Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1667/03-1
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CONTRATO
FACTOS
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
RESPOSTAS AOS QUESITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A excepção de contrato não cumprido (artº 428º C.Civ.) apenas actua por paralisação de todos os direitos abrangidos pelo sinalagma e a requerimento da parte não inadimplente.
II – Tendo a natureza de excepção peremptória, por invocação de factos modificativos dos que integram o direito da contraparte, os respectivos factos constitutivos devem, não apenas ser provados, como também ser alegados pela parte a quem aproveitam, por aplicação do princípio dispositivo.
III – Cada uma das partes tem o ónus da prova dos factos integrativos dos pressupostos da norma que lhe sejam favoráveis – assim, em face da aparência de uma causa provável do dano, é a parte contra quem é invocada tal aparência que há-de alegar e provar os factos integradores da atipicidade ou da anormalidade do dano.
IV – A resposta excessiva a um quesito deve ser alterada na instância de recurso, se do processo constarem todos os elementos que o permitam.
Decisão Texto Integral: Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo sumário nº ..., do 2º Juízo de Competência Cível da comarca de Viana do Castelo.
Autor – A.
Réu – B.

Pedido
Que o Réu seja condenado a pagar ao Autor a quantia de € 6499,21, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento, a contar de 1/5/00.
Pedido Reconvencional
a) que o A. seja condenado a pagar ao R. a indemnização de € 4663,76, correspondente às rendas de casa que o Réu pagou em consequência do incumprimento do prazo de entrega da moradia.
b) que o A. seja condenado a pagar ao R. a indemnização de € 1359,84, correspondente à diferença entre o custo da obra que aquele deixou por executar e o valor global da empreitada.
c) Que o A. seja condenado a reparar os defeitos da obra, designadamente as fissuras das paredes interiores e exteriores, o telhado da cobertura e a eliminar os focos de humidade ou, em alternativa, ser condenado a pagar o custo da respectiva reparação.

Tese do Autor
Contratou, como empreiteiro, a construção de uma moradia para o Réu; o preço acordado não se encontra pago.
Tese do Réu
Os atrasos no acabamento da obra em relação ao prazo previsto (1/10/99) causaram graves prejuízos ao Réu, obrigando-o a viver em casa arrendada.
Em Abril de 2000 o A. abandonou a obra, deixando por executar diversos trabalhos, que vieram a ser executados por terceiro e pagos pelo Réu.
Impugna os invocados trabalhos “extra”.
A obra apresenta vários defeitos que se tornaram visíveis depois de Novembro e Dezembro de 2001.


Sentença
Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido; por sua vez, o pedido reconvencional foi julgado parcialmente procedente, por provado, e, em consequência, o Autor foi condenado a pagar ao R. a indemnização de € 4393,76 e ainda condenado a reparar os defeitos da obra, designadamente as fissuras das paredes interiores da sala e da churrasqueira e o telhado da cobertura e a eliminar os focos de humidade.

