Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4456/06.9TBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
FIXAÇÃO DE PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não ocorre erro na forma do processo porque o pedido formulado coaduna-se com o meio processual escolhido: processo comum (acção de reivindicação) e não processo especial (de fixação judicial de prazo), tanto mais que os demandados questionaram, desde logo, o direito de propriedade plena do demandante sobre todo o prédio, alegando serem titulares de um direito de superfície sobre o mesmo.
2. No processo especial de fixação judicial de prazo o requerente apenas tem de justificar o pedido de fixação de prazo, não estando em causa a prova dos seus fundamentos – o que o presente processo necessariamente suscitava, perante a pretensão do autor e a contradição dos réus.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Apelante (s): S… (AA.);
Apelado (s): M… e mulher, L... (RR.);

*****
O Autor/apelado intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra os RR./apelantes, com os seguintes fundamentos:

Pedido:
a- A reconhecer o A. como legítimo proprietário e possuidor do prédio identificado no artigo 1º, da petição inicial;
b- A desmontar e retirar o pavilhão construído nesse mesmo prédio;
c- A retirar do terreno do A. todos os escombros que resultarem da desmontagem;
d- A deixar o prédio do A. livre de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes da sua ocupação;
e- A absterem-se de quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade e a posse sobre o terreno do A.;
f- A pagar uma quantia diária de € 100,00, desde o dia 1 de Novembro de 2006 e por dia que passar até à realização efectiva e integral dos trabalhos descritos nas alíneas b) e c) deste pedido;
g- A pagar ao A. a quantia de € 70.200,00 pela ocupação ilegítima do prédio desde o dia 1 de Dezembro de 2004 até 31 de Outubro de 2006.

Causa de pedir:
- O A. é dono e legítimo possuidor do prédio identificado nos autos, por o terem herdado de Celestino…, encontrando-se a respectiva aquisição do direito de propriedade inscrito a seu favor na C.R.P., além de que alegaram factos susceptíveis de integrar a sua aquisição por usucapião.
Autorizou os RR., sobrinho do A. a construir um pavilhão no aludido prédio, com a condição de os RR. se comprometerem a retirá-lo do prédio logo que ele o exigisse.
Os RR. procederam à construção do pavilhão e, a dada altura, em vez de o utilizarem para o exercício de actividade industrial própria, a que disseram pretender destiná-lo, passaram a rentabilizá-lo arrendando-o.
Em data não concretamente determinada, mas situada entre Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, os RR. procederam também a alterações no pavilhão, aumentando consideravelmente a sua área, o que fizeram sem pedir autorização ao R..
Sentindo-se magoado com esta conduta dos RR., e por estes terem actuado como se fossem donos do próprio prédio, em Novembro de 2004, exigiu-lhes que retirassem o pavilhão do seu prédio, o que eles se recusaram a fazer.

Na sua contestação, os Réus impugnam a versão dos factos constante da p.i., e invocam a constituição de um direito de superfície a seu favor, concluindo pela improcedência da acção.
Houve réplica.
Realizada a audiência de julgamento e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença que decidiu o seguinte:
«A – Declarar que o A., S…, é dono e legítimo possuidor do prédio identificado no artigo 1º da p.i..
B – Condenar os RR., M… e mulher, L…:
- A desmontar e retirar o pavilhão construído no prédio aludido no artigo 1º, da p. i.;
- A retirar do terreno do A. todos os escombros que resultarem da desmontagem;
- A deixar o prédio do A. livre de pessoas e bens e no estado que se encontrava antes da ocupação;
- A absterem-se de praticar quaisquer actos que ofendam os direitos de propriedade e posse sobre o terreno do A.;
- Concede-se aos RR. o prazo de quatro meses, contados do transito em julgado da presente decisão, para procederem à desmontagem e retirarem o pavilhão construído no prédio do A., bem como a retirarem do mesmo terreno todos os escombros que resultarem dessa desmontagem, condenando-se os RR. na quantia diária de € 50,00, por cada dia que passar, após o decurso desse prazo, até à realização efectiva e integral desses trabalhos.
C- Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido e, em consequência, do mesmo absolver o A., S…».

