Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
900/10.0TBGMR.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
EXTRAVIO DE CHEQUE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Não tem o Banco sacado que exigir ao sacador que lhe comunicou por escrito o extravio de cheques no correio no prazo de 8 dias previsto no artº 29º da LUCH, a prova desse extravio.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório
C.- Comércio de Calçado e Peles, Lda. veio interpor acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra Banco, S.A. alegando , em síntese, que:
A sociedade comercial R., Unipessoal, Lda. era titular de uma conta de depósito à ordem no Réu e emitiu sobre esta conta em nome e no interesse da A. os cheques nºs 8278241512 e 7378241513 nos montantes de 6.405,00 e 6.000,00 euros, cheques estes onde foram traçadas duas linhas paralelas e onde foi feita a menção no verso de “não endossável” que depositou na sua conta. Apresentados a pagamento nos dias 16 de Setembro de 2009 e 1 de Outubro de 2009, não foram pagos por ordem da sacadora e foram devolvidos, com os seguintes dizeres manuscritos no verso de cada um dos cheques – “CHQ VER. Justa causa-Extravio”.
A A. convidou o R. a pagar-lhe as importâncias inscritas nos referidos cheques, acrescidas das despesas com a sua devolução e dos juros de mora, o que este recusou, alegando que os cheques não foram pagos pelo motivo da cliente lhe ter solicitado o seu não pagamento, alegando que os cheques se extraviaram no correio.
Acontece que esses factos são falsos porque os cheques foram entregues à A. em mão.
O R. ao não pagar os cheques à A. violou o disposto na 1ª parte do artº 32º da LUCH.
Pede, consequentemente, que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de 12.462,20, acrescida dos juros vencidos no montante de 214,41 e dos juros vincendos, à taxa legal até integral pagamento.
O R. contestou, alegando que procedeu à devolução obedecendo a instruções expressas e escritas dadas ao Banco R. pela entidade sacadora. Contactada a sacadora a mesma confirmou que os dois cheques se tinham extraviado no correio, não tendo à data qualquer motivo para duvidar da versão que lhe foi apresentada.
A ordem de não pagamento emanada pela sacadora do cheque ao banco sacado constitui justa causa de não pagamento e não uma revogação simples e arbritária de um cheque, conforme consta do anexo ao Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI (Parte II., nº1, al a) sob a epígrafe “cheque revogado – por justa causa” – Instrução do Banco de Portugal nº 25/2003, entretanto alterada nesta matéria pela Instrução nº 5/2008 que entrou em vigor em 15.05.2008 e pela Instrução 3/2009, em vigor desde 02.03.2009.
Acresce que, ainda que não tivesse acatado a ordem directa do seu cliente, anterior à apresentação dos cheques a pagamento, ainda assim o pagamento dos cheques não teria ocorrido por a conta não se encontrar provisionada nas datas da apresentação a pagamento.
Conclui pela sua absolvição do pedido.
Foi elaborado despacho saneador com a selecção da matéria de facto assente e controvertida, do qual não houve reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo a final sido proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando o Banco Réu BPI, SA, a pagar à Autora C.-Comércio de Calçado e Peles, Ldª, a quantia de € 12.462,20 (doze mil quatrocentos e sessenta e dois euros e vinte cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos sobre as quantias € 6.433,60, desde 16/09/2009, e € 6.028,60, desde e 01/10/2009, e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de posterior alteração legislativa.
O R. não se conformou, tendo interposto o presente recurso e oferecido as seguintes conclusões:
1. As questões que se colocam na presente Apelação são as de saber se a recusa de pagamento, por parte do Apelante, dos dois cheques melhor identificados nos autos é, ou não, legítima; se existe, ou não, justa causa de não pagamento dos aludidos cheques e, por último – mas não menos importante , se se encontram preenchidos, no caso dos autos, os pressupostos legais do instituto da responsabilidade civil extracontratual.
2. Com todo o respeito pela decisão proferida pelo Tribunal a quo, o Banco Apelante entende que a sentença em análise fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos, mais concretamente, das previsões dos arts. 29º, 32º, nº 1 da LUCH, no art. 14º, 2ª parte do Decreto nº 13004, de 12 de Janeiro de 1927 e do art. 483º do CC.
3. Na verdade, atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, transcritos no corpo da presente alegação e os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, afigurase ao Apelante que a decisão final teria necessariamente que absolver o Banco dos pedidos formulados, contrariamente ao decidido.
4. Os cheques em questão nos autos foram apresentados a pagamento nos dias 16.09.2009 e 01.10.2009 e devolvidos, respectivamente, em 17.09.2009 e em 01.10.2009, por motivo de “Extravio”, como expressamente consta dos seus versos.
5. Essa devolução obedeceu a instruções expressas e escritas dadas ao Banco R. pela sacadora dos cheques, datadas de 15.09.2009, conforme resulta do teor dos documentos de fls. 42 a 43 juntos com a contestação do ora Apelante, assinadas pelo legal representante da sacadora.
6. A ordem de não pagamento emanada pela sacadora do cheque ao banco sacado, motivada numa falta ou vício da vontade, constitui justa causa de não pagamento e não uma revogação simples e arbitrária de cheques.
7. Pelo que, os aludidos cheques foram devolvidos por justa causa, sendo o motivo invocado pela sacadora razão válida para a devolução de qualquer cheque, como
