraiu os factos dados como provados de 1) a 6) acima referidos.
Estando nós no domínio de um procedimento cautelar, aplicam-se as regras dos art. 362 e segs.
Ora, de acordo com o disposto no art. 367 n.º 1 do C. P. Civil, “Findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz”.
Ou seja, o juiz tem o poder/dever de determinar oficiosamente a produção de provas, mesmo que não invocadas pelas partes, desde que interessem á justa composição do litígio (art. 411 do C.P.Civil).
Foi o que o senhor juiz a quo fez, como acima se viu.
Ou seja, tendo sido pedida pela requerente a condenação dos requeridos a restituir-lhe as benfeitorias úteis por esta realizadas na fracção que refere, autorizando o seu levantamento imediato, e tendo invocado a nulidade da cláusula 13 do contrato de cedência do gozo do espaço de loja na medida quando estipula que as benfeitorias passarão a integrar a fracção, negando "o direito de retenção e indemnização", e tendo a requerida, na oposição, suscitado a questão do caso julgado, sustentando que a cessionária já suscitou judicialmente a questão da indemnização pelas benfeitorias em causa, no âmbito do processo que correu termos no 1º Juízo de Braga sob o n' 7315/12.3 TBBRG, tendo esse processo terminado por transacção, sustentando ainda que a cláusula 13 do contrato de cedência do gozo do espaço comercial é válida, o Mmo juiz limitou-se a conhecer das questões suscitadas nos autos, pelo que não enferma a sentença das nulidades invocadas.
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2. A questão do caso julgado
Sustenta a apelante que “em momento algum na transacção homologada no Proc. n.º 7315/12.3TBBRG, que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, a aí Ré, ora Apelante, renunciou ao seu direito de reclamar as benfeitorias realizadas no prédio em questão! Na transacção homologada no Proc. n.º 7315/12.3TBBRG, as partes apenas fixaram o valor e a forma de pagamento do mesmo, sendo certo que na presente data já se encontra o valor integralmente liquidado.
Ora, por maioria de razão, se as partes não convencionaram que a Apelante prescindia das benfeitorias realizadas, não pode o Tribunal vir agora interpretar e condenar nesse sentido (diferente daquele que as partes pretendiam). Não se encontram, desta forma, preenchidos os requisitos necessários, nem se verificam os factos, que permitam ao Tribunal a quo vir aderir à peregrina ideia das Apeladas de existência de caso julgado.
Se tivermos em conta, que no âmbito do Proc. n.º 7315/12.3TBBRG, a aí Autora (ora Apelada) pedia a condenação da ora Apelante (aí Ré) no pagamento da quantia de 10.741,15€, entre outros pedidos, Facilmente se concluirá que a ora Apelante não iria transigir, acordando o pagamento de 10.000,00€, prescindindo ainda das benfeitorias, que no seu valor global ultrapassam o triplo deste valor!!
Facilmente se conclui que a vontade das partes foi reduzir o valor reclamado a 10.000,00€, prescindindo uma das partes dos juros e outras quantias reclamadas no seu pedido, enquanto que a outra parte assumiu a sua obrigação de pagamento do valor de 10.000,00€, os quais já pagou na sua totalidade! Assim, não se concebe outro entendimento, pelo qual se conclua que a ora Apelante tenha prescindido da reclamação das benfeitorias realizadas.
Inexiste, assim, caso julgado quanto às benfeitorias ora reclamadas!”
Vejamos se assim é.
Diz-se, a tal propósito, na decisão recorrida (itálico de nossa autoria):
“Efectivamente, como resulta da factualidade elencada sob os artigos 1°, 20 e 5° dos factos acima elencados, correu termos acção judicial que opôs a ora primeira requerida à ora requerente, tendo aquela peticionado nessa acção a condenação (também) da ora requerente a, entre o demais, restituir a loja á autora no estado em que a mesma se encontrava, com todas as benfeitorias.
A ora requerente, ali ré, transigiu nessa acção, nos termos acima referidos (artigos 5.º e 6.º).
(…)
Ora, na acção que correu termos sob o n° 7315/12.3 TBBRG foi realizada uma transacção judicial entre as mesmas partes intervenientes no presente processo, homologada por sentença já transitada em julgado.