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os RR. o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulam as seguintes conclusões que se transcrevem:

1 - Não ficou provado que o autor por si e antepossuidores e ante proprietários, detém o descrito prédio, cultivando o terreno e usufruindo e colhendo os frutos e rendimentos, designadamente cereais, batatas, couves e erva, amanhando e arando a terra, procedendo a diversas plantações, arrancando plantações, zelando pela sua conservação e manutenção, há mais de 10, 20, 30, 40, 50 e mais anos ininterruptamente, com “animus domini”, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, dado que desde 1996 são os RR. usam e fruem o prédio e não o A.
2 - Não ficou provado que o autor apenas acedeu ao pedido dos sobrinhos porque estes estavam sem trabalho e com sérias dificuldades financeiras dado que, por um lado, os RR. já exerciam a sua actividade industrial há muito tempo e necessitavam isso sim de melhorar as suas condições de laboração e, por outro lado, para construírem o pavilhão os RR. despenderam uma soma avultada, que não seria possível se atravessassem dificuldades financeiras.
3 - Não ficou provado que o pavilhão consiste, na sua maior parte, numa estrutura metálica toda ela desmontável, dado que o relatório pericial juntos aos autos indica claramente a existência de paredes de alvenaria e tijolo, fundações elevadas e pavimentos em betão.
4 - Não foi produzida qualquer prova de que os Réus passaram a rentabilizar o pavilhão, arrendando-o, dado que as testemunhas apenas presumiram a existência de um qualquer arrendamento, nem foi produzida qualquer prova documental sobre tais factos.
5- Não ficou provado que entre Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, os réus procederam a alterações no pavilhão, aumentando a sua área consideravelmente, fazendo, desta vez sem pedir autorização ao autor e sem dar a este qualquer satisfação, que o autor apenas soube de tal ampliação em Fevereiro de 2003, e que os réus deixaram de dar satisfações ao autor das alterações que iam fazendo no pavilhão e do desenvolvimento da sua actividade, dado que tal convicção se baseou nos depoimentos das testemunhas do A. que foram, sem sombra de dúvida, vagos e incertos, sem qualquer conhecimento real dos factos.
6 - Não ficou provado que. os Réus agissem como proprietários do prédio dado que sempre solicitaram e obtiveram do A. as devidas autorizações para a construção e ampliação do pavilhão.
7 - Não ficou provado que o autor tivesse ficado angustiado e magoado com os sobrinhos.
8 - Não ficou provado que, em Novembro de 2004, o autor exigiu dos réus que retirassem o pavilhão do seu prédio, dado que nenhum depoimento de nenhuma das testemunhas logrou indicar como e quando teria o Autor exigido a retirada do pavilhão.
9 - Não ficou provado de forma alguma que os réus se recusaram a retirar o pavilhão e a deixar o prédio livre.
10- A douta sentença carece de qualquer fundamento probatório.
11-A acção aqui em causa não é uma acção de reivindicação como entende o Meritíssimo Juiz a quo, mas isso sim, uma acção de fixação judicial de prazo, prazo esse para a retirada do pavilhão do prédio com compensação aos RR..

Pede a revogação da sentença.

Houve contra-alegações, pugnando-se pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciarem;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).


