Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
602/18.9T8VCT.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: ACÇÃO DE ALIMENTOS A FILHO MAIOR
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

A competência para a acção de alimentos a filho de maior idade prevista no artº 989º, nº 3, do CPC, quando não proposta pelo próprio (nem tenha havido regulação enquanto menor) mas pelo progenitor, divorciado, que o tenha a seu cargo, contra a progenitora com a qual não se perspectiva possibilidade de acordo, pertence aos tribunais e não às conservatórias.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Joaquim, invocando o disposto no artº 3º, alínea d), e artº 6º, alínea d), ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGTC), e ainda, o art. 989º, nº 3, do CPC, intentou, em 19-02-2018, no Tribunal de Viana do Castelo, Providência Tutelar Cível, para fixação de alimentos relativamente às suas filhas Maria e S. P. (ambas de maior idade), contra a sua mãe, I. M..

Alegou, como causa de pedir, que ambas carecem de alimentos. Só o requerente lhos vem prestando. Apesar de maiores, estão a seu exclusivo cargo desde 01-01-2013. Não têm rendimentos nem bens. Não completaram ainda a sua formação (sendo uma estudante no ensino superior e estando a outra em missão religiosa voluntária fora do país mas tencionando, quando regressar, retomar a actividade académica). As despesas inerentes têm sido custeadas por ele. Nada para tal contribui a requerida, de quem está divorciado. Esta, aliás, alheou-se de tal obrigação e está “ausente” da “vida” delas, há mais de cinco anos.

Pediu que, uma vez julgada provada e procedente a acção, “deve:

a) ser fixada uma prestação mensal a título de alimentos devidos às filhas Maria e S. P., em montante não inferior a 160,00€ (cento e sessenta euros);
b) a requerida ser condenada ao pagamento da prestação supra referida em a) desde a propositura da presente ação e até ao término da formação das suas filhas ou até estas estarem aptas a suportar as suas necessidades através do produto do seu próprio trabalho;
Tudo com as legais consequências.”.

Foi proferido, com data de 23-02-2018, despacho no qual se decidiu:

“Atento o prescrito no artigo 5º DL 272/2001, o pedido de alimentos para filho maior é da competência da conservatória do registo civil e só posterior e eventualmente, do tribunal.
Considerando o disposto no artigo 99º CPC, atenta a incompetência absoluta, indeferimos liminarmente a pretensão. Custas pelo R.te. “

Inconformado, o requerente apelou a que esta Relação substitua tal decisão por outra que mande prosseguir a acção. Para o efeito, concluiu assim:

1- O requerente, divorciado, interpôs contra a mãe das suas filhas, ambas maiores, uma providência tutelar cível para obter a fixação de alimentos, ao abrigo do art. 989 nº 3 do CPC, art. 3 alínea d) e art. 6 alínea d) ambos do RGPTC.
2- Alegou em síntese que assume, a título principal e em exclusivo, o encargo de pagar as despesas das filhas maiores, as quais não se encontram ainda em condições de se sustentar a si mesmas.
3- Por força do acima referido peticionou a condenação da outra progenitora, a mãe, no pagamento de uma prestação mensal a título de alimentos.
4- Sucede que após o recebimento da ação veio o tribunal a quo decidir que: “Atento o prescrito no artigo 5º DL 272/2001, o pedido de alimentos para filho maior é da competência da conservatória do registo civil e só posterior e eventualmente, do tribunal.
Considerando o disposto no artigo 99º CPC, atenta a incompetência absoluta, indeferimos liminarmente a pretensão. Custas pelo R.te.”.
5- O recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal a quo.
6- Decorre do artigo 989 nºs 1 e 3 do CPC que a competência para julgar as ações interpostas por um progenitor que suporta todos os encargos com filhos maiores e que se destinam a obter do outro progenitor o pagamento de uma prestação, é da competência dos tribunais judiciais e não das conservatórias do registo civil.
7- O objetivo de atribuir tal competência aos tribunais judiciais ficou desde logo claro quando o legislador no Projeto de Lei n.º 975/XII/4 referiu, claramente, o intuito de permitir ao progenitor que tem o filho maior a seu cargo agir judicialmente contra o outro progenitor.
8- Neste sentido foram já proferidas várias decisões judiciais, entre elas: acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2016, proc. 552/03.3TMLSB-A, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/03/2017, proc. 2257/17.9T8LSB.L1-6 e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/07/2017, proc. 1362/16.3T8PTG.E1.
9- Também a doutrina acompanha a mesma opinião, sendo exemplo disso a opinião vertida por J. H. Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9” - https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-dealimentos- devidos.html.
10- Acrescenta-se ainda que também o Conselho Consultivo do IRN, I.P., no seu parecer nº 53/CC/2016 de 29 de outubro de 2016, veio claramente dizer que as conservatórias não são competentes para aceitar o processo previsto no art. 989 nº 3 do CPC porquanto o mesmo é da competência dos tribunais judiciais.
11- Perante o exposto, dúvidas não restam que a ação proposta é da competência dos tribunais judiciais, tendo o tribunal a quo incorrido numa errónea interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual proferiu a decisão declarando-se incompetente para julgar a causa, decisão essa que deverá ser revogada e ao autos tramitados, tudo com as legais consequências.