expressamente se prevê no Anexo ao Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária –SICOI (Parte II., nº 1, al. a), sob a epígrafe “Cheque revogado – por justa
causa”) – Instrução do Banco de Portugal nº 25/2003, (entretanto alterada nesta matéria pela Instrução nº 5/2008, que entrou em vigor em 15.05.2008 e pela Instrução nº 3/2009, em vigor desde 02.03.2009 (tudo in www.bportugal.pt).
8. A actuação do Banco Apelante resulta de ordens de não pagamento motivadas no extravio (e não de mera revogação), que lhe foram dadas de forma expressa e escrita pela sacadora e está em total conformidade com as instruções que lhe são impostas pelo Regulamento do Banco de Portugal (SICOI).
9. Está demonstrado nos autos que o Banco Apelante acatou e cumpriu a ordem de não pagamento, fundada no “extravio” invocado pelo legal representante da sociedade sacadora e declarou o motivo da falta de pagamento de cheque – extravio , nos precisos termos em que o mesmo lhe foi expressamente declarado pela sacadora, sua cliente.
10. O Banco R. deu cumprimento à previsão dos arts. 40º da LUCH, 2º e 8º, nºs 2 e 3 do DL nº 454/91 (na redacção introduzida pelo DL nº 316/97), na medida em que a recusa de pagamento foi verificada “… por uma declaração do sacado, datada e escrita sobre o cheque, com a indicação do dia em que este for apresentado…”, como melhor resulta da informação registada no verso do cheque.
11. A actuação do Banco Apelante é lícita, legítima e a única possível face à ordem de não pagamento da sacadora do cheque; aliás, incorreria em eventual responsabilidade civil contratual se não cumprisse tal ordem, por violação do mandato conferido pela sacadora.
12. A sentença recorrida, cita o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008, de 28.02.2008, referindo que o mesmo diferencia “(…) o conceito de justa causa de revogação do cheques das situações de extravio, furto e outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque, concluindo que, embora estas sejam muitas vezes referenciadas como justificando a respectiva revogação, exorbitam do âmbito da previsão do art. 32º da LUC, não decorrendo desta norma qualquer obstáculo à recusa do pagamento de tais cheques pelo sacado.”
13. No entanto, fundamenta a decisão de condenação do Banco, em sede de responsabilidade civil extracontratual, por entender que o Banco sacado não encetou as diligências necessárias com vista a apurar, “senão a prova exaustiva do extravio, no mínimo, a circunstanciação em que tal ocorreu e a demonstração, ainda que indiciária ou perfunctória, da veracidade dessa alegação (o que é feito, por exemplo, no caso de roubo, com a anexação da participação criminal).
E no que respeita à culpa, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão nos seguintes termos:
“Na situação submetida a juízo, a sacadora dos cheques – cliente do Banco Réu – alegou, sem mais, que os cheques não chegaram ao seu destino. Em nosso entender, era ao Réu exigível, para acatar a ordem da sacadora, que procurasse inteirar-se do circunstancialismo desse extravio e sobre se aquela havia efectuado a competente participação/reclamação aos serviços de correio”.
14. Com todo o respeito pela fundamentação da decisão sob recurso, a mesma não deve proceder:
A data de emissão dos dois cheques em causa nos autos é de, respectivamente, 15.09.2009 e de 30.09.2009.
As ordens de não pagamento de cada um dos cheques estão datadas de 15.09.2009 e fundamentam de forma expressa a razão que as motivou: “o mesmo se ter extraviado no
correio e não ter chegado ao seu destino”.
Atenta a data de emissão do primeiro cheque e a data da ordem de não pagamento, a saber, 15.09.2009, apenas se poderá concluir – como concluiu o Banco R. nessa altura atenta a informação prestada pela sua cliente , que os cheques tinham sido enviados pelos serviços de correio em data anterior de forma a permitir a sua apresentação atempada a pagamento.
Mais; atenta a data de apresentação a pagamento do primeiro cheque – 16.09.2009, é
por demais evidente que o Banco nem sequer dispunha de meios que lhe permitissem aferir ou indagar da veracidade dessa afirmação.
Foi ainda esclarecido quer pelo gerente da agência da Lixa, a testemunha António (ouvido em audiência de julgamento e com o respectivo depoimento gravado aos 08 minutos e 06 segundos), quer pelo gestor da conta sacada, a testemunha João (também ouvido em audiência de julgamento e com o respectivo depoimento gravado aos 27 minutos e 57 segundos), que a sacadora dos cheque, a sociedade R.,Unipessoal, Lda. era uma cliente cumpridora dos seus compromissos e que, até à situação em discussão nos autos, nunca tinha solicitado ao Banco o não pagamento de um cheque por si emitido, por um qualquer motivo.
O próprio conhecimento que o Banco R. tinha da sua cliente – o seu histórico na forma
como movimentava a sua conta de depósitos e cumpria as suas obrigações – nem sequer
suscitava qualquer suspeita quanto à (falta de) veracidade das suas ordens.
15. Pretender, como se faz na douta sentença recorrida, que o Banco exija uma participação formal da sacadora aos serviços de correio (na hipótese evidente de se tratar de correio registado, pois caso contrário, tal participação seria impossível) ou a declaração do destinatário do cheque a corroborar a não recepção dos cheques (que no caso sub judice, não só seria manifestamente impossível quanto ao primeiro cheque, atenta a data da sua apresentação a pagamento, como ainda muito dificultada pelo facto de a beneficiária não ser cliente do Banco), é exigirse a prova efectiva da causa justificativa invocada pelo sacador, cuja exigência tem sido afastada quer pela doutrina quer pela jurisprudência.