As questões suscitadas pelos recorrentes podem sintetizar-se nos seguintes itens:
a) Há erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, quanto aos itens 2, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 supra?
b) Há erro de direito por se tratar de uma acção de fixação judicial de prazo e não uma acção de reivindicação?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1- Encontra-se registada a favor do autor na competente Conservatória do Registo Predial, a aquisição por sucessão (com adjudicação em inventário) por óbito de Joaquina… e de Ana…, do prédio rústico, denominado "Bouça do Souto da Pousada, composto de pinhal, com área de 4.400 m2, situado no lugar da Pousada, da freguesia de…, do concelho de Barcelos, inscrito na matriz rústica sob o nº 4…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n. 3…, que confronta a Norte, Sul e Nascente com caminho e do Poente com José…, conforme documento de fls. 18 a 21 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2- O autor, por si e antepossuidores e ante proprietários, detém o descrito prédio, cultivando o terreno e usufruindo e colhendo os frutos e rendimentos, designadamente cereais, batatas, couves e erva, amanhando e arando a terra, procedendo a diversas plantações, arrancando plantações, zelando pela sua conservação e manutenção, há mais de 10, 20, 30, 40, 50 e mais anos, ininterruptamente, com "animus domini", à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.
3- Em 1996, os réus, sobrinhos do autor, pediram a este que lhes permitisse construir um pavilhão no prédio identificado em 10 para aí exercer uma actividade industrial.
4- O autor autorizou a construção do referido pavilhão.
5- Ainda em 1996, os réus começaram a construir o pavilhão em causa, tendo construído uma parte do pavilhão em 1996, e outra em 1997.
6- Sempre com consentimento do autor.
7- Os réus foram sócios da sociedade B…, Lda até 1997, momento em que cederam as suas quotas, conforme certidão de registo comercial junta a fls. 86 a 90 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8- O autor autorizou a construção com a condição que os réus se comprometessem a retirar o pavilhão do prédio quando o autor o exigisse.
9- O autor apenas acedeu ao pedido dos sobrinhos porque estes estavam sem trabalho e com sérias dificuldades financeiras.
10- O pavilhão consiste, na sua maior parte, numa estrutura metálica, toda ela desmontável.
11- Para a construção do pavilhão, os réus nunca obtiveram qualquer licenciamento por parte da Câmara Municipal de Barcelos.
12- O prédio em causa estava integrado na Reserva Ecológica Nacional.
13- Os réus passaram a rentabilizar o pavilhão, arrendando-o.
14- Entre Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003, os réus procederam a alterações no pavilhão, aumentando a sua área consideravelmente.
15- Porém, desta vez, fizeram-no sem pedir autorização ao autor e sem dar a este qualquer satisfação.
16- O autor apenas soube de tal ampliação em Fevereiro de 2003.
17- Os réus deixaram de dar satisfações ao autor das alterações que iam fazendo no pavilhão e do desenvolvimento da sua actividade.
18- E como se fossem eles, réus, os proprietários do prédio.
19- Tal deixou o autor angustiado e magoado com os sobrinhos.
20- E tendo em conta o facto de os réus já terem alcançado estabilidade económica e financeira, em Novembro de 2004, o autor exigiu dos réus que retirassem o pavilhão do seu prédio.
21- Os réus recusaram-se a retirar o pavilhão e a deixar o prédio livre.
22- O autor concedeu autorização aos réus para edificarem um pavilhão para a sua empresa.
23- Tal acordo foi estabelecido por vontade de ambas as partes.
24- O réu suportou as despesas de edificação do pavilhão, sendo as suportadas com a criação do P.T. e a construção do poço suportadas pela empresa R..
25- Na sua parte metálica o pavilhão é desmontável, não o sendo na restante parte, havendo, assim, necessidade de proceder à demolição das paredes de alvenaria e tijolo, das fundações elevadas e dos respectivos pavimentos que são em betão.


*****

2. De direito;

a) Erro de julgamento quanto à matéria de facto constante dos itens 2, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 supra.

Começam os recorrentes por se insurgirem contra a matéria de facto dada como provada no que concerne aos pontos de facto provados nºs 2, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 supra, com o fundamento em erro na apreciação da prova documental e testemunhal., nomeadamente no tocante aos depoimentos das testemunhas José, Joaquim, Maria…, respectivamente irmão do A. e tio do R.marido, cunhado do A. e irmã do A. e tia do R.marido, indicadas pelo A., e João, ex-sócio da sociedade “B…”, da qual fazia parte também o R.marido, indicada pelos RR.
Pretendem, em suma, que tal factualidade seja considerada não provada.

Para alicerçarem tal desiderato, argumentam que resulta dos depoimentos das aludidas testemunhas José, Joaquim, Maria… que outra devia ter sido a decisão quanto à factualidade provada e não provada, uma vez que, em súmula, não tinham qualquer conhecimento directo dos factos.
Desde logo, cumpre dizer que a lei processual civil não proíbe o depoimento indirecto, sendo que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal – artº 396º, do Código Civil.
Acresce que as testemunhas podem narrar factos por elas próprias praticados, mas, em regra, narram factos que observaram, incluindo narrações que lhes tenham sido feitas por quem directamente observou ou praticou os factos a provar. Assim, além do relato valora-se a razão de ciência da testemunha, ou seja, de como os factos relatados chegaram ao seu conhecimento.
Por fim, releva o modo como o depoimento é produzido, realçando-se a necessidade de audiência contraditória, a fim de ser consolidada a reprodução dos factos trazida ao tribunal.