Conclusões do Recurso de Apelação apresentado pelo Autor
1. Entre o apelante e o apelado foi celebrado um contrato de empreitada, regido pelos artigos 1207°ss. do Código Civil, em que o valor da empreitada em causa ascenderia ao montante de 33.797,42 Euros, tendo as obras que ser concluídas até 01 de Dezembro de 1999.
2. Sucede que erradamente resulta da matéria de facto provada que o Autor abandonou a obra e deixou por executar os trabalhos constantes da resposta dada ao quesito 14° da Base Instrutória, em Abril de 2000.
3. Com efeito, resulta do orçamento junto à petição inicial que o Réu estava obrigado a proceder ao pagamento da obra por fases, após a realização de cada conjunto de trabalhos.
4. Porque o R. deixou de cumprir a obrigação a que estava adstrito, não pagando os trabalhos descritos e aceites nos presentes autos como efectuados, assistia ao A. o direito de não continuar os mesmos, em conformidade com o artigo 428° n°1 do Cod. Civil (excepção de não cumprimento do contrato).
5. Deste modo, resulta que o apelante não abandonou a obra, nem tornou parcialmente impossivel o cumprimento da sua obrigação contratual, não sendo aplicável o artigo 802° do Cod. Civil.
6. Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo, que o apelante não cumpriu o prazo constante do contrato de empreitada celebrado, devendo ser obrigado a indemnizar o dono da obra pelos prejuízos causados, correspondentes esses, ao montante das rendas suportado pelo apelado, desde Dezembro de 1999 até à data em que pôde ocupar a moradia em questao.
7. Tal posição, porém, nao pode ser sufragada porquanto tendo o apelante suspendido (pelos motivos atrás referidos) a obra em Abril de 2000, ou seja, para além do prazo convencionado no contrato de empreitada celebrado, tem forçosamente que entender-se ter havido, por parte do apelado, um consentimento tácito de prorrogação do prazo estipulado para a conclusão da empreitada.
8. Assim, o valor das rendas a pagar pelo apelante ao apelado apenas poderá ser exigido a partir de Abril de 2000, data em que aquele suspendeu a sua continuação na obra, pelo que deve a decisao recorrida ser revogada quando condena o apelante a pagar ao apelado a indemnização de 4.393,76 Euros, a título de indemnização.
9. Assim, a condenação do apelante - a existir a tal título - nunca poderá ir além dos 3017 Euros (55.000$00 x 11 meses).
10. Todavia, entende o apelante que nem em tal montante deve ser condenado porque não constam dos autos quaisquer elementos que permitam imputar o atraso na entrega da obra ao apelante, nem quaisquer elementos que permitam concluir que a entrega efectiva da casa, em finais de Abril de 2001, seja resultado directo do incumprimento contratual do apelante.
11. Com efeito, após o apelante ter saído da obra em Abril de 2000, esta, segundo a douta sentença, foi entregue a um outro empreiteiro, para que executasse os trabalhos a que alude o quesito 14° da Base Instrutória.
12. Resulta da resposta dada aos quesitos 20° a 21° que o réu teve de contratar a execução dos trabalhos referidos no quesito 14° a fim de poder residir na casa e que os trabalhos no interior da moradia ficaram concluídos em finais de Abril de 2001.
13. No entanto, não se encontra provado quando o Réu contratou novo empreiteiro para proceder à conclusão da obra, nem se este tinha qualquer prazo para a concluir, se a concluiu nesse prazo, nem mesmo se, em qualquer caso, esta foi executada com toda a celeridade possível ou se também sofreu atrasos após Abril de 2000.
14. Assim, os prejuízos sofridos pelo apelado podem ser imputados não só ao próprio apelado, como ao novo empreiteiro por este contratado.
15. Até porque, de acordo com todos os elementos dos autos, incluindo documentos e a própria decisão recorrida, é inequívoco que o apelante
apenas tinha de efectuar trabalhos de construção civil não estando inserida a entrega da casa concluída com as chaves na mão.
16. Todos os trabalhos de acabamento, nomeadamente ao nível de portas e janelas interiores a exteriores, não eram da responsabilidade do apelante e nem sequer estavam iniciados quando saiu da obra.
17. Por isso, deve o pedido de pagamento de rendas formulado pelo
apelado improceder, por não ter ficado demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do apelante e a data da entrega definitiva da obra.
18. Por outro lado, ficou apurado que o montante total da empreitada ascendia a 33.797,42 Euros, sendo que se encontram descriminados no quesito 14° os trabalhos que o apelante deixou de executar.
19. Tem o apelante direito a ser pago pelos trabalhos realizados.
20. Acontece que não ficou apurado nos autos qual o montante a que ascenderam efectivamente os trabalhos executados pelo apelante, assim como não ficou demonstrado qual o valor a que ascendiam os trabalhos que aquele deixou por executar e a que alude o referido artigo 14° da Base Instrutória.
21. Assim, ao valor total da empreitada apenas deve ser deduzido o montante a que ascenderiam os trabalhos deixados por executar - descriminados no artigo 14° da Base Instrutória - e que não se apurou.
22. Pelo que nunca a presente acção deveria ter sido julgada totalmente improcedente.
23. Assim, para apurar o montante de que o apelante tem direito a ser pago pelo apelado, sempre a determinação de tais valores deveria ser relegada para execução de sentença.
24. Inexplicavelmente, na douta sentença dá-se como provado que o apelado despendeu a quantia de 5.266,80 euros na realização dos trabalhos que o apelante deixou por executar, quando o proprio alega no artigo 21° da sua contestação que despendeu a quantia de 4763,51 euros (955 000$00).
25. Não existe nenhum documento junto aos autos que demonstre que o apelado efectivamente despendeu qualquer montante (factura ou recibo de pagamento), tendo-se baseado o tribunal a quo numa mera estimativa de valores efectuada a pedido do apelado (relatório pericial), que inclusive apresenta valores totalmente diferentes do referido (tambem não provado) pelo apelado nos artigo 21° da contestação.
26. Sendo certo que o apelado na sua contestação apenas pede «que o apelante seja condenado a pagar a quantia de 1.359,84 euros, correspondente ao acréscimo do custo da obra que aquele deixou por executar e o valor global da empreitada».
27. Nunca poderia assim o apelante ser condenado, como se verifica nos presentes autos, em quantia superior àquela que foi pedida pelo apelado, nos termos do artigo 661° n°1 do Cod. de Proc. Civil.
28. Pelo que, ao condenar o apelante em valor superior ao pedido, a douta sentença recorrida não respeitou os limites de condenação, pelo que, nos termos do artigo 668° n° 1 do Cod. de Proc. Civil, tem de ser considerada nula.
29. Além do já exposto, a decisão recorrida deu como provado que o ora apelante deixou por realizar um conjunto de trabalhos referidos no quesito 14°, entre os quais se menciona a churrasqueira, o acabamento da parede da garagem e o acabamento do piso da cave.
30. Considerou tambem como provada a existência de defeitos, nomeadamente fendas nas paredes da churrasqueira, piso do salão da cave com infiltrações de humidade e focos de humidade na garagem, condenando o apelante a repará-los, entre outros.
31. Ora, a ser verdade que o apelante deixou por executar os trabalhos referidos no quesito 14°, nunca poderiam tais defeitos ser-lhe imputados mas ao outro empreiteiro a que recorreu o apelado para fazer essas obras.
32. Mais uma vez a sentença padece de graves contradições na apreciação e decisão dos factos, pelo que deve improceder o pedido da eliminação/reparação dos defeitos da obra, formulado pelo apelado.
33. Mas pior, ao arrepio de toda a lógica jurídica, o Tribunal a quo considerou que o apelante teria direito a receber do apelado o montante de 2480 Euros.
34. Todavia, entendeu condicionar tal recebimento à eliminação dos defeitos verificados na obra.
35. Acontece que, para total espanto do apelante, declarou a acção totalmente improcedente, em contradição com a fundamentação da decisão, quando deveria ter condenado o apelado a pagar a referida quantia após aquele ter procedido à eliminação dos defeitos constatados na obra.
36. Com a decisão proferida (a qual está em manifesta contradição com a fundamentação e que determina a própria nulidade da sentença), o Tribunal a quo está a retirar ao apelante um direito que lhe reconhece assistir: o de receber o montante em falta, isto porque, uma vez transitada em julgado, a decisão posta em crise fará caso julgado.
37. Pelo que, a ter fundamento a tese sustentada pelo Tribunal a quo na fundamentação da decisão, sempre a acção deve ser julgada parcialmente procedente.
38. Desta forma, a decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 428° n°l, 795° n° 1, 802 n°1 do Código Civil e 661° n°1 e 668° n° 1 al.e) do Cod. de Proc. Civil.