16. O próprio Acórdão do STJ, de 29.04.2010, citado na sentença sob recurso, referese
especificamente à situação de ter sido alegado furto ou roubo do título, devendo, nessas situações, ser exigida a competente participação criminal (como aliás, é exigido pelo Banco sacado, como se infere dos próprios documentos de fls. 42 a 43).
17. Por seu turno, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.03.2010, proferido no processo nº 339/08.7 TBSRE.C1 (disponível em www.dgsi.pt/jtrc) , defende quanto a esta questão que:
“VI – A revogação e o extravio de um cheque são realidades distintas que não se confundem, o que implica que se não possa aplicar a este (ao extravio) as consequências
da revogação do cheque.
VII – A declaração ou simples informação de extravio de um cheque por parte do seu sacador torna lícita a sua recusa de pagamento pelo Banco sacado, constituindo uma justa causa para essa recusa, não configurando qualquer acto ilícito que gere a obrigação de indemnizar.
VIII – A informação de “extravio” prestada pelo sacador ao banco constitui motivo explícito bastante e sério para que este recuse o pagamento sem que lhe possa ser oposto que em face da eventual falta de provisão deveria exigir daquele maior informação por haver uma forte probabilidade de se não haver verificado essa anomalia.“ (sublinhado nosso).
18. De igual forma, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31.03.2011, proferido no processo5873/04.5 TVLSB.L18 (disponível em www.dgsi.pt/jtrl) , decidiuse que:
-. O banco sacado pode recusar o pagamento do cheque ao portador se houver para tal motivo justificado (que ele pode detectar ou dele ser avisado pelo sacador).
II . Ora, tem-se entendido, em geral, que haverá motivo justificado se o cheque foi roubado ou furtado, se se extravia, se foi falsificado ou, em geral, se se encontra na posse de terceiro em consequência de facto fraudulento ou apropriação ilegítima (cof. §
único do Art.º 14 do Decreto 13.004 –e o Art.º 8 nº3 do D.L. 454/91, alterado pelo D.L.
316/97).
III. Mais abrangente, aparece o Reg. do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) – Instrução nº 125/96, que aceita como motivo justificado para a recusa de pagamento do cheque, além das situações referidas, também a coacção moral, incapacidade acidental ou qualquer situação em que se manifeste falta ou vício na formação da vontade , exigindo, porém, que o motivo do não pagamento seja indicado pelo sacado no verso do cheque.
IV. Quando assim seja, deve o sacador avisar expressamente o sacado para não pagar o
cheque, mesmo que apresentado dentro do prazo legal dos 8 dias.
V. Serão estes casos de proibição justificada de pagamento a que muitas vezes se denomina de revogação por justa causa, que o sacado deve aceitar sem incorrer em qualquer tipo de responsabilidade.”
19. E, já depois de ter sido proferido o citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, o STJ pronunciouse sobre a questão em discussão nos presentes autos, no sentido da ausência de uma conduta culposa por parte do banco sacado (vide Ac. de 29.04.2008, processo 07A4768, in www.dgsi.pt/jstj), nos termos citados no corpo da presente alegação, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, para evitar manifesta duplicação de citações.
20. Demonstrado está que o primeiro cheque foi emitido no dia 15.09.2009 e apresentado a pagamento no dia 16.09.2009, um dia depois da recepção pelo Banco da ordem de não pagamento do mesmo, o que inviabilizaria por si só qualquer diligência a promover pelo Banco Réu, já que não tem, em tempo útil, possibilidade de confirmar a veracidade dos factos que a sua cliente alega.
21. Demonstrado ficou também que a sacadora era uma cliente cumpridora e nunca tinha emitido ordens de não pagamento de cheques, pelo que inexistiam quaisquer indícios que levassem o Banco R. a suspeitar sequer da veracidade das declarações da sacadora.
22. O Banco Apelante não podia deixar de acatar as instruções escritas da sacadora, sua cliente, sob pena de incumprimento das suas obrigações contratuais, designadamente do mandato que lhe foi conferido.
23. Não podemos, igualmente, esquecer que a relação banco / cliente se baseia na confiança e que uma das regras basilares que ainda impera no nosso ordenamento jurídico, particularmente no que concerne aos contratos, reconduzse ao princípio da boa fé.
24. Razão pela qual, o Banco Apelante, ao proceder como procedeu, acatando uma instrução escrita e expressa da sacadora de não pagamento dos cheques em questão nos autos (que não uma revogação arbitrária, situação essa sim prevista pelo º 1 do art. 32º da LUCH), actuou de forma lícita e sem culpa, no sentido de não merecer a reprovação ou censura do direito.
25. Por outro lado, contrariamente ao decidido, a A. não demonstrou o dano.
26. Sobre a questão da relevância, ou não, da causa virtual e do dano concretamente sofrido, debruçouse de forma aprofundada o Acórdão do STJ de 02.02.2010, no processo 1614/05.8 TJVNF.S2 (disponível em www.dgsi.pt/jstj), do qual aqui se reproduz apenas o essencial, remetendose para o corpo da presente alegação, para evitar manifesta duplicação de citações.
“A Autora limitou-se a pedir o pagamento das quantias tituladas pelos cheques, alegando que foi esse o seu dano causado pela actuação concertada entre a Ré sacadora e o Réu Banco.
Provou-se, contudo, que a conta não dispunha de saldo permissivo de tal pagamento pelo que os cheques, ainda que não indevidamente revogados, não seriam pagos aquando da sua apresentação à entidade sacada.
Isto é, a Autora não logrou provar o dano real, isto é, que os cheques só não lhe foram pagos pelo ilegal cancelamento conluiado entre o sacador e o sacado.
E cumpria-lhe esse “onus probandi”, como constitutivo do seu direito – n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil – também alegando que em ulterior momento, e se cumprido pelo Banco o artigo 1.ºA do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, a conta seria provisionada, as quantias lhe seriam pagas, directamente, pela 1.ª Ré, ou, finalmente, se perante a eventualidade de inclusão na listagem a que se refere o artigo 3.º daquele diploma, a sacadora procedesse ao pagamento.”
27. Ainda sobre a questão do cumprimento pelo banco sacado das previsões dos arts. 1º e 3º do DL nº 454/91, de 28.12., aditado pelo DL nº 316/97, de 19.11, pronunciouse o já citado Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.03.2010, do qual aqui se reproduz apenas o essencial, remetendose para o corpo da presente alegação:
“Veja-se que recusando o pagamento por falta de provisão o banco fica investido na obrigação de notificar o sacador para regularizar a situação nos trinta dias seguintes (depositando as quantias que os cheques titulavam ou entregando-as directamente à Autora- artigo 1ºA do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28/12, aditado pelo Decreto-Lei n.º 316/97 de 19/11) e, também, na de comunicando a situação ao Banco de Portugal. Porém. Se o não pagamento tem por base a revogação com justa causa o banco não tem de cumprir essas obrigações uma vez que ela impede definitivamente a reutilização do cheque, com eventual, nova e ulterior, apresentação a pagamento numa altura em que a provisão já existisse.
Esta diferença de regime faz perceber que em face de uma justa causa invocada pelo sacador para o pagamento ser recusado, causa essa que questiona a legalidade e validade do próprio saque, fica comprometida a ordem de pagamento, o que torna irrelevante a verificação e a consequência da falta de provisão, pondo em movimento um procedimento diferente do que ocorreria se apenas existisse a falta de fundos.
(…)
Contudo, quando a saber se quando esteja demonstrada a ilicitude da conduta do banco (o que no caso não ocorre) a falta de provisão da conta sacada faz soçobrar o pressuposto do nexo de causalidade e os danos, fundando-nos no acórdão do STJ de 2010 já citado, sublinhamos que estando no âmbito da responsabilidade extra contratual, cujos pressupostos devem ser alegados e provados pelo lesado, podendo apenas a culpa resultar de presunção legal, “ex vi” do n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil, a autora não deve limitar-se a alegar que o seu dano é o constante das quantias tituladas pelos cheques por estes não terem sido pagos mas deve sim alegar o dano real, isto é, que os cheques só não lhe foram pagos pelo ilegal cancelamento.(sublinhados e sombreados nossos).
28. Ora, é este precisamente o caso dos presentes autos: A Autora limitou-se a pedir o pagamento das quantias tituladas pelos cheques, alegando que foi esse o seu dano causado pela actuação do Banco Réu, mas não logrou provar que, num momento posterior, e após o cumprimento pelo Banco da previsão do artigo 1.ºA do DecretoLei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, a conta seria provisionada ou que os montantes apostos nos cheques lhe seriam pagos pela sacadora, ou ainda que, perante a possibilidade de inclusão na listagem a que se refere o art. 3º daquele diploma legal, a sacadora procederia ao pagamento.
29. A Autora não fez a prova do dano real, razão pela qual não se encontra preenchido este pressuposto essencial do instituto da responsabilidade civil.
30. Não se encontram preenchidos três dos pressupostos da pretendida responsabilidade
civil extracontratual do Banco Apelante, a saber, a ilicitude, a culpa e o dano, pelo que a
acção teria necessariamente de improceder, contrariamente ao decidido.
31. O dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade civil contratual (art. 798º do Código Civil), como no da extracontratual (art. 483º do mesmo diploma legal), tem como pressupostos cumulativos a prática de um facto voluntário do agente, ilícito (a desconformidade entre a prestação devida e a prestação realizada, no primeiro caso e a violação de um direito de outrem ou de disposição legal no segundo), a culpa (no sentido de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito), o dano e o nexo causal entre esse facto ilícito e culposo e o prejuízo.
32. Da factualidade alegada verificase que o Banco R. agiu no estrito cumprimento de instruções expressas e escritas e do mandato conferido pela sacadora dos cheques, sua cliente, bem como das boas práticas que lhe são impostas pelo Regulamento do Banco de Portugal, pelo que não estão preenchidos os necessários pressupostos da ilicitude e da culpa.
33. Por seu turno, a Autora (beneficiária dos cheques) não demonstrou, como lhe competia, o dano real, ou seja que os cheques só não lhe foram pagos por força da ordem de revogação emitida pela sacadora.
34. Face ao exposto nas presentes conclusões, o Apelante não se conforma com a decisão proferida, por a mesma enfermar de vícios graves, designadamente, por incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos, designadamente os arts. 29º, 32º, nº 1 da LUCH, no art. 14º, 2ª parte do Decreto nº 13004, de 12 de Janeiro de 1927 e do art. 483º do CC., pelo que a mesma deverá ser revogada e substituída por outra que absolva o Banco Apelante dos pedidos.
A parte contrária não ofereceu alegações.

Objecto do recurso:
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. nos recursos apreciam-se questões e não razões; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
.se o Banco R. ao recusar o pagamento dos dois cheques emitidos pela R., Unipessoal,Lda. com base nas comunicações que esta lhe efectuou constantes de fls 42 e 43, informando que os cheques se tinham extraviado pelo correio, sem ter o cuidado de exigir a demonstração, ainda que indiciária ou perfunctória, da veracidade dessa alegação, agiu com culpa;
. em caso afirmativo, decidir se o R. é responsável, embora a conta sacada não estivesse provisionada na data da apresentação dos cheques a pagamento.

II – Fundamentação:
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
a) Na certidão de fls. 60 a 65, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, consta que a R., Unipessoal, Ldª, tem sede no Parque Industrial de Ponte, 2ª fase, Lote 5, da freguesia de Ponte, deste concelho de Guimarães, e tem o NIPC 507 782 100 – cfr. alínea A) da matéria assente.
b) A R., Unipessoal, Ldª, é titular da conta de depósitos à ordem, aberta no Banco Réu, com o nº xxxxxxx – cfr. alínea B) da matéria assente.
c) Sobre essa conta, com datas de 15 e de 30 de Setembro de 2009, com expressa cláusula “não à ordem“, com duas linhas paralelas, traçadas nas respectivas faces e nos versos com a expressão impressa “não endossável“, a R., Unipessoal, Ldª, emitiu, em nome da Autora, os cheques nºs 8278241512 e 7378241513, respectivamente, pelos montantes de € 6.405,00 e € 6.000,00, juntos a fls. 9 a 12, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – cfr. alínea C) da matéria assente.
d) De posse desses cheques, para os cobrar e os respectivos valores lhe serem creditados na conta de depósitos à ordem nº xxxxxxxx, por si titulada na agência desta cidade de Guimarães do Banco,S.A., a Autora depositou-os nessa sua conta – cfr. alínea D) da matéria assente.
e) Apresentados a pagamento ao Banco Réu, no respectivo serviço de compensação, respectivamente, nos dias 16 de Setembro de 2009 e 1 de Outubro de 2009, por mandato daquele e sem por ele serem pagos, foram devolvidos, respectivamente, nos dias 17 de Setembro de 2009 e no dia 1 de Outubro de 2009, no serviço de compensação, com os dizeres, manuscritos no verso de cada um desses cheques: “CHQ REV. Justa Causa- Extravio“, como motivo – cfr. alínea E) da matéria assente.
f) Por cartas, registadas e com aviso de recepção que, em 29 de Setembro de 2009 e em 2 de Novembro de 2009, enviou ao Banco Réu e que este recebeu, as que constam de fls. 13 e 16, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido – cfr. alínea F) da matéria assente.
g) Em resposta a essas cartas, o Banco Réu enviou à Autora a carta datada de 2 de Dezembro de 2009, junta a fls. 19, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, na qual, nomeadamente, consta o seguinte:
«Analisada as situações relatadas, esclarecemos que os cheques em questão ( cheque nº 8278241512 e 7378241513 ) foram devolvidos pelo motivo indicado ( CHQ VER. Justa Causa –Extravio ), em virtude do nosso cliente nos ter solicitado o respectivo não pagamento, devido aos mesmos se terem extraviado no correio e não terem chegado ao respectivo destino, não sendo da competência do Banco, mas sim das Autoridades Policiais e Judiciais, averiguar e ajuizar da veracidade das afirmações dos clientes» – cfr. alínea G) da matéria assente.
h) A R., Unipessoal, Ldª, por escritos datados de 15/09/2009, constantes de fls. 42 a 43, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, solicitou ao Banco Réu o não pagamento dos cheques a que se refere a alínea C), em virtude de os mesmos se terem extraviado e não terem chegado ao destino – cfr. alínea H) da matéria assente.
i) Os cheques a que se alude em C) foram entregues à Autora – cfr. resposta ao artigo 1º da base instrutória.
j) No dia 10 de Setembro de 2009, a R., Unipessoal, Ldª pediu à Autora, que aceitasse trocá-los por outros cheques – cfr. resposta ao artigo 2º da base instrutória.
k) A devolução dos cheques acarretou à Autora prejuízos nas quantias de € 6.405,00 e de € 6.000,00 dos cheques, acrescidas de juros de mora, contados desde os dias 17 de Setembro de 2009 e 1 de Outubro de 2009 – cfr. resposta ao artigo 3º da base instrutória.
l) A Autora não recebeu, nem do Banco Réu, nem da R., Unipessoal, Ldª, os montantes inscritos nos cheques – cfr. resposta ao artigo 4º da base instrutória.
m) Por causa da devolução dos cheques pelo Banco Réu, a Autora sofreu os prejuízos de € 27,50, € 1,10, € 27,50 e de € 1,10, que suportou a título de Comissões de devolução dos cheques e de Imposto de Selo sobre essas comissões – cfr. resposta ao artigo 5º da base instrutória.
n) Nas datas de apresentação a pagamento dos cheques, a conta não se encontrava provisionada para o efeito – cfr. resposta ao artigo 6º da base instrutória.

Antes de entrarmos na apreciação das questões jurídicas supra enunciadas, importa tecer a seguinte breve consideração:
O apelante refere-se no corpo alegatório do seu recurso e na conclusão 14ª parágrafo 6º ao depoimento das testemunhas António e João, indicando o posicionamento no CD que contém a gravação do segmento do seu depoimento que em seu entender tem interesse, mas não manifesta a intenção de recorrer da matéria de facto, pelo que nos cingiremos à apreciação das questões de direito. Mesmo que assim não se entendesse, sempre o recurso da matéria de facto teria que ser rejeitado, porque o apelante não deu cumprimento aos ónus exigidos pelo artº 685-B do CPC, a saber: indicação dos pontos concretos da matéria de facto que foram dados como provados e que, em seu entender não deveriam ter sido dados, por os elementos constantes do processo não o permitirem e/ou invocar que não foi dado como assente determinado facto que, na sua opinião, de acordo com a prova produzida, deveria ter sido dado Ver sobre impugnação da matéria de facto, o recente Ac. do STJ de 29.11.2011, proferido no proc. nº 376/2002, acessível em www.dgsi.pt., indicando no que diz respeito à prova testemunhal as passagens da gravação em que se funda (por transcrição dos segmentos do depoimento com interesse ou da indicação do início e fim desse segmento).

1ª Questão – Agiu o Banco R. com culpa?
A A. demandou o Banco R. com fundamento em responsabilidade extracontratual.
Como é sabido são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: a acção, a culpa, a ilicitude, a culpa, o nexo de causalidade e o dano. Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do lesante merecer a reprovação ou censura do direito, e a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo, modo esse pelo qual agiria um bom pai de família perante as mesmas circunstâncias – art. 487.º, n.º 2, do C. Civil.
Vejamos:
Nos termos do parágrafo primeiro do artº 29º da Lei Uniforme relativa ao cheque (doravante designada por LUCH) o prazo para apresentação do cheque a pagamento é de oito dias, estabelecendo respectivamente os parágrafo 1º e 2º do artigo 32º da mesma lei que “A revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação. Se o cheque não tiver sido revogado, o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo.”
Por seu lado, o artigo 14º do Decreto nº13004 de 12/01/27 estabelece que “a revogação do mandato de pagamento, conferido por via do cheque ao sacado, só obriga este depois de findo o competente prazo de apresentação estabelecido no artigo 12º do presente decreto com força de lei. No decurso do mesmo prazo o sacado não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento do cheque com fundamento na referida revogação”(sublinhado nosso). Acrescenta o seu parágrafo único, “se porém o sacador, ou o portador, tiver avisado o sacado de que o cheque se perdeu, ou se encontra na posse de terceiro em consequência de um facto fraudulento, o sacado só pode pagar o cheque ao seu detentor se este provar que o adquiriu por meios legítimos”.
A 2ª parte do corpo do artº 14º do Decreto 13004 tem suscitado interpretações divergentes doutrinárias e jurisprudenciais, discutindo-se, nomeadamente se se encontra em vigor, porquanto Portugal não opôs qualquer reserva ao artigo 17.º das Resoluções da Conferência da Haia de 1912 que consagrou a possibilidade de derrogação do regime de irrevogabilidade relativa (alínea a) do artigo 16.° do Anexo III) e o citado artigo 32.° só acolheu a 1ª parte do corpo daquele artigo 14.°, pelo que teria sido tacitamente revogado pela LUCH.
No sentido da revogação, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1943 — B.O III, 409, e de 20 de Dezembro de 1977, este anotado favoravelmente pelo Prof. Ferrer Correia — “Revista de Direito e Economia”, 4ª 1978; Prof. Galvão Telles, Drs. Mário de Castro, Tito Arantes e Manuel Casanova e, no sentido da não revogação, os Profs. Palma Carlos, Paulo Cunha, e Drs. Cancela de Abreu, Carlos Pereira e Vasco de Almeida e Silva — “Revista da Ordem dos Advogados”, 6.°, n.°s 1 e 2, p. 439 e ss. A tese da revogação foi ainda defendida pelo Dr. Filinto Elísio — in “A revogação do cheque”, apud, “O Direito”, 100.0, 1968, n.° 4 — Out-Dez, 450 — com o argumento de conter princípios não compatíveis com a Lei Uniforme e acrescentando que “a revogação do cheque dentro do comando do artigo 32.° não dá nem tira quaisquer direitos ao portador; estranho seria, portanto, que este viesse a adquirir com a revogação direitos que então não possuía.” E refere ainda:“Se não há justa causa — de que tem por exemplos clássicos, designadamente, a perda, o roubo ou outra forma fraudulenta de desapossamento do título — o sacador é responsável; se ela existe, dirime essa responsabilidade. Mas o sacado em nenhuma hipótese é responsável, quer haja ou não, justa causa. Ele está ao serviço do sacador, único protagonista que conhece e com quem contratou, e enquanto não houver preceito a responsabilizá-lo não pode sofrer as consequências desfavoráveis de qualquer acto impensado do sacador. A jurisprudência e doutrina citada foi retirada do Ac. do STJ de 20.02.2010, proferido no proc. 1614/05, disponível em www.dgsi.pt.
O Assento n.° 4/2000 (Diário da República 1 A de 17 de Fevereiro de 2000), embora forçado a reconhecer a inexistência de uma relação prévia entre o portador e o sacado, refere que a solução da segunda parte do corpo do artigo 14.° “não é imposta pelo regime geral do cheque (...) mas sim pelos princípios do direito comum, mais concretamente pela responsabilidade civil extracontratual” (...) “pelo que a norma em crise é do direito comum”, e a Convenção absteve-se de tratar essa questão, “para a deixar sob o império exclusivo do direito comum.”
O acórdão uniformizador 4/2008 veio considerar em vigor o artº 14º do Decreto 13004 e veio fixar jurisprudência no seguinte sentido “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civil.”, tomando uma posição no sentido de pôr termo à controvérsia que sobre essa matéria se havia instalado na doutrina e na jurisprudência, sendo reflexo dessa controvérsia o número de votos de vencido que constam dessa decisão.
O caso concreto sobre o qual foi proferido o acórdão uniformizador 4/2008 tratava-se de uma situação em que se verificava uma ordem de pura e simples revogação não minimamente justificada, sem invocação de factos concretos . E no Ac. do STJ de 02.02.2010 Proferido no proc. 1614/05, disponível em www.dgsi.pt., também se entendeu que, como no Ac. 4/2008, o banco sacado aceitara uma ordem de não pagamento que continha uma justificação que absolutamente nada informava que não continha qualquer facto, que não dava conta das circunstâncias, motivos ou situações e que apenas qualificava abstractamente situações desconhecidas, pelo que agira sem a diligência que lhe era exigível como profissional qualificado.