A requerente pretende agora discutir aspectos da relação jurídica substancial abrangida pela transacção e qua de resto haviam sido aí suscitados na própria p.i., donde, não podendo propriamente falar-se de caso julgado uma vez qua a referida acção terminou por acordo das partes sem que a controvérsia substancial houvesse sido versada na decisão final -, o certo qua não poderá deixar de considerar-se precludida a possibilidade de repristinar tal controvérsia, posta a homologação, também por sentença, da transacção efectuada pelas próprias partes.
(…)
Por força da verificação desta excepção impõe-se assim a absolvição das requeridas da instância - arts. 576', n'2, do CPC”.
Vejamos
Dispõe o artº 619, nº 1, do CPC “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
Por sua vez, preceitua o artº 621º do mesmo diploma que: «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado (art. 628º do CPC) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (art. 580º, nºs 1 e 2, do CPC).
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Na verdade, «pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida» (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354. Cfr., e, no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, pp. 49 e ss.).
A autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 581º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida [Acs. do STJ de 13.12.2007, proc. 07A3739; de 06.03.2008, proc. 08B402, e de 23.11.2011, proc. 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.].
É entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (ver Ac. do STJ de 12.07.2011, proc. 129/07.4TBPST, in www.dgsi.pt.].
Com efeito, «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.»[ Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579, citado no referido Acórdão do STJ de 12.07.2011]
Está fora de dúvida que a transacção celebrada no proc. n.º 7315/12.3 TBBRG, transitou em julgado, constituindo, assim, caso julgado.
Importa então averiguar se ocorreu ofensa à autoridade de caso julgado, que não se confunde com a excepção dilatória de caso julgado.
O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa» [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 306.].
Como se decidiu no Ac. da Relação de Coimbra de 28.09.2010, proc. 392/09.6 TBCVL.C1, na parte do sumário que se transcreve de seguida:
«I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC.»
Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/12/2013, proc. n.º 3490/08.0TBBCL.G1, Relator Manuel Bargado:
I - A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
II - Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.
III- Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
IV - A autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
V- Afirmada em decisão anterior, transitada em julgado, proferida no âmbito de uma oposição à execução, na qual foram partes os aqui autor e réus, a validade de uma transacção realizada entre o autor e o réu, não pode voltar a discutir-se nesta acção, por força da autoridade do caso julgado, a validade dessa mesma transacção.

Ora, resulta dos autos (certidão de fls. 75 e segs, completada a fls. 279 e segs.), e foi levado aos factos provados o seguinte:
- No dia 24.10.2012, BB" intentou acção declarativa de condenação contra "DD, Lda" e a ora requerente, AA, tendo a mesma sido distribuída sob o n° 7315/12.3 TBBP.G (fls. 75 a 87).
- O pedido formulado nesses autos foi o de condenação das rés a reconhecerem a resolução do contrato de utilização de loja n.º 305 sita no Centro Comercial BB com fundamento em falta de pagamento da contraprestação mensal e do condomínio; a restituírem a loja á autora no estado em que a mesma se encontra, com todas as benfeitorias, a pagarem à autora a quantia de € 10.741,15, a pagarem juros vincendos e despesas judiciais e extrajudiciais.
- Com data de 15/01/2013, ambas as rés contestaram essa acção invocando mora do credor e deduziram pedido reconvencional pedindo a condenação da ali autora, ora primeira requerida, no pagamento da quantia de € 10.500,00 a título de indemnização pelos prejuízos que lhes foram causados pela conduta da A., consubstanciada nos artigos 32 a 55 da contestação (fls. 89 a 107 e fls. 281 a 287). Mais alegaram que no dia 1 de Novembro de 2011 celebraram o contrato de utilização de outra loja, a loja n.º 304 (artigo 43 da contestação/reconvenção).
