Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
249/16.4T8CHV.B.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: PENHORA DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO INCIDENTAL
TÍTULOS PARAJUDICIAIS
CITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- No conceito de “sentença condenatória” enquanto título executivo, cabem não só as sentenças condenatórias strictu sensu, como os denominados “títulos parajudiciais” ou “títulos judiciais impróprios”.

2- O título executivo a que alude o art. 777º, n.º 3 do CPC, formado pela notificação ao terceiro devedor e a falta de declaração deste, é um “título judicial impróprio” e, consequentemente, configura “sentença condenatória” para efeitos de execução.

3- A execução instaurada com base nesse título executivo contra o terceiro devedor corre nos próprios autos da execução primitiva, tratando-se de uma execução incidental e instrumental em relação a essa execução primitiva.

4- Essa execução intentada contra o terceiro devedor segue os termos do processo comum para pagamento de quantia certa sob a forma sumária.

5- Consequentemente, o terceiro devedor executado, apenas é citado para a execução e para a penhora após efetuada esta, a fim de no prazo de vinte dias deduzir, querendo, oposição à execução e/ou à penhora.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.


V. da Silva e mulher instauraram execução para pagamento de quantia certa contra S. Lda., que correm termos na Comarca de Vila Real, Juízo de Execução de Chaves como autos de execução sumária n.º 249/16.4T8CHV – cfr. doc. de fls. 20.
No âmbito dessa execução, C & F, Lda. foi notificada, por carta registada com aviso de receção, de 14/04/2016, junta aos autos a fls.25, nos seguintes termos:

“Fica(m) pela presente formalmente notificado(s), na qualidade de legal representante da empresa C & F Lda.” que, nos termos do 773º do Código de Processo Civil (CPP), se considera penhorado o crédito que o executado S. Lda. detém, ficando este à ordem do signatário, até ao montante de 8.850,00 EUR.
No prazo de DEZ DIAS deve(m) declara se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Não podendo ser feitas no ato da notificação, serão as declarações prestadas, por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao signatário, no prazo de Dez Dias, prorrogável com fundamento justificado. Fica(m) advertidos do seguinte: a) Se nada disser(em), entende-se que reconhece(m) a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora; b) Se faltar(em) conscientemente à verdade, incorre(m) na responsabilidade do litigante de má-fé.
Mais se adverte nos termos do n.º 3 do artigo 777º do Código do Processo Civil, “não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos de execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito” – cfr. doc. de fls. 25.

A C & F, Lda. não respondeu àquela notificação – fls. 26.

Por requerimento de 26/01/2017 os exequentes requereram a continuação da execução, com a respetiva penhora de bens, em relação à C & F Lda. – cfr. doc. de fls. 31.

Por decisão do Senhor agente de execução de 27/02/2017, este deferiu a requerida cumulação da execução, ordenando o prosseguimento desta contra a C & F Lda. – cfr.doc. de fls. 32.

Em 11/04/2017, o agente de execução procedeu à penhora do saldo bancário existente na conta de depósitos à ordem de que a executada C & F Lda. é titular junto do Banco X, no montante de 463,00 euros – cfr. doc. de fls. 32 verso e 33.

Nessa mesma data de 11/04/2017, o agente de execução procedeu à penhora do saldo bancário existente na conta de depósitos à ordem de que a executada C & F Lda. é titular junto do Banco Y, S.A., no montante de 8.800,00 euros – cfr. doc. de fls. 33 verso e 34.

Ainda em 11/04/2017, o agente de execução notificou a executada C & F, Lda., por carta registada, nos termos constantes de fls. 23, onde se lê, além do mais, o seguinte:

“Nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código de Processo Civil(CPC), fica pela presente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) identificado(s) em anexo, com algum dos seguintes fundamentos…” – cfr. doc. de fls. 23.

Por requerimento entrado em juízo em 02/05/2017, a executada C & F Lda., por articulado de fls. 34 verso a 46, veio reclamar por falta de citação, deduzir embargos de executado e oposição, requerendo que:

A- se suste todos os termos da execução e conhecida a reclamação, se declare a falta de citação da embargante e, consequentemente, se anule tudo o que na execução se tenha praticado;
B- sem prescindir e por mera cautela, caso assim se entenda, deverá ser declarado o erro na forma do processo nos termos do disposto no artigo 193º do CPC e, consequentemente, anulados todos os atos que não possam ser aproveitados, designadamente as penhoras de saldos bancários efectuados;
C- sem prescindir e por mera cautela, caso assim não se entenda, deverão os presentes embargos ser julgados procedentes, por provados, e em consequência ser a Embargante absolvida do pedido e extinta a execução quanto a esta bem como ordenado o levantamento/cancelamento de todas as penhoras efetuadas;
D- seja ordenado o levantamento das penhoras que excedam o limite da penhora indicado pelo Senhor Agente de Execução e, consequentemente, ordenada a sua restituição à embargante – cfr. doc. de fls. 34 verso a 46.

Procedeu-se à audição do Senhor agente de execução para se pronunciar quanto à arguida nulidade da citação e indicar, comprovando documentalmente, a data em que a executada C. & F. Lda. foi citada (cfr. fls. 47 verso), que se pronunciou nos termos que constam de fls. 48.

Notificadas as partes da informação daquele agente de execução, a executada C. & F. Lda. pronunciou-se nos termos que constam de fls. 49 e 50, sustentando que naquela resposta o agente de execução nem sequer utiliza as palavras “citada” ou “citação”, nem juntou aos autos qualquer documento que comprovasse a alegada data em que aquela teria sido citada, o que desde logo evidencia a efetiva falta de citação da mesma.