Factos Apurados em 1ª Instância
O autor dedica-se profissionalmente à execução de trabalhos de construção civil. (A)
Em Novembro de 1998, o autor e o réu acordaram em que o primeiro procederia à construção de uma moradia para este, no lugar de Carrascal, freguesia de Meadela, desta cidade. (B)
Ficou então estipulado que a construção da moradia se iniciaria em 15.01.99 e terminaria a 01.08.99. (C)
Ficou também acordado que todos os materiais seriam fornecidos pelo réu, pedidos atempadamente pelo autor e que o autor forneceria todas as ferramentas, incluindo a betoneira. (D)
O orçamento proposto e apresentado pelo autor ao réu, em 16.11.98, no montante de € 29 453,89 foi aceite por aquele, e ficou também acordado que a forma de pagamento dos trabalhos seria a estipulada naquele orçamento, junto a fls. 7, cujo teor se dá aqui se dá por inteiramente reproduzido. (E)
O réu pagou ao autor a quantia de € 26 050,22. (F)
Após o início da obra, o réu solicitou a realização de trabalhos extra, que implicaram que fossem introduzidas alterações ao projecto inicial. (G)
No início da execução das obras, o réu solicitou ao autor a realização dos seguintes trabalhos extra:
- aumento da área do salão principal da casa;
- colocação de azulejo na garagem;
- colocação de betonilha no sótão;
- colocação de azulejo na lavandaria;
- colocação de placa nas varandas e quartos;
- fazer guarda-fatos, guincho, postigos e fuga da chaminé do fogão de sala;
- estucar e colocar mosaico no sótão. (1º)
Aqueles trabalhos extra custavam € 4 343,53. (2º)
Devido ao número de trabalhos extra e ao facto de aqueles implicarem alterações ao projecto inicial, após o início das obras o autor e o réu acordaram em prorrogar o prazo de conclusão das obras por mais quatro meses. (3º)
Após o início da obra, o autor e o réu acordaram em eliminar as paredes para os armários previstos na sala e as fundações interiores da ampliação realizada ao nível da cave. (12º)
Tais trabalhos estavam previstos no orçamento referido em E). (13º)
Em Abril de 2000, o autor abandonou a obra, deixando por executar o muro da frente da moradia, as caixas de saneamento, a fossa e o sumidouro, a churrasqueira, os muros e as escadas das traseiras, o fogão de sala, o acabamento da parede da garagem, a moldura do estuque do fogão, o acabamento do piso da cave, a colocação do mosaico dos passeios e do rodapé das escadas e betumar as juntas do mosaico. (14º)
O réu pediu a um familiar para abrir os roços para a instalação das redes de água e de energia eléctrica. (15º)
O réu teve de contratar a execução dos trabalhos referidos no quesito 14º a fim de poder residir na casa. (20º)
Os trabalhos no interior da moradia só ficaram concluídos em finais de Abril de 2001. (21º)
Altura em que o réu passou a residir na casa. (22º)
De Novembro de 1999 a Março de 2001, inclusive, o autor despendeu 55 000$00 mensais de renda de casa. (23º)
O réu pagou a quantia de € 5.266,80 pela execução dos trabalhos referidos no quesito 14º. (24º)
A partir de Novembro e Dezembro de 2001, surgiram fendas nas paredes interiores da sala e da churrasqueira. (25º)
Surgiram fendas nas paredes exteriores da moradia. (26º)
O tecto e o piso do salão da cave apresentam infiltrações de humidade. (27º)
No salão do rés-do-chão e na garagem há focos de humidade. (28º)
As telhas do telhado da cobertura da moradia foram cravadas no roofmate, quando deviam ter sido colocadas sobre o reguado de betão. (29º, 30º)
O reguado de betão não foi executado. (31º)
A colocação do telhado pela forma referida no quesito 29º provoca a difusão de humidade pela placa de cobertura da casa. (32º)
As telhas do cume do telhado foram cravadas com argamassa de cimento. (33º)
O que também provoca a infiltração de humidade para a placa de cobertura. (34º)

