Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2909/10.4TBGMR.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: CONTAGEM DOS PRAZOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Face ao princípio consagrado no artigo 297.º n.º 1 do Código Civil, a acção executiva não pode ser julgada extinta com fundamento no decurso do prazo de seis meses estabelecido no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei 4/2013 de 11-1 sem ter decorrido tal período de tempo desde a entrada em vigor deste diploma.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I
O F… instaurou, na comarca de Guimarães, em Julho de 2010, a presente acção executiva, contra J…, tendo em vista a satisfação do seu crédito de € 49 975,02, acrescido de juros.
Em Maio de 2013 a Meritíssima Juiz proferiu o seguinte despacho:
"A Exequente não impulsiona os termos do processo há mais de 6 (seis) meses.
Assim sendo, por decorrência legal do estatuído no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei 4/2013, de 11/01 a instância executiva extinguiu-se.
Nesta sequência, determina-se o levantamento de toda e qualquer penhora concretizada à ordem dos presentes autos e que ainda subsista.
Notifique e oportunamente, arquive."
Inconformado com esta decisão, o exequente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. Existe, nos autos, um despacho de 10.02.2012 que diz "Aguardam os autos impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 285.ª do C.P.C..";
2. Assim, em 10.02.2012 ter-se-á iniciado o prazo para a interrupção da instância – de acordo com o despacho referido – a qual interromper-se-ia em 10.02.2013;
3. O n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil dispõe "A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei (sublinhado nosso) a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.";
4. Antes da vigência do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, onde se estatuiu o prazo de seis meses para que a extinção operasse, vigorava o regime previsto nos artigos 285.º e 291.º, ambos do Código de Processo Civil;
5. O n.º 1 do artigo 291.º do Código de Processo Civil determina que "Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos";
6. De acordo com o artigo 287.º do mesmo diploma, a deserção é uma das causas de extinção da instância;
7. Conforme o disposto no já citado artigo 291.º, a instância só seria extinta, por deserção, se estivesse dois anos interrompida;
8. Considerando que a interrupção teria lugar em 10.02.2013, a extinção só poderia ocorrer se o processo estivesse parado até 10.02.2015;
9. A nova lei (Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro) consagra um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior, passando o prazo de dois anos para seis meses. Ora, aplicando-se o disposto no artigo 297.º do Código Civil, este novo prazo "só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar";
10. A nova lei entrou em vigor no dia 26.01.2013;
11. Faltariam, portanto, mais de dois anos para que a extinção pudesse operar de acordo com a lei antiga;
12. Assim, como o tempo para o prazo se completar, segundo a lei antiga, é superior ao fixado pela lei nova, não se aplica a excepção prevista na última parte do n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil, mas sim a regra, segundo a qual, o prazo de seis meses só se conta a partir da entrada em vigor da lei nova;
13. A lei nova entrou em vigor em 26.01.2013, o que significa que o prazo dos seis meses, previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, só terminaria em 26.07.2013;
14. Considerando o decurso das férias judiciais (16.07.2013 a 31.08.2013), a extinção da presente instância só poderia ter lugar no dia 01.09.2013;
15. Como resulta claramente do supra exposto, o tribunal a quo não analisou correctamente a situação dos autos, interpretando e aplicando o Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro de forma desajustada;
16. Resulta à saciedade do raciocínio aqui plasmado que o tribunal a quo jamais poderia ter decidido pela extinção da presente instância, porquanto o prazo para o efeito ainda não havia decorrido;
17. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 297.º do Código Civil e nos artigos 285.º e 291.º, ambos do Código de Processo Civil;
18. A decisão recorrida deverá ser revogada,
Não foram apresentadas contra-alegações.
As conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se "por decorrência legal do estatuído no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei 4/2013, de 11/01 a instância executiva extinguiu-se."
II
1.º
Para a decisão do presente recurso são relevantes os factos que resultam do que acima já se deixou dito e ainda que o despacho anterior ao de que agora se recorre foi proferido a 10 de Fevereiro de 2012 e nele consta que:
«Fls. 30-39:
Julga-se sanada a irregularidade.
Notifique o(a) exequente.
*
Fls. 89:
Nos termos do artº 861º-A, nº 1, do C. P. Civil, autorizo o(a) Exm(a) Sr(a) Agente de Execução a solicitar a penhora nos saldos dos depósitos bancários e quaisquer outros valores mobiliários escriturais e titulados, integrados em sistema centralizado, registados ou depositados nas instituições bancárias discriminadas, pertencentes ao(à)(s) executado(a)(s), com a limitação prevista nos artºs 821º, nº 3, 824º, nºs 1 e 3 e 824º-A, do C. P. Civil.