Por despacho proferido a fls. 51 e 52, julgou-se parcialmente procedente o pedido principal formulado em A) pela executada C. & F. Lda., anulando-se todos os atos posteriores a cada uma das penhoras efetuadas, à exceção destas, e notificou-se a executada que a partir da notificação desse despacho se iniciaria o prazo de vinte dias para aquela, deduzir, querendo, oposição à execução e/ou à penhora, constando esse despacho da seguinte parte dispositiva:

“Em face do exposto, julga-se procedente a nulidade invocada pela Executada de falta de citação e, em consequência, declaram-se nulos todos os atos posteriores a cada um das penhoras efetuadas nos autos (salvaguardando-se apenas estas), sendo certo que, com a notificação deste despacho, inicia-se o prazo de 20 dias para a Executada, querendo, opor-se à execução através de embargos de executado e opor-se à penhora, nos termos e para os efeitos previstos no art.856.º do CPC”.

Inconformada com o assim decidido, a executada veio interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões e pedidos:

A- Salvo o devido respeito, o Douto Despacho recorrido não faz qualquer sentido, devendo ser revogado;
B- O Douto Despacho com a Ref. 31490666 de 14.10.2017, do qual presentemente se recorre, julgou procedente a nulidade de falta de citação invocada pela aqui Recorrente e em consequência declarou “nulos todos os atos posteriores a cada um das penhoras efetuadas nos autos (salvaguardando-se apenas estas), sendo certo que, com a notificação deste despacho, inicia-se o prazo de 20 dias para a Executada, querendo, opor-se à execução através de embargos de executado e opor-se à penhora, nos termos e para os efeitos previstos no art.856.º do CPC.”;
C-O Douto Tribunal a quo considerou que a aqui Recorrida foi notificada de acordo com as exigências legais, designadamente com a comunicação de que se nada disser no prazo estipulado na lei, entende-se que ela reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora, nascendo assim uma nova execução com executados diferentes com base em títulos diferentes;
D- Considerou assim o Douto Tribunal a quo que existem dois momentos a ter em consideração 1) quando ainda estamos na execução contra o executado devedor do exequente e o devedor do crédito omitiu a declaração; 2) quando o terceiro devedor passa a ser executado, por não ter cumprido a obrigação;
E- Olvidou no entanto que o nascimento de uma nova execução terá de cumprir a devida tramitação legal designadamente quanto à forma de processo aplicável, que, tal como se deixou explicitado anteriormente, terá de ser o processo ordinário com a tramitação prevista nos artigos 724.º e seguintes;
F- De facto, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo uma vez que, por um lado não retirou os devidos efeitos decorrentes da nulidade que julgou procedente, isto é, de declarar anulados todos os actos praticados ou caso assim não se entenda, anular as penhoras efectuadas;
G- E por outro, não considerou a tramitação processual devida nos presentes autos pois as penhoras efectuadas nunca poderiam ser feitas em momento anterior à citação uma vez que a execução terá de seguir a forma do processo ordinário e não sumário;
H- Ou seja, o Douto Tribunal a quo andou bem ao julgar procedente a invocada nulidade por falta de citação, no entanto, não determinou as devidas consequências que se impunham face a essa decisão.
I- Deste modo, não obstante a invocada nulidade ter sido julgada procedente, não andou bem o Douto Tribunal a quo nas consequências que essa mesma decisão determinou, pelo que se vê a aqui Recorrente forçada a recorrer do Douto Despacho com o qual não se conforma, devendo ser aquele revogado.
J- Tal como inclusivamente se deixou invocado no Requerimento (início de processo) com a REFª: 25597955 de 02.05.2017 existe erro na forma de processo, o que assume especial relevância in casu pois o Tribunal a quo não faz uma correcta interpretação e aplicação do direito.
K- Salvo o devido respeito, de facto não se vislumbra em que medida poderá Douto o Tribunal a quo expender a argumentação e interpretação legal constante do Douto Despacho recorrido, determinando que as penhoras ilegalmente efectuadas são válidas e eficazes mesmo considerando que houve falta de citação!
L- Aliás, dado que houve falta de citação que prejudicou os direitos da aqui Recorrente, inexiste qualquer efeito útil para esta dado que por um lado se consideraram as penhoras válidas e eficazes e por outro se determinou que com a notificação do Despacho Recorrido se inicia o prazo de 20 dias para a Executada/Recorrente querendo se opor à execução através de embargos de executado e se opor à penhora, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 856.º do CPC (uma vez mais tramitação do processo sumário…);
M- Da notificação à Executada após penhora com a Ref. 1245218 de 11.04.2017 (data CITIUS) não constam os elementos referidos no artigo 227.º do CPC, nem do Douto Despacho que julgou procedente a nulidade de falta de citação pela aqui Recorrente/Executada constam os elementos referidos no mencionado artigo, tal como determina o disposto no artigo 192.º do CPC.
N- Caso o Douto Despacho recorrido não seja revogado, continuará a inexistir citação nos autos ou seja, continuará a verificar-se omissão da comunicação dos elementos que devem constar da citação à aqui Recorrente/Executada;
O- Isto é, para além de se impor a anulação das penhoras efectuadas continuaria a inexistir citação da Executada/Recorrente (com a devida comunicação dos elementos essenciais que da mesma têm de constar), motivos pelos quais terá de ser revogada a decisão recorrida.
P- O Douto Despacho de 14.10.2017 com a Ref. 31490666 violou o disposto nos artigos 550.º, 709.º/5, 724.º e ss., 726.º, 851.º, 187.º, 188.º, 191.º, 192.º e 227.º todos do CPC.
Q- Deste modo, o Douto Tribunal a quo - nos termos do disposto nos artigos 724.º e seguintes - deveria ter ordenado a abertura de conclusão e, caso o processo devesse prosseguir, proferir despacho de citação da Executada – pois, nos termos do n.º 5 do artigo 709.º do CPC, quando ocorra a cumulação de execuções que devam seguir forma de processo comum distinta, tal como sucede in casu, a execução segue a forma ordinária.
K- Acresce que, o Tribunal a quo - nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 851.º do CPC –, dado que julgou procedente a invocação nulidade de falta de citação, deveria ainda ter anulado tudo o que na execução se tenha praticado, designadamente as penhoras de saldos bancários da aqui Recorrente efectuadas em 11.04.2017;
S- Sem prescindir e por mera cautela, caso assim não se entenda, deveria ter sido anulado todo o processado nos termos do disposto no artigo 187.º do CPC, designadamente as penhoras de saldos bancários da aqui Recorrente efectuadas em 11.04.2017.
T- Deste modo, em qualquer das hipóteses, a verdade é que as penhoras de saldos bancários da aqui Recorrente efectuadas em 11.04.2017 terão de ser inevitavelmente anuladas;
U- Terá assim plena aplicação a jurisprudência invocada e à qual o Douto Tribunal a quo desatendeu, designadamente:

1) O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.11.2016, proferido no âmbito do Processo 1148/14.0T8VNF-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, que num caso em tudo em semelhante ao presente decidiu o seguinte:

“Na ação executiva, o título formado pela “declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito” (artigos 860.º, n.º 3, e 777.º, n.º 3, dos Códigos citados) constitui o direito exequendo e comprova-o, embora só presumidamente, como é regra (4).
De modo que também no caso em apreço, o crédito resultante do título assim formado é exigível ao Apelante.
Mas, o facto de ser exigível não significa que se possa partir, desde logo, para a penhora, como se fez no despacho recorrido (na versão reformada). É necessário observar, antes, os demais procedimentos legais pertinentes.
E, assim, não procedendo o devedor ao depósito da prestação devida em tempo oportuno, reabre-se uma nova execução, desta vez, contra o devedor, por impulso do exequente, a qual está sujeita ao rito próprio da forma de processo que lhe for aplicável.
No caso, esse rito é, sem dúvida, aquele a que está previsto para a forma ordinária (artigo 550.º do Código de Processo Civil), a qual está sujeita, por regra, a despacho liminar, nos termos do artigo 726.º do mesmo Código.

Ora, não foi esse o rito seguido.

Por conseguinte, ocorrendo violação da lei, o despacho recorrido não pode manter-se em vigor, devendo, assim, ser revogado e substituído por outro que proceda àquela apreciação liminar.“ (negritos e sublinhados nossos)

2) Bem como o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.09.2012, proferido no âmbito do Processo 1241/07.5TBESP-C.P1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se passa a transcrever:
I - Declarada a falta de citação do executado, impõe-se a anulação de todo o processado ulterior ao despacho liminar que ordenou a citação, incluindo a penhora efectuada, face ao disposto no artº 194, al. a), do Código de Processo Civil.
II - Mesmo que se trate de execução que deveria ter-se iniciado com a penhora, artº 812-A, n.1, al. d) do Código de Processo Civil.“ (negritos e sublinhados nossos)

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que V.Exªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a douta decisão recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado douto Acórdão que face à nulidade de falta de citação da Executada/Recorrente consequentemente determine:

a) A anulação de tudo o que na execução se tenha praticado nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 851.º do CPC, designadamente das penhoras de saldos bancários da aqui Recorrente efectuadas em 11.04.2017;
b) Sem prescindir e por mera cautela, caso assim não se entenda, a anulação de todo o processado nos termos do disposto no artigo 187.º do CPC, designadamente das penhoras de saldos bancários da aqui Recorrente efectuadas em 11.04.2017;
A abertura de conclusão para que nos termos do n.º 5 do artigo 709.º do CPC, caso o processo deva prosseguir, seja proferido despacho de citação da Executada/Recorrente conferindo-lhe então prazo para se opor à execução através dos competentes embargos de executado e se opor à penhora”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo a Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal reconduzem-se ao seguinte:

a- se o despacho recorrido que anulou a citação da apelante padece de erro de direito ao não ter anulado todos os atos anteriores a essa citação, incluindo o saldo das contas bancárias penhorado àquela e ao ordenar que a execução seguisse os termos do processo sumário;
b- se aquele despacho padece de erro de direito ao ordenar a notificação da apelante que, com a notificação daquele despacho que anulou a citação, se iniciava o prazo de vinte dias para a executada, querendo, opor-se à execução através de embargos de executado e opor-se à penhora, quando se impunha que tivesse ordenado que fosse ordenada a abertura de conclusão, a fim de ser proferido despacho judicial ordenando a citação da apelante/executada;
c- se da notificação da executada após a penhora com a refª 1235218 de 11/04/2017, não constam os elementos referidos no art. 227º do CPC, nem daquele despacho que julgou procedente a nulidade de falta de citação da apelante constam os elementos no mencionado artigo e se, consequentemente, essa citação é nula;
d- subsidiariamente, se se impõe anular todo o processado nos termos do disposto no art. 187º, do CPC, incluindo as penhoras dos saldos das contas bancárias.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir na presente apelação são os que acima se elencaram em sede de relatório.
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Sustenta a apelante que o despacho recorrido incorreu em erro de direito ao não retirar as devidas consequências da nulidade da citação da mesma, que julgou procedente, posto que não anulou todos os atos anteriores a essa citação e, por outro lado, ordenou que a execução seguisse a forma sumária quando, na sua perspetiva, lhe cabe a forma ordinária.

Vejamos se assiste razão à apelante.
No âmbito dos autos de execução para pagamento de quantia certa com processo sumário, que V. da Silva e mulher instauraram contra S. Lda., a ora apelante foi notificada da penhora do créditos daquela executada sobre a mesma, por carta registada com aviso de receção de 14/04/2016, nos termos da notificação junta aos autos a fls. 25.
A penhora de créditos consiste na notificação do devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta (logo, por carta registada com aviso de receção), de que o crédito fica à ordem do agente de execução (art. 733º, n.º 1 do CPC).
Perante essa notificação, o devedor, ou seja, a aqui apelante e executada, podia ter adotado, no prazo de dez dias, as seguintes posições possíveis, a saber:

- impugnar a existência do crédito, contestando a sua existência (art. 775º, n.º 1 do CP), caso em que, se os exequentes, notificados dessa impugnação, no prazo de dez dias, declarassem manter a penhora, o crédito assim penhorado passava a ser considerado litigioso (n.º 2 daquele art. 775º);
- invocar a exceção de não cumprimento de obrigação recíproca (art. 776º do CPC), caso em que, uma vez notificada a executada dessa alegação da sua devedora, se aquela confirmasse essa alegação, impunha-se a sua notificação para, no prazo de 15 dias, satisfazer à devedora essa prestação (n.º 1 daquele art. 776º); se a executada não cumprisse dentro daquele prazo de 15 dias essa obrigação à sua devedora, ou os exequentes se substituíam à executada no cumprimento dessa obrigação, ficando neste caso sub-rogados nos direitos da devedora contra a executada, ou assistia-lhes, assim como à devedora, o direito de instaurarem contra a executada execução por apenso à execução originária, para obterem desta o cumprimento coercivo dessa obrigação perante a devedora (na.º 2 daquele art. 776º); caso notificada da declaração da devedora invocando a exceção de não cumprimento de obrigação recíproca, a executada impugnasse essa declaração e não fosse possível fazer cessar a divergência entre ambas e os exequentes mantivessem a penhora, o crédito penhorado passava a ser considerado litigioso (n.º 3 do dito art. 776º do CPC);
- reconhecer a existência do crédito (art. 773º, n.º2), com o que este ficaria imediatamente assente no âmbito da execução, podendo ser como tal adjudicado ou vendido (art. 777º, n.º 2), cumprindo à devedora, no caso de se tratar de crédito pecuniário, logo que a dívida se vencesse, depositar a respetiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução e apresentar ao último o documento de depósito; se o crédito consistisse na entrega de uma coisa, então logo que a dívida se vencesse, cumpria à devedora entregar a coisa devida ao agente de execução (n.º 1 do enunciado art. 777º);
- fazer qualquer outra declaração sobre o crédito penhorado que interessasse à execução (art. 773º, n.º 2); ou
- nada dizer, caso em que essa omissão tem o efeito cominatório de equivaler ao reconhecimento do crédito, nos termos da indicação do crédito à penhora (art. 773º, n.º4 do CPC), presumindo-se, por conseguinte, a existência desse crédito nos exatos termos em que foi nomeado à penhora e foi penhora. Neste caso, cumpria à terceira devedora, logo que a dívida se vencesse (em função dos termos constantes da nomeação do crédito à penhora e da penhora assim feita), agir em conformidade com o referido supra em 3º.
Quer na situação referida supra em 3º, quer na referida em 5º, não sendo cumprida a obrigação pela terceira devedora logo que esta se vencesse, assistia aos exequentes ou ao adquirente desse crédito (a quem, entretanto, esse crédito tivesse sido vendido) exigir, nos próprios autos da execução, o cumprimento coercivo da obrigação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento da devedora, a notificação efetuada e a falta de declaração desta ou o título de aquisição do crédito (n.º 3 do art. 777º).
Note-se que na situação enunciada supra em 3º, o facto da terceira devedora ter reconhecido expressamente o crédito, não lhe vedava a possibilidade de, posteriormente, deduzir oposição à execução que contra ela fosse instaurada com vista à cobrança coerciva do crédito, alegando e provando factos supervenientes à sua declaração que levaram à extinção do crédito (exemplo, a resolução ou caducidade do contrato de arrendamento, ocorrida após a declaração), ou, inclusivamente, ter incorrido num vício de vontade ou na declaração dessa vontade interna, de modo que se verifica a existência de uma desconformidade entre a sua vontade real e a declarada na declaração apresentada (1).
Nesta situação, caso a terceira devedora logre fazer essa prova, extinguir-se-á a penhora do crédito e a eventual venda que daquele crédito eventualmente tivesse sido feita seria anulada.
O que a terceira devedora já não poderá alegar em sede de oposição à execução que lhe fosse instaurada é meio de defesa de que já dispusesse (e disso não informou o tribunal) à data da declaração (2).
Na situação referida supra em 5º, discutia-se na jurisprudência se o facto da terceira devedora nada ter dito na sequência da notificação da penhora do crédito que lhe foi dirigida, impedia-a ou não de na execução que lhe viesse a ser instaurada, deduzir oposição a essa execução, alegando e demonstrando que o crédito penhorado não existia à data da penhora, ou seja, invocar meios de defesa de que já dispunha à data da penhora.
A este propósito dividiu-se a jurisprudência, havendo uma corrente jurisprudencial que sustentava que a falta de declaração da devedora implicava que se considerasse definitivamente aceite a existência do crédito, obstando a que esta viesse contestar tal existência em sede de oposição à execução que lhe fosse instaurada (3).
Já uma outra corrente jurisprudencial sustentava que a falta de declaração da terceira devedora não a impedida de deduzir oposição à execução que lhe viesse a ser movida em que alegasse meios de defesa que já podia ter suscitado aquando da penhora, constituindo a falta de declaração da terceira devedora mera presunção ilidível de que o crédito penhorado existe nos termos em que fora penhorado (4).
Precise-se que esta querela jurisprudencial se encontra atualmente ultrapassada, uma vez que o atual vigente art. 777º, n.º 4 do CPC veio expressamente aderir a esta segunda corrente jurisprudencial, vertendo-a em letra de lei, consagrando que no caso de falta de declaração da terceira devedora, assiste à última, uma vez instaurada execução contra a mesma para cobrança coerciva do crédito penhorado, o direito de deduzir oposição à execução alegando que o crédito não existe.
Nesta situação, caso a terceira devedora logre fazer prova dessa sua alegação, a penhora do crédito extingue-se e a venda que desse crédito que, entretanto, eventualmente tenha sido feita, será anulada, sem prejuízo do direito dos exequentes serem indemnizados pela terceira devedora pelos prejuízos que sofreram em consequência do comportamento omissivo desta. Acrescente-se que esse direito indemnizatório pode ser feito valer pelos exequentes na própria oposição à execução (n.º 4 do art. 777º do CPC) (5).
No caso sobre que versam os autos, a situação da aqui apelante reconduz-se à situação enunciada em 5º.
Na verdade, conforme resulta da matéria apurada, nos autos de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, instaurados por V. da Silva e mulher, contra S. Lda., foi nomeada à penhora um crédito que a executada detinha sobre a aqui executada, “C. & F. Lda.”, na sequência do que, por carta registada com aviso de receção, junta aos autos a fls. 25, esta foi notificada dessa penhora.
No entanto, contrariamente ao que era sua obrigação legal fazer (art. 773º, n.º 2 do CPC), esta nada declarou, sem que dessa declaração, como dito, não resulte impedimento da mesma, em sede de oposição à execução, demonstrar a inexistência desse crédito penhorado, matéria essa sobre a qual não versa a presente apelação.
Não obstante a apelante tenha colocado em crise aquela penhora do crédito detido pela executada sobre si, efetuado nos termos daquela carta registada com aviso de receção, junta aos autos a fls. 25, o certo é que no despacho recorrido, o tribunal a quo, decidiu que aquela penhora foi regularmente efetuada, o que não foi colocado em crise pela apelante no presente recurso, pelo que aquela decisão, neste aspeto, transitou em julgado.
O certo é que na sequência daquela penhora do crédito da executada S. Lda. sobre a aqui apelante, esta não depositou o crédito à ordem do Senhor agente de execução, crédito esse que, como referido, perante o silêncio daquela, se presume existir nos termos em que tinha sido nomeado à penhora e foi penhorado, pelo que os exequentes, V. da Silva e mulher, em 26/01/2017, requereram a continuação da execução, com a respetiva penhora de bens, contra aquela apelante, o que foi deferido pelo senhor agente de execução, em 27/02/2017, que procedeu à penhora, em 11/04/2017, do saldo da conta bancária existente na conta de depósitos à ordem detida pela apelante no Banco X, no montante de 463,00 euros e, bem assim o saldo da conta bancária existente na conta de depósito à ordem por ela detida no Banco Y, S.A., no montante de 8.800,00 euros, notificando, de seguida, a apelante, por carta registada junta aos autos a fls. 23, para, no prazo de dez dias, deduzir oposição, querendo, à penhora.
A apelante, por requerimento entrado em juízo em 02/05/2017, veio, além do mais, arguir a nulidade da citação e requerer que fosse anulado todo o processado, incluindo aquelas penhoras, sustentando que a execução que lhe foi instaurada segue os termos do processo ordinário.
Acontece que no despacho recorrido, o tribunal a quo, deu parcial provimento ao requerido pela apelante, anulando a citação e notificando-a com a advertência que o prazo de 20 dias para a mesma, querendo, opor-se à execução através de embargos de executado e opor-se à penhora, se iniciaria com a notificação do despacho recorrido, mas não anulou as penhoras, considerando que à execução para pagamento de quantia certa instaurada contra a mesma segue a forma sumária, porquanto se funda “em título judicial impróprio, formado pela notificação efetuada e a falta de declaração do terceiro devedor”.
É justamente desta parte do despacho recorrido, em que o tribunal a quo considerou que a execução instaurada contra a executada e aqui apelante corre os termos do processo de execução para pagamento de quantia certa sob a forma sumária e que, nessa sequência, recusou a anulação das penhoras dos saldos da contas bancárias da apelante e ordenou a sua notificação desse despacho com aquela advertência, que a apelante não se conforma, sustentando que a execução contra si instaurada carece de seguir a forma ordinária.
Resulta do que se vem dizendo que a questão nuclear que se suscita na presente apelação consiste em saber se a execução instaurada contra a terceira devedora que não tenha cumprido com a obrigação de depositar o crédito penhorado em instituição de crédito à ordem do agente de execução, corre os termos do processo de execução para pagamento de quantia certa sob a forma sumária (como se sustenta na decisão recorrida) ou se antes, a forma ordinária (conforme propugna a apelante acontecer), invocando em favor da sua tese os doutos acórdãos proferidos por esta Relação em 24/11/2016, Proc. 1148/14.0T8VNF-A.G1 e pela R.P. de 17/09/2012, Proc. 1241/07.5TBESP-C.P1.
Antes de entrarmos na apreciação desta concreta questão, cumpre ainda precisar que instaurada execução contra a terceira devedora, como é o caso, opera-se a substituição da executada primitiva (S. Lda.), por meio de substituição processual, pela terceira devedora (a apelante), que assim passa a figurar como executada (6).
A devedora do crédito penhorado passa a executada, destinando-se o produto desta execução à satisfação do crédito dos exequentes.
A instauração da execução contra a terceira devedora, nos termos do art. 777º, n.º 3 do CPC., não implica, porém, a cessação da execução primitiva, que continua a correr termos contra a primitiva executada, passando a existir duas execução nos mesmos autos: uma que corre contra a terceira devedora (a apelante), destinada a cobrar o crédito penhorado junto da mesma, e a primitiva execução, que continua a correr termos contra a executada primitiva.
Do que se acaba de enunciar, impõe-se concluir que a execução movida contra a terceira devedora (a aqui apelante) configura-se como incidente da primitiva execução, dela estando funcionalmente dependente, na medida em que as vicissitudes desta última se repercutem necessariamente naquela, de modo que extinta pelo pagamento, por desistência ou por outro motivo qualquer a execução primitiva, esse facto determina necessariamente a extinção da execução instaurada contra a terceira devedora. A execução instaurada contra a terceira devedora é, assim, instrumental relativamente à execução inicialmente instaurada contra o executado primitivo, execução essa que, reafirma-se, segue a par da primeira (7).
Posto isto, entrando na apreciação da concreta questão que divide o tribunal a quo e a apelante, o processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário (art. 550º, n.º 1 do CPC).
Estas duas formas de processo apenas diferem na tramitação da fase introdutória da ação executiva, na medida em que na forma ordinária, salvo a situação excecional enunciada no art. 727º do CPC, que não está em causa nos autos, existe controlo prévio do juiz e citação da executada prévia à realização da penhora (arts. 726º), enquanto na forma sumária a citação da executada é feita após a realização da penhora, sendo esta citada para a execução e, em simultâneo, notificada da penhora, para deduzir, querendo, oposição à execução e oposição à penhora (art. 856º, n.º 1 do CPC).
A forma ordinária do processo comum para pagamento de quantia certa está consagrada por defeito pelo legislador, resultando daqui que é aplicável esta forma de processo ordinário sempre que ao mesmo não caiba a forma de processo sumária.
Os casos em que é aplicável a forma de processo sumário encontram-se enunciados no n.º 2 do art. 550º do CPC, em função da classificação dos títulos executivos.
Assim, nos termos daquele art. 550º, n.º 2 do CPC, emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas: a) em decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo; b) em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória; c) em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor; d) em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1ª instância.
Tome-se, no entanto presente, que ainda que a execução se funde num dos títulos executivos acabados de enunciar, não é aplicável a forma sumária, nos casos enunciados no n.º 3 daquele art. 550º, ou seja: 1) quando a obrigação exequenda seja alternativa, pertencendo a escolha da prestação ao devedor ou a terceiro; 2) quando exista necessidade de liquidar a obrigação exequenda na fase executiva e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético; 3) quando, havendo título executivo diverso de sentença apenas contra um dos cônjuges e o exequente alegue a comunicabilidade da dívida no requerimento executivo; 4) ou ainda, nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário que não haja renunciado ao benefício da execução prévia.
Acresce que, havendo cumulação de execuções que devam seguir forma de processo comum distintas, a execução segue a forma ordinária (art. 709º, n.º 5 do CPC).
No que ao caso presente interessa, não se verificando nenhuma das enunciadas exceções à aplicação do processo sumário, importa ter presente a al. a), do n.º 2 do enunciado art. 550º, n.º 2, al. a) do CPC, que manda aplicar o processo sumário às execuções baseadas em decisão (…) judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo.
Este preceito legal carece, por sua vez, de ser conjugado com o disposto no art. 703º, n.º 1, al. a) do CPC, nos termos do qual apenas podem servir de base à execução as sentenças condenatórias.
Na verdade, decorre da conjugação destes dois preceitos legais que apenas as sentenças condenatórias podem servir de título executivo e, dentro destas, que as sentenças condenatórias que devam ser executadas no processo em que foram proferidas são executadas de acordo com o processo sumário (8).
Acontece que como já realçava Alberto dos Reis, ao usar na al. a), do n.º 1 daquele art. 703º, a expressão “sentenças condenatórias” em vez de “sentença de condenação”, o legislador teve a clara intenção de abranger nesta designação todas as sentenças e decisões em que o juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade” e daí que estejam abarcadas no conceito e, consequentemente, constituam títulos executivos, não só as sentenças condenatórias strictu sensu, isto é, as proferidas numa ação declarativa de condenação, mas, também, as homologatórias, em que o juiz se limita a sancionar a composição dos interesses em litígio pelas partes (as denominadas por Lebre de Freitas, por “títulos parajudiciais” (9) e por outros autores por “títulos judiciais impróprios”, porquanto o julgador limita-se a verificar a respetiva validade (10)), as homologatórias da partilha, os despachos e outras decisões ou atos de autoridade judicial que condenem no cumprimento duma obrigação, assim como as decisões de tribunais arbitrais, ficando apenas de fora do conceito as sentenças proferidas nas ações de simples apreciação, uma vez que não encerram, expressa ou implicitamente, qualquer condenação.
Ora, o título executivo a que alude o n.º 3 do art. 777º do CPC. formado pela notificação à terceira devedora (no caso, a apelante) e a falta de declaração desta, é tido pela doutrina e pela jurisprudência como um título judicial impróprio, justamente porque o mesma encerra uma condenação da devedora decorrente da lei, que sanciona o seu silêncio com a presunção de que o crédito penhorado existe nos exatos termos em que foi penhorado, limitando-se o juiz a verificar a validade desses documentos (11).
Tratando-se de um título judicial impróprio, tal significa que para efeitos do disposto nos arts. 550º, n.º 2, al. a) e 703º, n.º 1, al. a) do CPC, aquele título executivo assim formado pela notificação efetuada à apelante da penhora do crédito e da falta de declaração desta é havido como sentença judicial condenatória.
A execução que é instaurada contra a apelante com base nesse título executivo corre nos próprios autos da execução primitiva, onde foi ordenada a penhora do crédito e onde essa penhora foi efetuada mediante a notificação da aqui apelante de que aquele crédito da executada primitiva sobre si ficava penhorado, e onde esta não cuidou em nada declarar aos autos na sequência daquela notificação e, onde, consequentemente, se formou o título executivo, tratando-se, aliás, de execução incidental e instrumental em relação à execução primitiva.
Significa isto que como bem ponderou o tribunal a quo, a execução instaurada contra a apelante, porque se funda num título judicial impróprio, a correr nos próprios autos onde se formou esse título executivo, segue os termos de processo comum para pagamento de quantia certa sumária, tal como a execução primitiva, também ela a correr os termos da forma sumária.
Neste tipo de processo, como referido, a fase incial da execução inicia-se com a penhora e só uma vez efetuada esta, tem lugar a citação da executada para a execução e, em simultâneo, é notificada do ato de penhora para, querendo, no prazo de vinte dias, deduzir oposição à execução e/ou oposição à penhora (art. 856º do C.P.C).
Argumenta a apelante em sentido diverso ao propugnado pelo tribunal a quo e ao qual aderimos, invocando em abono da sua tese o douto acórdão desta Relação de 24/11/2006, Proc. 1148/14.0T8VNF-A.G1, in base de dados da DGSI, onde se sustenta que “não procedendo o devedor ao depósito da prestação devida em tempo oportuno, reabre-se uma nova execução, desta vez, contra o devedor, por impulso do exequente, a qual está sujeita ao rito próprio da forma de processo que lhe for aplicável. No caso, esse rito, é sem dúvida, aquele que está previsto para a forma ordinária (art. 550º do CPC), a qual está sujeita, por regra, a despacho liminar, nos termos do art. 726º do mesmo Código”.
Acontece que, com o devido respeito, dissentimos de semelhante entendimento atentos os fundamentos que vimos explanando. Aliás, como resulta linearmente da simples leitura do douto aresto, nele apenas se afirma que “esse rito, é sem dúvida, aquele que está previsto para a forma ordinária (art. 550º do CPC) …”, sem se explicar o porquê desta proposição conclusiva.
Invoca a apelante em defesa da sua tese o douto aresto proferido pela Relação do Porto em 17/09/2012, Proc. 1241/07.5TBESP-C.P1, mas sem manifesta razão. É que o caso sobre que se debruça aquela instância nesse acórdão nada tem a ver com a situação sobre que versam os presentes autos. Como decorre da simples leitura desse aresto, o mesmo debruça-se sobre uma situação em que a execução estava sujeita a despacho de citação liminar do juiz (logo, processo ordinário), em que foi realizada a penhora sem que esse despacho de citação tivesse sido proferido. Compreende-se, pois, que não tendo existido aquela citação prévia à penhora da executada, uma vez citada esta, tendo a mesma arguido a nulidade da citação, se tenha julgado procedente essa arguição, declarando-se igualmente nulas as penhoras efetuadas antes daquela citação inválida, posição esta que integralmente e sem qualquer rebuço subscrevemos integralmente.
Resulta do que se vem dizendo, que em nenhum vício incorreu o despacho recorrido ao anular a citação da aqui apelante, recusando, porém, (e bem) em anular as penhoras anteriormente efetuados a essa citação inválida dos saldos das constas bancárias da apelada e, bem assim ao ordenar que a execução seguisse os termos do processo sumário, uma vez que essa era a única solução consentida por lei para o caso.
Termos em que improcedem os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante e acima elencados sob a alínea a).
De igual modo improcede o fundamento de recurso aduzido pela apelante quando sustenta que o despacho recorrido padece de erro de direito ao ordenar a notificação daquela que, com a notificação do despacho que anulou a citação da mesma, se iniciava o prazo de vinte dias para, querendo, opor-se à execução através de embargos de executado e opor-se à penhora, quando, na sua perspetiva, se impunha que tivesse ordenado que fosse aberta conclusão, a fim de ser proferido despacho judicial ordenando a citação da mesma, uma vez que essa alegação da apelante tem subjacente que a presente execução segue os termos do processo comum para pagamento de quantia certa sob a forma ordinária, quando, como amplamente demonstrado, essa posição não colhe fundamento legal.
Não assim, quanto ao fundamento recursório referido em c).
Na verdade, conforme decorre do despacho recorrido, nela ordena-se a notificação da apelante da decisão que anulou a citação desta e adverte-se a mesma que, “com a notificação desse despacho, inicia-se o prazo de 20 dias para a executada, querendo, opor-se à execução através de embargos de executado e opor-se à penhora, nos termos e para os efeitos previstos no art. 856º do CPC”.
Acontece que tendo no despacho recorrido, o tribunal a quo anulado a anterior citação da executada, eliminada que foi esta da ordem jurídica, carecendo a citação da executada para a execução e, em simultâneo, para o ato de penhora para, no prazo de vinte dias, deduzir, querendo, embargos de executado e/ou oposição à penhora (art. 856º do CPC) de ser feita por ato de citação, a efetuar mediante observância das formalidades legais enunciadas no art. 246º do CPC, com a remessa dos documentos e as advertências a que se alude no art. 227º do CPC, sob pena de nulidade desse ato de citação (art. 191º, n.º 1 do CPC), é indiscutível que à citação da executada para a execução e para a penhora, não se satisfaz a mera notificação daquela nos termos mencionados no despacho recorrido.
O cumprimento do ritualismo legal previsto para a citação impõe que o tribunal a quo, repita a citação da apelante para a mesma deduzir, querendo, no prazo de vinte dias, oposição à execução e/ou à penhora, com o cumprimento cabal de todas as formalidades legais enunciadas para a citação.
Ao assim não proceder, é indiscutível que aquela notificação e todo o ulterior processado subsequente à notificação do despacho recorrido é nulo, o que se declara.
Subsidiariamente, sustenta a apelante que todo o processado é nulo nos termos do disposto no art. 187º do CPC, incluindo as penhoras dos saldos das contas bancárias.
Acontece que, conforme resulta do que anteriormente já se expôs, com exceção da notificação atrás referida e do ulterior processado ao despacho recorrido, essa pretensão da apelante não tem fundamento legal à luz do disposto no art. 856º, n.º 1 do CPC.
Decorre do que se vem dizendo, proceder parcialmente a presente apelação.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, acordam:

- em revogar o despacho recorrido na parte em que neste se adverte a apelante que, com a notificação desse despacho, inicia-se o prazo de vinte dias para a executada, querendo, opor-se à execução através de embargos de executado e opor-se à penhora, nos termos e para os efeitos previstos no art. 856º do CPC, e ordenam a citação da executada (a apelante), por carta registada com aviso de receção, para a execução e, em simultâneo, notificada para o ato de penhora do saldo das contas bancárias, a fim de, querendo, no prazo de vinte dias, deduzir embargos de executado e oposição à penhora.
Anulam todos os atos subsequentes à prolação do despacho recorrido.
- no mais, julgam a apelação improcedente, confirmando o douto despacho recorrido.
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Custas pela apelante na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC), que se fixa em 75%.
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Guimarães, 01 de fevereiro de 2018

(Dr. José Alberto Moreira Dias)
(Dr. António José Saúde Barroca Penha)
(Dra. Eugénia Maria Marinho da Cunha)


1. Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Executivo”, 2016, Almedina, pág. 304.
2. Ac. STJ. de 04/04/1995, Proc. 086809, in base de dados da DGSI.
3. Neste sentido Acs. STJ. de 24/03/2004 e de 07/10/2004 e RP. de 18/11/2008, todos in base de dados da DGSI.
4. Acs. STJ. de 04/10/2007, RL. de 12/05/2011; RP de 01/03/2005, 28/03/2001 e de 02/05/2013, todos in base de dados da DGSI.
5. Neste sentido veja-se Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva Á Luza do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, págs. 283 a 286. No mesmo sentido, vide Marco Carvalho Gonçalves, in ob. cit., págs. 303 a 307.
6. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 285.
7. Neste sentido, veja-se, entre outros, Acs. RP de 08/03/2016, Proc. 2181/12.1TBPVZ-E.P1; de 25/06/2009, Proc. 25/06/2009, Proc. 52-B/2000.L1-6; RE de 19/11/2015, Proc. 1108.2TVNO.G.E1, in base de dados da DGSI.
8. Marco Carvalho Gonçalves, in ob. cit., pág. 27 e 28 “…No que concerne ao regime da execução de sentenças condenatórias, o novo Código de Processo Civil introduziu uma inovação de fundo. Com efeito, nos termos do art. 626º, a execução da decisão judicial condenatória corre nos próprios autos, isto é, tem lugar no próprio processo declarativo onde foi proferida a decisão condenatória. (…). A execução da sentença condenatória no próprio processo onde foi proferida inicia-se com a apresentação de um simples requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 724º quanto aos requisitos formais a que deve obedecer o requerimento executivo, (…).Uma vez que essa execução segue a tramitação da forma sumária – salvo se, no caso em concreto, se verificar alguma das situações previstas no art. 550º, n.º 3, em que a lei impõe a aplicação da forma ordinária -, as diligências executivas iniciam-se com a penhora de bens, após o que o executado é notificada para, querendo, deduzir oposição à execução e/ou à penhora”.
9. Lebre de Freitas, “Ação Executiva”, 3ª ed., pág. 43
10. Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 57.
11. Neste sentido Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 459 e Acs. RP. de 08/03/2016, Proc. 2181/12.1TBPVZ-E.P1; de 05/11/2015, Proc. 567/14.6T2AGD-A.P1, e RC. de 20/11/2007, Proc. 34-C/2001.C1, todos in base de dados da DGSI.