O agravado contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Fundamentos
As questões colocadas pelo presente recurso podem ser resumidas como segue, de acordo com o teor das conclusões formuladas pelo apelante:
I - porque o R. deixou de cumprir a obrigação a que estava adstrito, não pagando os trabalhos descritos e aceites nos presentes autos como efectuados, assistia ao A. o direito de não continuar os mesmos, em conformidade com o artigo 428° n°1 do Cod. Civil (excepção de não cumprimento do contrato) pelo que erradamente se considerou, na resposta ao quesito 14º, que o Réu abandonou a obra e tornou parcialmente impossível o cumprimento da sua obrigação contratual?
II - o valor das rendas a pagar pelo apelante ao apelado apenas poderá ser exigido a partir de Abril de 2000, data em que o apelante suspendeu a sua continuação na obra, e não a partir de Dezembro de 1999, como se decidiu na sentença recorrida?
III - nem em tal montante deve ser condenado porque não constam dos autos quaisquer elementos relativos ao nexo de causalidade da apurada conduta do apelante com o atraso na entrega da obra ao apelado, nem quaisquer elementos que permitam concluir que a entrega efectiva da casa, em finais de Abril de 2001, seja resultado directo do incumprimento contratual do apelante e este apelante apenas tinha de efectuar trabalhos de construção civil, não estando inserida a entrega da casa concluída com as chaves na mão?
IV - tem o apelante direito a ser pago pelos trabalhos realizados e ao valor total da empreitada apenas deve ser deduzido o montante a que ascenderiam os trabalhos deixados por executar, montante que não se apurou?
V - a resposta ao quesito 24º deve ser alterada? Trata-se de uma resposta excessiva, em função do alegado nos articulados e do que foi levado à Base Instrutória? A sentença não respeitou os limites a que alude o disposto no artº 661º nº1 C.P.Civ.?
VI - parte dos defeitos achados na obra deverão ser imputados ao terceiro que concluiu a obra?
VII - o apelante faz jus a receber a quantia de € 2 480, que se encontra demonstrado que o apelado lhe deve, sem que haja de se condicionar tal recebimento à eliminação dos defeitos da obra?