*
Fls. 334:
Nos termos do artº 34º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de julho:
"1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.
2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º".
Por seu turno, prescreve o artº 24º, nº 5, al. a), do mesmo diploma que o prazo interrompido se inicia a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
Nestes termos, tendo a Ilustre Patrona do executado requerido escusa, declara(m)-se interrompido(s) o(s) prazo(s) em curso relativamente à penhora efetuada, pelo que oportunamente, nos pronunciaremos sobre o pedido de apreensão formulado nos autos.
Notifique, incluindo o(a) Exm(a) Sr(a) Agente de Execução.»
2.º
Antes de mais importa dizer que não se compreende, de todo, o teor da conclusão 1.ª, visto que, como afirma o exequente no corpo das alegações, «analisando a situação em concreto, verificamos que existe o último despacho proferido pelo Tribunal é datado de 10.02.2012 que diz "(…) autorizo a Sr.(a) Agente de Execução a solicitar a penhora nos saldos dos depósitos bancários e quaisquer outros valores mobiliários escriturais e titulados (…)." É certo que posteriormente a este despacho não houve qualquer impulso por parte do exequente. Ora, de acordo com o artigo 285.º do Código de Processo Civil "A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento." Assim, em 10.02.2012 ter-se-á iniciado o prazo para a interrupção da instância – de acordo com o despacho referido – a qual interromper-se-ia em 10.02.2013.»
Não é, pois, verdade que, como consta naquela conclusão, haja um despacho a ordenar que os autos aguardem "impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 285.º do C.P.C." e muito menos que seja de 10 de Fevereiro de 2012; a decisão desta data é a que acima se transcreveu.
3.º
Conforme resulta do despacho recorrido, julgou-se a instância extinta "por decorrência legal do estatuído no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei 4/2013, de 11/01".
Nesse n.º 1 dispõe-se que "os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se." E no artigo 12.º diz-se que "o presente diploma entra em vigor no 15.º dia seguinte ao da sua publicação (…)", ou seja este iniciou a sua vigência a 26 de Janeiro de 2013.
Antes daquele artigo 3.º n.º 1, a extinção da instância executiva regia-se pelas regras que constam dos artigos 285.º e 291.º do (anterior) Código de Processo Civil, das quais resulta que a "negligência das partes em promover [o] (…) andamento" do processo só poderia originar aquele efeito depois de decorrerem três anos [1] sobre o início da conduta negligente, isto é da omissão em impulsionar a marcha da acção.
Assim, é evidente que o artigo 3.º n.º 1 Decreto-Lei 4/2013 estabeleceu um prazo mais curto para a extinção da execução.
Como bem lembra o exequente, o artigo 297.º n.º 1 do Código Civil estabelece o princípio de que "a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar."
Portanto, quando o prazo se inicia na vigência da lei velha e a nova lei o encurta, como é o caso, reinicia-se a contagem à luz da lei nova, desde a data da sua entrada em vigor, aplicando-se o prazo da lei velha ou o da lei nova consoante o que primeiro acabar. [2]
Se o Decreto-Lei 4/2013 entrou em vigor a 26 de Janeiro de 2013, então é pacífico que a 22 de Maio de 2013, quando foi proferido o despacho recorrido, ainda não tinha decorrido o novo prazo de seis meses consagrado no seu artigo 3.º n.º 1; nessa altura estava-se nas vésperas de se completarem quatro meses desde que este preceito havia iniciado a sua vigência. Significa isso que, nessa ocasião, de modo algum se podia fundar a extinção da instância neste artigo 3.º n.º 1, o mesmo é dizer que, com o fundamento invocado e admitindo que a execução se encontra efectivamente "a aguardar impulso processual do exequente" [3], não se podia ter considerado que "a instância executiva extinguiu-se".
III
Com fundamento no atrás exposto, julga-se procedente o recurso, pelo que se revoga a decisão recorrida.
Custas pelo executado.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2013
António Beça Pereira
Manuela Fialho
Edgar Gouveia Valente
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[1] Não interessa aqui discutir se para se iniciar o prazo de deserção da instância é necessário que seja proferido um despacho a julgar interrompida a instância.
[2] Neste sentido veja-se Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, pág.131 e Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 297.
[3] Pressuposto este que face, ao despacho de 10-2-2012, está por demonstrar que se verifica.A