Ora, no caso sub judice, o depoimento das mencionadas testemunhas José, Joaquim e Maria é na sua quase totalidade um relato directo dos factos trazidos à lide pelo autor, a saber a cedência temporária do terreno do A. para construção de um pavilhão pelos RR. com a obrigação de o retirarem quando este o exigisse, a ampliação do pavilhão sem autorização do A., a ordem de retirada do pavilhão e a recusa dos RR. em fazê-lo.
Na verdade, os apelantes escudam-se apenas no facto de as testemunhas não terem assistido ao alegado acordo entre as partes, quanto à autorização de construção do pavilhão, ou seja, mais concretamente, não terem presenciado os pormenores da conversa entre o A. e o R. marido para porem em causa, quer a veracidade dos factos por si narrados, quer a credibilidade do seu testemunho, quer a convicção formada pelo tribunal a quo.
Ademais, esgrimem os recorrentes excertos parciais, desgarrados e desconexos da globalidade da prova produzida em audiência, mesmo a prova testemunhal, para concluírem que houve erro na apreciação da prova.

Ora, da audição e análise desses depoimentos, mormente o das aludidas testemunhas José, Joaquim e Maria podemos concluir que a convicção a que chegou o tribunal a quo quanto a tal matéria de facto se mostra acertada e se coaduna com a globalidade da prova testemunhas e documental carreada para os autos.

Com efeito, o seu depoimento é globalmente objectivo, directo, isento, consistente e pormenorizado, relatando as circunstâncias de tempo, modo e lugar sobre os factos que depuseram, independentemente de terem afirmado que não presenciaram a conversa havida entre o A. e R. marido. Mas foram unânimes em narrarem toda uma panóplia de factos conexos com a dita cedência do terreno para que fosse construído o aludido pavilhão mediante a sua retirada quando o A. o exigisse, o que os RR. omitiram.

Assim, além de a testemunha ter afirmado que o seu irmão, o aqui recorrido, lhe contou as condições dessa cedência de terreno e autorização para nele ser implantado o pavilhão, bem como o dever da sua retirada, após exigência do Autor, nos termos dados como provados, foi preciso e peremptório em relatar todo o circunstancialismo inerente ao que fora combinado.

Na verdade, afirmou ter conhecimento directo das dificuldades financeiras do sobrinho (R.marido), nessa ocasião, o qual lhe (à testemunha) pediu emprestado inclusive dinheiro (100 contos), ao que acedeu, conhecia o terreno em causa e assistiu ao início da construção do pavilhão, assim como observou a sua ampliação, a utilização dada ao pavilhão e a não retirada desse pavilhão, apesar do pedido do A., mantendo-se o mesmo naquele lugar, como se pode extrair da seguinte realidade fáctica relatada pela mencionada testemunha José: “ Era lá de casa, conheço sim senhor”; “ quando o meu irmão emprestou o terreno ao sobrinho para fazer um cobertão”; “ que tal cobertão foi construído há cerca de 12 anos, segundo se lembra”;” que foi ampliado, que teve lá um letreiro”; “ o meu irmão contou-me que lhe cedia aquela bouça algum tempo até ele endireitar a vida dele. E depois para lhe entregar outra vez a bouça”; “ viu construir o pavilhão”; “ era d alumínio e dava para desmontar”; “ levou uns pilares aparafusados no chão “; “ a parede é de blocos”; “ O S… chegou-me a dizer…eles vão tirar de lá o cobertão, que eu preciso da bouça”; “ nunca saiu”; “ Num sei mas o meu irmão dizia-me que ele nunca lhe pagou nada”.

Do mesmo modo, a testemunha Joaquim, cunhado do A., não deixou de esclarecer o tribunal recorrido sobre o apurado factualismo: “ mas é porque precisava que se montasse aquilo”; “ mas foi pedir-lhe para ele deixar-lhe lá construir aquilo”; “ Ele disse-me a mim que ele tinha de retirar aquilo de lá para fora, foi o que ele disse”; “ que ele logo que pudesse ia de lá para fora, porque aquilo que era …que aquilo … só foi para um desenrasque”.