Vejamos então.
No essencial, a matéria de facto apurada na acção poderá ser resumida desta forma: encontramo-nos consensualmente perante contrato de empreitada (artº 1207º C.Civ. - A. empreiteiro e Réu dono da obra), em que diversos trabalhos não chegaram a ser efectuados pelo Autor (resposta ao quesito 14º) e outros trabalhos foram executados defeituosamente (respostas aos quesitos 25º a 34º).

O regime do cumprimento defeituoso da obrigação alcança-se conjugando as disposições gerais sobre cumprimento e incumprimento das obrigações (artº 799º nº1 C.Civ.), com as regras que, em especial para determinados negócios jurídicos, regulam o seu cumprimento defeituoso, nomeadamente os artºs 1718ºss., na empreitada.
Ocorrendo uma situação de defeitos em obra, o dono da mesma tem diversos direitos ao seu alcance, por esta ordem (apenas por esta ordem: S.T.J. 2/12/93 Col.III-157; S.T.J. 11/5/93 Col. II-97; S.T.J. 8/6/93 Col.II-144; Ac.R.C. 6/1/94 Col.I-10; Ac.R.P. 25/5/92 Col.III-291; Ac.R.P. 29/1/91 Bol. 403/480; Ac.R.P. 16/9/93 Col.IV-203; Ac.R.E. 19/1/95 Col.I-274):
- se os defeitos puderem ser suprimidos e não houver desproporção em relação ao proveito, o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação ou, no caso de não poderem ser eliminados, nova construção;
- se tal direito não puder ser efectivado, pode o dono exigir alternativamente a redução do preço ou a resolução do contrato (artºs 1221º e 1222º C.Civ.);
- em qualquer caso, tem o dono o direito a ser indemnizado (artºs 1223º, 798º e 799º nº1 C.Civ.), destinando-se a indemnização a compensar os danos que tenham um nexo de causalidade com os vícios ou defeitos da obra (cf. Ac.R.P. 22/4/99, a fls. 170ss. dos presentes autos e demais jurisprudência aí citada - cf., nomeadamente, fls. 174 1º§).