- No dia 14.01.2014 as partes celebraram a transacção a que se reporta a certidão junta a fis. 75 ss. destes autos, mormente a fis. 262 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere, entre o demais, o seguinte:
a. "A autora e as rés consideram sem efeito o contrato que estava em causa nos presentes autos, com fundamento no não pagamento pelas rés das quantias que foram acordadas".
b. As rés comprometem-se a pagar à autora a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
c. Esta quantia será paga em quarenta prestações mensais, no valor de € 250,00 (...) cada uma.
d. A primeira prestação será paga até ao dia 15 de Fevereiro de 2014 e as restantes serão pagas até ao mesmo dia dos meses seguintes.
e. Estas prestações serão pagas por transferência bancaria. para o NIB que o mandatário da autora indicar.
f. Com o recebimento desta quantia a autora considera-se integralmente ressarcida, nada mais tendo a reclamar das rés.
g. 0 não pagamento de duas prestações sucessivas permite à autora reclamar de imediato, sem qualquer notificação adicional, a quantia que estiver em dívida, acrescida do montante de € 2.000,00 (dois mil euros), podendo intentar imediatamente a respectiva execução".
- Em 14/01/2014 foi proferida sentença homologatória da transacção mencionada em 5), tendo ocorrido já o trânsito em julgado (fls. 264 e 268).
Ora, como facilmente se vê, o pedido formulado naquela acção englobava a restituição da loja á autora no estado em que a mesma se encontra, com todas as benfeitorias (sublinhado nosso), e ainda o pagamento à autora da quantia de € 10.741,15, além dos juros vincendos e despesas judiciais e extrajudiciais.
Na transacção efectuada, estando presente a ali Ré e aqui requerente, acordaram as partes em considerar sem efeito o contrato que estava em causa nos presentes autos, com fundamento no não pagamento pelas rés das quantias que foram acordadas, comprometendo-se as rés a pagar à autora a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), em quarenta prestações mensais, no valor de € 250,00 (...) cada uma, sendo a primeira prestação paga até ao dia 15 de Fevereiro de 2014.
No entanto, no termo de transacção não se falou em benfeitorias nem ficou a constar que as Rés confessaram o pedido.
Essa questão remete-nos para a problemática da natureza das transacções judiciais ou extrajudiciais homologadas pelo juiz, e dos seus efeitos fora do respectivo processo.
Ora, não faz sentido falar-se de caso julgado ou autoridade de caso julgado se na transacção e respectiva sentença de homologação o tribunal não chegou a proferir decisão sobre qualquer controvérsia substancial.
Como bem diz Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Pág. 499, “A excepção de caso julgado pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, posteriormente se propõe a mesma causa”. Ora, no caso vertente, a lide não foi decidida por sentença anterior; foi composta por acordo das partes. Ou seja, o conflito em si não foi decidido por sentença.
Continuando com aquele autor “A lide não foi decidida por sentença anterior; foi composta por acordo das partes. É certo que sobre a transacção judicial há-de incidir sentença do tribunal, sem o que o acto das partes não produz efeito; mas a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz.
Desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a excepção de caso julgado. ”
Termina este Professor dizendo que “Em vez de opor a excepção do caso julgado o que o Réu deve opor é a excepção de transacção”.
Exactamente a situação em causa nestes autos.
Como se viu, o pedido era da resolução do contrato de utilização da loja com fundamento em falta de pagamento da contraprestação mensal e do condomínio, e a restituição da loja á autora no estado em que a mesma se encontra, com todas as benfeitorias.
Com base no que fica dito, parece-nos muito ousada a alegação da apelante de que a interpretação que o senhor juiz a quo faz da transacção é “absurda”.
Pois se tal matéria estava incluída no pedido…
O que as ali Rés, e aqui apelantes deveriam ter feito, e até estavam acompanhadas de mandatário judicial, era ter salvaguardado essa parte das benfeitorias, esclarecendo bem essa questão no termo de transacção.
Ou, ainda antes disso, na contestação/reconvenção, deveriam ter suscitado essas questões, ou seja, a (in)validade da cláusula 13 e o levantamento das benfeitorias ou, pelo menos, a indemnização pelo valor das mesmas.
Não o fizeram.
Sendo assim, e como diriam os Romanos “Sibi imputet”.
E tanto se aperceberam as ali Rés da importância dessa questão que, com data de 14/08/2013 (portanto muito depois da contestação apresentada), foram ao referido processo efectuar um requerimento em que suscitavam essa questão, suscitando a nulidade da cláusula e pedindo a condenação da ali A. a pagar-lhes a quantia de €18.840,00, correspondente ao valor das benfeitorias (fls. 227 a 234).
Simplesmente, por despacho de 7/11/2013, o senhor juiz daquele processo, e bem, considerou tal requerimento, assim formulado, uma ampliação do pedido que a Ré formulou na reconvenção, e não o admitiu.
Portanto, como bem se vê, por tudo quanto fica dito, bem decidida está a questão nos presentes autos no que diz respeito à excepção da transacção e consequente absolvição da instância (sobre este preciso ponto ver o Ac. deste tribunal da Relação de 3/04/2014, proc. n.º 4328/12.9TBGMR-A.G1, Relator Heitor Gonçalves),
***

Para finalizar sempre se dirá o seguinte:
Como bem diz o senhor juiz, esta providência nunca poderia proceder por ausência de verificação do pressuposto do periculum in mora.
Efectivamente, consta dos factos provados que:
- A presente providência cautelar deu entrada em juízo no dia 07.05.2014 (fls. 30).
- Por escrito particular datado de 12 de Maio de 2008, "BB Lda.'" declarou facultar a AA, que declarou aceitar, a utilização de um espago denominado "loja n' 305" mediante o pagamento do valor mensal de € 750,00 (fls. 14 ss.).
- Por escrito particular datado de 1 de Janeiro de 2011 Luísa Maria Fernandes da Silva declarou ceder a "DD, L.da", que declarou aceitar, a posição contratual que assumira no acordo de vontades referido em 8) - fls. 19).
Para além disso, resulta da certidão (fls. 284) – art. 43 da contestação da acção referida que:
- A partir de 1 de Novembro de 2011 as Rés, para complementar a sua actividade celebrou outro contrato de arrendamento para exploração da loja n.º 304, pertencente a outro senhorio.
Como confessadamente a requerente afirma no requerimento inicial fundamentando a urgência e a necessidade do procedimento a requerente explora um espaço contíguo àquele em que se encontra a requerida, necessitando daqueles equipamentos para o exercício da sua actividade, atenta a escassez de receitas e a obrigação de cumprir o acordo transaccional.
Também nas conclusões do recurso, sustenta a NECESSIDADE E URGÊNCIA da Apelante, que para que possa explorar o seu espaço comercial, necessita dos objectos supra mencionados, os quais se revelam como indispensáveis para a prossecução da sua actividade profissional, sustentando que, “não será o facto de a Apelante exercer a sua actividade há mais de três anos que afasta a urgência e necessidade de se socorrer dos bens supra expendidos” (sublinhado nosso).
No entanto a requerente/apelante, confunde a sua necessidade e urgência de fruição dos referidos bens, com o requisito do periculum in mora previsto na lei.
Dispõe o artigo 362º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
“Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Conjugando esta norma com o estabelecido no artigo 368º do mesmo diploma são, pois, requisitos do procedimento cautelar comum:
- que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado – objecto da acção declarativa ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor;
- que haja fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta, ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;
- que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas;
- que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado;
- que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
Há ainda que ter em conta o disposto no artigo 364º do mesmo diploma e, designadamente, que o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva, excepto se for decretada a inversão do contencioso.
Os procedimentos cautelares visam impedir que, durante a pendência de uma acção ou antes mesmo de ser intentada, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Tem-se em vista assegurar os resultados práticos (efeito útil) da acção, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito (instrumentalidade hipotética), mediante a provisória composição dos interesses conflituantes – artigos 2º, n.º 2 e 362°.
Apresentam-se, pois, como formas de tutela provisória da aparência, radicando a respectiva consagração processual no princípio segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte que tem razão (Anselmo de Castro, Processo Civil Declaratório, Volume I, página 129) ou naquela consideração de que convém que a justiça seja pronta, mas, mais do que isso, convém que seja justa”.
Por outro lado, os procedimentos cautelares acautelam direitos já existentes ou emergentes de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor – artigo 362º, n.º 2 do Código de Processo Civil – e não servem para impedir que terceiro possa exercer os direitos a que se arrogam judicial ou extrajudicialmente ante o que à Requerente são sempre assegurados todos os meios de defesa ao seu alcance.
Como se diz na recente obra “Providências Cautelares, Marco Carvalho Gonçalves, Almedina, 2015, pág. 210”, a propósito do critério de ponderação do periculum in mora, “No que concerne aos critérios que devem nortear a actuação do julgador na apreciação deste requisito, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que não bastam simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade.
Com efeito, enquanto a aparência do direito se basta com um juízo de verosimilhança ou de probabilidade, o requisito do fundado receio de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação exige, pelo contrário, um juízo de certeza – valorado em função das particularidades de cada caso em concerto – que se revele suficientemente forte para convencer o julgador acerca da necessidade de decretamento da providência, cabendo ao requerente a demonstração da gravidade do dano e da sua natureza irreparável ou de difícil reparação.
Por conseguinte, uma providência cautelar será injustificada se o periculum in mora nela invocado se fundar num juízo hipotético, genérico, abstracto, futuro ou incerto, ou num receio subjectivo, sustentado em meras conjecturas.
(…)
O periculum in mora pressupõe, assim, um juízo qualificado ou temor racional, isto é, deve assentar em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adoptadas medidas urgentes que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que só a presença de um prejuízo actual, concreto e real, reconhecido como efectivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito, pode justificar o acolhimento do pedido apresentado pela via da urgência. Exige-se, no fundo, um juízo de probabilidade forte e convincente, a ser valorado pelo julgador segundo um critério objectivo”.
Esta é também a posição assumida por Luís Pedro Moitinho de Almeida, na sua obra “Providência Cautelares não Especificadas, Coimbra Editora, 1981, pág. 22”, e em diversa jurisprudência citada na referida obra, nomeadamente e entre outros o Ac. do S.T.J. de 15/04/1980, BMJ n.º 296, 206, em que se refere que “I - Para ser decretada a providência cautelar prevista no art. 399 do C. P. Civil (correspondente na altura à providência cautelar não especificada) é sempre necessário que se verifiquem cumulativamente os requisitos da aparência do direito do respectivo requerente e o justo receio de que alguém pratique actos capazes de causar lesão grave e de difícil reparação; II – Quanto ao primeiro pressuposto, basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade e, no que respeita ao segundo, é preciso um juízo de certeza”.
Importará, assim e antes de mais, que se perscrute na matéria de facto alegada qual o direito que a Requerente pretende acautelar com a presente providência e da provável existência do mesmo.
Os procedimentos cautelares acautelam direitos já existentes ou emergentes de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor – artigo 362º, n.º 2 do Código de Processo Civil – não servem para impedir que terceiro possa exercer os direitos a que se arrogam judicial ou extrajudicialmente.
Ora, por um lado, o direito que a Requerente invoca é um direito discutível, dado tudo quanto acima fica dito (implica, em acção a propor, avaliar a validade da referida cláusula 13), e, por outro lado, esta situação já decorre há 3 anos.
Por outro lado, para que o recurso à tutela cautelar possa ser considerado justificado, é necessário que o periculum in mora seja actual e iminente.
Ora, a providência cautelar deve ser indeferida, porque injustificada, nos caos em que o requerente se tenha conformado com a situação de perigo que ameaça afectar o seu direito, assumindo uma conduta inerte e passiva perante esse facto (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, Almedina, 2015, pág. 206).
É esta precisamente a situação dos autos.
Como conciliar o alegado periculum in mora que possa levar ao decretamento da presente providência, quando a requerente, confessadamente, já tem necessidade dos bens e aparelhos desde Novembro de 2011, estando a discutir judicialmente a questão desde Outubro de 2012, data em que lhe foi intentada a acção de resolução do contrato de utilização da loja onde estão as benfeitorias?
Qual o perigo actual e iminente que quer evitar?
Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e se confirma a decisão recorrida.
***
SUMÁRIO:
I - Não faz sentido falar-se de caso julgado ou autoridade de caso julgado se na transacção e respectiva sentença de homologação o tribunal não chegou a proferir decisão sobre qualquer controvérsia substancial.
II - A excepção de caso julgado pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, posteriormente se propõe a mesma causa.
III – No caso de transacção homologada por sentença, a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz.
IV - Desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a excepção de caso julgado.
***
Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 26 de Março de 2015.
José Estelita Mendonça
Conceição Bucho
Maria Luísa Duarte