Também a testemunha Maria, irmã do A., corroborou a mesma versão dos factos daquelas testemunhas e dada como provada : “ …ele apenas o deixou construir para um desenrasque de vida. Mas…mas depois quando o meu irmão precisasse do terreno ele tinha de sair e entregá-lo. Mas ele até hoje nunca mais…”; “ Porque lá onde… onde ele tinha a primeira vez o… o tear, que aquilo era de teares, de pano, num tinha largueza. Ele queria fazer uma coisa maior, pediu ao tio para ver se deixava lá fazer esse pavilhão”.

Por seu turno, o conteúdo do depoimento da testemunha João, consócio do R. marido na empresa “B…” e arrolada pelos RR. não é de molde a contrariar ou infirmar a relatada versão dos factos narrados por aquelas testemunhas, já que, quanto a elementos circunstanciais relevantes, no tocante às condições da dita ocupação do terreno e aos termos de autorização de construção do pavilhão e subsequente retirada deste, aquele limitou-se a tecer afirmações vagas, inconclusivas e mesmo inócuas, como “não saber de preços “ ( a título de renda ou similar, como contrapartida da cedência do terreno), “ não saber de prazos” ( referindo à retirada do pavilhão)”.

Em resumo, a factualidade por si narrada não conflitua sequer, na sua essência, com a versão dos factos descrita pelas apontadas testemunhas do autor, como, aliás, o tribunal recorrido frisou na motivação das respostas aos quesitos.

Podemos assim concluir que, pese embora o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, o tribunal a quo foi criterioso na valoração da prova testemunhal produzida, fazendo uma “ avaliação em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo", nas palavras de Figueiredo Dias.
Ponderação esta que o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 464/97 não deixa de salientar, ao dizer que "esta justiça, que conta com o sistema de prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão... a justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça."
Segundo Teixeira de Sousa In, “Estudos”, pág. 348. ”O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Neste caso, a sentença posta em crise enumera os fundamentos objectivos e racionais que estiveram na base da convicção do julgador, após escrutínio crítico e ponderado dos meios de prova, a saber, inclusive, o depoimento global das testemunhas inquiridas.
Enfim, o Mmº Juíz a quo explicou de forma racional e lógica os motivos pelos quais deu como provada e não provada a matéria de facto em causa, bem como as razões que presidiram à valoração crítica dessa mesma prova, mostrando-se essa apreciação coincidente com o conteúdo global dos depoimentos prestados pelas testemunhas e que este tribunal ad quem escrutinou em concreto.

Tão pouco se vislumbrou qualquer manifesto e excepcional erro de julgamento, contrário à evidência das provas, traduzido numa clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto e que impusesse a necessidade de sanação (v. Ac. STJ, de 14/3/2006, in CJ, XIV, I, pg. 130; Ac. STJ, de 19/6/2007,www.dgsi.pt; Ac. TRL, de 9/2/2005, www.pgdlisboa.pt), nem se descortinou qualquer prova fundamentada em provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, que afrontasse, de forma manifesta, as regras da experiência comum.

Afigura-se-nos, pois, que é de manter a matéria de facto dada como provada e não provada, improcedendo nesta parte a apelação.

b) Há erro de direito por se tratar de uma acção de fixação judicial de prazo e não uma acção de reivindicação?