Existe incumprimento parcial se o devedor realiza apenas parte da prestação. Não se confunde com execução defeituosa, em que o devedor realiza a totalidade ou parte da prestação, mas mal, sem ser nas condições devidas (F. Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, policopiadas, 75/76, pg. 469).
Inexiste norma específica a regular a hipótese para o contrato de empreitada.
Desta forma, regem, em consequência do incumprimento parcial, os artºs 801º, 802º e 808º C.Civ.
No circunstancialismo de incumprimento parcial culposo e definitivo, cabem ao dono da obra as seguintes faculdades (com auxílio do disposto no artº 799º nº1 C.Civ.):
- resolver o negócio ou
- exigir o cumprimento do que fosse possível, reduzindo a sua contraprestação (artº 802º nº1 C.Civ.), em qualquer dos casos mantendo direito à indemnização (tais direitos são atribuídos "independentemente do direito à indemnização", na formulação do artº 801º nº2 C.Civ.).
Quanto à natureza da indemnização a que o Autor tem direito, o credor, mantendo a contraprestação que efectuou, pode exigir a indemnização do prejuízo que lhe causou a falta de cumprimento do dever (cf. Abílio Neto, 12ª ed., anotação 1 ao artº 801º).
Este prejuízo compreende tanto o dano emergente como o lucro cessante (artº 564º C.Civ.) – todo o interesse contratual positivo, na hipótese de a obrigação provir de contrato – e é determinado em função dos danos concretamente sofridos pelo credor (ut, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2º vol., 4ª ed., pg. 89).

Olhemos agora ponto por ponto às conclusões do recurso pela forma como supra foram sumariadas:
I – A excepção de contrato não cumprido (artº 428º C.Civ.) trata-se de uma excepção, empregada no sentido processual, de forma de defesa, e classificável como dilatória de direito material ou peremptória, consoante a lei processual (artº 487º nº2 CPCiv.).
Tal corresponde a uma das consagrações práticas do princípio da boa fé (artº 762º nº2 CCiv.) que perpassa pelo ordenamento jurídico e coincide com um elementar ou vulgar sentimento de justiça: quando as obrigações de uma das partes se encontram subordinadas às obrigações da outra, como acontece por definição em todo o sinalagma, a violação total ou parcial dos compromissos de uma justifica (torna justa) a violação pela outra das suas próprias obrigações: reciprocidade dos males, em economia simétrica àquilo a que deveria conduzir a operação contratada, a uma reciprocidade de bens (Sériaux, Obligations, PUF, 2ªed., §56).
Ora, não pode o apelante invocar a “exceptio”, a fim de justificar o facto de não haver terminado a obra, no presente momento processual, por duas ordens de razões:
- em primeiro lugar, porque a excepção só pode ser concebida como uma forma de defesa, tendo por consequência a paralisação, ainda que momentânea, dos direitos em causa no processo, invocados por qualquer dos contratantes; acontece que se o apelante e Autor na acção pretende actuar o respectivo direito a receber o montante do preço em falta pelos trabalhos realizados, não pode pretender invocar o respectivo direito a não continuar com tais trabalhos, com base na falta de pagamento do preço – ubi commoda ibi incommoda;
- em segundo lugar, porque o apelante não invocou expressamente tal excepção nos articulados, tornando-se esta uma questão nova no processo, encontrando-se vedado a esta Relação o conhecimento da mesma, dado os recursos não se destinarem à apreciação de questões novas.
II – Quanto ao valor das rendas e momento a partir do qual ele é devido.
O que vem provado é que as partes acordaram em que a obra fosse prorrogada por quatro meses, logo até 1/12/99 (al.C) e resposta ao q. 3º); mais vem provado que em Abril de 2000 o Autor abandonou a obra (q. 14º).
Ora, trata-se de um direito concedido ao Réu, por força da natureza indemnizatória do valor total das rendas pagas no período em que o mesmo Réu teve que recorrer a casa arrendada; a culpa do Autor/apelante presume-se (artº799º nº1 C.Civ.) e a indemnização tem natureza de indemnização pelo dano positivo – artº 802º nº1 CCiv.
Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz – artº 350º nº1 CCiv.
Em função de tal raciocínio, nada obsta a que o cômputo da indemnização fossem contabilizados, mas apenas a partir de Dezembro de 1999, tal como, de resto, se decidiu na sentença recorrida.