No acórdão uniformizador 4/2008 é feito um alerta, no sentido de que determinados casos não devem ser considerados como casos de revogação. Pode ler-se no texto do mesmo que “os casos de extravio, furto, outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque, muitas vezes referenciados como justificando a respectiva revogação, não estão contidos no âmbito de previsão do artigo 32º da LUCH…”.De acordo com o defendido por José Maria Pires, referido no acórdão uniformizador, no caso de extravio ou qualquer outra forma de “ilegítima apropriação” «… o que está em causa não é a revogação - o sacador proíbe o pagamento por considerar inválido o seu saque. Logo, não o revoga, porque a revogação pressupõe a validade do acto que por esse efeito, se extingue».

Nestes casos, a recusa de pagamento nas situações em que o sacador declara o extravio do cheque, não recai no âmbito da previsão da 2ª parte do artº 14º do Decreto 13004, pois revogação e extravio são realidades distintas.

No caso em análise, o fundamento da recusa aposta no verso dos dois cheques apresentados a pagamento não é a revogação, mas sim o extravio no correio. E participada uma situação de extravio no correio, entendemos que não era exigível ao Banco R. exigir à sacadora elementos de prova para recusar o pagamento, no sentido defendido no Ac. do TRC de 16.03.2010Proferido no proc. 339/08, acessível em www.dgsi.pt. . Não é assim necessário, como se entendeu na sentença recorrida e com o devido respeito pela opinião expressa, que o sacador junte uma participação do extravio junto dos CTT, a qual sempre não seria praticável, como refere o apelante, em caso de correio não registado. Não se desconhece que muitas das comunicações por extravio não corresponderão a reais situações de extravio, mormente quando a conta sacada não tiver provisão (como acontece no caso), com vista a evitar a devolução com esse motivo. É que nestas situações, o banco fica investido na obrigação de notificar o sacador para regularizar a situação nos trinta dias seguintes (depositando as quantias que os cheques titulavam ou entregando-as directamente à Autora - artigo 1ºA do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28/12, aditado pelo Decreto-Lei n.º 316/97 de 19/11) e, também, na de comunicar a situação ao Banco de Portugal. Mas também não se desconhece que o furto de correspondência de marcos de correio existe, com vista à apropriação ilícita de meios de pagamento. Não cabe ao Banco exigir outras provas. Excluídos estão os casos em que o Banco sabe ser falsa a informação prestada ou em que lhe é censurável este desconhecimento (por exemplo quando o sacador é useiro e vezeiro neste expediente), factos que não foram sequer alegados.

Acresce que o Banco, ao agir no modo descrito, está a cumprir o determinado pelo Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) – Instrução do Banco de Portugal nº 125/96 – onde na Parte VII se lê, sob a epígrafe “Cheque revogado – por justa causa”: “quando, nos termos do nº 2 do artigo 1170º do Código Civil, o sacador tiver transmitido instruções concretas ao sacado, mediante declaração escrita, ou qualquer outro meio de prova idóneo aceite em tribunal, no sentido de o cheque não ser pago por ter sido objecto de furto, extravio, coacção moral, incapacidade acidental ou qualquer outra situação em que se manifeste falta ou vício da vontade. O motivo concretamente indicado pelo sacado, no registo lógico, deve ser aposto no verso do cheque pelo banco tomador”(sublinhado nosso).

E embora o referido Regulamento não constitua fonte de direito vinculativa para o Tribunal “não pode o mesmo para efeitos de verificação de conduta culposa (no sentido de que age com culpa aquele que adopta conduta merecedora de reprovação ou censura do direito) deixar de ser tido em conta em todo o processo de formação da decisão com vista à formulação ou não desse juízo de reprovação ou censura”, como se defende no Ac. do STJ de 29.04.2008 Proferido no proc. nº 07A4768, acessível em www.dgsi.pt e de onde se retirou o texto citado.

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Conclui-se assim pela ausência de culpa do Banco Réu ao recusar o pagamento à A. e faltando um dos pressupostos da responsabilidade civil extra contratual, não há obrigação de indemnizar, ficando prejudicado o conhecimento da 2ª questão.

Sumário:

Não tem o Banco sacado que exigir ao sacador que lhe comunicou por escrito o extravio de cheques no correio no prazo de 8 dias previsto no artº 29º da LUCH, a prova desse extravio.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e em revogar a sentença recorrida, absolvendo o R. do pedido.

Custas pela A.

Notifique.

Guimarães, 9 de Fevereiro de 2012

Helena Melo

Rita Romeira

Amílcar Andrade