Entende-se que não, tanto mais que esse invocado erro de interpretação e aplicação do direito baseia-se num pressuposto fáctico não provado (e também errado) de que o A. cedeu o domínio da parte do terreno aos RR. onde foi implantado o pavilhão, ao autorizar tal construção.
Basta atentar nos factos provados nºs 1, 2 e 8 para se concluir que o autor apenas autorizou a construção de um pavilhão mediante a retirada deste quando aquele o exigisse, sendo tal insusceptível de consubstanciar uma cedência do domínio do prédio.
Ademais, face ao que se provou no ponto de facto nº 20, ficou demonstrado que o autor, dono do prédio, estipulou um prazo aos RR. para a remoção do pavilhão, o que estes não acataram – o que traduz uma recusa ilegítima daqueles e violadora do direito do autor de gozar plenamente a coisa de que é dono.
A posse ou detenção dos RR. sobre aquela parte da bouça era, pois, forçosamente, precária - artº 1253º, do Código Civil – não possuindo aqueles título legítimo para a sua ocupação, após Novembro de 2004, data em que o dono do prédio exigiu a sua entrega, o que não acataram.
Perante o acordado entre eles, como se provou, não carecia o autor de fixar um prazo para a retirada do pavilhão, já que esta deveria efectuar-se quando o A. o exigisse, como o exigiu.
Por último, cabe dizer que a forma de processo define-se pela petição inicial, devendo o autor indicá-la nesta petição (artº 467º, nº 1, al. c) do CPC).
E para se aferir se houve erro na forma de processo importa considerar o pedido formulado (enquanto efeito jurídico pretendido).
In casu, pediu o autor, além do mais, que se reconhecesse, por um lado, como legítimo proprietário e possuidor do prédio identificado no artigo 1º, da petição inicial, que se condenasse os RR. a desmontar e retirar o pavilhão construído nesse mesmo prédio, bem como a deixar o prédio do A. livre de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes da sua ocupação e a absterem-se de quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade e a posse sobre o terreno do A. e, por outro lado, que se condenasse os mesmos a pagar uma quantia diária de € 100,00, desde o dia 1 de Novembro de 2006 e por dia que passar até à realização efectiva e integral dos trabalhos descritos nas alíneas b) e c) deste pedido e ainda a pagar ao A. a quantia de € 70.200,00 pela ocupação ilegítima do prédio desde o dia 1 de Dezembro de 2004 até 31 de Outubro de 2006.
A primeira das pretensões do Autor analisa-se numa acção de reivindi­cação – artº 1.311º do Código Civil - como a acção real por excelência, concedida para defesa do direito de propriedade, bem como dos demais direitos reais ( artº 1.315º do Código Civil ), cuja causa de pedir é complexa, por integrar a invocação do facto em que assenta o direito que se pretende ver reconhecido e a ocupação abusiva, com vista ao reconhecimento do direito de propriedade e à entrega da coisa reivindicada ( - Veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 10/5/1988, na Colectânea de Jurisprudência, 1988, tomo 3, pag. 63. ).
No que toca ao segundo pressuposto da acção de reivindicação - a ocu­pação abusiva dos réus - está igualmente demonstrado que estes têm ocupado a aludida bouça com aquela construção que não retiraram. E para que tal ocupação fosse legítima, tornava-se necessário que os Réus estivessem legitimado por qualquer título.
Estabelecendo o conteúdo do direito de propriedade, o artº 1305º, do Código Civil, preceitua que " o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei ", e nessa medida recai sobre todas as outras pessoas uma obrigação de respeito pelo direito real em questão (obrigação passiva universal) que implica a omissão de qualquer com­portamento que perturbe o gozo pleno daquelas faculdades.

Assim, uma vez reconhecido o direito de propriedade do Autor, como este pediu, e não sendo, por outro lado, reconhecido aos Réus qualquer título que legitime a ocupação que têm vindo a fazer da dita parcela de terreno, nem qualquer circunstância prevista na lei que obste à sua restituição, derivará daqui como consequência lógica a entrega da mesma ao Autor.

Sintetizando, o pedido formulado coaduna-se com o meio processual escolhido: processo comum (acção de reivindicação) e não processo especial (de fixação judicial de prazo), tanto mais que os demandados questionaram, desde logo, o direito de propriedade plena do demandante sobre todo o prédio, alegando serem titulares de um direito de superfície sobre o mesmo.
É que no processo especial de fixação judicial de prazo o requerente apenas tem de justificar o pedido de fixação de prazo, não estando em causa a prova dos seus fundamentos – o que o presente processo necessariamente suscitava, perante a pretensão do autor e a contradição dos réus.
Não ocorre, portanto, qualquer erro na forma do processo.


Concluindo, inexiste o apontado erro de julgamento na decisão da matéria de facto e na sua valoração jurídica.


IV – Decisão;

Em face do exposto, acordam os Juizes da Secção Cível deste Tribunal em julgar improcedente a apelação dos réus, confirmando-se a sentença recorrida.


Custas pelos apelantes.


Guimarães, 12.01.2012
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira