Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8213/10.0TBBRG.G1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Faltando à audiência de julgamento em processo de insolvência, quer a devedora, quer a requerente, deve dar-se prevalência à falta da primeira e, em consequência, serem declarados confessados os factos articulados na petição inicial, e não julgada extinta a instância.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


F… & B…, Lda., intentou a presente acção para declaração de insolvência contra I… – Construções, Lda., alegando, além do mais, que esta manifesta uma insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo e pelas próprias circunstâncias do cumprimento, evidenciam a impotência de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Não são conhecidos quaisquer bens livres e desimpedidos da requerida. Seria inútil a requerente recorrer a qualquer outro meio de cobrança para obter o pagamento do seu crédito.
Conclui, pedindo que se declare a insolvência da requerida, bem como ser declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno; que se reconheça o crédito da requerente, no valor de €38.947,25, graduando-o no lugar que lhe couber.

A requerida deduziu oposição, alegando que tem 21 funcionários, não tendo salários em atraso.
Também não tem contribuições em mora à Segurança Social, nem às Finanças.
Todas as instituições bancárias reputam a requerida de boa pagadora e cumpridora de todas a suas obrigações.
Possui mais do que suficientes condições económicas para cumprir com todas as suas obrigações.
Conclui pelo indeferimento do pedido de insolvência.

Na data designada para a audiência de julgamento não compareceram requerente e requerida e, em face de tal ausência, foi proferida a seguinte decisão:
«À presente audiência de discussão e julgamento não compareceu nenhuma das partes notificadas.
Nos termos do disposto no artigo 35º, nº 3, do CIRE, a não comparência do requerente, por si ou através de um representante, vale como desistência do pedido.
Assim sendo, julga-se extinta a instância, ao abrigo do disposto nos artigos 35º, nº 3, do CIRE, e 287º, alínea d), do C.P.C., este aplicável por força do artigo 17º do CIRE».

Inconformada, a requerente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.A recorrente pediu a declaração de insolvência da recorrida.
2.Esta, por sua vez, deduziu oposição.
3.Nesta sequência, foi pelo tribunal a quo designada data para realização da audiência de julgamento.
4.Na data designada, não compareceram recorrente e recorrida, por si ou através de representante.
5.Pelo que, entendeu o tribunal a quo que a falta da requerente, ora apelante, equivalia a desistência do pedido.
6.Pelo que, determinou a extinção da instância.
7.Ora, salvo o devido respeito, não foi pelo tribunal a quo efectuada a devida interpretação do artigo 35º do CIRE e a cominação daí advinda.
8.Porquanto, à falta de requerente e requerida à data designada para a audiência de julgamento, não poderá dar-se maior relevância à falta da requerente.
9.Atento o disposto no artigo 35º, nº 3, do CIRE, só se verifica a desistência do pedido por falta da requerente ou do seu representante se não se verificar a situação prevista no nº 2.
10.Isto é, se não se verificar a falta da requerida.
11.Ora, faltando, quer a devedora, quer a requerente, como nos presentes autos, entende a ora recorrente e salvo melhor opinião em contrário, que a prevalência da lei, atento o disposto na primeira parte do nº 3 do artigo 35º do CIRE, será o de dar prevalência à falta do devedor, extraindo-se a consequência dos factos alegados.
12.Somente se faltasse o requerente e estivesse presente o requerido é que a falta ganharia relevo – artigo 35º, nº 3, do CIRE – que, ainda assim, não seria imediato, ou seja, não daria lugar a desistência do pedido, sem mais.
13.Tem sido entendimento da jurisprudência que a não comparência, por si e desacompanhada de quaisquer outros factos ou indícios que apontem nesse sentido, não é suficiente para se concluir que a requerente desistiu do pedido.
14.Ora, salvo o devido respeito, não há nos autos indícios ou factores que apontem para a intenção da requerente em desistir do pedido.
15.Faltando ambas as partes, a falta do requerente deve ser desconsiderada perante a falta do requerido/devedor.
16.Se o requerido em processo de insolvência deduzir oposição e faltar, tal como o requerente, à audiência de julgamento, a lei – artigo 35º, nº 2, do CIRE – dá maior relevância à falta do devedor, cominando-a com a confissão dos factos alegados pela requerente da insolvência.
17.Pelo que, deveria ter sido ditada, de imediato, sentença para a acta, no entanto, no sentido de se considerarem confessados os factos constantes da petição inicial e, consequentemente, ter sido declarada a insolvência da recorrida.
18.E não declarar a desistência do pedido por parte da requerente.

A apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do C. P. Civil.
A única questão a decidir consiste em saber se a falta da requerente e da devedora/requerida à audiência de julgamento tem como consequência a desistência do pedido, nos termos do artigo 35º, nº 3, do CIRE.

I. A requerente e a devedora/requerida não compareceram à audiência de discussão e julgamento do dia 24 de Fevereiro de 2011.
Na decisão recorrida, entendeu-se que a não comparência da requerente, por si ou através de um representante, valia como desistência do pedido.
Cremos, porém, que tal decisão, com o devido respeito, se deve a um equívoco motivado, certamente, por uma leitura menos atenta do disposto no artigo 35º, nº 2 e 3, do CIRE.
É que, em nosso entendimento, faltando, quer a devedora, quer a requerente, atento o disposto no nº 3 do artigo 35º do CIRE, deverá ser dada prevalência à falta da primeira, extraindo-se as consequências dos factos alegados.
O citado artigo 35º, nº 2 e 3, estabelece que:
2 – Não comparecendo o devedor nem um seu representante, têm-se por confessados os factos alegados na petição inicial, se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12º.
3 – Não se verificando a situação prevista no número anterior, a não comparência do requerente, por si ou através de um representante, vale como desistência do pedido.
A devedora/requerida deduziu oposição e não foi dispensada a sua comparência.
Se o processo se inicia por apresentação de devedor, não havendo motivo para indeferimento liminar, é logo declarada a insolvência. O mesmo acontece quando, regularmente citado em acção intentada por outro legitimado, o devedor não se opõe.
Nas situações previstas nos referidos números 2 e 3 do artigo 35º, o legislador estabeleceu regras semelhantes às que, até à reforma do processo civil de 1995-1996, eram aplicáveis ao processo sumaríssimo. Nesse sentido, se o devedor tiver sido citado e deduzir oposição, na sua falta ou de um seu representante com poderes especiais para transigir, consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial, devendo ser proferida, de imediato, sentença de declaração de insolvência. Comparecendo o devedor, na falta do requerente ou de um seu representante com poderes especiais para transigir, considera-se que aquele mesmo requerente desiste do pedido, devendo ser proferida, de imediato, sentença homologatória da desistência. Faltando, quer o devedor, quer o requerente, consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial, extraindo-se as consequências dessa confissão.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, as hipóteses imediatamente resolvidas são, sem dúvida, «as de falta, alternativa, do devedor e do requerente, considerada, ainda, quanto àquele, a eventualidade de ter sido dispensado da audiência prévia.
Ora, se não comparece o devedor – e, bem entendido, não há representação suficiente –, esse comportamento omissivo equivale a confissão do pedido. No entanto, a ausência não tem qualquer efeito, como é compreensível e está em plena consonância com o acima exposto, se não foi concedida oportunidade de pronúncia ao devedor. Neste caso, e pressupondo a presença ou representação legítima do requerente, seguir-se-á a realização da audiência de julgamento para apurar a verificação dos fundamentos da acção.
Quando falte apenas o requerente, a lei ficciona a desistência do pedido, sendo então proferida sentença absolutória.
Pode, no entanto, acontecer que faltem, em simultâneo, o devedor e o requerente. Quid iuris?
Em teoria, três soluções seriam possíveis, a saber: fazer prevalecer a ausência do requerente e extinguir a acção por desistência; conferir primazia à falta do devedor e considerar confessado o pedido, proferindo-se sentença declaratória; não atribuir efeitos aos comportamentos faltosos por se anularem um ao outro, fazendo então seguir o processo para a produção de prova, decidindo-se, depois, em conformidade.
Ora, pelo modo como se acha formulado o nº 3, atendendo, nomeadamente, à redacção da sua primeira parte, é clara a opção da lei no sentido de dar prevalência à falta do devedor, extraindo-se a consequência da confissão dos factos alegados.
Em verdade, na letra da lei, só quando comparece o devedor é que ganha relevo a falta do requerente, que, de outro modo, é desconsiderada». Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume I, pág. 184.
Portanto, não tendo sido dispensada a comparência da devedora/requerida e não tendo comparecido ambos os mandatários, o tribunal devia ter declarado confessados os factos articulados pela requerente na petição inicial e, caso considerasse verificados os pressupostos do artigo 20º, nº 1, do CIRE, proferir sentença a declarar a insolvência daquela mesma devedora.
Assim não tendo feito, por violação do disposto no citado artigo 35º, nº 2 e 3, do CIRE, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se que seja proferida outra a declarar confessados os factos articulados na petição inicial, extraindo-se as consequências dessa confissão.
Procedem, pois, as conclusões das alegações e o recurso da requerente Ferreira & Barbosa, Lda.

Sumário:
I. Faltando, quer a devedora, quer a requerente, atento o disposto no nº 3 do artigo 35º do CIRE, deve dar-se prevalência à falta da primeira e, em consequência, serem declarados confessados os factos articulados na petição inicial, extraindo-se as consequências dessa confissão.


Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida, ordena-se que seja proferida outra a declarar confessados os factos articulados na petição inicial, extraindo-se as consequências dessa confissão.

Custas pela apelada.

Guimarães, 19.5.2011
António Carvalho
Conceição Bucho
Antero Veiga