III – Quanto à causalidade entre a conduta do apelante, de abandono da obra, e os prejuízos invocados pelo apelante, designadamente a entrega da obra por terceiro apenas em Abril de 2001.
Como visto, face ao abandono da obra, o Réu/dono da obra tem direito à indemnização pelo dano positivo.
Esta indemnização cifrar-se-ia naturalmente na diferença entre aquilo que o Réu gastou na conclusão da obra contratada com um terceiro e o montante correspondente àquilo que o Réu não pagou ao Autor. Acontece todavia, como bem se refere na sentença recorrida, que essa diferença é favorável ao Autor, em € 2 480,40.
Assim, o Autor fará jus a esta quantia, a título de preço da empreitada (artº1207º C.Civ.).
Revertendo para a suscitada questão da causalidade: esta é definida por lei, por forma negativa, no que os autores reconhecem porém a adesão do legislador à formulação da causalidade adequada (artº 563º C.Civ.).
Causalidade adequada, resumindo, verá no evento danoso a causa provável do dano (Ac.S.T.J. 15/1/02 Col.I/36) – um dano atípico ou anormal não é abrangido pela indemnização, considerando uma causalidade adequada.
O Réu recorreu aos serviços de terceiros e estes concluíram a obra que incumbiria ao Autor, num determinado prazo.
O Apelante/Autor coloca a questão de saber se aquilo que classifica como atraso na entrega da obra ao Apelante se encontra provado, em termos de causalidade adequada.
O que se dirá é que não se encontra provado que o não seja; isto é, incumbia ao Autor a prova de factos que afastassem a causalidade aparente que os autos demonstram, de acordo com a regra legal do artº 342º nº2 C.Civ.
Esses factos, se alegados e provados, seriam impeditivos do efeito jurídico pretendido pelos Réus e, por isso, constitutivos do direito do Autor – ut Varela Bol.310/283.
Ou, como na feliz formulação do Ac.R.P. 9/4/92 Bol.416/705, cada uma das partes tem o ónus da prova dos factos integrativos dos pressupostos da norma que lhe sejam favoráveis.
A dúvida invocada pelo apelante não lhe aproveita, portanto: aproveita ao apelado.

IV, V e VII– Saber se o Apelante tem direito a ser pago pelo valor do trabalho que executou, deduzindo-se ao valor total da empreitada o valor dos trabalhos não realizados.
Tem esse direito, pois, como se viu supra, considerando que o Réu despendeu, para finalizar a obra, a quantia de € 5 266,80, então o preço da obra realizada pelo Autor corresponderá à diferença entre o preço total e o valor despendido pelo Réu com o terceiro - € 28 530,62, conforme se alude na sentença recorrida.
Tendo o Réu já pago ao Autor a quantia de € 26 050,22, faltar-lhe-à pagar o remanescente - € 2 480,40.
A sentença recorrida, todavia, entendeu não ser devida esta quantia pois que a obra foi realizada pelo Autor com defeitos, pelo que ao Réu cabia reter o preço em falta, invocando a exceptio non adimpleti contractus.
Como visto supra, a exceptio constitui uma excepção peremptória (em sentido processual) – encontra-se pois dependente da alegação daquele a quem beneficia.
O ónus de alegação, conforme resulta das disposições combinadas dos artºs 264º, 467º nº1 al.b), 488º, 501º nº1 e 664º C.P.Civ., resulta em fazer incumbir às partes a exposição dos factos essenciais e dos factos complementares que integram o fundamento da excepção ou que a complementam (ut Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pgs. 70ss., ou Alberto B. Coelho, O Ónus de Alegação e de Prova, Col.S.T.J.-99-I-13ss.).
O ónus de alegação, como emanação do princípio dispositivo, radica nas partes a fixação do thema decidendum (Alberto B. Coelho, op. cit., pg.14).
Ora, de nenhum passo da alegação do Réu, na respectiva Contestação, se nota a intenção de fazer paralizar os efeitos do contrato não cumprido, como é próprio da exceptio.
Pelo contrário: o Réu pretende até actuar os efeitos do contrato, peticionando a condenação do Autor na reparação dos defeitos.
O Réu pretende tão só compensar a quantia que gastou com a finalização das obras com terceiro com aquilo que ainda devia ao Autor – cf. artºs 43º e 44º da Contestação.
Nestes termos, a apelação procede quanto ao ponto IV: o Autor faz jus à diferença de preços, como supra visto.
Mas a resposta ao quesito 24º não pode ser mantida.
Trata-se de uma resposta excessiva, a dois níveis de análise:
- por um lado, excede o valor que o quesito propõe como preço dos trabalhos pagos a terceiro e compreendidos no contrato celebrado com o Autor;
- por outro lado, excede de todo o valor que se encontra alegado pelas partes, e designadamente pelo Réu, no próprio processo, que atinge Esc.955.000$00, isto é € 4 763,51.
A resposta, considerando até que se fundamenta expressamente no teor do relatório pericial de fls. 67, cuja credibilidade não se mostra por qualquer forma afectada por outro meio de prova, deve assim ser reduzida ao montante que consta dos autos - € 4 763,51.
O valor das obras executadas, ficando reduzido a € 29 033,71, verá a diferença respectiva para o montante pago pelo Réu cifrar-se em € 2 983,69, efectivo montante que o Autor logrou demonstrar encontrar-se o Réu ainda em dívida para consigo.

VI – Confrontando as respostas aos quesitos, verifica-se que, de facto, o Autor deixou por executar:
- a churrasqueira;
- o acabamento da parede da garagem; e
- o acabamento do piso da cave (q. 14º).
Ora, da condenação proferida, extrai-se que o Autor deverá eliminar os focos de humidade existentes, abrangendo, naturalmente (uma vez que não excluídos expressamente, a garagem e o salão da cave), bem como eliminar fissuras nas paredes da churrasqueira.
E na dúvida sobre se na origem de tais defeitos se encontra o trabalho do Autor ou o trabalho do terceiro contratado, tal dúvida deverá resolver-se contra a parte a quem aproveitaria a prova do facto – o Réu.
A condenação referida deverá ser restringida à reparação dos defeitos da obra, designadamente as fissuras nas paredes interiores da sala, o telhado de cobertura e a eliminar focos de humidade, com excepção dos focos de humidade que afectam a garagem e o salão da cave.

A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – A excepção de contrato não cumprido (artº 428º C.Civ.) apenas actua por paralisação de todos os direitos abrangidos pelo sinalagma e a requerimento da parte não inadimplente.
II – Tendo a natureza de excepção peremptória, por invocação de factos modificativos dos que integram o direito da contraparte, os respectivos factos constitutivos devem, não apenas ser provados, como também ser alegados pela parte a quem aproveitam, por aplicação do princípio dispositivo.
III – Cada uma das partes tem o ónus da prova dos factos integrativos dos pressupostos da norma que lhe sejam favoráveis – assim, em face da aparência de uma causa provável do dano, é a parte contra quem é invocada tal aparência que há-de alegar e provar os factos integradores da atipicidade ou da anormalidade do dano.
IV – A resposta excessiva a um quesito deve ser alterada na instância de recurso, se do processo constarem todos os elementos que o permitam.

Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 2 983,69, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar da citação.
Condenar o Autor a reparar os defeitos da obra, designadamente as fissuras nas paredes interiores da sala, o telhado de cobertura e a eliminar focos de humidade, com excepção dos focos de humidade que afectam a garagem e o salão da cave.
No mais, confirmar o teor da sentença recorrida.
Custas do recurso por apelante e apelado, na proporção de 4/7 para o apelante e 3/7 para o apelado.