Nestes e nos melhores termos de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve a decisão recorrida ser anulada e substituída por aresto que determine o prosseguimento dos autos, tudo com as legais consequências.”.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importa apreciar e decidir se o procedimento em causa é da competência do tribunal (ou da Conservatória).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Relevam os decorrentes do relato supra, emergentes dos autos.

IV. APRECIAÇÃO

Através do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, maxime do seu artº 1º, determinou-se a “atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias de registo civil, regulando os correspondentes procedimentos.”

Consta do respectivo preâmbulo:

“Colocar a justiça ao serviço da cidadania é um dos objectivos estratégicos fundamentais assumidos pelo Governo nesta área, concretizado nomeadamente na tutela do direito a uma decisão em tempo útil. Neste sentido, importa desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial.

Assim, aproxima-se a regulação de determinados interesses do seu titular, privilegiando-se o acordo como forma de solução e salvaguardando-se simultaneamente o acesso à via judicial nos casos em que não seja possível obter uma composição pelas próprias partes.

Nestes termos, procede o presente diploma à transferência da competência decisória em processos cujo principal rácio é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, do tribunal para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela deste tipo de interesses, sendo este o caso das acções de suprimento do consentimento dos representantes, de autorização para a prática de actos, bem como a confirmação de actos em caso de inexistência de autorização.

Procede-se ainda à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - a atribuição de alimentos a filhos maiores e da casa de morada da família, a privação e autorização de apelidos de actual ou anterior cônjuge e a conversão da separação em divórcio -, na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado.
Passam ainda a ser decididos pelo conservador de registo civil os processos de reconciliação de cônjuges separados, aos quais, por natureza, não corresponde uma situação de litígio.
O processo conducente à declaração de dispensa de prazo internupcial, cuja margem decisória correspondia essencialmente à verificação da situação de não gravidez tendo em vista a celebração de casamento, passa a corresponder à simples verificação do facto, com base na apresentação de certificado médico como documento instrutório do processo de casamento.
Na senda da atribuição de competência decisória respeitante à separação e divórcio por mútuo consentimento ao conservador de registo civil, operada em 1995, à qual têm correspondido resultados altamente benéficos do ponto de vista dos requerentes do divórcio e da judicatura, com reflexos em toda a sociedade através da maior celeridade decisional, procede-se à atribuição a estas entidades de competência exclusiva nesta matéria, exceptuando os casos de conversão de divórcio litigioso, abolindo-se ainda a segunda conferência em todos os processos.
Paralelamente, passam a estar abrangidos os divórcios por mútuo consentimento em que existem filhos menores, cujos interesses são objecto de regulação com base na participação activa do Ministério Público.”.

Efectivamente, no CAPÍTULO III, sob o título “Do procedimento perante o conservador do registo civil”, o artº 5º, relativo ao “procedimento tendente à formação de acordo das partes”, estabeleceu, na alínea a), do nº 1, que ele se aplica, entre outros casos, ao pedido de “Alimentos a filhos maiores ou emancipados”.

Sem embargo, segundo o nº 2, “O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.”

Por seu turno, nas disposições imediatas, estabeleceu-se:

-Artº 7º (Procedimento na Conservatória): “3 - Não sendo apresentada oposição e devendo considerar-se confessados os factos indicados pelo requerente, o conservador, depois de verificado o preenchimento dos pressupostos legais, declara a procedência do pedido.
4 - Tendo sido apresentada oposição, o conservador marca tentativa de conciliação, a realizar no prazo de 15 dias.
5 - O conservador pode determinar a prática de actos e a produção da prova necessárias à verificação dos pressupostos legais.”

-Artº 8.º (Remessa do processo): “Tendo havido oposição do requerido e constatando-se a impossibilidade de acordo, são as partes notificadas para, em oito dias, alegarem e requererem a produção de novos meios de prova, sendo de seguida o processo, devidamente instruído, remetido ao tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória.”

-Artº 9º (Processo judicial): “1 - Remetido o processo ao tribunal judicial nos termos do artigo anterior, o juiz ordena a produção de prova e marca audiência de julgamento. 2 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1409.º a 1411.º do Código de Processo Civil.”

-Artigo 10.º (Recursos): “1 - Das decisões do conservador cabe recurso para o tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória. 2 - O prazo para a interposição do recurso é o do artigo 685.º do Código de Processo Civil.”

Por esta altura, vigorava o artº 1880º, do Código Civil (Despesas com os filhos maiores ou emancipados), segundo o qual: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”

E, no campo adjectivo, o artº 1412º, do velho CPC (Alimentos a filhos maiores ou emancipados), dispunha: “1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo 1880.º do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores. 2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.”

Tal disposição sobreviveria, transposta no artº 989º do novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, até que a Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, a alterou, passando a ser esta a sua nova e actual redacção:

“Artigo 989.º

Alimentos a filhos maiores ou emancipados

1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.”

Ainda ao tempo da entrada em vigor do referido DL 272/2001, o artº 1905º, do CC, por sua vez, dispunha (Divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento): “1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o destino do filho, os alimentos a este devidos e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação do tribunal; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade. 2 - Na falta de acordo, o Tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado, podendo a sua guarda caber a qualquer dos pais, ou, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918.º, a terceira pessoa ou estabelecimento de reeducação ou assistência.”

Entretanto, subsistindo a redacção do citado artº 1880º, a Lei 61/2008, de 31 de Outubro, modificou a da epígrafe e do corpo do artº 1905º para a seguinte:

“Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento
Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.”

A mesma disposição, porém, voltou a ser alterada pela referida Lei 122/2015, vigente desde o dia 1 de Outubro subsequente, ficando assim redigida:

(Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento): “1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor. 2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”

Em suma, temos:

-De um lado, quer para os casos do artº 1880º quer do artº 1905º, CC, no domínio da jurisdição voluntária, o vigente artº 989º, do CPC, a apontar, designadamente no nº 3, para o processo judicial, logo para a competência do tribunal;
-Do outro, o subsistente artº 5º, do Dec. Lei 272/2011, de 13 de Outubro, a indicar, na alínea a), do seu nº 1, que o procedimento perante o conservador do registo civil se aplica ao caso de pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados. (1)

Neste cenário, o tribunal a quo, na decisão recorrida, entendeu, invocando esta última norma mas sem especificar os concretos motivos da sua aplicação em atenção à polémica em torno da sua interpretação, que, para o caso, a competência cabe à conservatória.

Ao passo que o recorrente defende pertencer esta ao tribunal.

Quid juris?

Ainda que proposta por um progenitor contra o outro e visando exigir deste a contribuição para o sustento e educação dos filhos comuns, nos termos das invocadas normas dos artºs 989º, do CPC, e 3º, alínea d), e 6º, alínea d), do RGPTC (aprovado pela Lei 141/2015, de 8 de Setembro), estamos perante Providência Tutelar Cível relativa a filhos maiores.

Era controvertida (2), designadamente quanto ao procedimento adequado, a questão dos alimentos aos mesmos devidos, face ao disposto no artº 1880º, CC, em conjugação com o regime previsto para os casos de divórcio ou separação nos artºs 1905º e 1906º, sobretudo quando, uma vez fixados, cessava a menoridade antes de concluída a formação profissional. (3)

Sendo inequívoca, a partir do Decreto-Lei nº 272/2001, a intenção do legislador de aliviar os tribunais e passar para as conservatórias matérias, como a da fixação de alimentos a filhos maiores ou emancipados, cuja resolução se apresenta como verdadeiramente não litigiosa e naturalmente mais vocacionada ao consenso privilegiado, a verdade é que, apesar de, mesmo nas situações subsequentes ao divórcio e relativas a menores, a lei também incentivar e conferir prioridade ao acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal, designadamente no contexto previsto nos artºs 931º e sgs e 994º e sgs, CPC, além de sempre se salvaguardar o recurso aos tribunais em casos de falta dele, para as situações de potencial litígio à vista entre os progenitores, designadamente e sobretudo naquelas em que, estando o filho maior a cargo de um deles, este se vê obrigado a reclamar do outro o contributo alimentar mais ou menos explicitamente recusado, acabou por, decididamente, se optar pelo caminho da via judicial, ao alterar-se, pela Lei 122/2015, o artº 989º, do CPC, assim se eliminando algumas dúvidas e constrangimentos anteriores.

Na nota preambular justificativa da Proposta de Lei nº 975/XII/4ª, apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da República e que esteve na sua origem, pode ler-se:

“….urge dar resposta a uma questão particular relativa ao actual regime de exercício das responsabilidades parentais.
Essa questão particular respeita ao regime que penaliza de forma desproporcionada as mulheres que são mães de filhos ou filhas maiores e que estão divorciadas ou separadas dos respetivos pais.
É hoje comum que, mesmo depois de perfazerem 18 anos, os filhos continuem a residir em casa do progenitor com quem viveram toda a sua infância e adolescência e que, na esmagadora maioria dos casos, é a mãe.
Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes, para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.
Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos.
Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional.
Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor.”

Em anotação publicada no Blog do IPPC pelo Juiz de Direito J. H. Delgado de Carvalho, relativa às modificações operadas pela Lei 122/2015, escreveu este:

“A situação do filho maior ou emancipado que continue a prosseguir os seus estudos e formação profissional passa a ser salvaguardada no âmbito do regime do acordo dos pais sobre o exercício das responsabilidades parentais, mais concretamente do regime relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento. O princípio da igualdade (cfr. art. 13.o da Constituição) implica que se deva adotar uma idêntica solução no âmbito da regulação das responsabilidades parentais no caso de cessação da união de facto, mesmo que a filiação se encontre estabelecida apenas quanto a um dos progenitores e, no momento da cessação da coabitação entre o único progenitor e o unido de facto, este último esteja a exercer, a seu pedido e por decisão judicial, as responsabilidades parentais em conjunto com aquele (cfr. os n.os 2 e 5 do novo art. 1904.o-A aditado ao Código Civil pela Lei n.o 137/2015, de 7/9).
Se os progenitores não regularem a situação do filho que continua a prosseguir os seus estudos e formação profissional para além da maioridade, mantém-se a obrigação de alimentos nos termos fixados para a menoridade do filho.
Uma outra importante alteração que o novo regime introduz é a possibilidade de o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas de sustento e educação de filho maior exigir do outro progenitor a comparticipação daquelas despesas (cfr. o n.o 3 aditado ao art. 989.o do NCPC). Perante a inércia do filho, depois de perfazer 18 anos, reconhece-se legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas do filho maior, concitando à repartição dessas mesmas despesas pelo outro progenitor.
No entanto, essa legitimidade apenas pode ser exercida no âmbito da acção prevista no n.o 3 aditado ao art. 989.o do NCPC, que, de forma apropriada, podemos designar como ação para a contribuição do progenitor não convivente nas despesas com a educação e formação profissional de filho maior ou emancipado.
O reconhecimento de legitimidade direta ativa tem um importante alcance prático: o progenitor convivente pode impor ao outro progenitor, para o futuro, a distribuição, total ou parcial, das despesas com o sustento e educação de filho maior, ficando dispensado de alegar e provar as despesas concretamente suportadas por si, com vista ao seu reembolso, de acordo com o disposto no art. 592.o, n.o 1, do CCiv (sub-rogação legal). A legitimidade processual reconhecida ao progenitor convivente na ação para a contribuição nas despesas com filhos maiores ou emancipados, embora não exclua a ação sub-rogatória, permite exigir a comparticipação, para o futuro, do progenitor não convivente naquelas despesas e enquanto se mantiver a razoabilidade dessa repartição, assim como permite a cobrança coerciva das contribuições vencidas e não pagas até esse momento. A legitimidade processual reconhecida ao progenitor convivente pelo n.o 3 aditado ao art. 989.o do NCPC é extensível à fase executiva.

1.4. Forma de processo aplicável à ação para a contribuição nas despesas com filhos maiores ou emancipados. – Por força da parte final do n.o 3 aditado ao art. 989.o do NCPC, esta ação tem natureza especial e segue a forma de processo prevista e regulada nos arts. 186.o a 188.o da OTM [correspondentes aos arts. 45.o a 47.o do RGPTC (providência tutelar cível para a fixação de alimentos devidos a criança)]

O pedido para a contribuição nas despesas de filho maior que não pode sustentar-se a si mesmo está, pois, excluído do procedimento especial previsto e regulado nos arts. 5.o a 10.o do Dec.-Lei n.o 272/2001, de 13/10. A parte final do n.o 3 aditado ao art. 989.o do NCPC, devido à formulação utilizada (“nos termos dos números anteriores”), é explícita em mandar aplicar os termos do Código de Processo Civil; por sua vez, o n.o 1 do art. 989.o do NCPC torna aplicável, mutatis mutandis, o regime previsto para os alimentos a menores, ou seja, o regime previsto na OTM, nomeadamente nos seus arts. 157.o e 186.o a 188.o.8

Esta ação é instaurada pelo progenitor com quem o filho reside contra o progenitor não convivente na secção de competência especializada (secção de família e menores), na secção de competência genérica da instância local ou na secção cível em que esta se encontre desdobrada, consoante os casos (cfr. arts. 6.o, al. d) e 8.o do RGPTC; e art. 123.o, n.o 1, al. e), da LOSJ). ). A ação é distribuída autonomamente quando não exista processo no qual se tenha estabelecido o regime de alimentos a menor, pois, nesta hipótese, não são aplicáveis os art. 282.o, n.o 1, e 989.o, n.o 2, do NCPC; de modo diverso, quando esse processo exista, esteja pendente ou não, o pedido de contribuição nas despesas com filho maior ou emancipado, por força do disposto na parte final do n.o 3 aditado ao art. 989.o do NCPC, constitui incidente do processo no qual foi fixada a pensão de alimentos para a menoridade e, por via disso, corre por apenso a este, renovando-se a instância se o processo se encontrar já findo. Esta solução impõe-se por força do disposto nos art. 282.o, n.o 1, e 989.o, n.o 2, do NCPC.

De qualquer modo, o objeto da ação prevista no n.o 3 aditado ao referido art. 989.o do NCPC não é alterar a pensão de alimentos fixada para a menoridade, mas antes obrigar o progenitor não convivente a comparticipar nas despesas com o sustento e a educação de filho maior, desde o momento da instauração dessa ação (por aplicação analógica do art. 2006.o, do CCiv) e até que o mesmo complete a sua formação.

Significa isto que a ação agora prevista destinada à comparticipação das despesas com o sustento e educação de filho maior que ainda não alcançou independência económica pode ser instaurada, quer exista processo anterior no qual se tenha estabelecido o regime de alimentos devidos a menor, quer não exista esse processo, e o filho, por relutância, não tenha apresentado na Conservatória do Registo Civil o pedido de alimentos para efeitos do disposto no art. 1880.o do CCiv, dando início ao procedimento especial por alimentos a filho maior ou emancipado, previsto e regulado nos arts. 5.o a 10.o do Dec.-Lei n.o 272/2001.”

No Parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e do Notariado nº 53/CC/2016, de 29-10-2016, relatado por Paula Marina Oliveira Calado Almeida Lopes, concluiu-se, além do mais, sobre a questão colocada:

“VII. O nº 3 aditado ao artº 989º. Do CPC, pela Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, conferiu ao progenitor sobrecarregado com a totalidade das despesas com o filho maior ainda em formação profissional, a legitimidade para, por si e no seu interesse, exigir que o outro progenitor partilhe nas despesas com os filhos maiores, através da acção especial e alternativa ao procedimento de alimentos a filho maior previsto no referido Decreto-Lei nº 272/2001, no qual é parte legítima o filho.
VIII. A acção referida na conclusão anterior segue os trâmites processuais previstos nos artigos 45º e seguintes do Decreto-Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), com as devidas adaptações, não configurando um pedido de alimentos a filho maior previsto e regulado no referido Decreto-Lei 272/2001.

No Acórdão da Relação de Lisboa de 23-03-2017 (4), decidiu-se:

“À providência a que se refere o artigo 989º nº3 do CPC não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec-Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo pois ao tribunal o seu processamento.”

No Acórdão da Relação de Évora de 13-07-2017 (5), semelhantemente, entendeu-se:

“À providência a que se refere o artigo 989º, nº 3, do CPC não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo, pois, ao tribunal o seu processamento.”

Também em estudo publicado na revista digital Julgar On Line (6), se considerou:

“O art. 989.º, n.º 3, do CPC, na redacção da Lei n.º 122/2015, de 1.09, reconhece essa legitimidade [do progenitor] quando se torne necessário providenciar judicialmente sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional, o que pode ser dogmaticamente enquadrado na figura da legitimidade indirecta. Por identidade de razões, a legitimidade mantém-se quando se trate de prosseguir as acções intentadas durante a menoridade que devam prosseguir nos termos do art. 989.º, n.º 2. Afastada está, por falta de previsão legal (cf. art. 30.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC), a legitimidade para a acção, da competência das conservatórias do registo civil, destinada à formação de acordo, nos termos do art. 5.º do DL n.º 272/200131.”

E, concluindo quanto às diversas hipóteses e subsequentes caminhos:

“Se a necessidade de fixar a obrigação surgir na maioridade, importa distinguir, com base em juízo de prognose, se a vontade do filho e a do progenitor obrigado são ou não conciliáveis. Na primeira hipótese, deve seguir-se o processo destinado à autocomposição previsto no art. 5.º do DL n.º 272/2001, de 13.10, para o qual apenas o filho tem legitimidade activa; na segunda, fica aberto o caminho para o processo judicial, que segue o regime previsto para a fixação de alimentos a filhos menores, estando assegurada a legitimidade (substitutiva) activa do progenitor com quem o filho convive.”.

Tendo, por fim, em conta, para além do exposto, que, em função do alegado na petição (7), é de perspectivar seriamente como remota, face à configuração fáctica já litigiosa do caso, a hipótese de consenso entre os progenitores sobre a obrigação visada e que, em tais situações, já mesmo antes da Lei nº 122/2015, se preconizava (8), ante o prognóstico de tal cenário e não obstante o previsto no DL 272/2001, a competência originária do tribunal de família (9), é de concluir também que, no presente caso, não sendo embora a acção proposta pelo filho nem (que se saiba) tendo sido fixados alimentos durante a menoridade mas por um dos progenitores contra o outro, nos termos e com os fundamentos previstos no nº 3, do artº 989º, CPC, o apelante tem bem fundamentada razão, devendo ser revogado o despacho recorrido e declarada a competência do tribunal, determinando-se o prosseguimento nele da presente causa.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida, declaram o tribunal competente e determinam que nele prossiga a presente causa.
*

Custas da apelação pela parte vencida a final – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Guimarães, 17 de Maio de 2018

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha


1. Para uma explicação, embora já desactualizda mas ainda útil, do regime deste DL 272/2001, cfr. o estudo de J. P. Remédio Marques, Obrigação de Alimentos e Registo Civil, publicado na RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, v. 1, n. 46, p. 37-74, jul./dez. 2006, páginas 38 a 71 e também acessível na Internet.
2. Já, por exemplo, em Acórdão da Relação do Porto, de 12-06-2014, proferido no processo nº 818/09.9TBVFR-G.P1, relatado pelo mesmo relator, se dava conta do problema de conjugação das normas implicadas na matéria.
3. Para uma visão desta problemática, cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 09-03-2017, processo nº 26/12.1TBPTG-D.E1 (relatado pela Desemb. Albertina Pedroso).
4. Processo nº 2257/17.9T8LSB.L1-6, relatado pelo Desemb. Eduardo Peterson Silva.
5. Processo nº 1362/16.3T8PTG.E1, relatado pela Desemb. Maria da Conceição Ferreira.
6. Março de 2018, página 14, da autoria do Juiz de Direito Gonçalo Oliveira Magalhães.
7. A competência material determina-se, como é sabido, em função da relação material controvertida tal como configurada pelo autor/requerente na petição inicial, ou seja, em função do pedido e da causa de pedir.
8. Entendimento já assim defendido expressamente pelo 2º Adjunto deste, ainda no TF de VN de Gaia, sustentado, além do mais, no Acórdão da Relação do Porto, de 11-09-2012, proferido no processo 11008/05.0TBVNG-A.P1 (relatado pela Desemb. Maria da Graça Mira), segundo o qual, mesmo na hipótese de acção proposta por filho maior, o pedido deve ser dirigido desde logo ao tribunal judicial e não à conservatória “se se constatar ab initio que existe uma séria impossibilidade de acordo”.
9. Acórdão da Relação do Porto, de 12-11-2013 (procº 114/13.7TVPRT.P1, relatado pelo Desemb. Rui Moreira): “I - Com o regime instituído pelo D.L. 272/2001, de 12 de Outubro, o legislador pretendeu, entre o mais, garantir a possibilidade de tornar válido e eficaz o acordo na fixação de alimentos requeridos por filhos maiores alcançado fora do sistema judiciário, desobrigando os interessados de recorrerem aos tribunais sempre que isso seja desnecessário, designadamente por ausência de um efectivo litígio que seja necessário dirimir. Estabeleceu, assim, um procedimento da competência dos serviços de Registo Civil.II - Da arquitectura deste sistema resulta que, sempre que haja elementos bastantes para concluir que já existe um verdadeiro litígio, não sendo previsível qualquer solução consensual sobre a fixação dos alimentos peticionados, deve ser admitido o pedido deduzido directamente perante o tribunal que seja competente (em razão da matéria e do território), pois que a sua devolução para a fase conciliatória, junto da Conservatória do Registo Civil, não passaria de um procedimento dilatório e ineficaz. III - Estando deduzido, pelos requerentes de alimentos, um pedido de fixação de alimentos provisórios, sempre tal possibilidade de recurso ao tribunal judicial haveria de ser garantida, pois a isso jamais constituiria impedimento o regime desse D.L. 272/2001.IV - A fixação de alimentos a filhos maiores, com fundamento no art. 1880º do C. Civil, é da competência do Tribunal de Família.”.